Legados do mensalão

ter, 23/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Diego Werneck e Vitor Chaves

Ao iniciar seu voto na sessão desta segunda-feira – o último sobre formação de quadrilha, item 2 do mensalão -, o Min. Ayres Britto observou que não há mais discordâncias quanto aos fatos. Estes já estariam provados. Esse terreno fático comum permitiu ao tribunal fazer extensas discussões de direito. E são justamente essas questões de direito que constituirão o legado do mensalão para o direito brasileiro.

Do início do julgamento até aqui, da perspectiva do direito penal, podemos destacar três discussões jurídicas importantes que tiveram palco no STF: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Dessas três, apenas quanto ao crime de corrupção os debates terminaram com uma clara tomada de posição majoritária pelos ministros. O que significa essa nova posição do tribunal para a jurisprudência brasileira sobre o combate à corrupção?

Antes desse julgamento, o Supremo entendia que a condenação por corrupção passiva dependeria da indicação precisa do ato que o funcionário público acusado teria se comprometido a praticar em troca da vantagem indevida. Foi com base nessa perspectiva que, em 1994, o Supremo absolveu o ex-presidente Fernando Collor por ausência de provas.

No julgamento do mensalão, ainda que uma maioria dos ministros tenha enfatizado a ocorrência de um ato de ofício por parte dos parlamentares e ex-parlamentares (a venda de apoio político), a maioria do tribunal relativizou a indicação do ato de ofício. Entenderam que o recebimento da vantagem indevida (no caso do julgamento, o dinheiro) relacionada ao exercício de um cargo público seria suficiente para a condenação.

Seria esse um casuísmo? Uma mudança feita só neste caso, e não uma verdadeira mudança de jurisprudência? Essa é questão que só o tempo dirá. No caso da corrupção passiva, o tribunal tem um forte argumento ao seu favor. O Código Penal não menciona “ato de ofício” como um requisito para a condenação por corrupção passiva. A interpretação pré-mensalão é, portanto, fruto de construção da comunidade jurídica e dos tribunais. Essas construções, porém, são mutáveis; estão abertas ao tempo e à mudança.

Se o Supremo mantiver essa posição no futuro, uma coisa é certa. Um funcionário público terá de pensar duas vezes antes de receber qualquer vantagem em razão de seu cargo. Não bastará dizer que não fez, nem prometeu fazer nada em troca.

Formação de quadrilha também inclui crimes de colarinho branco

seg, 22/10/12
por Alexandre Camanho |

Em debate no Supremo Tribunal Federal, o conceito de formação de quadrilha gerou polêmica. Afinal, um grupo de pessoas que se reúne para praticar crimes de colarinho branco – como gestão fraudulenta e corrupção – pode ser caracterizado como uma quadrilha?

Basta uma sumária leitura do artigo 288 do Código Penal para verificar que sim. O dispositivo legal é bastante claro ao estabelecer que é ilícita a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes.

A tese de que o referido artigo estaria limitado aos chamados crimes de sangue – em que há violência e a paz social é tumultuada – não encontra fundamento em lugar algum do Código Penal, e nem em qualquer jurisprudência.

É necessário esclarecer que o crime ocorre com a simples associação, não sendo necessária a comprovação do cometimento de um outro crime. Por exemplo, um grupo de quatro pessoas se reúne com o intuito de roubar um banco. Mesmo que o roubo não seja praticado, a simples convergência de vontades já caracteriza o ilícito.

Concluir que a prática de qualquer crime tumultua a paz pública é intuitivo. Existe ato mais agressivo à paz social do que a formação de quadrilha no núcleo mais íntimo e elevado de um dos poderes da República?

Cabe ao Judiciário adequar o tipo penal ou absolver os réus

qua, 17/10/12
por Alexandre Camanho |

Na sessão que absolveu o marqueteiro Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, ministros criticaram a denúncia do Ministério Público. A acusação não especificava qual crime eles teriam cometido: evasão de divisas ou lavagem de dinheiro (neste último, ficou dúvida quanto ao crime antecedente). Lewandowski disse que houve “deslize”; para Barbosa, a denúncia deveria ser “mais explícita”. Neste texto, Alexandre Camanho explica a dificuldade em formular a acusação em casos complexos.

Por vezes, é consideravelmente difícil pormenorizar todas as condutas ilícitas que se praticaram: o crime decorre da conjunção de uma série de fatos que, isoladamente considerados, podem não ostentar significativa relevância. Isso ocorre, especialmente, em crimes societários e delitos praticados por organizações criminosas.

