Legados do mensalão
Por Diego Werneck e Vitor Chaves
Ao iniciar seu voto na sessão desta segunda-feira – o último sobre formação de quadrilha, item 2 do mensalão -, o Min. Ayres Britto observou que não há mais discordâncias quanto aos fatos. Estes já estariam provados. Esse terreno fático comum permitiu ao tribunal fazer extensas discussões de direito. E são justamente essas questões de direito que constituirão o legado do mensalão para o direito brasileiro.
Do início do julgamento até aqui, da perspectiva do direito penal, podemos destacar três discussões jurídicas importantes que tiveram palco no STF: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Dessas três, apenas quanto ao crime de corrupção os debates terminaram com uma clara tomada de posição majoritária pelos ministros. O que significa essa nova posição do tribunal para a jurisprudência brasileira sobre o combate à corrupção?
Antes desse julgamento, o Supremo entendia que a condenação por corrupção passiva dependeria da indicação precisa do ato que o funcionário público acusado teria se comprometido a praticar em troca da vantagem indevida. Foi com base nessa perspectiva que, em 1994, o Supremo absolveu o ex-presidente Fernando Collor por ausência de provas.
No julgamento do mensalão, ainda que uma maioria dos ministros tenha enfatizado a ocorrência de um ato de ofício por parte dos parlamentares e ex-parlamentares (a venda de apoio político), a maioria do tribunal relativizou a indicação do ato de ofício. Entenderam que o recebimento da vantagem indevida (no caso do julgamento, o dinheiro) relacionada ao exercício de um cargo público seria suficiente para a condenação.
Seria esse um casuísmo? Uma mudança feita só neste caso, e não uma verdadeira mudança de jurisprudência? Essa é questão que só o tempo dirá. No caso da corrupção passiva, o tribunal tem um forte argumento ao seu favor. O Código Penal não menciona “ato de ofício” como um requisito para a condenação por corrupção passiva. A interpretação pré-mensalão é, portanto, fruto de construção da comunidade jurídica e dos tribunais. Essas construções, porém, são mutáveis; estão abertas ao tempo e à mudança.
Se o Supremo mantiver essa posição no futuro, uma coisa é certa. Um funcionário público terá de pensar duas vezes antes de receber qualquer vantagem em razão de seu cargo. Não bastará dizer que não fez, nem prometeu fazer nada em troca.