Para educar uma criança não basta bom senso, é necessário tempo de reflexão, leitura de bons livros, muita atenção e responsabilidade. A educação de seres humanos não é mero adestramento, pois seres humanos são feitos de valores, propósitos e criatividade. Desse modo, educar não é uma técnica vazia, nem um conjunto de saberes aleatórios, mas uma arte e um dever ético que envolvem a vida inteira do educador. Infelizmente, na sociedade brasileira contemporânea a tarefa educativa está refém de inúmeros debates falaciosos e intrigas políticas esdrúxulas. Quem paga a conta são as crianças. Neste cenário, a pandemia de COVID-19 impôs a reflexão sobre pais, filhos e educação, com a suspensão das aulas presenciais nas escolas por recomendação das autoridades sanitárias. As crianças estão em casa, mas não estão de férias.
Com o confinamento de milhões de crianças em casa nestas semanas, muitos pais recordaram que são os primeiros responsáveis por seus filhos e que educar vai além das atividades escolares. A quarentena é uma oportunidade para mães e pais restabelecerem a amizade com seus próprios filhos, especialmente aqueles que superaram a idade do juízo e já desenvolveram pensamento lógico e rudimentos da capacidade moral. Estas crianças enxergam nos pais não apenas uma autoridade, mas um modelo a ser seguido. Quando elas não recebem a devida atenção, buscam em outro lugar seus modelos inspiradores: na rua, na internet, na publicidade. Berrar não resolve: é impossível impor ou exigir confiança dos filhos maiores, é possível apenas conquistá-la. Assim, os dias de quarentena abrem a possibilidade de uma conexão mais profunda que alcance não apenas a quantidade de tempo, mas a qualidade do tempo entre pais e filhos. Leonard Sax, respeitado médico e psicólogo familiar, afirma que crianças que passam tempo de qualidade com seus pais são mais satisfeitas com a vida e menos propensas às desordens mentais, depressão e ansiedade na fase adulta. A tentativa simplista de educar crianças que superaram a primeira infância à base de “castigo e recompensa” é estúpido e desumano. Primeiro porque ilude acerca da complexidade da existência, segundo porque subestima a verdadeira capacidade da criança de superar os percalços da vida. Especialmente as crianças que recebem muitos presentes e paparicos se tornam incapazes de suportar frustrações e, costumeiramente, agressivas quando não recebem o que querem. O relacionamento entre pais e filhos pode ser fortalecido neste período: ninguém educa outros sem educar simultaneamente a si mesmo.
A seriedade da tarefa educativa e do relacionamento entre pais e filhos também levanta a questão do cuidado com aqueles que cuidam das crianças. Como afirmou Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana e referência acadêmica e técnica neste tema, a proteção e educação das crianças em tempos de pandemia requer o fortalecimento de políticas e ações que tragam segurança para seus cuidadores: “precisamos sempre lembrar que, por mais paradoxal que pareça, nenhuma política é capaz de cuidar diretamente das crianças. São as pessoas – pais, mães, familiares e responsáveis – que cuidam delas”. Os cuidadores, especialmente aqueles que vivem em situação de risco e vulnerabilidade, precisam ser amparados por políticas estruturantes como a renda básica emergencial em pauta no Congresso. Hartung ressalta que outros países implementaram ações como: anistia de contas de água, energia e gás, distribuição de cestas básicas e kits de higiene, fortalecimento de infraestrutura de conexão de internet com gratuidade para garantir acesso à informação e acompanhamento escolar remoto das crianças. Pedro Hartung afirmou: “A saída para a atual pandemia é, e sempre será, coletiva! É hora de cuidar com mais atenção uns dos outros – com distanciamento físico, mas não social e solidário – permitindo que quem cuida das crianças seja também cuidado por todos nós”.
* Davi Lago é pai da Maria, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo.