Por Sara Resende e Vinícius Cassela, TV Globo e g1 — Brasília


O Senado excluiu nesta terça-feira (16) trechos de uma medida provisória que enfraqueciam regras de proteção da Mata Atlântica. Segundo especialistas, os dispositivos, na prática, facilitariam o desmatamento do bioma. O texto volta para análise da Câmara.

Editada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e ainda em vigor, a primeira versão da MP prevê a prorrogação do prazo de adesão dos imóveis rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

O texto, porém, chegou ao Senado com modificações feitas pela Câmara dos Deputados em março. Foram incluídas alterações na Lei da Mata Atlântica, classificadas como "jabutis" — trechos que não têm relação com o tema principal da proposta.

Entre os pontos modificados estão o fim da exigência de compensação em caso de desmatamento de vegetação fora das áreas de preservação permanente e a flexibilização do desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração.

Com a exclusão dos trechos, o Senado mantém as atuais regras de proteção previstas na legislação do bioma (veja mais abaixo).

Câmara aprova MP do governo Bolsonaro que enfraquece a proteção da Mata Atlântica

Câmara aprova MP do governo Bolsonaro que enfraquece a proteção da Mata Atlântica

Rejeição das mudanças

Os senadores rejeitaram as mudanças feitas pelos deputados e aprovaram uma impugnação dos trechos. Isso impede a retomada dos trechos sobre Mata Atlântica durante a nova votação na Câmara.

Artigos de um projeto são impugnados quando declarados inconstitucionais ou se não possuírem relação com o tema da proposta.

Pelo regimento do Congresso, uma vez impugnado, o trecho não poderá ser restituído pelos parlamentares. No entanto, há precedentes em que os deputados discordaram dos senadores e retomaram artigos que foram retirados em votações.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), alertou aos colegas da possibilidade de judicialização do caso diante do imbróglio. Ele afirmou que não gostaria de criar um "ambiente de desconfiança entre as duas Casas".

O relator da proposta, Efraim Filho (União-PB ), já havia excluído o trecho no parecer, mas sem usar a estratégia de impugnação.

Autora de um dos pedidos de remoção do trecho que afrouxava as regras de combate ao desmatamento na Mata Atlântica, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) insistiu pela derrubada do artigo. De acordo com ela, os deputados poderiam "ressuscitar" as medidas.

O líder do PSD, Otto Alencar (BA), e o senador Omar Aziz (PSD-AM) também protestaram. Os dois argumentaram que obras como de gasodutos poderiam ser feitas em áreas da floresta hoje intocadas.

"Uma vergonha o Senado se curvar a esse tipo de coisa. É lógico que [os deputados] vão modificar, vão trabalhar para voltar o jabuti de novo. Não dá pra confiar. Quem fez isso aqui não fez de boa-fé. Isso é pra defender interesse pessoal de empresário", disse Aziz.

Após pressão dos senadores, Pacheco e o relator concordaram em votar a impugnação, que foi aprovada e, com isso, os trechos sobre Mata Atlântica saíram da MP.

Dados da Fundação SOS Mata Atlântica mostram que entre agosto e outubro do ano passado, foi registrado o desmatamento de mais de 6.850 hectares- o equivalente a devastar, nesse período, 75 campos de futebol todos os dias.

Segundo a fundação, somente 12,4% do bioma possui vegetação original.

O que a legislação atual prevê?

Ao retirar da discussão da MP toda a parte sobre Mata Atlântica, o Senado preservou as atuais medidas de proteção ao bioma:

▶️ Permissão para desmatamento da vegetação, inclusive a original: somente quando não existir "alternativa técnica e locacional" para a construção de um empreendimento

▶️ Necessidade de parecer técnico: realizado órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação que esteja no meio do processo de regeneração em área urbana

▶️ Medidas compensatórias:

  • para supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares — como linhas de transmissão, sistema de abastecimento público de água e, na avaliação de especialistas, até condomínios e resorts (para resorts, há necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres)
  • para corte da vegetação original ou secundária que esteja em estágio médio ou avançado de regeneração, uma compensação deverá ser feita — de acordo com a lei, uma área com a mesma extensão do terreno desmatado precisa ser reservada à região do município ou à região metropolitana onde foi realizada a devastação

Outros pontos

A MP posterga o prazo para que imóveis rurais que não estejam regularizados tenham direito a um programa de benefícios, que oferece, entre outras coisas, a suspensão de multas por desmatamento.

O Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal, é uma espécie de compromisso firmado por donos de propriedades rurais para compensarem áreas desmatadas antes de 2008.

A prorrogação desse benefício também é criticada por organizações ambientais. Segundo o Observatório do Código Florestal, essa é a quinta vez que é adiado o prazo para adesão ao PRA.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro obrigatório para os imóveis rurais, que também está previsto no Código Florestal. Contém informações sobre as propriedades para controle e monitoramento e é um mecanismo de combate ao desmatamento.

O texto aprovado pelos senadores estabelece que a inscrição no cadastro para aderir ao PRA deve deve ser solicitada pelo proprietário do imóvel no prazo de um ano, contato a partir da "notificação" feita pelo órgão competente, e não da "convocação, como aprovado pela Câmara.

O relatório de Efraim também permite que produtores que estejam no processo de regularização ambiental tenham acesso ao crédito rural.

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