Os riscos dos réus

qua, 09/10/13
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por Tânia Rangel
Com a publicação do acórdão dos embargos de declaração (prevista para esta quarta), o que acontece agora no processo do mensalão? Dependerá da iniciativa que os réus tomarem. Afinal, o Supremo, como todo tribunal, somente pode se manifestar quando provocado. E quais os riscos que os réus têm pela frente?

Aqueles que não tiveram quatro votos pela absolvição ou por uma pena menor, não podem entrar com embargos infringentes, mas podem entrar com novos embargos de declaração. Porém, se por um lado essa estratégia permite que o trânsito em julgado seja postergado, por outro, ela aumenta o risco do réu. Por que?

No Brasil, quando o réu responde ao processo em liberdade, como é o caso, mesmo quando condenado, ele somente será preso, isto é, terá a execução da sua pena iniciada, quando houver o trânsito em julgado da decisão, quando já não puder mais entrar com nenhum recurso, ou quando já não houver mais prazo para se entrar com recurso.

Em razão disso, uma estratégia adotada é entrar com o maior número de recursos que a pessoa puder, pois assim, ela adia o trânsito em julgado. Porém, nos tribunais superiores, inclusive no Supremo, essa estratégia tem sido combatida. Como?

Quando o tribunal entende que o recurso tem por objetivo somente prorrogar o prazo, ele considera que há um abuso do direito de defesa, afinal, o recurso existe para corrigir uma possível injustiça e não para arrastar o processo. E assim, ele atesta o imediato trânsito em julgado e determina que a execução se inicie, sem necessidade de se publicar o acórdão. Ou seja, o tiro sai pela culatra. Ao invés do réu adiar o trânsito em julgado de sua condenação, ele a antecipa.

Recentemente, quando o Supremo julgou os segundos embargos de declaração propostos pelo deputado Natan Donadon, decidiu por maioria – vencido somente o ministro Marco Aurélio – dessa forma, confirmando outras decisões nesse sentido que já havia proferido. E dois dias depois o deputado foi preso. Essa decisão do Supremo no caso Donadon pode se repetir no mensalão se os réus entrarem com novos embargos de declaração.

A mesma situação pode acontecer também se o réu que não teve quatro votos de absolvição ou por uma pena menor decidir entrar com embargos infringentes. Isso porque o Supremo, quando julgou os agravos regimentais que decidiu pelo cabimento dos embargos infringentes, decidiu também que caberia somente para quem tivesse quatro votos vencidos. Reabrir essa discussão pode ser vista como abuso do direito de defesa. E assim levar à execução imediata da pena.

O que diferencia o processo do deputado Natan Donadon do mensalão é que naquela ação penal ele era o único réu. Já no mensalão, são 25 condenados. Poderá haver o trânsito em julgado somente para uma parte ou tem que esperar o trânsito em julgado de todas? Essa é outra questão que o Supremo deverá enfrentar.

No próprio processo do mensalão, ele já decidiu que pode “fracionar” o trânsito em julgado quando permitiu que os réus absolvidos, como Duda Mendonça, já poderiam ter liberados os bens que haviam sido apreendidos durante o processo. Fracionamento para beneficiar o réu foi concedido pelo Supremo. Também o será quando não for para beneficiar? Sobre isso, o Supremo ainda não decidiu. Correrão os réus o risco?

Voto de Celso de Mello nada disse sobre prolongamento do caso

qua, 18/09/13
por Karina Trevizan |

por André Mendes
Os cinco ministros que votaram pela rejeição dos embargos infringentes apontaram alguns pontos em comum. A aceitação do recurso implicaria em verdadeiro trancamento da agenda de julgamentos do Supremo. Um reexame dos fatos e provas importaria em várias novas sessões sobre o mesmo caso. O julgamento se eternizaria. A credibilidade da Corte estaria em risco.

O que disse o ministro Celso de Mello sobre esses argumentos? Nada.

Aceitou os embargos infringentes. Argumentou, em longa explanação, que historicamente todos os regimentos do Supremo previram o recurso. O direito de recorrer é parte do devido processo legal. É fundamental em um processo penal. Uma garantia de todo e qualquer réu.

E a questão da lei 8.038 de 1990 que regulou os processos no Supremo e não previu o recurso? O ministro afirmou que a proposta de supressão dos embargos infringentes não foi aceita pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal à época da votação da lei. Ao contrário, o Poder Legislativo manifestou-se pela manutenção do recurso, tendo feito inclusive referência ao Regimento Interno do Supremo.

Não teria havido revogação expressa do recurso. E não seria possível presumir uma revogação tácita. A lei 8.038 de 1990 não esgotou a regulação dos recursos no âmbito do Supremo. Não tratou dos embargos infringentes. Como também não tratou dos embargos de declaração, do agravo regimental e da figura do revisor. Nem por isso o Supremo rejeitou esses procedimentos.