A análise conjunta de balancetes financeiros, escutas telefônicas, contratos firmados e outras provas muitas vezes são aptas a demonstrar que determinado agente não apenas tinha ciência, mas também colaborou de modo relevante para a prática criminosa. A forma como isto se aperfeiçoou, no entanto, muitas vezes é nebulosa, dadas as especificidades do estratagema criminoso adotado.

Importa ressaltar, porém, que, em tais hipóteses, nebuloso é o enquadramento legal dos fatos, não a prática ilícita em si.

Ao Ministério Público, em casos assim, exige-se narrar os fatos criminosos e suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas (artigo 41 do CPP). Ora, todas essas exigências restaram observadas no caso do mensalão. A denúncia descreveu adequadamente os fatos, possibilitando o exercício de defesa pelos réus. Aqui é permitido falar em denúncia geral e não genérica, plenamente admitida.

Relativamente à absolvição dos acusados publicitários, tem-se que, em relação ao primeiro fato – retiradas em espécie do Banco Rural que totalizaram 1,4 milhão em espécie -, a Corte absolveu os réus por não entrever provas suficientes de sua participação na organização criminosa.

Quanto ao segundo fato – remessas ao exterior –, há que se reconhecer um complicador: os réus foram absolvidos dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por vislumbrarem os ministros não estar comprovado o crime antecedente (crime praticado para a obtenção do dinheiro ilícito e posteriormente “lavado”).

O relator, ministro Joaquim Barbosa, reconheceu ter havido o ilícito, mas entendeu tratar-se, o crime antecedente, não de gestão fraudulenta, como narrou o procurador-geral da República, mas evasão de divisas.

Os ministros que votaram pela absolvição dos acusados entenderam inexistir o crime apenas em razão do fato de a conta – para a qual os recursos do reconhecido “Caixa 2” foram transferidos – ter sido aberta em fevereiro de 2003, antes da prática dos crimes do referido mensalão.

O Código de Processo Penal, todavia, prevê o instituto da emendatio libelli para corrigir a tipificação penal. O único argumento apontado não parece, numa primeira leitura, ser suficiente a desconstituir o ilícito: afinal, os réus já haviam, bem antes, participado da campanha eleitoral e tinham ciência das perspectivas futuras, diante do promissor quadro partidário.

Os fatos são os mesmos e os réus debateram exaustivamente sobre a prática delituosa que os levou a angariar recursos posteriormente branqueados pela empresa dos referidos acusados. Ressalte-se, aqui, o quanto salientou o ministro Gilmar Mendes: a conta apenas restou aberta antes – os recursos foram repassados depois, em decorrência do indesejado mensalão.

De todo modo, quem faz a tipificação final é o Judiciário. O Ministério Público pode entender de modo diverso. A leitura que o PGR fez dos fatos e das provas levou-o a essa capitulação alternativa. Cabe ao Judiciário adequar o tipo, caso entenda necessário, ou, como ocorreu neste caso, absolver os réus.

Da aplicação das penas. Como ocorrerá

ter, 16/10/12
por Carlos Velloso |

O juiz, ao condenar o réu, fixará a pena aplicável, individualizando-a, tal como determinado pela Constituição (C.F., art. 5º, XLVI, e pela lei penal). Essa individualização se faz em três momentos (Cód. Penal, art. 68):

(1) fixação da pena base: o juiz, apreciando as circunstâncias subjetivas – culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente – e as de natureza objetiva – motivos, circunstâncias e consequências do crime – fixará aquela aplicável dentre as cominadas, que não deve ser excessiva nem branda, mas justa (C.P., art. 59);

2) em seguida, serão consideradas as circunstâncias agravantes e atenuantes, aumentando ou diminuindo a pena. Se a pena base foi fixada no mínimo legal, não ocorrerá, evidentemente, diminuição (C.P., arts. 61, 62, 63, 64 [agravantes], arts. 65, 66 [atenuantes]);

3) no terceiro momento, ou terceira fase, observam-se as majorantes e minorantes, ou as causas de diminuição e de aumento, certo que, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, poderá o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua (C.P., parág. único do art. 68).  Aqui, verificar-se-á, também, se terá ocorrido (i) concurso material, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, caso em que aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido (C.P., art. 69), ou (ii) concurso formal, quando o agente, mediante uma só ação ou omissão – unidade de ação — pratica dois ou mais crimes – pluralidade de crimes — idênticos ou não. O concurso formal pode ser próprio – o agente quis realizar apenas um crime — e impróprio – o agente quis realizar mais de um crime (C.P. art.70). No concurso formal próprio, ocorrerá a “exasperação da pena”, tendo em vista a “unidade de desígnios”; no impróprio, aplica-se o “sistema do cúmulo material, como se fosse concurso material, diante da diversidade de intuitos do agente (C.P., art. 70, § 2º).”[1] Verifica-se, ao cabo, se teria ocorrido crime continuado (C.P., art. 71), ou seja, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. “São diversas ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único.”[2]

Deve o juiz, ao fim e ao cabo, estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (C.P., art. 59, III) e, se for cabível, efetivar a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena (C.P., art. 59, IV).

