Voto de Celso de Mello nada disse sobre prolongamento do caso

qua, 18/09/13
por Karina Trevizan |

por André Mendes
Os cinco ministros que votaram pela rejeição dos embargos infringentes apontaram alguns pontos em comum. A aceitação do recurso implicaria em verdadeiro trancamento da agenda de julgamentos do Supremo. Um reexame dos fatos e provas importaria em várias novas sessões sobre o mesmo caso. O julgamento se eternizaria. A credibilidade da Corte estaria em risco.

O que disse o ministro Celso de Mello sobre esses argumentos? Nada.

Aceitou os embargos infringentes. Argumentou, em longa explanação, que historicamente todos os regimentos do Supremo previram o recurso. O direito de recorrer é parte do devido processo legal. É fundamental em um processo penal. Uma garantia de todo e qualquer réu.

E a questão da lei 8.038 de 1990 que regulou os processos no Supremo e não previu o recurso? O ministro afirmou que a proposta de supressão dos embargos infringentes não foi aceita pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal à época da votação da lei. Ao contrário, o Poder Legislativo manifestou-se pela manutenção do recurso, tendo feito inclusive referência ao Regimento Interno do Supremo.

Não teria havido revogação expressa do recurso. E não seria possível presumir uma revogação tácita. A lei 8.038 de 1990 não esgotou a regulação dos recursos no âmbito do Supremo. Não tratou dos embargos infringentes. Como também não tratou dos embargos de declaração, do agravo regimental e da figura do revisor. Nem por isso o Supremo rejeitou esses procedimentos.

E o duplo grau de jurisdição? O ministro Celso de Mello destacou a importância de se observar a Convenção Americana de Direitos Humanos. Conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, esse Tratado Internacional prevê o direito de recorrer da sentença a tribunal superior. Como não há Corte acima do Supremo, esse direito de recorrer estaria contemplado pela via da aceitação dos embargos infringentes.

Por um lado, haverá trancamento de pauta do Supremo, novas sessões e prolongamento indeterminado do processo. Por outro, fica garantido a todo e qualquer réu, no âmbito de um julgamento iniciado no Supremo, o direito de recorrer de uma condenação resultante de apertada maioria. A menos que se altere a lei para, expressamente, não permitir mais esse recurso. E essa alteração poderá vir do Congresso Nacional. Virá?

André Mendes é professor da FGV Direito Rio

Um novo julgamento. O mesmo tribunal?

qua, 18/09/13
por Karina Trevizan |

por Eduardo Jordão

A seguir-se a tendência sinalizada pelo Ministro Celso de Mello, o STF definirá nesta quarta-feira a admissão dos embargos infringentes na Ação Penal 470. Com isso, haverá um novo julgamento para 11 réus, em crimes nos quais foram condenados por maioria apertada de votos.

Curiosamente, este novo julgamento não será realizado por outro tribunal, mas pelo mesmo STF, na mesma formação plenária. Isso, na teoria. Na prática, o STF que decidirá os embargos infringentes não é o mesmo que decidiu a primeira fase.

Dois ministros deixaram o tribunal (Peluso e Britto) e dois novos passaram a integrá-lo (Zavascki e Barroso). Num universo de 11 membros, esta alteração é relevante?

Duas circunstâncias levam a crer que sim.

Em primeiro lugar, as questões que serão levadas à apreciação do tribunal a partir de agora são as mais polêmicas da primeira fase. São aquelas em relação às quais houve decisão apertada (com quatro ou cinco votos vencidos) – e aquelas em que um ou dois novos votos podem ser decisivos.

E mais: os ministros que deixaram o tribunal votaram pela condenação nestas questões. Quer dizer: a alteração da composição do tribunal eliminou dois Ministros que votavam pela condenação – e manteve, em todos os casos, os quatro ou cinco ministros que votaram pela absolvição.

Em segundo lugar, os dois novos ministros deixaram transparecer em manifestações anteriores que discordavam de algumas decisões tomadas pelo tribunal na primeira fase.

Durante o julgamento dos embargos de declaração, o ministro Barroso repetiu que não rediscutiria questões substanciais com as quais não concordava, mas reservava-se o direito de fazê-lo, “se o plenário optar por um rejulgamento”.

O ministro Zavascki chegou a ir mais longe, ao refazer alguns de seus votos a partir daquilo que ele considerou uma ampliação do escopo dos embargos de declaração. Ou seja: quando entendeu que os embargos lhe davam mais espaço para discussões substanciais, aceitou o convite e foi adiante.

Em outras palavras, um novo julgamento, um novo tribunal e, possivelmente, um novo resultado.

EDUARDO JORDÃO é Professor da FGV Direito Rio.

Embargos infringentes na ação penal originária

qua, 11/09/13
por Carlos Velloso |

por Carlos Velloso
Indaga-se se seriam cabíveis, no Supremo Tribunal Federal, embargos infringentes em ação penal originária. Alguns juristas, porque a Lei 8.038, de 1990, que institui normas procedimentais para a ação penal originária, teria silenciado a respeito, concluem pela inexistência deste.[1]

Mas a questão não se resolve dessa forma.

