Seus problemas acabaram (desde que um deles não seja “ler livros”)

seg, 14/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Estou doente. Não sou bom de diagnósticos – incrível como em mais de 40 anos de convivência com um pai médico, não aprendi nada… Mas acho que tem a ver com minha total falta de intimidade com algo que para a imensa maioria das pessoas é a coisa mais comum no mundo – se não uma das mais desejadas: um fim de semana livre! Como você talvez tenha acompanhado aqui, para driblar essa mudança de rotina – que eu já sabia que iria enfrentar desde que deixei a apresentação do “Fantástico” -, no domingo passado “inventei” uma viagem a Buenos Aires… Mas este fim de semana agora, não teve jeito. Já envolvido como estou nos novos projetos no “Vídeo Show”, não poderia me dar o luxo de ficar mais uns dias fora do Brasil – e então tive de encarar um sábado e um domingo inteiros em casa!

“Em casa” é maneira de dizer. Não fiquei o tempo todo aqui, claro. Saí com amigos para comer alguma coisa no sábado, na hora do almoço. Fui a uma peça de teatro – em plena noite de sábado, algo que eu não fazia há milênios! (Aliás, para quem mora ou passa por São Paulo, fui ver “O duelo” – uma adaptação de um livro de Tchekhov, com a Mundana Companhia, cujo elenco agora inclui a excelente Camila Pitanga, que, em nome da transparência, devo dizer que é também uma grande amiga, por quem tenho enorme admiração, sobretudo na coragem e ousadia com que desenha sua carreira, um traço que inclusive já elogiei aqui). Tomei o café da manhã de domingo com uma amiga que visitava (olha que ironia) o Rio de Janeiro. Mas de resto fiquei em casa, em São Paulo.

Pensei em assistir a “Gravidade”, mas me julguei incapaz de enfrentar um cinema de shopping center num domingo (ainda mais para ver um filme que obviamente estaria lotando as salas). Conferi mais uns dois ou três episódios da série que agora rouba minha atenção – “Orange is the new black” -, mas de resto fiquei no meu canto. E quando eu achava que os “males” dessa readaptação de rotina iam tomar conta de mim… Eis que surge… Um livro! Sim, um livro – algo que quase nunca encaramos como um “remédio”, mas que é sim uma das melhores terapias, não só para um “problema” como este que enfrento agora, mas para tantos outros momentos introspectivos.

Mas este livro, mais especificamente, é exatamente sobre isso: sobre como outros livros podem ajudar você no dia a dia. Falo de “The novel cure: from abandonement to zestlessness – 751 books to cure what ails you”, uma incrível compilação literária organizada por Ella Berthoud e Susan Ekderkin. (Uma tradução apressada do título do livro, apenas para dar uma ideia melhor do que se trata, pode ser: “A cura do romance: de abandono à falta de entusiasmo – 751 livros para curar o que te aflige”). Descobri o título lendo uma resenha na “Economist”, e fiquei imediatamente interessado! Primeiro por conta do próprio assunto: livros! Um “livro sobre livros” é sempre uma coisa fascinante. Depois, gostei mais ainda quando soube mais uma das autoras de “Novel cure” é uma “biblioterapeuta” da “School of Life”.

Explico: a “Escola da Vida” foi criada em Londres, há cinco anos, por um dos meus ídolos literários – o filósofo e escritor Alain de Botton (para quem já me desdobrei em elogios, aqui mesmo neste espaço). Não contente em escrever um livro atrás do outro fazendo a ponte entre a alta filosofia (e alta literatura) e nossa vida prática – um de seus melhores é “As consolações da filosofia” (L&PM, Rocco) -, ele também resolveu abrir essa “escola” onde ensina as pessoas a fazer algo que está cada vez mais difícil em tempos disperso como o nosso: parar para pensar. E faz isso não com pesadas palestras sobre grandes pilares da nossa filosofia, mas com encontros, conversas e leituras saborosas – que rendem livros como “Novel cure”, ainda inédito no Brasil, ou a coleção “The School of Life” (editada aqui pela Objetiva, com títulos tão fascinantes como “Como pensar mais sobre sexo”, “Como manter a mente sã”, e, talvez o mais urgente de todos, “Como viver na era digital”).

Além disso, sua “escola” – que já organizou alguns encontros no Brasil (Rio e São Paulo, por enquanto), e quer fazer ainda mais por aqui, segundo informações do site oficial – oferece sessões de “biblioterapia”. Nunca fiz uma (ainda!), mas parece que funciona assim: você marca uma sessão, fala quais são os principais problemas que te afligem e… pronto! O seu “biblioterapeuta” te indica um livro – de literatura! – que pode ajudar você a superar seu problema! Não é incrível?

Outro dia, lendo uma sessão interessante do suplementos de livros do jornal “The New York Times”, deparei-me com um autor (não consigo me lembrar qual, e as pesquisas na internet que fiz hoje de manhã se mostraram infrutíferas…) que, ao ser perguntado se ele tinha algum livro em sua estante que surpreenderia seus leitores, como um título de autoajuda, por exemplo, respondeu: “Mas todos os livros são de autoajuda, não?”. A ideia da “biblioterapia” é exatamente esta: não existe livro do qual você não seja capaz de tirar uma lição! Ele não precisa ser especificamente de autoajuda – quantos de vocês (eu mesmo!) têm coragem de se aproximar abertamente de uma sessão dessas nas livrarias? Basta você ler o romance certa, na hora certa!