Cumpre indagar, ademais, se, no julgamento da AP 470, conhecida como mensalão, todos os ministros votariam na fixação da pena. Parece-nos evidente que somente os que votaram pela condenação é que devem fixar as penas. Os que absolveram não participam, a menos que – já se disse fazendo blague – concorressem, para a fixação da média, com a pena zero.



[1] Bitencourt, Cezar Roberto, “Cód. Penal Comentado”, Saraiva, 3ª ed., p.250.

[2] Idem, idem, p. 252.

STF busca definição para lavagem de dinheiro

sex, 12/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Fernando Leal
Diz-se que, às vezes, é preciso dar um passo atrás para que dois à frente possam ser dados no futuro. No julgamento de hoje, os ministros suspenderam por um instante as discussões sobre os destinos dos réus para, provocados por um aparte do ministro Marco Aurélio, debater como aplicar a lei de lavagem de dinheiro.

O texto fala em ocultar ou dissimular frutos de infrações penais. Ocultar pressupõe a vontade de esconder. Exige-se, assim, que quem lava dinheiro saiba que ele é produto de crime. A grande questão é como provar que a pessoa tinha conhecimento de que aquele dinheiro era ilícito.

O problema do crime antecedente fica ainda mais espinhoso se a lavagem de dinheiro é confrontada com o crime de corrupção passiva. O funcionário público que, por exemplo, pede determinada soma comete automaticamente o crime de lavagem de dinheiro? Quem recebe valores nessas condições claramente oculta ou dissimula a sua origem criminosa.

O funcionário que solicita dinheiro tratará logo de usá-lo como se fosse lícito. Mas é a essa ocultação que o crime de lavagem se refere? Os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux dominaram os debates sobre o assunto e pareciam ter ido ao plenário dispostos a discutir o tema. As posições eram diferentes.

O grande receio do ministro Marco Aurélio era o de o tribunal tornar quase automática a condenação de alguém por lavagem de dinheiro. Qualquer uso de dinheiro sujo significa imediatamente o cometimento de lavagem? O advogado, por exemplo, que recebe do cliente seus honorários sem saber da sua origem ilícita está lavando esse dinheiro?

O ministro Fux, por sua vez, parecia preocupado em não adotar uma posição que, na prática, tornasse impossível qualquer condenação por lavagem. Se a condenação só for possível quando houver a clara intenção de dar uma roupagem “limpa” para um dinheiro “sujo”, o risco é o de tornar muito difícil a aplicação da norma penal.

Apesar de enfatizarem questões diferentes, os ministros tinham uma preocupação comum: pensar na mensagem que o Supremo deixará para os demais tribunais do país, o Ministério Público e a polícia a respeito do crime de lavagem de dinheiro.

As discussões sobre o tema não se encerraram, já que os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto ainda não se manifestaram. Por enquanto, o tribunal parece estar longe de um consenso. Ao contrário de outras disputas entre ministros ao longo do julgamento, esta parece ser decisiva não apenas para a solução de muitos tópicos do mensalão, como para a definição do legado jurídico da corte. O Supremo certamente transformará o tratamento de crimes financeiros no país.

Projeto de governo e projeto de poder

qua, 10/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Tânia Rangel e Ivar Hartmann
O ministro Gilmar Mendes percebe a distinção entre projeto de governo e projeto de poder.

Para ele, a estratégia da qual o mensalão fazia parte tinha o objetivo de construir uma base aliada permanente, que fosse além do programa de governo. O objetivo era consolidar um projeto de poder. Com essa base aliada assegurada, o governo – o Estado – se “confundiria” com o próprio partido e sua base aliada.

Usando sempre alusões, o ministro compara o projeto de poder do PT com aquele de partidos políticos dominantes em Estados nacionais não-democráticos e regimes comunistas. Nestas situações, a estratégia de poder pressupõe um partido único, dominante. Onde o chefe do partido é percebido como o chefe de Estado.

Essa comparação permite mais facilmente entender, segundo o ministro Gilmar Mendes, a impossibilidade de atribuir a Delúbio Soares – mero tesoureiro – o papel de mentor do esquema. Apenas José Dirceu, como chefe do partido, poderia ser o organizador do projeto de poder.

Além disso, Mendes afirma que Dirceu, como chefe da Casa Civil, ao estruturar todas essas operações – e principalmente o projeto de poder – contou com o apoio jurídico da Subchefia dos Assuntos Jurídicos e com o apoio político da Subchefia de Assessoria Parlamentar.