Primeiro que tudo, é preciso reconhecer que a Lei 8.038, de 1990, institui normas para os processos que especifica, perante o STJ e o Supremo Tribunal Federal. O processo da ação penal originária é um desses processos especificados na Lei 8.038/90, artigos 1º a 12. Passo a passo, a lei estabelece o procedimento a ser observado: o prazo que ao Ministério Público é concedido para o oferecimento da denúncia (art. 1º); diligências complementares poderão ser deferidas pelo relator, com interrupção do prazo concedido para a denúncia (§ 1º); se o indiciado estiver preso, o prazo para a denúncia será de cinco dias (§ 2º, “a”), as diligências complementares não interromperão o prazo, salvo se o relator, ao deferi-las, determinar o relaxamento da prisão (§2º, “b”).

E segue a lei disciplinando o processo da ação penal originária, minuciosamente, até o findar da instrução, quando estatui, no art. 12, regras a serem observadas no julgamento, estabelecendo: “o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte: I – a acusação e a defesa terão sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação; II – encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.”

Tem-se, então, que a Lei 8.038, de 1990, disciplinou o processo da ação penal originária no Supremo Tribunal. Não o fez, entretanto, integralmente, mas até o julgamento da ação (Lei 8.038/90, art. 12).

É conferir: finda a instrução, segue-se o julgamento, na forma determinada no regimento interno – art. 12 da Lei 8.038 — observando-se, no julgamento, além do regimento interno, as regras dos incisos I e II do mesmo art. 12 da Lei 8.038. Aos atos subsequentes ao julgamento, porque com relação a eles a lei nada dispôs, aplica-se o regimento interno, parece-nos evidente, certo que a citada Lei 8.038, de 1990, referindo-se, expressamente, ao regimento interno, reconheceu a sua existência e aplicabilidade naquilo que ela, Lei 8.038, não

Verifica-se, portanto, que a Lei 8.038, de 1990, não extinguiu, no ponto, recursos inscritos no regimento interno do Supremo, como afirmado por alguns. Ao contrário, silenciou-se a lei.

Outros — que não são do ramo — invocam a Constituição, afirmando que ela também é silente. Ora, a Constituição jamais cuidou de recursos internos. Ela dispõe a respeito, apenas, dos recursos constitucionais: (i) o recurso extraordinário (C.F., art. 102, III e alíneas) e (ii) o recurso ordinário constitucional (C.F., art. 102, II e alíneas).

É oportuno invocar, no ponto, relativamente à Lei 8.038, o velho brocardo jurídico “ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit” – quando a lei quis, determinou, sobre o que não quis, silenciou-se; ou este outro: “lex, si aliud voluisset, expressisset” – a lei, se o quisesse, o expressaria claramente.[2]

Os brocardos jurídicos, anota Vladimir Passos de Freitas,[3] invocando  Orlando Gomes, representam “uma condensação tradicional de princípios gerais.”[4] Os brocardos, leciona Miguel Reale, lembra Vladimir, “se nem sempre traduzem princípios gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o operador do direito não pode a priori desprezar.”[5]

O Regimento Interno do Supremo Tribunal estabelece que cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal (art. 333, I) e que “o cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.” (Art. 333, parágrafo único). Sessão secreta, após a Constituição de 1988, não há mais, felizmente. (C.F., art. 92, IX).

O Supremo Tribunal, “sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010; RTJ 151/278), (…).”[6]

Ora, conforme vimos, a Lei 8.038, de 1990, disciplinou o processo da ação penal originária apenas até o término da instrução. Finda esta, “o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno” (art. 12), observando-se, no julgamento, o disposto nos incisos I e II do citado art. 12. É dizer, a partir daí, a partir do julgamento, aplicam-se as disposições do Regimento Interno, estando entre elas a que estabelece os embargos infringentes.

Na era dos direitos, dos direitos garantidos,[7] seria inconcebível interpretação restritiva, voluntarista, em detrimento do direito de defesa, da liberdade, assim do devido processo legal, uma das mais relevantes garantias constitucionais (C.F., art. 5º, LV). A propósito, convém assinalar que, em termos de garantir direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal jamais falhou.



[1] Por todos, Strek, Lênio Luiz, “Não cabem embargos infringentes no Supremo”, CONAMP, em www.conamp.org.br/lists/artigos/dispform.aspx.

[2] Freitas, Vladimir Passos de, “Os pouco conhecidos e lembrados brocardos jurídicos”, em “Consultor Jurídico, ” 24.03.2013, www.conjur.com.br.

[3] Idem, idem.

[4] Gomes, Orlando, “Introdução à Ciência do Direito”, Forense, p. 50.

[5] Reale, Miguel, “Lições Preliminares de Direito”, Saraiva, p. 315

[6] AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJE de 06.12.2011, em www.stf.jus.br/jurisprudência.

[7] Bobbio, Norberto, “A Era dos Direitos”, Ed. Campus, 1992.