No já citado “Consolações da filosofia” (que é de 2000), há capítulos específicos para, por exemplo, problemas amorosos. A solução, segundo Botton, está em ler Schopenhauer (um filósofo alemão do início do século 19). Frustrado com tudo na vida? Leia Sêneca – um pensador romano, contemporâneo de Jesus Cristo! Anda se sentido deslocado, “um peixe fora do aquário”, inclusive sexualmente? Montaigne (que viveu na França, no século 16) é o cara certo para você! O que Alain de Botton parece ter feito com sua “Escola da Vida” é a simples evolução dessa ideia: livros podem te ajudar sempre! E agora já existe até um manual para provar isso.

“The novel cure” – que então baixei no meu smartphone – é fascinante. Comecei a ler, claro, pelas listas – tipo “top 10″. Como resistir a uma seleção de “Dez livros para baixar sua pressão sanguínea”? – entre eles, “As horas”, de Michael Cunningham, e “O coração é um caçador solitário”, de Carson McCullers. Ou “Dez livros para convencer seu parceiro de que ler é legal”? – tente “O nome da rosa”, de Umberto Eco, ou “Micro servos”, de Douglas Copland (se você precisar convencer sua parceira, as indicações vão de “Um quarto com vista”, de E. M. Foster, a “Dentes brancos”, de Zadie Smith). Ou que tal “Dez livros para planejar uma viagem”?: “A sombra do vento”, de Carlos Ruiz Zafrón; “O conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas; e até “Os homens que não amavam as mulheres”, de Stieg Larsson.

Berthoud e Elderkin, as autoras de “Novel cure”, sugerem ainda que você pode partir de indicações mais específicas. Se você está se sentindo um estrangeiro em algum lugar, elas indicam “Tudo se ilumina”, de Jonathan Safran Foer (que os leitores mais frequentes deste blog sabem que é um dos meus livros favoritos de todos os tempos – e que, analisando a receita de Berthoud e Elderkin, tudo faz sentido: alguém que viaja tanto como eu, não escapa de se sentir estrangeiro…). Você está decidido a ir atrás de uma mulher mesmo sabendo que ela é casada? Seu livro é “O paciente inglês”, de Michael Ondaatje! Pensando em matar alguém? Que tal controlar seus impulsos com “Thérèse Raquin”, de Emile Zola? Ou simplesmente se seu coração está partido… mergulhe em “Alta fidelidade”, de Nick Hornby (que, aliás, acaba de ser reeditado num belo volume pela Companhia das Letras). Obcecado com alguma coisa? Leia “Morte em Veneza”, de Thomas Mann (ou “Moby Dick”, de Herman Melville). Inutilidade da vida – de tudo (leia-se “desespero total”!)? Fique com “A vida: modo de usar”, de Georges Perec.

Veja bem, são 751 livros – não vai dar para ficar citando todos aqui hoje (para não falar das maravilhosas e divertidas justificativas que as autoras dão para receitar este ou aquele livro). Minha torcida é para que alguém tome logo a iniciativa de lançar “Novel cure” por aqui – uma ousadia, admito (ainda mais quando se pensa nas indicações que, como várias que pesquisei, não tem ainda um título lançado no Brasil – por exemplo, “English Passengers”, de Matthew Kneale (um dos romances mais engraçados que já li na minha vida!). Ou que você se arrisque a comprar o livro em inglês mesmo – e se divertir com suas “curas”.

Pensei até em fazer meu pequeno receituário aqui hoje. Rapidinho, assim… Para quem está com problemas de fidelidade conjugal em casa, adivinha qual seria a leitura recomendada? Pois claro, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis! Crise no casamento, na linha “sobra conversa e falta sexo”? Tente “Sobre a beleza”, de Zadie Smith. Sua vida anda miserável? Eu sugeriria que você lesse “Um delicado equilíbrio”, de Rohinton Mistry. Sentindo-se rejeitado? Ah… Você precisa ler então “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Decepção com sua família, sobretudo com seus pais? Que tal passar os olhos por “Tempestade de gelo”, de Rock Moody? Apaixonado(a)? Vá de “Coração tão branco”, de Javier Marías. Querendo fugir de tudo? Minha recomendação é “Invisível”, de Paul Auster.

Mas seria leviano eu tentar imitar aqui, com tamanha superficialidade (todas as indicações acima foram feitas à queima-roupa, confiando apenas na minha memória, que como você já sabe, está longe de ser infalível), o trabalho dedicado de Berthoud e Elderkin, em “The novel cure”. No máximo, faço isso como um exercício saudável, para que eu mesmo possa me lembrar de como os livros me ajudaram ao longe de toda minha vida – e lá se vão cinquenta anos… E é nesse sentido que ouso jogar o desafio para você também!

Digamos que você foi convidado (ou convidada) a sugerir uma entrada para uma edição brasileira de “A cura do romance”. Que livro você indicaria? Para que males? E por quê? Como eles poderiam ajudar uma alma em apuros? Quem sabe você não tem dentro de si uma alma de “biblioterapeuta”?

O refrão nosso de cada dia: “Botch-a-me”, Rosemary Clooney - sabia que a tia de George Clooney era uma cantora famosa? O caminho pelo qual cheguei ao refrão de hoje é tortuoso – começa em “Gravidade”, o filme, e vai parar em “Mad men”. Mas não vou alugar você com isso agora. Divirta-se com o sotaque “suave” de Rosemary Clooney – e se quiser um bônus, veja também “Mambo italiano”.



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