E o duplo grau de jurisdição? O ministro Celso de Mello destacou a importância de se observar a Convenção Americana de Direitos Humanos. Conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, esse Tratado Internacional prevê o direito de recorrer da sentença a tribunal superior. Como não há Corte acima do Supremo, esse direito de recorrer estaria contemplado pela via da aceitação dos embargos infringentes.

Por um lado, haverá trancamento de pauta do Supremo, novas sessões e prolongamento indeterminado do processo. Por outro, fica garantido a todo e qualquer réu, no âmbito de um julgamento iniciado no Supremo, o direito de recorrer de uma condenação resultante de apertada maioria. A menos que se altere a lei para, expressamente, não permitir mais esse recurso. E essa alteração poderá vir do Congresso Nacional. Virá?

André Mendes é professor da FGV Direito Rio

Embargos infringentes na ação penal originária

qua, 11/09/13
por Carlos Velloso |

por Carlos Velloso
Indaga-se se seriam cabíveis, no Supremo Tribunal Federal, embargos infringentes em ação penal originária. Alguns juristas, porque a Lei 8.038, de 1990, que institui normas procedimentais para a ação penal originária, teria silenciado a respeito, concluem pela inexistência deste.[1]

Mas a questão não se resolve dessa forma.

Primeiro que tudo, é preciso reconhecer que a Lei 8.038, de 1990, institui normas para os processos que especifica, perante o STJ e o Supremo Tribunal Federal. O processo da ação penal originária é um desses processos especificados na Lei 8.038/90, artigos 1º a 12. Passo a passo, a lei estabelece o procedimento a ser observado: o prazo que ao Ministério Público é concedido para o oferecimento da denúncia (art. 1º); diligências complementares poderão ser deferidas pelo relator, com interrupção do prazo concedido para a denúncia (§ 1º); se o indiciado estiver preso, o prazo para a denúncia será de cinco dias (§ 2º, “a”), as diligências complementares não interromperão o prazo, salvo se o relator, ao deferi-las, determinar o relaxamento da prisão (§2º, “b”).

E segue a lei disciplinando o processo da ação penal originária, minuciosamente, até o findar da instrução, quando estatui, no art. 12, regras a serem observadas no julgamento, estabelecendo: “o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte: I – a acusação e a defesa terão sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação; II – encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.”

Tem-se, então, que a Lei 8.038, de 1990, disciplinou o processo da ação penal originária no Supremo Tribunal. Não o fez, entretanto, integralmente, mas até o julgamento da ação (Lei 8.038/90, art. 12).

É conferir: finda a instrução, segue-se o julgamento, na forma determinada no regimento interno – art. 12 da Lei 8.038 — observando-se, no julgamento, além do regimento interno, as regras dos incisos I e II do mesmo art. 12 da Lei 8.038. Aos atos subsequentes ao julgamento, porque com relação a eles a lei nada dispôs, aplica-se o regimento interno, parece-nos evidente, certo que a citada Lei 8.038, de 1990, referindo-se, expressamente, ao regimento interno, reconheceu a sua existência e aplicabilidade naquilo que ela, Lei 8.038, não

Verifica-se, portanto, que a Lei 8.038, de 1990, não extinguiu, no ponto, recursos inscritos no regimento interno do Supremo, como afirmado por alguns. Ao contrário, silenciou-se a lei.

Outros — que não são do ramo — invocam a Constituição, afirmando que ela também é silente. Ora, a Constituição jamais cuidou de recursos internos. Ela dispõe a respeito, apenas, dos recursos constitucionais: (i) o recurso extraordinário (C.F., art. 102, III e alíneas) e (ii) o recurso ordinário constitucional (C.F., art. 102, II e alíneas).

É oportuno invocar, no ponto, relativamente à Lei 8.038, o velho brocardo jurídico “ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit” – quando a lei quis, determinou, sobre o que não quis, silenciou-se; ou este outro: “lex, si aliud voluisset, expressisset” – a lei, se o quisesse, o expressaria claramente.[2]

Os brocardos jurídicos, anota Vladimir Passos de Freitas,[3] invocando  Orlando Gomes, representam “uma condensação tradicional de princípios gerais.”[4] Os brocardos, leciona Miguel Reale, lembra Vladimir, “se nem sempre traduzem princípios gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o operador do direito não pode a priori desprezar.”[5]

O Regimento Interno do Supremo Tribunal estabelece que cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal (art. 333, I) e que “o cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.” (Art. 333, parágrafo único). Sessão secreta, após a Constituição de 1988, não há mais, felizmente. (C.F., art. 92, IX).

O Supremo Tribunal, “sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010; RTJ 151/278), (…).”[6]

Ora, conforme vimos, a Lei 8.038, de 1990, disciplinou o processo da ação penal originária apenas até o término da instrução. Finda esta, “o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno” (art. 12), observando-se, no julgamento, o disposto nos incisos I e II do citado art. 12. É dizer, a partir daí, a partir do julgamento, aplicam-se as disposições do Regimento Interno, estando entre elas a que estabelece os embargos infringentes.

Na era dos direitos, dos direitos garantidos,[7] seria inconcebível interpretação restritiva, voluntarista, em detrimento do direito de defesa, da liberdade, assim do devido processo legal, uma das mais relevantes garantias constitucionais (C.F., art. 5º, LV). A propósito, convém assinalar que, em termos de garantir direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal jamais falhou.



[1] Por todos, Strek, Lênio Luiz, “Não cabem embargos infringentes no Supremo”, CONAMP, em www.conamp.org.br/lists/artigos/dispform.aspx.

[2] Freitas, Vladimir Passos de, “Os pouco conhecidos e lembrados brocardos jurídicos”, em “Consultor Jurídico, ” 24.03.2013, www.conjur.com.br.

[3] Idem, idem.

[4] Gomes, Orlando, “Introdução à Ciência do Direito”, Forense, p. 50.

[5] Reale, Miguel, “Lições Preliminares de Direito”, Saraiva, p. 315

[6] AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJE de 06.12.2011, em www.stf.jus.br/jurisprudência.

[7] Bobbio, Norberto, “A Era dos Direitos”, Ed. Campus, 1992.

Depois dos embargos

ter, 10/09/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Adriana Lacombe Coiro
Quais as consequências de se aceitarem os embargos infringentes, para o julgamento, para os réus e para a sociedade?

Para o julgamento, aceitar prolongará o processo. Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, irá “eternizá-lo”. Será aberto novo prazo para que os réus façam uso do recurso, haverá um novo relator e, daqui a algum tempo, um novo julgamento. Julgamento restrito a alguns casos, em que há 4 votos a favor do réu. Mas ainda assim, um novo julgamento.

Rejeitar os embargos, por outro lado, aproximará o processo do fim: o trânsito em julgado, que marca o fim do julgamento, estará próximo. Restará apenas a possibilidade de novos embargos de declaração, sempre cabíveis, em qualquer decisão, em caso de omissão ou contradição.

A chance desses novos embargos de declaração, no entanto, é remota, especialmente para os 22 condenados que não tiveram este pedido aceito pela Corte no último mês. No caso de Natan Donadon, por exemplo, o STF entendeu que a segunda tentativa de embargos declaratórios era protelatória, ou seja, visava apenas adiar o fim do julgamento. É possível que entenda o mesmo com novos embargos declaratórios no mensalão.

Já as consequências para os réus caso o STF aceite os embargos infringentes são claras. A decisão representaria um adiamento das prisões, multas e demais sanções impostas pelo Supremo, nos casos em que o recurso for cabível. Quanto mais tarde terminar o processo, mais tarde começará a aplicação das penas.

A aceitação do recurso representaria também uma nova chance: uma nova oportunidade de convencer os ministros dos argumentos apresentadas pelos advogados de defesa. Chance especialmente valiosa, pois há dois novos ministros na Corte, que não participaram da primeira fase, e cuja intervenção pode alterar o resultado final.

Por último, quais as consequências dessa decisão para a sociedade? Aceitar os embargos pode aumentar a sensação de impunidade. A sensação de que, para alguns, os processos nunca terminam. Mas pode também mostrar que, em processos penais, há sempre duplo grau de jurisdição, conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Sempre duas análises do caso, ainda que julgado pela mais alta corte do país.

Embargos infringentes, argumentos contra e a favor

qui, 05/09/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Thiago Bottino
Embargos infringentes são recursos que só podem ser utilizados pela defesa nos casos de condenação não-unânime. Estão previstos no atual código de processo penal, bem como nos dois projetos mais importantes que tramitam atualmente no Congresso (PLS 156/2009 e PLC 7.987/2010). Servem para evitar condenações por margens muito estreitas, onde a certeza da condenação é colocada em xeque.

Contudo, no caso do mensalão, há uma dúvida acerca da possibilidade desse recurso, pois a lei que estabelece as regras para o julgamento pelo STF (8.038/90), não prevê a sua utilização. Já o Regimento Interno do Supremo (RISTF) prevê os embargos quando houver ao menos 4 votos contra a condenação.

Grandes juristas defendem serem incabíveis os embargos. Outros juristas, igualmente ilustres, sustentam que o Supremo deve conhecer os embargos e renovar o julgamento dos acusados. A discussão pode ser sintetizada da seguinte forma:

O primeiro argumento contra os embargos é o de que a Lei 8.038/90 teria revogado essa previsão do Regimento Interno, já que a lei alterou os procedimentos de julgamento de ações penais pelo Supremo. A tese oposta sustenta que a alteração não foi expressa (a lei não afirma que houve revogação) e portanto a revogação só ocorreria nos pontos em que o RISTF fosse incompatível com a Lei 8.038/90. Como a lei não fala de nenhum recurso (nem mesmo dos embargos de declaração, já admitidos pelo Supremo), não haveria, nesse ponto, incompatibilidade.