A alusão do ministro Gilmar Mendes pretende esclarecer o planejamento de longo prazo por trás do esquema do mensalão. Entendendo qual era o objetivo, fica fácil perceber as possibilidades e limitações de cada pessoa envolvida. Como a maioria dos demais ministros enfatizou, um tesoureiro tem poder limitado, seja para movimentar centenas de milhões, seja para planejar todo o projeto.

Procuram-se confissões

ter, 09/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Você participou de um crime? Qual é a resposta que se deve esperar de uma testemunha para essa pergunta? Presume-se que ninguém acredite que a testemunha vá se auto-incriminar em seu depoimento. Não seria irrazoável pensar que tal depoimento deveria ter sua importância reduzida, na tentativa de se encontrar a verdade dos fatos, pelo juiz da questão.

Pois bem. Essa não foi a linha adotada pelo ministro revisor Ricardo Lewandowski em seu voto sobre o réu José Dirceu, acusado pelo crime de corrupção ativa. Para ele, faltaria técnica ao trabalho do Ministério Público Federal. Isso porque, em sua leitura, não haveria provas de que Dirceu soubesse do repasse de dinheiro a parlamentares da base aliada, mas apenas meros indícios, sinais. E todos os indícios apontados pelo MP seriam baseados em depoimentos de testemunhas, sendo a maioria realizada fora do Judiciário – em CPI e na Polícia Federal.

Assim, o ministro Lewandowski enfatizou como inadequada a consideração do depoimento de outro réu no processo, Roberto Jefferson – que classificou como um inimigo do réu José Dirceu e que, portanto, poderia querer prejudicá-lo -, dado em CPI. Alegou que as afirmações de Jefferson não foram confirmadas no processo judicial (informação corrigida pelos ministros Ayres Britto e Luiz Fux. Jefferson teria iniciado depoimento no processo confirmando tudo o que havia dito anteriormente).

Por outro lado, segundo Lewandowski, haveria uma avalanche de provas de que Dirceu não teria conhecimento dos fatos. Para essa afirmação, o ministro baseou-se em depoimento de altas autoridades – elogiando-as com frequência – dentre as quais integrantes do governo Lula, membros do Congresso Nacional e ex-dirigentes do Partido dos Trabalhadores (inclusive o do réu Delúbio Soares). Todos eles negaram conhecer os fatos da acusação (desvios de recursos públicos, empréstimos fraudulentos e compra de votos de parlamentares) e negaram saber de qualquer participação de José Dirceu.

Poderiam ser esperados depoimentos diferentes? Caso qualquer dessas testemunhas afirmasse conhecimento dos fatos, isso não a tornaria participante do crime ou, no mínimo, omissa, não tendo agido para evitá-lo?

Uma das consequências do voto de Lewandowski foi a de demonstrar um José Dirceu que não influenciava no PT, não participava, a não ser formalmente, de indicações para cargos políticos e que não controlava (e pouco fazia) articulações políticas no Congresso. O que essa versão não esclarece é o que fazia Dirceu enquanto ministro-chefe da Casa Civil, já que não tinha poder de mando ou atribuições políticas. Seria ele um mero burocrata?

Lewandowski ressaltou, inúmeras vezes, que seu voto foi integralmente baseado nos autos do processo. Na visão dos outros ministros, contudo, nem todo ele pareceu baseado em uma percepção adequada dos fatos envolvidos.

Publicada às 8h

‘O que não está nos autos não está no mundo’

sex, 05/10/12
por Carlos Velloso |
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Na sessão desta quinta-feira (4), o ministro Ricardo Lewandowski justificou seu voto pela absolvição de José Dirceu ao considerar que não havia, nos autos do processo, provas que o incriminassem por corrupção ativa. O revisor do caso afirmou não descartar, “em tese”, que o ex-ministro tenha comandado o mensalão, mas disse que isso não estava demonstrado na ação. Para justificar seu voto, citou um conhecido princípio do Direito, explicado aqui por Carlos Velloso.

“Quod non est in actis non est in mundo”, o que não está nos autos não está no mundo. Este é um velho brocardo que vem do Direito Romano e que é adotado nos Judiciários de Estados democráticos. “Mundo”, nesse axioma jurídico, tem o sentido de verdade real. Não é verdade se não está nos autos.

Nos regimes democráticos, o indivíduo é julgado pelo seu juiz natural, que é o juiz legal, juiz independente, imparcial, que não se curva senão à sua ciência e à sua consciência.

O juiz com garantias de independência, de que decorre a imparcialidade, é o juiz que, num julgamento, considera apenas o que está nos autos. Não raras vezes, um indivíduo, apontado como estelionatário ou peculatário – e conhecido como tal – é absolvido. Assim o foi, porque o juiz não encontrou, nos autos, prova que autorizasse a condenação.

