O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quarta-feira (23) para definir como inconstitucionais as mudanças feitas pelo governo Jair Bolsonaro no Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
O STF julga, em plenário virtual, uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) que questiona as seguintes alterações definidas pelo governo em 2019:
- remanejamento de cargos do MNPCT para uma secretaria do Ministério da Economia;
- exoneração de peritos ligados ao mecanismo de prevenção à tortura;
- retirada da remuneração prevista para o trabalho, transformando a atuação no órgão em "prestação de serviço público relevante, não remunerada".
Relator da ação, o ministro Dias Toffoli votou por definir a inconstitucionalidade do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo então secretário-executivo do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, Sérgio Luiz Cury Carazza.
O voto foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. O placar, até a noite desta quarta, era de 7 votos a 0 pela inconstitucionalidade do decreto.
O julgamento em plenário virtual termina às 23h59 da próxima sexta-feira (25), mas pode ser suspenso se algum ministro pedir prazo extra ou quiser levar a análise ao plenário físico do STF – neste caso, o placar é zerado e os votos precisam ser reapresentados.
O Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura foi criado por lei em 2013, cumprindo obrigação imposta pela Organização das Nações Unidas (ONU). O protocolo prevê visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais aos locais onde há privação de liberdade.
A lei determina ainda que o grupo é formado por 11 peritos com "notório conhecimento" e formação de nível superior. Eles são nomeados pelo presidente da República e têm mandato de três anos, podendo ser reconduzidos ao cargo uma vez.
A ação da PGR
A ação foi apresentada pela PGR em julho de 2019, quando o órgão ainda era comandado pela procuradora-geral Raquel Dodge. Segundo o documento, o decreto de Bolsonaro causava prejuízo:
- à dignidade humana como princípio fundamental;
- ao princípio de vedação à tortura, e
- aos princípios da legalidade e da separação de poderes, todos previstos na Constituição Federal.
"Isso porque a manutenção dos cargos em comissão ocupados pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é essencial ao funcionamento profissional, estável e imparcial do referido órgão que, por sua vez, é indispensável ao combate à tortura e demais tratamentos degradantes ou desumanos em ambientes de detenção e custódia coletiva de pessoas", escreveu Dodge.
A então chefe da PGR também avaliou que o decreto "inibe a atuação profissional e contínua do MNPCT já que cria um regime de trabalho gratuito e voluntário para os peritos, que não mais poderão se dedicar ao exercício deste mandato legal, para fazer cumprir a Constituição em relação a mais de mil unidades de internação prisionais e centenas de outras unidades de internação espalhados no imenso território brasileiro".
Em janeiro de 2021, a PGR voltou a se manifestar nesse processo, já sob a gestão do procurador-geral Augusto Aras. Desta vez, o órgão mudou de posicionamento – e passou a recomendar a rejeição da ação de inconstitucionalidade.
Ao pedir a rejeição de uma ação da própria PGR, Aras argumentou que parte do decreto questionado por Dodge já tinha sido alterada – o que tornaria o processo inválido; que haveria outros meios jurídicos para questionar a suposta ofensa a direitos fundamentais, e que a PGR não havia detalhado, artigo a artigo, as inconstitucionalidades apontadas no decreto do governo Bolsonaro.
Mesmo com o pedido de rejeição assinado por Aras, a ação foi levada adiante e submetida a julgamento em plenário virtual no STF. A decisão, neste caso, coube ao relator Dias Toffoli.
O voto do relator
Relator do caso, Toffoli afirmou que a Constituição proíbe a tortura e que “o regime político inaugurado em 1988 trouxe consigo o repúdio expresso à tortura e a tratamentos desumanos, cruéis e degradantes, ao imprimir, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana”.
"O esvaziamento de políticas públicas previstas em lei, mediante atos infralegais, importa em abuso do poder regulamentar e, por conseguinte, contraria a separação dos poderes. Na espécie, a violação se mostra especialmente grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura", diz o voto.
Toffoli disse que o decreto, “ao transformar o trabalho dos membros do MNPTC em serviço não remunerado, exonerando-os dos cargos em comissão que ocupavam, altera de forma substancial a forma de execução das atividades voltadas à prevenção e ao combate à tortura exercidas pelo órgão , as quais parecem carecer de dedicação, tempo e apoio logístico e que dificilmente serão realizadas em concomitância a outras atividades remuneradas”.
Suspensão
Em 2019, a Justiça Federal do Rio suspendeu parte de decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que exonerou 11 integrantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MTPCT). Os peritos visitavam presídios para prevenir a tortura e o tratamento cruel.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) foram à Justiça contra o decreto. Relembre nos vídeos abaixo:
Justiça revoga decisão de Bolsonaro que exonerou integrantes de grupo de combate à tortura
‘Bolsonaro dá de ombros para acordo internacional contra tortura’, diz Cristiana Lôbo