Revisão criminal: nova fonte de pressão sobre o STF?

qua, 28/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Tânia Rangel
Quando terminará o julgamento do mensalão? Além dos embargos de declaração, o que pode ser proposto?

Na sessão desta quarta (28), o ministro Teori Zavascki afirmou que o Supremo somente poderia alterar as penas aplicadas se houver revisão criminal.

Trata-se de uma nova ação que cabe contra condenação contrária à lei ou à evidência dos autos ou quando surgem novas provas que sejam favoráveis aos condenados.

Antes disso, porém, o Supremo decidirá se os embargos infringentes são cabíveis ou não.

Nos dois, há a possibilidade de um novo julgamento. Mas o contexto de cada um desses recursos é bastante diferente. Tanto para os réus, como para o Supremo.

Se nos embargos infringentes os réus continuam em liberdade, na revisão criminal já estão condenados e cumprindo pena.

Nos embargos infringentes a sensação de que o julgamento não acaba e não chega ao fim é exacerbada, porque demanda mais tempo e prorroga a decisão final para 2014 ou até mesmo 2015. Na revisão criminal essa sensação diminui, porque a execução da decisão já começa, isto é, os condenados já vão para a prisão, se for o caso.

Por outro lado, se para julgar os embargos infringentes, os ministros do Supremo não sofrerão pressão para colocá-los em pauta por parte dos réus, na revisão criminal, podem sofrer.

Momentos diferentes, pressões diferentes. Mas em ambos, o Supremo sofre a pressão constante de si mesmo. E em razão dessa pressão procura esgotar os argumentos que o levaram a tomar a decisão. Faz-se justiça.

Correção de erro pode piorar a situação do réu?

ter, 27/08/13
por Alexandre Camanho |

O STF dá continuidade, hoje, ao julgamento das impugnações dos réus do mensalão, mediante embargos de declaração, ordinariamente utilizado apenas para esclarecer eventuais pontos omissos, obscuros ou contraditórios da decisão. Excepcionalmente, é possível que modifiquem a decisão anterior.

Nessa última sessão, na quinta-feira (22), teve destaque o julgamento dos embargos de declaração do réu Marcos Valério, que foi condenado a mais de 40 anos de prisão.

O ministro relator, Joaquim Barbosa, alegou ter havido erro material em sua decisão – uma conta feita de forma equivocada -, o que ensejaria a modificação da pena de multa imposta ao réu.

Para o crime de corrupção ativa, o ministro sugeriu que fosse alterada a pena de multa de 93 para 186 dias-multa, e, para o crime de lavagem de dinheiro, de 93 para 310 dias-multa.

A pena de multa, em processos criminais, pode ser aplicada pelo juiz isolada, alternativa ou cumulativamente, dependendo do crime cometido.

Quando a prática criminosa visa à obtenção de lucro, a pena pecuniária é sempre adequada e indispensável. No caso de Marcos Valério, além da pena de privação de liberdade, estipulou-se a multa.

Essa multa não é considerada uma forma de ressarcimento pelos prejuízos causados: ela ostenta natureza de sanção penal. Assim, o valor a ser fixado não tem relação com o valor do prejuízo resultante do crime. A regra é que, além de pagar a multa penal, o réu seja acionado no âmbito civil para reparar tais danos.

A pena de multa é calculada, pelo juiz, na sentença, da seguinte forma: primeiro, fixa-se o valor de dias, entre 10 e 360, a depender da gravidade e consequências do crime. Em seguida, fixa-se o valor de cada dia-multa, que poderá variar de um trigésimo do salário mínimo mensal até 10 vezes esse salário, com base na situação econômica do réu.

A questão debatida na quinta era se a correção do erro material, em fase de embargos – que resultaria no aumento da pena de multa ao réu Marcos Valério – afrontaria ou não o princípio do reformatio in pejus, um dos pilares do Direito Penal, que garante que a parte que recorrer não poderá ter sua situação piorada, caso não haja recurso da parte contrária.

Nesse caso, apenas o réu recorreu; o MP não. Assim, qualquer modificação na decisão do recurso que implique aumento da pena fixada anteriormente seria vedada.

Foi nesse sentido que pontificou o ministro Celso de Mello, pouco antes de ser finalizada a sessão.  Na retomada do julgamento, nesta quarta-feira, a questão deverá ser resolvida pelos ministros.