Frankfurter proclamava, na Suprema Corte americana, que é preferível errar em favor da liberdade do que contra ela. A característica de um tribunal independente e imparcial é justamente esta: o julgamento basear-se exclusivamente na prova que está nos autos. Esse tipo de comportamento faz legítimo o julgamento.

Há certas provas, entretanto, que, mesmo não repetidas nos autos, não podem ser desconsideradas. Por exemplo: o depoimento tomado perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, depoimento público, com observância das garantias constitucionais do acusado, certo que a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (C.F., art. 58, § 3º).

Há, todavia, quem não concorde com o afirmado. Outro exemplo: a prova emprestada, que é feita em outro processo, e a defesa ou o Ministério Público pede a sua juntada, por cópia. Por que não considerá-la, se ela poderia levar à comprovação da verdade real?

Voltemos à questão básica: o que não está nos autos não está no mundo. Há de ser compreendido o velho axioma jurídico com a interpretação daquilo que está nos autos. Segundo a interpretação de um juiz, a prova é conducente à condenação. Outro juiz, entretanto, entende de modo contrário. Há que se respeitar ambos os entendimentos. A garantia de um julgamento justo está justamente na independência intelectual do juiz, que se curva apenas a sua ciência e a sua consciência.

A democracia tem um custo. Os povos realmente democráticos pagam esse preço tranquilamente.

Como o STF deve proceder em caso de empate?

qua, 03/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Ivar A. Hartmann
e Lucas Albuquerque Aguiar

Não se sabe como o STF resolverá o empate sobre a condenação de José Borba. O regimento interno da Corte não traz previsão expressa. Para alguns ministros, a situação mais próxima é a de habeas corpus, em que o empate favorece o réu. Para outros, deve-se seguir a regra geral do regimento de que, em caso de empate, o presidente da Corte vota duas vezes, desempatando. Há ainda outra dúvida: com a entrada de um novo ministro, em caso de empate, ele seria obrigado a votar para desempatar. E a partir daí surgem novos questionamentos: seriam repetidas as sustentações orais, por exemplo?

O Supremo ainda não deu respostas. Os ministros estão divididos. E esta não é a primeira vez. Ao longo do julgamento do Mensalão, a possibilidade de fatiamento e a possibilidade de adiantar o voto do Ministro Peluso, que estava por aposentar-se, igualmente trouxeram grande incerteza. Ações como o Mensalão, entretanto, ocupam um terço do trabalho do Supremo. Essa incerteza já deveria ter sido superada.

O Supremo Tribunal Federal recebeu mais de um milhão e trezentos mil processos para julgar desde 1988. Destes, cerca de um milhão e duzentos mil, ou seja, 91% do total, são recursos – casos nos quais o Tribunal apenas revisa decisão de outra corte inferior. Esses recursos, no entanto, ocupam apenas dois terços do tempo dos Ministros do Supremo.

Entre as ações que vê pela primeira vez, tais como ações diretas de inconstitucionalidade, inclui-se a ação penal 470 – o julgamento do Mensalão. O STF recebeu mais de noventa e cinco mil processos desse tipo. Embora trate-se de 9% do número total de ações, processos como o Mensalão ocupam um terço do trabalho do Supremo.

A equipe do “Supremo em Números”, da FGV Direito Rio, chegou a esse dado por meio do uso de um índice de tempo gasto para julgar os processos no STF. O índice leva em conta que algumas ações seguem ritos processuais mais complexos e demorados, como, por exemplo, o julgamento pelo Pleno do Tribunal e não por um Ministro individualmente.

Um dia de trabalho a cada três é uma parcela significativa e provoca a  indagação: por que há tantas questões indefinidas no julgamento de casos que ocupam espaço tão grande na pauta dos Ministros?

Os brasileiros que estão acompanhando o Mensalão ficam perplexos ao perceber a grande incerteza em relação a como os Ministros devem proceder diante de uma série de questões. O empate sobre José Borba é apenas a mais recente.

Medidas como a abolição do contraproducente costume de ler votos de centenas de páginas – que os Ministros tomaram em sessão administrativa no final de agosto e até hoje não colocaram em prática – são urgentes e acabam impulsionadas por momentos de grande visibilidade como o atual julgamento. Essa oportunidade deve ser aproveitada. O Supremo já tem uma importante tarefa pós-Mensalão. É imprescindível atualizar a regulação de questões internas aos Tribunal.