O segundo argumento é que não há razão nos embargos infringentes quando o julgamento original ocorre no STF. De fato, nos demais tribunais, os embargos infringentes são decididos por outros julgadores, além daqueles que participaram da condenação. Por outro lado, os defensores dos embargos sustentam que justamente por não haver nenhum recurso para órgão superior é que se exigiria a possibilidade de uma revisão do julgamento, ainda que pelos mesmos integrantes do julgamento original.

No caso do mensalão, o argumento ganha contornos mais dramáticos porque houve duas mudanças substanciais na composição da corte, com a aposentadoria de dois ministros que votaram pela condenação nos casos em que caberiam os embargos infringentes.

Por último, argumenta-se que a opinião pública e a sociedade precisam de uma resposta rápida para esse julgamento que mobilizou o país. A demora na decisão final e uma eventual modificação no julgamento diminuiria a confiança da população no Poder Judiciário.

De outro lado, afirma-se que o direito muitas vezes é claro e taxativo, mas que quando ocorrem dúvidas (como qual lei aplicar, por exemplo) deve prevalecer sempre a decisão mais favorável ao réu. Para esses juristas, o que dá credibilidade ao Poder Judiciário é uma decisão que tenha sido, ao menos uma vez, reavaliada naqueles pontos em que houve condenação e por maioria tão apertada.

Revisão criminal: nova fonte de pressão sobre o STF?

qua, 28/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Tânia Rangel
Quando terminará o julgamento do mensalão? Além dos embargos de declaração, o que pode ser proposto?

Na sessão desta quarta (28), o ministro Teori Zavascki afirmou que o Supremo somente poderia alterar as penas aplicadas se houver revisão criminal.

Trata-se de uma nova ação que cabe contra condenação contrária à lei ou à evidência dos autos ou quando surgem novas provas que sejam favoráveis aos condenados.

Antes disso, porém, o Supremo decidirá se os embargos infringentes são cabíveis ou não.

Nos dois, há a possibilidade de um novo julgamento. Mas o contexto de cada um desses recursos é bastante diferente. Tanto para os réus, como para o Supremo.

Se nos embargos infringentes os réus continuam em liberdade, na revisão criminal já estão condenados e cumprindo pena.

Nos embargos infringentes a sensação de que o julgamento não acaba e não chega ao fim é exacerbada, porque demanda mais tempo e prorroga a decisão final para 2014 ou até mesmo 2015. Na revisão criminal essa sensação diminui, porque a execução da decisão já começa, isto é, os condenados já vão para a prisão, se for o caso.

Por outro lado, se para julgar os embargos infringentes, os ministros do Supremo não sofrerão pressão para colocá-los em pauta por parte dos réus, na revisão criminal, podem sofrer.

Momentos diferentes, pressões diferentes. Mas em ambos, o Supremo sofre a pressão constante de si mesmo. E em razão dessa pressão procura esgotar os argumentos que o levaram a tomar a decisão. Faz-se justiça.

Correção de erro pode piorar a situação do réu?

ter, 27/08/13
por Alexandre Camanho |

O STF dá continuidade, hoje, ao julgamento das impugnações dos réus do mensalão, mediante embargos de declaração, ordinariamente utilizado apenas para esclarecer eventuais pontos omissos, obscuros ou contraditórios da decisão. Excepcionalmente, é possível que modifiquem a decisão anterior.

Nessa última sessão, na quinta-feira (22), teve destaque o julgamento dos embargos de declaração do réu Marcos Valério, que foi condenado a mais de 40 anos de prisão.

O ministro relator, Joaquim Barbosa, alegou ter havido erro material em sua decisão – uma conta feita de forma equivocada -, o que ensejaria a modificação da pena de multa imposta ao réu.

Para o crime de corrupção ativa, o ministro sugeriu que fosse alterada a pena de multa de 93 para 186 dias-multa, e, para o crime de lavagem de dinheiro, de 93 para 310 dias-multa.

A pena de multa, em processos criminais, pode ser aplicada pelo juiz isolada, alternativa ou cumulativamente, dependendo do crime cometido.

Quando a prática criminosa visa à obtenção de lucro, a pena pecuniária é sempre adequada e indispensável. No caso de Marcos Valério, além da pena de privação de liberdade, estipulou-se a multa.

Essa multa não é considerada uma forma de ressarcimento pelos prejuízos causados: ela ostenta natureza de sanção penal. Assim, o valor a ser fixado não tem relação com o valor do prejuízo resultante do crime. A regra é que, além de pagar a multa penal, o réu seja acionado no âmbito civil para reparar tais danos.

A pena de multa é calculada, pelo juiz, na sentença, da seguinte forma: primeiro, fixa-se o valor de dias, entre 10 e 360, a depender da gravidade e consequências do crime. Em seguida, fixa-se o valor de cada dia-multa, que poderá variar de um trigésimo do salário mínimo mensal até 10 vezes esse salário, com base na situação econômica do réu.

