Perda de mandato é resposta à marginalização dos agentes públicos

ter, 18/12/12
por Alexandre Camanho |

O julgamento do mensalão emancipou-se – em diversos aspectos – da jurisprudência indulgente com agentes públicos corruptos. Reconciliou a leitura da Constituição com a República.

Ora, juntamente com outros instrumentos recentes – como a Lei da Ficha Limpa – , o devido rigor que o Supremo dispensou aos crimes praticados pelos mensaleiros arejou um sistema político eleitoral até então desgastado e descompassado dos reclamos sociais, notadamente os relacionados ao desenvolvimento do país e ao combate à corrupção que o degenera.

O povo elege seus representantes e não pode se ver refém de uma confiança traída: é preciso que haja efetiva resposta à crescente “marginalização” dos agentes públicos.

Nesse rumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento definitivo de que a perda do mandato de parlamentar condenado por crime contra a administração pública, no foro privilegiado do Supremo, não depende de decisão do Plenário da Casa do Congresso em que o parlamentar exerça o mandato popular. É dizer: a perda do mandato é consequência automática da suspensão dos direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado.

A discussão orbitava os artigos 15-III (“É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”) e 55-IV (“Perderá o mandato o Deputado ou Senador: IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos”) da Constituição.

Ora, se é certo que a Constituição permite-se licitamente interpretar por qualquer cidadão, instância pública ou segmento privado, não menos certo é que ao Supremo cabe de forma vinculante ditar exegese sobre matéria constitucional, cabendo à Câmara ou ao Senado um “provimento meramente declaratório” para cassar o mandato do parlamentar condenado por crime contra a administração pública, uma vez que a condenação criminal por si opera a restrição dos direitos políticos.

Não há que se falar, portanto, em afronta ao postulado da Separação dos Poderes, mas sim em cumprimento do quanto estabelece a Constituição em matéria de ética e moralidade política, segundo a inquestionável deliberação do Supremo.

Como ponderou o ministro Gilmar Mendes, “do ponto de vista lógico, eu sequer consigo entender que nós aceitemos como válida a aplicação da Lei de Improbidade e da Lei da Ficha Limpa, que reforça a ideia da inelegibilidade, e consideremos hígido o mandato de um deputado preso com trânsito em julgado no exercício do mandato”.

O condenado por crime contra a administração pública perde seu direito de ser visto como representante do povo, justamente porque inverteu a supremacia dos interesses que deveria defender – o privado preponderou ao público.

Reparação dos danos em outro processo

seg, 17/12/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

Por André Mendes
O último dia do julgamento da ação penal 470 foi curto, mas movimentado. A esperada decisão quanto à cassação saiu. O STF decidiu, por maioria, que os parlamentares condenados criminalmente perdem seus mandatos, cabendo à Câmara dos Deputados apenas declarar tal perda.

Os ministros fizeram também alguns reajustes em penas de multa. Manifestou-se o Procurador Geral da República. Disse que entregaria uma petição fundamentando o pedido de prisão imediata dos réus condenados… após o encerramento do processo.

Mas o Tribunal também tomou outra importante decisão: a de não fixar na sentença um valor mínimo para reparação dos danos causados pelos crimes.

Em suas alegações finais, o Ministério Público Federal havia pedido que fosse fixado na sentença um valor mínimo para reparação dos crimes dos réus do mensalão. O que significa isso?

Toda sentença penal que condena alguém tem um efeito genérico: obriga o condenado a indenizar o dano decorrente do crime. Se alguém é condenado por roubar um carro, fica obrigado a indenizar a vítima pelo valor do carro.

Sendo assim, os réus condenados no mensalão por desvio de recursos, lavagem de dinheiro teriam que reparar seus danos, indenizando os cofres públicos. Ou seja, indenizar o Estado pelos crimes praticados.

O ministro Joaquim Barbosa entendeu que a complexidade dos fatos inviabilizava a fixação de um valor de indenização, ainda que mínimo. Havendo diversas operações, simulações e etapas financeiras descritas no processo, não era possível identificar o valor a ser reparado por cada réu condenado.

Se não há como quantificar o dano causado pelo crime de cada réu poderia o juiz fixar o valor da reparação por esse crime? Não. Se não há meios no processo criminal de se identificar o prejuízo, não há como fixar uma indenização.