Incertezas são elemento natural de uma democracia em construção. Cabe ao Supremo um esforço para gradualmente diminuir essa insegurança.  Estabilidade é essencial em um Estado democrático e as mudanças  necessárias afetam a maior parte do trabalho do Tribunal – nem só de Mensalão vive o STF.

 

Os crimes de corrupção passiva e ativa e o ato de ofício

qua, 03/10/12
por Carlos Velloso |

O delito de corrupção passiva está tipificado no artigo 317 do Código Penal. A corrupção ativa é prevista separada e independente da passiva, no art. 333. O objeto jurídico é a administração pública, especialmente a moralidade administrativa, que constitui princípio constitucional (C.F., art. 37).

O sujeito ativo do crime de corrupção passiva é o funcionário ou o servidor público, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, desde que pratique o crime em razão da função pública. Heleno Fragoso ensina “que basta o simples exercício de uma função pública para caracterizar, para os efeitos penais, o funcionário público.”[1] (C.P., art. 327). O particular, entretanto, pode ser coautor ou participante do crime, desde que tenha conhecimento da condição de servidor público do autor (Código Penal, artigos. 29 e 30).

A lei estabelece o tipo de corrupção passiva, é dizer, a conduta: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.” São três, portanto, as condutas: solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida.

Não há, está-se a ver, exigência, na formulação do tipo penal, de ato de ofício. É que o tipo é de mera conduta. O ato de ofício, se exigível, caracterizaria tipo de resultado. Na forma do descrito na lei penal, o ato de ofício, ensina, nas suas aulas de Direito Penal, o notável penalista paranaense Luiz Alberto Machado, é mero exaurimento do crime já consumado pela só conduta. Não fora assim, como se poderia praticar o crime de corrupção passiva fora da função ou antes de assumi-la, tal como estabelecido na lei (C.P., art. 317)?

Na forma do disposto no §1º do art. 317, a prática do ato de ofício constitui causa de aumento de pena: “a pena é aumentada de um terço se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.”

Esclareça-se, ademais, que não há necessidade de um corruptor ativo. Ainda que a pessoa não pague, sequer prometa a vantagem indevida, a conduta de solicitar consuma o delito. Na verdade, corrupção passiva e corrupção ativa são crimes autônomos e independentes um do outro, convindo acentuar que apenas quanto ao crime de corrupção ativa (Código Penal, art. 333), é que se fala em ato de ofício, certo que vinculado a ele não está o crime de corrupção passiva, mas o de prevaricação (C.P., art. 319).

Também no crime de corrupção ativa, “a pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.” (C.P., art. 333, parágrafo único).

Publicada às 7h39


[1] Fragoso, Heleno, “Jurisprudência Criminal”, vol. II, nº 250.

Corruptor pode existir sem que haja um corrupto

seg, 01/10/12
por Alexandre Camanho |

Esta semana, o julgamento do mensalão põe em evidência dois crimes que, à primeira vista, soam complementares: a corrupção ativa e a corrupção passiva. Parece intuitivo supor que se há um corruptor, há um corrompido, mas nem sempre é assim. Basta uma leitura atenta dos artigos específicos do Código Penal para perceber que, na verdade, um pode ocorrer sem o outro.

A corrupção ativa não necessariamente é um crime bilateral. Segundo o artigo 333 do Código Penal, ela caracteriza-se pelo ato de “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir, ou retardar ato de ofício”.

Este crime pode ser praticado por qualquer pessoa – não se restringe, portanto, aos funcionários públicos – e se consuma no momento em que o funcionário público toma conhecimento da oferta ou promessa de vantagem indevida, ainda que ele a recuse. A pena é de 2 a 12 anos de reclusão, e multa.

Já a corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal) define-se pelo fato de ser cometida por um funcionário público, devendo existir uma relação entre a vantagem solicitada, recebida ou aceita e a atividade exercida pelo corrupto.

Vale ressaltar que a solicitação ou aceitação da promessa já configura crime, mesmo que a gratificação não se concretize. Porém, quando se trata do recebimento da vantagem, exige-se o efetivo enriquecimento ilícito do autor. A pena é a mesma da corrupção ativa: 2 a 12 anos de reclusão, e multa.

A quem interessa a nomeação rápida de Zavascki?

qua, 26/09/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Ivar A. Hartmann
O Brasil está testemunhando um processo de nomeação de ministro do STF problemático como poucos antes. A relação com o julgamento do mensalão é óbvia. Fingir que essa questão não existe não atende a nenhum interesse legítimo para o Judiciário e para os brasileiros.

A presidente poderia ter nomeado mais tarde; o Senado poderia ter adiado a sabatina. Mas temos de pensar a questão como está posta. E duas perguntas são essenciais: por que Teori Zavascki deveria votar no mensalão? A quem interessa a nomeação acelerada?

A decisão sobre se vota ou não cabe unicamente a Zavascki. Ninguém – nem o plenário do Supremo – pode obrigá-lo a votar se ele não se der por inteirado do caso. Existem argumentos a favor e contra a participação do potencial futuro ministro.

Se votasse no caso do mensalão, Zavascki estaria contribuindo com sua inegável experiência e notável saber jurídico. Especialmente em um caso envolvendo aspectos financeiros – ele foi advogado do Banco Central e é tido como grande tributarista. Tem conhecimento de causa. Sua imparcialidade não pode ser questionada.

Em contra pode-se apontar que teríamos a mudança na composição do órgão julgador em meio ao próprio julgamento. Isso viola o princípio do juiz natural, vital para o Estado de Direito, segundo o qual não se decide arbitrariamente sobre por quem e quando réus são julgados. A decisão de indicar Zavascki agora é uma escolha pessoal da presidente. É mudar as regras do jogo em meio ao próprio jogo.

Independentemente de quem está trabalhando para a aceleração, a quem interessa a nomeação rápida? Os advogados dos réus sabem que com mais ministros na corte, mais ministros precisam ser convencidos da inocência: o empate favorece a absolvição.

A PGR até agora não se manifestou contra a possibilidade de Zavascki votar. O PT não força a conclusão da sabatina no Senado. Apenas o PMDB parece apressar o processo, ao mesmo tempo que presta um ombro amigo ao ministro. Essa questão está mais nebulosa do que deveria, em se tratando da escolha de membro da corte máxima do país.

Os brasileiros precisam exigir que seus senadores obtenham resposta para essas duas perguntas. Ademais, se a pressa nada tem a ver com o mensalão, por que Zavascki simplesmente não responde se vota ou não, sem tangenciar a questão? Uma aprovação pelo Senado que ignore essas questões será nada menos que ilegítima.

Publicada às 7h28

Novo ministro poderia votar no mensalão?

qua, 26/09/12
por Carlos Velloso |

Estão acesas as discussões. O ministro Teori, recentemente indicado para o Supremo Tribunal Federal, poderia votar no julgamento do mensalão?

Primeiro que tudo, desejamos deixar claro que temos pelo ministro Teori Zavascki grande estima, admiração e respeito. A sua indicação para o Supremo foi das mais felizes. Trata-se de magistrado exemplar, competente, de alto saber jurídico, de reputação ilibada, o que é reconhecido pelos homens e mulheres do seu tempo.

Isto posto, vamos ao exame da matéria: poderia ele votar no julgamento do mensalão, ele que está chegando com o julgamento em andamento?

A regra aplicável, em princípio, está no § 2º do art. 134 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “não participarão do julgamento os ministros que não tenham assistido ao relatório ou aos debates, salvo quando se derem por esclarecidos.”

E mais: “se, para o efeito do quorum ou desempate na votação, for necessário o voto de ministro nas condições do parágrafo anterior” – a regra do § 2º acima transcrito – “serão renovados o relatório e a sustentação oral, computando-se os votos anteriormente proferidos.” (§3º do citado art. 134).

Veja-se como é cauteloso o Regimento Interno.

Observada a regra acima indicada, o ministro empossado no cargo, quando em andamento um julgamento, se chamado a votar, poderia fazê-lo, desde que se desse por esclarecido. Se está esclarecido, não poderia, evidentemente, pedir vista.

Indaga-se: estaria esclarecido, assim capacitado para votar, o ministro que não assistiu ao longo relatório nem aos debates, nem os votos já proferidos, num processo do tamanho e da complexidade da AP 470? Somente um gênio, daqueles que costumam escapar de garrafas perdidas, é que seria capaz de tal proeza.

Mas o que na realidade ocorre deixa de lado a regra do § 2º do art. 134 do RI/STF.

É que o ministro ora indicado – indicação das melhores, vale repetir – sucederá ao ministro Cezar Peluso. Ambos, aliás, têm o mesmo perfil. São magistrados notáveis. E o ministro Peluso, agora aposentado, participou do julgamento e votou. Então, o seu sucessor não poderia votar no mesmo julgamento.

Não importa se o ministro sucedido votou apenas numa “fatia” do julgamento. O que importa é que participou do julgamento e votou. Assim, não poderia participar desse mesmo julgamento o seu sucessor. Se o fizesse, teriam participado não onze ministros (Constituição Federal, art. 101), mas doze, o que tornaria nulo o julgamento.

Anulação
A propósito da possibilidade de anulação de decisão do Supremo Tribunal Federal, esclareça-se que somente este é que poderia fazê-lo, e não uma corte internacional, como, equivocadamente, um ou outro tem sustentado.