A questão debatida na quinta era se a correção do erro material, em fase de embargos – que resultaria no aumento da pena de multa ao réu Marcos Valério – afrontaria ou não o princípio do reformatio in pejus, um dos pilares do Direito Penal, que garante que a parte que recorrer não poderá ter sua situação piorada, caso não haja recurso da parte contrária.

Nesse caso, apenas o réu recorreu; o MP não. Assim, qualquer modificação na decisão do recurso que implique aumento da pena fixada anteriormente seria vedada.

Foi nesse sentido que pontificou o ministro Celso de Mello, pouco antes de ser finalizada a sessão.  Na retomada do julgamento, nesta quarta-feira, a questão deverá ser resolvida pelos ministros.

Relator X Presidente

qui, 02/05/13
por Alexandre Camanho |

Advogados de alguns dos réus da Ação  Penal 470 – que trata do Mensalão – pediram esta semana o afastamento do ministro Joaquim Barbosa da relatoria do caso. A alegação é de que, por ter assumido a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), Barbosa não mais poderia ser o relator da ação.

A tese, porém, contraria artigos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), que já estabelecem regras para esse tipo de situação. O artigo 75, por exemplo, faz menção direta à questão e não deixa dúvida sobre o caso: “O Ministro eleito Presidente continuará como Relator ou Revisor do processo em que tiver lançado o relatório ou aposto o seu visto.” Fica claro não haver impedimento algum para que o ministro Joaquim Barbosa seguisse na relatoria da ação penal do Mensalão, uma vez que o relatório foi publicado em maio de 2012.

Vale destacar que o ministro que assume a presidência da Suprema Corte deixa de receber novos processos. É o que prevê o artigo 67 do Regimento Interno do STF. Contudo, o Regimento Interno não faz restrições a que o ministro presidente subsista na relatoria de seus processos.

Publicada às 16h12

Publicação de acórdão permite avaliar argumentos dos ministros

seg, 22/04/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Diego Werneck Arguelhes e Fernando Leal
Com a publicação do acórdão e dos votos do Mensalão, toda a atenção se volta para os réus e as suas estratégias de defesa. Abre-se o prazo de 10 dias, conforme decisão recente do próprio tribunal, para que as partes analisem os votos e apresentem, se for o caso, embargos de declaração.

Trata-se de um tipo de recurso utilizado para pedir ao tribunal que esclareça omissões, contradições e ambiguidades na decisão. No caso, os embargos serão inevitáveis. Os réus e seus advogados certamente se debruçarão sobre as mais de 8.400 páginas de votos, comparando-as entre si e com as mais de 200 horas de sessão. É uma corrida contra o relógio – mais de 800 páginas e 20 horas de sessão por dia – para identificar problemas na construção coletiva da decisão do tribunal.

A pressão do tempo, porém, pode ser facilmente minimizada por estratégias das próprias partes. Haverá uma “divisão de trabalho” entre os réus, com cada um recorrendo de uma vez e sobre pontos diferentes da decisão? Haverá embargos de declaração dos embargos de declaração? E como se comportarão os ministros nessas hipóteses? Dependendo das respostas, a aparente escassez de tempo para a identificação de problemas nos votos neste momento não impedirá necessariamente que essa fase do processo ainda perdure por diversas semanas.

Isso significa que o Supremo voltará a ocupar o centro das atenções em breve, quando for apreciar os primeiros embargos de declaração. Há muitas questões potencialmente em aberto antes mesmo de o tribunal enfrentar os problemas relacionados a uma futura apresentação de embargos infringentes pelos réus que obtiveram pelo menos 4 votos pela absolvição.

É importante enfatizar, porém, que não são apenas os réus e seus advogados que podem apontar para discrepâncias entre o acórdão publicado e o que de fato ocorreu. Os próprios ministros podem, durante a discussão dos embargos, identificar problemas na ementa da decisão. A ementa, uma espécie de resumo dos principais argumentos e decisões tomadas pelo tribunal no caso, é escrita pelo relator do acórdão – o Min. Joaquim Barbosa – e deve ser aprovada por todos os outros ministros antes de publicada.

Entretanto, já houve pelo menos dois casos importantes em que ministros discordaram da redação proposta pelo relator, mesmo após a sua aprovação e publicação formal: na ADI 2.591/DF, em que se enfrentou a questão da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias, e na ADPF 130, em que se discutiu a compatibilidade da Lei de Imprensa, de 1967, com a Constituição de 1988.

O momento é de grande atividade e atenção no lado dos réus. Mas os ministros do Supremo não estão necessariamente parados. A ementa, assim como a decisão, que é do tribunal, é uma construção coletiva, e é possível que o texto elaborado pelo ministro Joaquim Barbosa não seja a última palavra da corte. Em especial, a publicação dos votos é o momento em que todos nós podemos de fato ver e avaliar os argumentos utilizados pelos ministros. Cobrar consistência e clareza nos votos e na ementa é tarefa não só dos réus, mas dos próprios ministros e de toda a sociedade.

