Por Lucas Salomão, G1 — Brasília


Centro de uma polêmica no debate sobre o desmatamento e as queimadas na Amazônia, a demarcação de terras indígenas é direito previsto na Constituição Federal, que impõe ao governo federal a responsabilidade de dar andamento ao processo.

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro tem atacado os processos de demarcação, dizendo que se depender dele, não haverá mais nenhuma demarcação de terra indígena no país.

Bolsonaro defende exploração de terras indígenas em reunião sobre queimadas

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Leia abaixo perguntas e respostas que o G1 elaborou com base na legislação vigente para explicar como funcionam as demarcações de terras no país.

O que são terras indígenas?

As terras indígenas são aquelas tradicionalmente ocupadas por um ou mais povos indígenas, sobre as quais a Constituição determina a demarcação, proteção e preservação.

A Constituição estabelece aos índios o chamado "direito originário" sobre essas terras. Isso quer dizer que o texto constitucional considera os índios como os primeiros e naturais donos desse território. Portanto, a existência das chamadas terras indígenas decorre da ocupação tradicional.

"São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições", diz a Constituição.

Para que uma terra seja declarada território indígena, os estudos técnicos têm de comprovar que as terras são historicamente ocupadas por índios. São levadas em consideração características étnicas, históricas, ambientais, cartográficas e fundiárias do território.

A lei determina ainda que as demarcações devem ser feitas "por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio". Ou seja, cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai) dar início, por iniciativa própria, ao processo.

Quais são as etapas da demarcação?

O processo de demarcação de terras indígenas está regulamentado por um decreto presidencial de 1996. De acordo com o decreto, a demarcação é feita respeitando o seguinte protocolo:

  1. Inicialmente, são feitos estudos de identificação e delimitação do território, feitos pela Funai;
  2. Depois, os estudos são enviados para aprovação do presidente da Funai, que tem 15 dias para publicar o material no "Diário Oficial da União";
  3. A contar do início dos estudos até 90 dias após a publicação do relatório no "D.O.", todas as partes envolvidas no processo, incluindo estados e municípios, se manifestam sobre a demarcação. A Funai tem, então, 60 dias para elaborar pareceres e encaminhar o processo ao Ministro da Justiça;
  4. O ministro da Justiça tem 30 dias declarar os limites da área e determinar a demarcação física. Também pode determinar diligências no local ou rejeitar a identificação da área, tendo que justificar a decisão com base no artigo da Constituição que determina a demarcação;
  5. Após os limites da área serem definidos, a Funai promove a demarcação física do território. Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cabe o reassentamento de eventuais ocupantes não-índios das terras. A Funai também procede ao ressarcimento de não-índios por eventuais benfeitorias consideradas de boa-fé realizadas por essa população;
  6. O penúltimo passo para o procedimento de demarcação é a homologação do território por meio de decreto do presidente da República;
  7. Por fim, a terra demarcada e homologada deve ser registrada em até 30 dias no cartório de imóveis da comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

Quantas são as terras indígenas no Brasil?

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), organização que lida com temas ligados a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, atualmente no Brasil existem 722 terras indígenas, em diferentes fases do processo de demarcação:

  • 486 homologadas pela Presidência da República;
  • 74 declaradas pelo Ministério da Justiça;
  • 43 identificadas e aprovadas pela presidência da Funai;
  • 119 em processo de identificação pela Funai.

A maior parte das terras indígenas estão nas regiões Norte e Centro-Oeste.

O governo é obrigado a demarcar?

De acordo com a lei, a União é obrigada a promover o reconhecimento das terras indígenas. Por se tratar de um direito originário, o procedimento de demarcação de terras indígenas por meio do governo é meramente administrativo e declaratório, uma vez que a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes estão garantidos aos índios pela Constituição.

"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens", diz o texto da Constituição.

As terras podem ter uso comercial?

A Constituição determina que as terras indígenas "são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis". Apesar de administrativamente as terras serem consideradas de propriedade da União, elas não podem ser objeto de utilização de qualquer espécie por outros que não os próprios índios.

"As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes", diz a Constituição.

O texto constitucional, porém, permite o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas por não-índios. Essa permissão, porém, tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional, "ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra".

A lei permite ainda aos índios a produção de excedentes para comercialização. Nesse caso, a população indígena deve respeitar a legislação de proteção ambiental, diferentemente dos casos em que a produção é para consumo próprio.

Ou seja, a caça, por exemplo, é permitida se for para consumo interno dos índios. Se houver intenção de vender a carne de caça, os índios devem ter criadouros inscritos e autorizados. Da mesma forma, os povos indígenas podem utilizar madeiras para a construção de aldeias e canoas, mesmo em áreas consideradas de proteção permanente. Caso desejem vender madeira ou minerais, devem extraí-los de acordo com a lei ambiental vigente.

É possível reverter uma demarcação?

A Constituição não deixa expressa a proibição da reversão de demarcações de terras indígenas. Apesar disso, alguns juristas defendem que há pelo menos dois impedimentos legais para tal reversão, defendida por Jair Bolsonaro.

O primeiro ponto previsto na Constituição é o artigo 5º, inciso XXXVI, que diz que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Dessa forma, entendem que as demarcações já homologadas e registradas não podem ser desfeitas, sob pena de o governo ferir a Constituição.

Além disso, há o entendimento de que o artigo que trata especificamente das terras indígenas deixa claro que os povos têm o chamado direito originário sobre o território. Ou seja, como ao Estado cabe apenas declarar a demarcação, e não declarar a posse da terra, o governo não poderia desfazer algo que, pela Constituição, não foi feito por ele, e sim pelos próprios povos indígenas.

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