Freire Gomes diz à PF que Bolsonaro participou de negociações que poderiam levar a um golpe de estado
O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou nesta sexta-feira (15) o sigilo dos depoimentos de militares e políticos à Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado.
A investigação, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, ouviu, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros de seu governo e ex-comandantes militares.
Os depoimentos agora revelados colocam Bolsonaro no centro da trama golpista. O presidente não só sabia das minutas para impedir a posse de Lula como as discutiu com os chefes das Forças Armadas.
A PF afirma que Bolsonaro e seus aliados próximos planejaram um golpe de Estado para mantê-lo no poder e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou as eleições em outubro de 2022.
Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército — Foto: GloboNews/Reprodução
Os relatos afetam também a estratégia de defesa do ex-presidente. Bolsonaro, inicialmente, dizia que não tinha conhecimento das minutas. Depois, passou a dizer que a decretação de estado de defesa no TSE para sustar a eleição (como previa o documento), é permitida pela Constituição. No entanto, os relatos dos militares mostram que não havia motivo legal para esse estado de defesa, e que a única intenção era mesmo o golpe de Estado.
Ao declarar estado de defesa no TSE, Bolsonaro buscava intervenção no tribunal e revisão do resultado eleitoral, que já havia sido considerado legítimo por autoridades nacionais e internacionais.
- "Não tive conhecimento [da minuta de golpe]. Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém", disse Bolsonaro em junho de 2023.
- "Nunca chegou a mim nenhum documento de minuta de golpe, nem nunca assinei nada relacionado a isso. Até porque ninguém dá 'golpe' com papel", declarou Bolsonaro em fevereiro de 2024.
Veja abaixo o que disseram militares nos depoimentos dados à PF sobre a participação de Bolsonaro na trama golpista:
General Freire Gomes
Ex-comandante do Exército diz à PF que Bolsonaro apresentou minuta de decreto golpista
O general Freire Gomes era comandante do Exército no segundo semestre de 2022, quando Bolsonaro perdeu as eleições para Lula e quando a trama golpista ganhou força no núcleo do governo. O general falou na condição de testemunha, e não de investigado.
De acordo com as investigações da PF, Freire Gomes participou de uma reunião com o ex-presidente e demais comandantes militares na qual Bolsonaro tratou sobre uma minuta de decreto golpista. A minuta previa instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e "apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral" de 2022.
Em seu depoimento, Freire Gomes confirmou a reunião e a minuta.
"Na referida reunião, possivelmente Filipe Martins [então assessor de Bolsonaro] leu o referido conteúdo aos presentes e depois se retirou do local, ficando apenas os militares, o então ministro da Justiça [Anderson Torres] e o então Presidente da República, Jair Bolsonaro", relatou Freire Gomes.
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O ex-comandante afirmou à PF que Bolsonaro descreveu o documento como "em estudo" e disse que depois "reportaria a evolução aos comandantes".
Freire Gomes afirmou no depoimento que uma nova reunião foi realizada uma semana depois, também no Palácio da Alvorada. E uma nova versão do texto foi apresentada – esta, semelhante à do documento encontrado na casa de Torres, também alvo da operação.
Aos investigadores, o ex-comandante disse que "em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda, o então presidente Jair Bolsonaro apresentou uma versão do documento com a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral para 'apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral'."
Nesta reunião, segundo o ex-comandante, estavam presentes ele, o ex-presidente Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha, almirante Garnier, o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Junior e o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
À PF, Baptista Jr. afirmou que, se não fosse a recusa de Freire Gomes, o golpe provavelmente teria ocorrido.
"Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante respondeu que sim; que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de Golpe de Estado teria se consumado", afirma o registro do depoimento
As investigações também mostraram que aliados próximos de Bolsonaro, em trocas de mensagens, xingavam Freire Gomes por ele não estar aderindo ao movimento golpista. O também general e ex-vice na chapa eleitoral de Bolsonaro, Braga Netto, em conversa com outro militar, chama Freire Gomes de "cagão".
Brigadeiro Baptista Jr.
Ex-comandante da Aeronáutica diz que general ameaçou prender Bolsonaro por plano golpista
O brigadeiro Baptista Jr. comandava a Aeronáutica no período. Em seu depoimento, ele diz que Freire Gomes afirmou a Bolsonaro, em reunião com os comandantes das Forças Armadas, que teria que prender o ex-presidente se ele tentasse consumar o plano golpista. O almirante também falou na condição de testemunha.
O documento da PF que registra a fala de Baptista Jr. diz o seguinte:
"Em uma das reuniões dos comandantes das Forças com o então presidente após o segundo turno das eleições, depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de institutos previstos na Constituição (GLO [Garantia da Lei e da Ordem], ou estado de defesa, ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República", relatou o brigadeiro.
Ex-comandante da Força Aérea Brasileira, tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Junior — Foto: CECOMSAER/Divulgação
A partir de novembro de 2022, o ex-comandante da Aeronáutica afirma que participou de diversas reuniões com o então presidente e integrantes da cúpula das Forças Armadas. E, de acordo com o depoimento, nesses encontros, Bolsonaro apresentou documentos com teor golpista aos militares.
Segundo Baptista Jr., nas reuniões, o ex-presidente "apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei e da Ordem – GLO e outros institutos jurídicos mais complexos, como a decretação do Estado de Defesa, para solucionar uma possível 'crise institucional'".
Almirante Almir Garnier
Por outro lado, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ficou calado em seu depoimento à PF.
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, citou o almirante em sua delação premiada.
Segundo Cid, Garnier seria simpático a um golpe de Estado e teria dito a Bolsonaro “que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente”.
Baptista Jr., da Aeronáutica, afirmou que Garnier colocou tropas à disposição de Bolsonaro.