Depois dos embargos

ter, 10/09/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Adriana Lacombe Coiro
Quais as consequências de se aceitarem os embargos infringentes, para o julgamento, para os réus e para a sociedade?

Para o julgamento, aceitar prolongará o processo. Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, irá “eternizá-lo”. Será aberto novo prazo para que os réus façam uso do recurso, haverá um novo relator e, daqui a algum tempo, um novo julgamento. Julgamento restrito a alguns casos, em que há 4 votos a favor do réu. Mas ainda assim, um novo julgamento.

Rejeitar os embargos, por outro lado, aproximará o processo do fim: o trânsito em julgado, que marca o fim do julgamento, estará próximo. Restará apenas a possibilidade de novos embargos de declaração, sempre cabíveis, em qualquer decisão, em caso de omissão ou contradição.

A chance desses novos embargos de declaração, no entanto, é remota, especialmente para os 22 condenados que não tiveram este pedido aceito pela Corte no último mês. No caso de Natan Donadon, por exemplo, o STF entendeu que a segunda tentativa de embargos declaratórios era protelatória, ou seja, visava apenas adiar o fim do julgamento. É possível que entenda o mesmo com novos embargos declaratórios no mensalão.

Já as consequências para os réus caso o STF aceite os embargos infringentes são claras. A decisão representaria um adiamento das prisões, multas e demais sanções impostas pelo Supremo, nos casos em que o recurso for cabível. Quanto mais tarde terminar o processo, mais tarde começará a aplicação das penas.

A aceitação do recurso representaria também uma nova chance: uma nova oportunidade de convencer os ministros dos argumentos apresentadas pelos advogados de defesa. Chance especialmente valiosa, pois há dois novos ministros na Corte, que não participaram da primeira fase, e cuja intervenção pode alterar o resultado final.

Por último, quais as consequências dessa decisão para a sociedade? Aceitar os embargos pode aumentar a sensação de impunidade. A sensação de que, para alguns, os processos nunca terminam. Mas pode também mostrar que, em processos penais, há sempre duplo grau de jurisdição, conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Sempre duas análises do caso, ainda que julgado pela mais alta corte do país.

Embargos infringentes, argumentos contra e a favor

qui, 05/09/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Thiago Bottino
Embargos infringentes são recursos que só podem ser utilizados pela defesa nos casos de condenação não-unânime. Estão previstos no atual código de processo penal, bem como nos dois projetos mais importantes que tramitam atualmente no Congresso (PLS 156/2009 e PLC 7.987/2010). Servem para evitar condenações por margens muito estreitas, onde a certeza da condenação é colocada em xeque.

Contudo, no caso do mensalão, há uma dúvida acerca da possibilidade desse recurso, pois a lei que estabelece as regras para o julgamento pelo STF (8.038/90), não prevê a sua utilização. Já o Regimento Interno do Supremo (RISTF) prevê os embargos quando houver ao menos 4 votos contra a condenação.

Grandes juristas defendem serem incabíveis os embargos. Outros juristas, igualmente ilustres, sustentam que o Supremo deve conhecer os embargos e renovar o julgamento dos acusados. A discussão pode ser sintetizada da seguinte forma:

O primeiro argumento contra os embargos é o de que a Lei 8.038/90 teria revogado essa previsão do Regimento Interno, já que a lei alterou os procedimentos de julgamento de ações penais pelo Supremo. A tese oposta sustenta que a alteração não foi expressa (a lei não afirma que houve revogação) e portanto a revogação só ocorreria nos pontos em que o RISTF fosse incompatível com a Lei 8.038/90. Como a lei não fala de nenhum recurso (nem mesmo dos embargos de declaração, já admitidos pelo Supremo), não haveria, nesse ponto, incompatibilidade.

O segundo argumento é que não há razão nos embargos infringentes quando o julgamento original ocorre no STF. De fato, nos demais tribunais, os embargos infringentes são decididos por outros julgadores, além daqueles que participaram da condenação. Por outro lado, os defensores dos embargos sustentam que justamente por não haver nenhum recurso para órgão superior é que se exigiria a possibilidade de uma revisão do julgamento, ainda que pelos mesmos integrantes do julgamento original.

No caso do mensalão, o argumento ganha contornos mais dramáticos porque houve duas mudanças substanciais na composição da corte, com a aposentadoria de dois ministros que votaram pela condenação nos casos em que caberiam os embargos infringentes.

Por último, argumenta-se que a opinião pública e a sociedade precisam de uma resposta rápida para esse julgamento que mobilizou o país. A demora na decisão final e uma eventual modificação no julgamento diminuiria a confiança da população no Poder Judiciário.

De outro lado, afirma-se que o direito muitas vezes é claro e taxativo, mas que quando ocorrem dúvidas (como qual lei aplicar, por exemplo) deve prevalecer sempre a decisão mais favorável ao réu. Para esses juristas, o que dá credibilidade ao Poder Judiciário é uma decisão que tenha sido, ao menos uma vez, reavaliada naqueles pontos em que houve condenação e por maioria tão apertada.



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