Relatório da Polícia Federal aponta um suposto "conluio" entre o ex-chefe de gabinete do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Gilberto Carvalho e lobistas suspeitos de pagar propinas para obter benefícios fiscais.
A investigação da PF conseguiu documentos que indicam relação entre Carvalho e a Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Corporativa, investigada na Operação Zelotes. Ao G1, o ministro negou ter obtido qualquer benefício no cargo (leia mais abaixo).
As investigações da operação levantaram suspeitas sobre a edição de três medidas provisórias lançadas pelo governo, entre 2009 e 2013, que concederam incentivos fiscais para o setor automotivo.
Uma nova etapa da Zelotes deflagrada nesta segunda investiga um consórcio de empresas que, além de manipular julgamentos dentro do Carf (órgão do Ministério da Fazenda que julga recursos contra cobranças tributárias), teria atuado junto ao governo para "compra" de medidas provisórias pagando vantagens indevidas a autoridades públicas.
"Constatamos que as relações mantidas entre a empresa do lobista Mauro Marcondes e o Gilberto Carvalho, são deveras estreitas", diz o relatório. Os documentos obtidos nas investigações, diz a PF, "fortalecem a hipótese da 'compra' da medida provisória para beneficiamento do setor automotivo utilizando-se do ministro que ocupava a 'antessala' do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável direto pela edição de medidas provisórias".
Num dos papéis apreendidos, a PF diz que "fica evidenciada" a participação de Carvalho em projetos da firma "em especial na prorrogação dos incentivos para o setor do ano de 2015 a 2020".
"Não há referência expressa de participação na prorrogação de 2010 a 2015, mas acreditamos que as relações profissionais entre essas pessoas tenham se iniciado ainda antes de daquele período do segundo semestre de 2009", diz o relatório.
'Café: Gilberto Carvalho'
A PF apreendeu anotações que apontam o nome de Gilberto Carvalho na casa do lobista Alexandre Paes dos Santos. Um dos trechos fala numa reunião ocorrida em 16 de novembro de 2009.
Num dos trechos, está escrito "Café: Gilberto Carvalho", seguido de siglas de impostos (PIS/Cofins), nomes de Nelson Machado (ex-secretário-executivo do Planejamento), Carlos Alberto (que a PF acredita ser Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono da Caoa, revendedora e distribuidora de veículos), Paulo Ferraz (representante da Mitsubishi), além de siglas das empresas seguidas de números ("CAOA – 16.000 – 2.500" e “MMC – 16.000 – 4.000 – 2.500 + 5 X 380").
Outro documento apreendido, segundo a PF, "reflete o grau de intimidade de relacionamento" entre Carvalho e a Marcondes e Mautoni. Nele, a PF diz que a esposa do lobista Mauro Marcondes, Cristina Mautoni, faz recomendação para comprar presentes para as filhas de Carvalho.
Ministro nega irregularidades
Procurado pelo G1, o ex-ministro disse que, em depoimento prestado à PF na manhã desta segunda, negou participação no processo de elaboração da medida provisória.
Ele confirmou à PF que recebeu Mauro Marcondes "diversas vezes" em seu gabinete porque era sua função, como chefe de gabinete de Lula, receber quem queria se reunir com o ex-presidente e, à época dos encontros, Marcondes era vice-presidente da Anfavea.
"Expliquei para a delegada da PF que minha função, como chefe de gabinete do presidente Lula, nunca foi discutir méritos sobre os assuntos de pessoas interessadas em procurá-lo. Recebi o Marcondes diversas vezes porque ele vinha em nome da Anfavea e apresentava pedidos para falar com o presidente Lula sobre assuntos de interesse indústria automobilística", disse.
"Então, eu nunca discuti mérito com ele [Marcondes] sobre esses temas. O que eu expliquei à PF é que nunca participei de montagem de MP porque não era meu papel – quem faz isso é a Fazenda, o MDIC e a Casa Civil. Eu nunca tive nada a ver com esta MP", acrescentou.
Gilberto Carvalho disse também que, como ministro da Secretaria-Geral no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, recebeu pedido de ajuda de Marcondes quando a MP perderia o prazo para que procurasse o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, porque o representante da Anfavea "não tinha acesso ao ministro".
"Mas eu não fiz isso. Percebi que o Marcondes já estava se articulando em outras frentes para falar com o Guido", disse Carvalho.
Segundo o ex-ministro, ele foi questionado pela PF sobre um papel apreendido com Marcondes no qual estava escrito "levar as bonecas para o Gilberto Carvalho". "Quando eu adotei minhas duas meninas, esse caso se tornou público e várias pessoas me enviaram presentes. Inclusive ele [Marcondes]. Então eu esclareci que de fato foram dadas às minhas filhas duas bonecas e esclareci que não se tratava de codinome para outra coisa", completou.
Nota
Leia abaixo a íntegra da nota divulgada nesta segunda por Gilberto Carvalho:
26/10/2015
NOTA À IMPRENSA
Na manhã desta segunda-feira, 26/10/2015, fui intimado pela Polícia Federal a comparecer, às 10 horas, à Superintendência da instituição a fim de “prestar esclarecimentos no interesse da Justiça”. Fui ouvido pela delegada Dra. Graziela Machado da Costa e Silva, sem a presença de advogado, respondendo a todas as questões por ela formuladas.
Os temas versaram a respeito da atuação do escritório do senhor Mauro Marcondes junto ao Governo Federal, e da acusação de que teria havido pagamentos em relação à publicação de Medida Provisória que determinaria incentivos à indústria automobilística no Centro Oeste do País. Relatei à delegada federal os contatos que tive com o senhor Mauro Marcondes, dentro da minha função de Chefe de Gabinete da Presidência da República durante o mandato do Presidente Lula (2003 a 2010). Neguei qualquer interferência no andamento da referida MP, como já havia feito por meio da imprensa, assim como declarei jamais ter recebido valores da parte do senhor Mauro Marcondes ou de qualquer outra pessoa durante meu trabalho ao longo de 12 anos no Palácio do Planalto.
Ciente da minha conduta e interessado que toda a verdade venha à tona, tomei a iniciativa de colocar à disposição da Justiça meus sigilos telefônico, fiscal e bancário, o que ficou devidamente consignado. Reafirmo que jamais o Presidente Lula, a quem servi com orgulho, ou os componentes do seu gabinete, se envolveram neste tipo de negociação. Os projetos de lei, medidas provisórias ou iniciativas de qualquer natureza sempre foram tomados na estrita e preocupada política de defender o desenvolvimento econômico e social do País.
Gilberto Carvalho.
* Com informações da TV Globo. Colaborou Filipe Matoso, do G1 em Brasília.