O STF revisor de si mesmo

sex, 23/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Diego Werneck

Boa parte do trabalho do STF envolve procurar e enfrentar os erros dos outros. Segundo o primeiro relatório do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de 1988 a 2009 mais de 86% de todos os processos que tramitaram pelo tribunal já tinham recebido pelo menos duas decisões em tribunais inferiores. Não faltam casos difíceis, especialmente em ações diretas de inconstitucionalidade, em que o STF faz uma interpretação direta da Constituição sobre um problema a ele submetido diretamente, sem intermediários. Em termos quantitativos, porém, a tarefa típica dos Ministros consiste em dar uma segunda – e às vezes terceira ou quarta – opinião.

Não é assim no Mensalão. Um dos raros processos penais em que o STF atua como um típico juiz de primeira instância. Acompanha investigações, produz provas, dialoga com a polícia. Mais ainda, sua apreciação dessas provas é não apenas a primeira: é também a última. Não há instituição judicial superior no direito brasileiro. Nesta fase do processo, portanto, apesar de haver limites ao que se pode discutir em embargos de declaração, os Ministros acabam atuando como revisores de si mesmos. Precisam buscar, nas milhares de páginas do acórdão, suas próprias omissões, obscuridades e contradições. Duas questões ficam evidentes nesse autoexame.

Primeiro, se é que ainda há dúvida a respeito, ver o STF como revisor de si mesmo deixa claro que não há decisão imune a erros. Muito menos em um caso dessa magnitude. É uma experiência comum para qualquer autor, de qualquer texto, ficar desapontado agora com o que escreveu há alguns meses. O desconforto só pode aumentar quando o texto em questão é uma decisão judicial que afetará diretamente a liberdade dos réus. Julgar sua própria obra é estar preparado para encontrar problemas.

Segundo, além de desconfortável, procurar os seus próprios erros é uma tarefa difícil. Não é à toa que, no direito brasileiro, o arranjo institucional feito para reduzir erros e injustiças é um sistema de recursos que joga as decisões para cima – para as mãos de outros juízes e tribunais. Da mesma forma, quando pedimos uma segunda opinião para um diagnóstico clínico, não voltamos ao primeiro médico e perguntamos: Você tem certeza? Quer reconsiderar?

É difícil ser independente de si mesmo. Talvez isso explique, em parte, porque os dois Ministros que não participaram da primeira fase – Barroso e Zavascki – têm sido ativos em apontar problemas no acórdão: nesse momento, são no fundo revisores dos outros. Mas, quando se dá a primeira e a última palavra, a difícil tarefa de ser revisor de si mesmo é fundamental para a legitimidade do tribunal.

Diego Werneck é professor do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio.

A velocidade do julgamento

ter, 20/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Tânia Rangel
Como será a segunda semana de julgamento do mensalão? O quê se pode esperar? Se de um lado há os que gostariam de ver um julgamento rápido, de outro há os que esperam adiar ao máximo o seu fim. E entre esses extremos, onde ficaria a justiça?

Para que haja justiça é preciso observar o devido processo legal. Permitir que as partes – réus e Ministério Público – possam exercer o seu direito de defesa e de contradizer o que foi dito. E esse direito não se esgotou com o acórdão.

Os embargos de declaração, que estão em julgamento, são também formas do exercício do direito de defesa. É preciso que a parte entenda o motivo de sua condenação ou absolvição. Em um acórdão com mais de 8 mil páginas, não é difícil imaginar que um ou outro ponto possa ter parecido contraditório a alguma parte. É possível também que alguma parte acredite que tenha sido condenada porque uma determinada prova não foi examinada.

Porém, a entrega da justiça pressupõe um fim. A famosa expressão de Rui Barbosa, de que a justiça tardia não é justiça, é conhecida por todos.

E o quê tem sido feito até o momento?

Em uma semana, o Supremo julgou 8 embargos de declaração. Não julgou procedente nenhum.  A decisão tomada foi mantida. Mesmo ministros que foram vencidos no julgamento ano passado, nos embargos votaram com a maioria.

Seria isso uma contradição? De forma alguma. Isto porque o acórdão é a decisão do Supremo, do colegiado, e não a decisão individual de cada ministro. Ao votar pela ausência de contradição ou omissão no acórdão, o Supremo reforça a sua decisão. Reforça a si mesmo.

Porém, quando faz de uma discussão entre os ministros o principal assunto da sessão, o foco deixa de ser o processo e passa a ser a relação entre seus membros. E, às vezes, a pessoa de um ou outro ministro.

E nesse momento o Supremo se contradiz. De um órgão colegiado, onde as decisões de cada um se somam para formar o acórdão, passa a ser visto como um órgão de disputas, onde o importante é ter o voto vencedor.