Publicada às 7h34

Extensão do prazo para defesa levou em conta pluralidade de réus

qua, 17/04/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Adriana Lacombe Coiro
Em sessão plenária de hoje, o STF decidiu que o prazo para embargos de declaração no mensalão será dobrado, passando para 10 dias. O que chamou a atenção, no entanto, não foi a decisão final, mas seu fundamento.

Entenderam os ministros que nesse caso haveria justificativa legal para dobrar o prazo: um artigo do Código de Processo Civil, que traz expressamente essa possibilidade quando há vários réus, com diferentes advogados. Optaram por aplicar esta regra, muito embora o mensalão trate de direito penal.

O argumento não foi, então, o tamanho do caso, como havia alegado o advogado de José Dirceu, que fizera o pedido, mas sim a pluralidade de réus. Com isso, os ministros pareceram tentar escapar  da visão de que o mensalão seria diferente e, por seu volume, deveria ter os prazos aumentados. Aplicaram uma regra geral, já prevista na legislação. Seus efeitos, no entanto, são ainda incertos, embora potencialmente graves.

Poderão agora os advogados de todos os acusados por formação de quadrilha, por exemplo, em que há sempre um mínimo de quatro réus, solicitar prazo em dobro nos casos em que há advogados diferentes, usando como exemplo a decisão de hoje do Supremo? E o tamanho do processo realmente não importa?

O Supremo decidiu dentro de seu poder discricionário. Aumentou o prazo, o que garante o direito de defesa dos réus, e não atrasa o processo. Deixou, no entanto, algumas questões em aberto.

São questões que, como várias outras geradas pela decisão no mensalão, irão se desdobrar ainda em muitos julgamentos futuros, dentro e fora do Supremo.

Reparação dos danos em outro processo

seg, 17/12/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por André Mendes
O último dia do julgamento da ação penal 470 foi curto, mas movimentado. A esperada decisão quanto à cassação saiu. O STF decidiu, por maioria, que os parlamentares condenados criminalmente perdem seus mandatos, cabendo à Câmara dos Deputados apenas declarar tal perda.

Os ministros fizeram também alguns reajustes em penas de multa. Manifestou-se o Procurador Geral da República. Disse que entregaria uma petição fundamentando o pedido de prisão imediata dos réus condenados… após o encerramento do processo.

Mas o Tribunal também tomou outra importante decisão: a de não fixar na sentença um valor mínimo para reparação dos danos causados pelos crimes.

Em suas alegações finais, o Ministério Público Federal havia pedido que fosse fixado na sentença um valor mínimo para reparação dos crimes dos réus do mensalão. O que significa isso?

Toda sentença penal que condena alguém tem um efeito genérico: obriga o condenado a indenizar o dano decorrente do crime. Se alguém é condenado por roubar um carro, fica obrigado a indenizar a vítima pelo valor do carro.

Sendo assim, os réus condenados no mensalão por desvio de recursos, lavagem de dinheiro teriam que reparar seus danos, indenizando os cofres públicos. Ou seja, indenizar o Estado pelos crimes praticados.

O ministro Joaquim Barbosa entendeu que a complexidade dos fatos inviabilizava a fixação de um valor de indenização, ainda que mínimo. Havendo diversas operações, simulações e etapas financeiras descritas no processo, não era possível identificar o valor a ser reparado por cada réu condenado.

Se não há como quantificar o dano causado pelo crime de cada réu poderia o juiz fixar o valor da reparação por esse crime? Não. Se não há meios no processo criminal de se identificar o prejuízo, não há como fixar uma indenização.

Então não haverá reparação dos danos? Poderá haver. Em outro processo. Em um processo civil que indique valores, provas relativas a esses valores e que dê à defesa a oportunidade de se manifestar sobre todos os aspectos. Assim é o devido processo legal.

Efeitos de mais uma nova versão

qua, 12/12/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Ivar A. Hartmann
Não importa qual o critério de medição usado, Marcos Valério é o réu central do processo do mensalão – ainda que não seja o mais poderoso. É o nome mais citado pelos ministros do Supremo em seus votos e tem a maior pena aplicada até agora. O que significarão então as novas declarações de Valério?

O depoimento atestando a participação de José Dirceu em reunião para tratar do sistema de compra de votos seria uma das provas mais fortes contra o ex-ministro. A nova informação mais relevante, porém, é sem dúvida o envolvimento do ex-presidente Lula. O novo testemunho de Marcos Valério faria prova do envolvimento de Lula como figura central na organização do esquema, além de mostrar que o então presidente da República recebeu para uso pessoal valores desviados pelo mesmo mecanismo do mensalão. Se a nova versão for levada a sério, poderia comprovar a prática de corrupção ativa e passiva por Lula.

Mas a credibilidade de Marcos Valério perante os ministros do STF não é boa. Ao ser ouvido durante o processo judicial, Marcos Valério contradisse depoimento prestado à Polícia Federal e desmentiu depoimento prestado à sub-procuradora-geral da República. Joaquim Barbosa afirmou em seu voto que Valério “muda de versão conforme as circunstâncias”. É provável que esse novo depoimento, analisado por um julgador, seria considerado prova frágil.