É certo que o Brasil aceitou a jurisdição da Corte de Direitos Humanos da OEA. Todavia, o Brasil, que não é país de 4ª classe e é cônscio de sua soberania, não se comprometeu, no Pacto de São José da Costa Rica, a subordinar os órgãos do seu governo à Corte de São José ou à sua Comissão de Direitos Humanos. O que poderia ocorrer é, por exemplo, em caso de erro judiciário, fazer jus, o prejudicado, a uma indenização.

Recentemente, aliás, a presidente Dilma, ao que estou informado, rejeitou comunicação da Comissão de Direitos Humanos, a respeito da Usina de Belo Monte e, considerando-a inaceitável, chamou de volta o nosso embaixador junto à OEA. Procedeu com acerto, a presidente, procedeu como chefe de Estado de um país que leva a sério a sua soberania.

Recomenda-se a leitura atenta do Pacto de São José da Costa Rica.

A força da maioria

qua, 26/09/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

*por Vitor Pinto Chaves

Na última quinta-feira o ministro revisor Ricardo Lewandowski surpreendeu ao mudar seu posicionamento sobre o que é necessário para o crime de corrupção passiva. Ao contrário de seu voto no caso do deputado João Paulo Cunha, o revisor seguiu o que identificou ser um novo entendimento da maioria do Tribunal. Para que ocorra o crime de corrupção passiva não seria mais necessária a identificação do chamado ato de ofício – o ato praticado pelo funcionário público por causa de sua função, no caso, se os deputados e ex-deputados réus votaram ou prometeram votar com o governo. Bastaria o recebimento da vantagem indevida e o poder potencial do cargo ocupado. Lewandowski fez questão de enfatizar que essa não era sua opinião. Mesmo assim, em suas palavras, curvou-se à posição da maioria.

O ministro revisor teve, entretanto, uma postura diferente em relação a outro crime, a lavagem de dinheiro. Na segunda-feira ele reafirmou sua posição do início do julgamento, ressaltada também na última quinta-feira, de que o ato do recebimento do dinheiro pelos réus (parlamentares, ex-parlamentares, dirigentes partidários e assessores) não poderia ser, ao mesmo tempo, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em sua visão, tratar-se-ia de uma dupla punição pelo mesmo ato(ne bis in idem), o que seria proibido pelo direito. Sua posição foi a mesma de quando votou pela absolvição de João Paulo Cunha pelo crime de lavagem de dinheiro. Naquela oportunidade foi vencido pela maioria, que considerou que os dois crimes haviam ocorrido. Não se curvou à maioria.

Não é raro – não apenas no STF como também em outros tribunais – um juiz abandonar suas convicções pessoais em nome da interpretação colegiada. Porém, não é nada fácil saber, de fato, qual é a força da maioria.

STF inicia reforma política com votos sobre corrupção

qui, 20/09/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Tânia Rangel
A grande novidade no julgamento do mensalão hoje foi a concordância entre os ministros relator e revisor. E em quê eles concordaram?

Concordaram que as provas exigidas para a comprovação do crime de corrupção passiva devem se concentrar no núcleo principal do crime, no recebimento ou na solicitação da vantagem indevida. E o ato de ofício? Não teria ele que ser provado?

Os ministros relator e revisor responderam que a prova do ato de ofício, o ato que é da competência exclusiva do funcionário público (o voto do deputado, por exemplo), serve para que o aumento da pena do crime seja aplicado e não para que a pessoa seja condenada. Para a condenação basta que exista uma expectativa da prática desse ato de ofício e que este ato de ofício esperado esteja dentro das atribuições, das funções do funcionário público, do parlamentar.

Por isso, quando o deputado recebe dinheiro e esse recebimento fica comprovado por provas documentais e testemunhais e quem paga a ele tem a expectativa de que ele votará para favorecer seu interesse, esse deputado será condenado por corrupção passiva. E se ele usou o dinheiro para repassá-lo ao partido para pagar dívidas de campanha?

Nesse caso, não interessa para quê o deputado recebeu o dinheiro. Se foi para caixa dois de campanha eleitoral, ou para comprar um carro, ou para viajar. Se ele recebeu dinheiro que não deveria já é corrupção.

Caso essa concordância entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski seja mantida pelos outros Ministros do STF – e é provável que assim seja – podemos dizer que hoje foi o dia em que se começou uma verdadeira reforma política no Brasil.

Essa decisão demandará maior transparência nas contas partidárias. Com ela, se poderá conhecer todos os doadores das campanhas eleitorais, pois os candidatos que receberem dinheiro e não declararem poderão ser condenados por corrupção passiva. Perderão o mandato, se eleitos, e se tornarão inelegíveis por alguns anos. É um novo começo. Um bom começo.



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