E isso não representa a verdadeira atuação do colegiado do Supremo. Inclusive no julgamento desses embargos. A maioria dos ministros tem decidido acompanhar o relator sem proferir votos longos. Muitas vezes, fazem pequenas observações. Outras simplesmente proclamam que o seguem.

Permitem, dessa forma, que esse processo caminhe com a velocidade adequada para que se chegue ao final, sem, no entanto, ultrapassar o direito de defesa das partes. E sem ferir, tampouco, o papel institucional do Supremo.

A nova fase do julgamento

qui, 15/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Pedro Abramovay
O julgamento do mensalão inicia sua segunda fase, com a análise dos embargos. O clima polarizado que predominou nos debates públicos ao longo de todo o julgamento parecia querer invadir a arena nesta segunda fase.

A disputa se deu entre aqueles que viam nesta fase uma mera prorrogação protelatória de condenados sem qualquer direito a ser protegido e outros que pareciam pintar esta nova fase como um verdadeiro novo julgamento capaz de reescrever a história.

O início desta nova fase certamente desapontou radicais de ambos os lados. O Supremo, neste início se mostrou sereno e disposto a enfrentar os debates nos limites dados pela Constituição.

É claro que há novidades nesta fase e seus efeitos já foram sentidos – mesmo se não podem ser exatamente mensurados neste momento.

A primeira é o fato de haver dois novos ministros. Ministros que acompanharam o julgamento do mensalão pela TV Justiça como todos nós, que têm opiniões sobre os erros e acertos do STF ao longo do processo, e que trarão essas opiniões para o debate. A solidez e independência dos votos destes ministros são fundamentais para manutenção da credibilidade do Supremo.

A segunda é o fato desta fase de julgamento ocorrer após os protestos de junho. Como isso influenciará a corte? Foi justamente um novo integrante do STF quem parece ter dado o tom. O ministro Barroso fez questão de mencionar as ruas em seu pronunciamento inicial. Deixou claro que o STF está ouvindo e deve dialogar com a sociedade, mas não tem o dever de obediência automática à opinião pública.

Qual a grande importância desta segunda fase do julgamento? O resultado concreto e simbólico do julgamento do mensalão já foi decidido na fase anterior e não está mais em disputa.

Ao enfrentar com cuidado e respeito a análise sobre se há contradições pontuais que merecem ser revistas durante a fase de embargos, o STF reafirma seu compromisso com a Constituição, demonstrando que não há contradição entre o respeito ao direito dos réus e a necessidade de aplicar as penas previstas.

Pedro Abramovay é professor da FGV Direito Rio

Um novo Supremo

qua, 14/08/13
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Ivar A. Hartmann
O processo do mensalão poderá ser rejulgado. Todos os réus condenados apresentaram pedidos de esclarecimentos – com o objetivo de mudar a decisão do Supremo no ano passado. Os advogados são competentes e tentaram colocar em dúvida cada vírgula da sentença. Se forem admitidos os embargos infringentes o Brasil verá ainda um terceiro julgamento.

Mas se os réus, acusações e provas são os mesmos, como poderia o resultado mudar? Simples: temos um novo Supremo.

Os relacionamentos entre os ministros, que pautaram os quatro meses de sessões em 2012, mudaram completamente. Primeiro, há dois membros novos. Os juristas sabem que apenas uma troca em um grupo de 11 juízes já altera a dinâmica interna. Duas, portanto, significam um plenário novo e inexplorado. Expectativas entre os pares são revistas, alianças são reformuladas, antipatias podem piorar ou esvaziar-se.

O equilíbrio entre os ministros é frágil e foi testado, por exemplo, quando os ministros dosaram as penas na reta final do julgamento. Um ministro, sozinho, poderia virar a mesa com um pedido de vista.

O antagonismo de posicionamentos entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski foi possível apenas porque existia o papel do revisor, do qual se esperava voto minucioso logo após daquele do relator. Mas a função não existe nesse rejulgamento. Ainda que Lewandowski continue produzindo votos detalhados, sem medo de discordar de Barbosa, eles serão ouvidos depois daqueles de 6 ministros. Uma maioria poderá já ter sido formada. Luís Roberto Barroso talvez seja um novo revisor, agora informal.

No primeiro julgamento, o ministro Ayres Britto apoiou medidas de Joaquim Barbosa diante de divergências dos colegas. O fatiamento dos votos poderia ter sido muito diferente – potencialmente mudando todos os resultados. O relator que é também presidente do tribunal precisará de mais ajuda para defender sua forma de pautar as sessões.

O processo é o mesmo. Mas não há dúvida de que tudo mudou.

Ivar A. Hartmann é professor da FGV Direito Rio.



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