Então não haverá reparação dos danos? Poderá haver. Em outro processo. Em um processo civil que indique valores, provas relativas a esses valores e que dê à defesa a oportunidade de se manifestar sobre todos os aspectos. Assim é o devido processo legal.

Efeitos de mais uma nova versão

qua, 12/12/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Ivar A. Hartmann
Não importa qual o critério de medição usado, Marcos Valério é o réu central do processo do mensalão – ainda que não seja o mais poderoso. É o nome mais citado pelos ministros do Supremo em seus votos e tem a maior pena aplicada até agora. O que significarão então as novas declarações de Valério?

O depoimento atestando a participação de José Dirceu em reunião para tratar do sistema de compra de votos seria uma das provas mais fortes contra o ex-ministro. A nova informação mais relevante, porém, é sem dúvida o envolvimento do ex-presidente Lula. O novo testemunho de Marcos Valério faria prova do envolvimento de Lula como figura central na organização do esquema, além de mostrar que o então presidente da República recebeu para uso pessoal valores desviados pelo mesmo mecanismo do mensalão. Se a nova versão for levada a sério, poderia comprovar a prática de corrupção ativa e passiva por Lula.

Mas a credibilidade de Marcos Valério perante os ministros do STF não é boa. Ao ser ouvido durante o processo judicial, Marcos Valério contradisse depoimento prestado à Polícia Federal e desmentiu depoimento prestado à sub-procuradora-geral da República. Joaquim Barbosa afirmou em seu voto que Valério “muda de versão conforme as circunstâncias”. É provável que esse novo depoimento, analisado por um julgador, seria considerado prova frágil.

Na prática, nada do que Marcos Valério fala agora terá qualquer efeito na sua pena em processo que já está terminando. Cabe à Polícia Federal investigar e ao Ministério Público – se entender apropriado – oferecer nova denúncia sobre os fatos novos agora relatados. Somente nesse novo procedimento Valério, se for novamente réu, poderia pleitear a delação premiada. Isso é, caso não mude novamente sua versão.

Constituição tem duas regras sobre perda de mandato

seg, 10/12/12
por Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio |

por Carolina Haber
Na etapa final do julgamento do mensalão faltava, ainda, decidir o que fazer com o mandato dos réus que ocupam cargos políticos. Novamente, relator e revisor divergiram. Como nas outras vezes, fundamentaram seus votos em dispositivos legais, interpretando-os conforme seu ponto de vista: Joaquim Barbosa defendeu que cabe ao Supremo determinar a perda do mandato e à Câmara acatar sua decisão.

Lewandowski, de outro lado, afirmou que essa decisão é exclusiva dos parlamentares, pois, ainda que a condenação criminal acarrete a suspensão ou perda dos direitos políticos, a Constituição trata de forma especial a perda do mandato político, a ser decidida pela maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa.

A Constituição, no art. 15, especifica as hipóteses em que pode haver perda ou suspensão dos direitos políticos, ou seja, do direito de votar e de se eleger, incluindo, entre eles, a condenação criminal definitiva. Mais para frente, no art. 55, trata especificamente da perda de mandato de membro do Congresso, que pode ocorrer, entre outras hipóteses, quando há perda ou suspensão dos direitos políticos (em razão dos casos previstos no art. 15) ou condenação criminal definitiva. Determina, entretanto, regras diferentes para cada um desses casos. Com relação ao primeiro, diz que a perda será apenas declarada pela Mesa da Casa, ou seja, cabe a ela formalizar a decisão do STF; para o segundo afirma que deve haver decisão da maioria dos parlamentares para que ela ocorra.

O ministro Joaquim Barbosa entendeu que não há um tratamento especial para a perda do mandato em caso de condenação criminal definitiva. Aplica-se, portanto, a regra prevista para a suspensão ou perda dos direitos políticos. Ainda que seja uma interpretação possível, afirmar isso significa deixar de lado o tratamento dado pela Constituição aos casos de perda de mandato em razão de condenação criminal definitiva, como se a regra não estivesse lá por algum razão.

Se o legislador não utiliza palavras inúteis, a questão merece maior atenção. Mas parece que, tratando-se do mensalão, não basta condenar os réus a penas de prisão, é preciso ir além e decidir sobre o alcance político dessa condenação. Resta aguardar a sessão desta segunda (10)  para saber como votarão os demais ministros.



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