Na prática, nada do que Marcos Valério fala agora terá qualquer efeito na sua pena em processo que já está terminando. Cabe à Polícia Federal investigar e ao Ministério Público – se entender apropriado – oferecer nova denúncia sobre os fatos novos agora relatados. Somente nesse novo procedimento Valério, se for novamente réu, poderia pleitear a delação premiada. Isso é, caso não mude novamente sua versão.

A pena privativa de liberdade: a prisão

seg, 12/11/12
por Carlos Velloso |

O Supremo Tribunal Federal está fixando as penas aplicáveis aos réus condenados na ação penal 470, denominada mensalão. O tema convida-nos a algumas reflexões.

O Código Penal, art. 32, estabelece três espécies de penas: privativas de liberdade, restritivas de direitos e a multa. Dentre as primeiras, têm-se a reclusão e a detenção; quanto às restritivas de direitos, as principais são a prestação de serviços à comunidade e a interdição temporária de direitos.

A distinção entre as penas de reclusão e de detenção situa-se, praticamente, no regime de seu cumprimento. É dizer, na pena de reclusão ter-se-á o seu início no regime fechado e a sua progressão para o semiaberto e aberto. Na pena de detenção não é admissível o regime inicial fechado. Ele poderá iniciar-se no semiaberto ou aberto, salvo necessidade de transferência para o regime fechado (C.P., art. 33). No regime fechado, a execução da pena será em estabelecimento de segurança máxima ou média; no semiaberto, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; no aberto, em casa de albergado ou estabelecimento adequado (C.P., art. 33, §1º).

As penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma progressiva, segundo o mérito do condenado, com observância dos seguintes critérios: a) o condenado a pena superior a oito anos, começará no regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não excede a oito, começará no regime semiaberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (C.P., art. 33, §2º). Manda o Código, ademais, que, na determinação do regime inicial de cumprimento da pena, serão observados os critérios do art. 59. E que o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito (art. 33, § 3º). Deverá ser observada, ademais, a Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, especialmente os arts. 6º, 87 a 95, 110 a 119 e 203, § 2º.

Assim posta a questão, vamos a algumas reflexões.

Um velho juiz criminal de Minas, humano e sábio, advertia: a cadeia é para os delinquentes perigosos. De certa forma, essa sentença reflete a teoria penitenciarista americana, a “incapacitation”: os perigosos, enquanto estiverem presos, não vão delinquir, não vão causar danos às pessoas. E a ressocialização de delinquentes, nas prisões brasileiras, é uma quimera. A propósito, há um livro que acaba de sair – “Carcereiros” – de Dráuzio Varella, médico do sistema penitenciário paulista, que vale a pena ser lido e meditado.

De outro lado, é oportuno invocar a lição sempre atual de Cesare Beccaria, cujo livro, “Dos Delitos e das Penas,” marco do direito penal moderno, editado na segunda metade do Século XVIII, de que a pena há de ser humanizada. Essa humanização, nesta quadra de século, desaconselha penas pesadas.  Tratando-se de réu primário, sem antecedentes criminais, começa-se, de regra, na fixação da pena, do grau mínimo, certo que a possibilidade de prescrição não constitui agravante ou causa de exasperação da pena. O juiz deve ser rigoroso com o crime e piedoso com o homem que delinquiu. E quanto a réus primários, sem antecedentes criminais, a existência da ação penal, de regra, é constrangedora para o acusado e sua família. Já representa, portanto, uma pena. Recomendam-se, para os condenados não perigosos, penas restritivas de direitos, como a prestação de serviços à comunidade e a interdição temporária de direitos.

Dizíamos que a cadeia deve ser para os perigosos. No ponto, cumpre registrar que, segundo levantamento feito pelo CNJ,[1] o Brasil tem uma população carcerária que é a terceira maior do mundo. São cerca de 500 mil presos, com um deficit de aproximadamente 200 mil vagas. Na mesma linha, o artigo de Robson Pereira.[2] Acresce que, somente no Estado de S. Paulo, a informação corrente é que há mais de 150 mil mandados de prisão sem cumprimento. E quantos há em todo o Brasil? Isso quer dizer que os juízes criminais estão trabalhando duro. A impunidade não corre por conta da Justiça.

Ao cabo, vale anotar o registro do juiz Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, de que “o uso excessivo da prisão provisória no Brasil como uma espécie de antecipação da pena é uma realidade que nos preocupa. Os juízes precisam ser mais criteriosos no uso da prisão provisória.”[3]

Infelizmente, acrescentamos: o direito penal do inimigo faz escola.



[1] Portal CNJ, “Brasil tem terceira maior população carcerária do mundo.” www.cnj.jus.br

[2] Pereira, Robson, “População carcerária dobrou, mas cresce menos”, CONJUR, 13.06.2011.

[3] Portal do CNJ, citado.

STF busca definição para lavagem de dinheiro

sex, 12/10/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por Fernando Leal
Diz-se que, às vezes, é preciso dar um passo atrás para que dois à frente possam ser dados no futuro. No julgamento de hoje, os ministros suspenderam por um instante as discussões sobre os destinos dos réus para, provocados por um aparte do ministro Marco Aurélio, debater como aplicar a lei de lavagem de dinheiro.

O texto fala em ocultar ou dissimular frutos de infrações penais. Ocultar pressupõe a vontade de esconder. Exige-se, assim, que quem lava dinheiro saiba que ele é produto de crime. A grande questão é como provar que a pessoa tinha conhecimento de que aquele dinheiro era ilícito.

O problema do crime antecedente fica ainda mais espinhoso se a lavagem de dinheiro é confrontada com o crime de corrupção passiva. O funcionário público que, por exemplo, pede determinada soma comete automaticamente o crime de lavagem de dinheiro? Quem recebe valores nessas condições claramente oculta ou dissimula a sua origem criminosa.

O funcionário que solicita dinheiro tratará logo de usá-lo como se fosse lícito. Mas é a essa ocultação que o crime de lavagem se refere? Os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux dominaram os debates sobre o assunto e pareciam ter ido ao plenário dispostos a discutir o tema. As posições eram diferentes.

O grande receio do ministro Marco Aurélio era o de o tribunal tornar quase automática a condenação de alguém por lavagem de dinheiro. Qualquer uso de dinheiro sujo significa imediatamente o cometimento de lavagem? O advogado, por exemplo, que recebe do cliente seus honorários sem saber da sua origem ilícita está lavando esse dinheiro?

O ministro Fux, por sua vez, parecia preocupado em não adotar uma posição que, na prática, tornasse impossível qualquer condenação por lavagem. Se a condenação só for possível quando houver a clara intenção de dar uma roupagem “limpa” para um dinheiro “sujo”, o risco é o de tornar muito difícil a aplicação da norma penal.

Apesar de enfatizarem questões diferentes, os ministros tinham uma preocupação comum: pensar na mensagem que o Supremo deixará para os demais tribunais do país, o Ministério Público e a polícia a respeito do crime de lavagem de dinheiro.

As discussões sobre o tema não se encerraram, já que os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto ainda não se manifestaram. Por enquanto, o tribunal parece estar longe de um consenso. Ao contrário de outras disputas entre ministros ao longo do julgamento, esta parece ser decisiva não apenas para a solução de muitos tópicos do mensalão, como para a definição do legado jurídico da corte. O Supremo certamente transformará o tratamento de crimes financeiros no país.

Os crimes de corrupção passiva e ativa e o ato de ofício

qua, 03/10/12
por Carlos Velloso |

O delito de corrupção passiva está tipificado no artigo 317 do Código Penal. A corrupção ativa é prevista separada e independente da passiva, no art. 333. O objeto jurídico é a administração pública, especialmente a moralidade administrativa, que constitui princípio constitucional (C.F., art. 37).

O sujeito ativo do crime de corrupção passiva é o funcionário ou o servidor público, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, desde que pratique o crime em razão da função pública. Heleno Fragoso ensina “que basta o simples exercício de uma função pública para caracterizar, para os efeitos penais, o funcionário público.”[1] (C.P., art. 327). O particular, entretanto, pode ser coautor ou participante do crime, desde que tenha conhecimento da condição de servidor público do autor (Código Penal, artigos. 29 e 30).

A lei estabelece o tipo de corrupção passiva, é dizer, a conduta: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.” São três, portanto, as condutas: solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida.

Não há, está-se a ver, exigência, na formulação do tipo penal, de ato de ofício. É que o tipo é de mera conduta. O ato de ofício, se exigível, caracterizaria tipo de resultado. Na forma do descrito na lei penal, o ato de ofício, ensina, nas suas aulas de Direito Penal, o notável penalista paranaense Luiz Alberto Machado, é mero exaurimento do crime já consumado pela só conduta. Não fora assim, como se poderia praticar o crime de corrupção passiva fora da função ou antes de assumi-la, tal como estabelecido na lei (C.P., art. 317)?

Na forma do disposto no §1º do art. 317, a prática do ato de ofício constitui causa de aumento de pena: “a pena é aumentada de um terço se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.”

Esclareça-se, ademais, que não há necessidade de um corruptor ativo. Ainda que a pessoa não pague, sequer prometa a vantagem indevida, a conduta de solicitar consuma o delito. Na verdade, corrupção passiva e corrupção ativa são crimes autônomos e independentes um do outro, convindo acentuar que apenas quanto ao crime de corrupção ativa (Código Penal, art. 333), é que se fala em ato de ofício, certo que vinculado a ele não está o crime de corrupção passiva, mas o de prevaricação (C.P., art. 319).

Também no crime de corrupção ativa, “a pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.” (C.P., art. 333, parágrafo único).

Publicada às 7h39


[1] Fragoso, Heleno, “Jurisprudência Criminal”, vol. II, nº 250.



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