Dave Eggers escreveu um livro para você

qui, 30/01/14
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Imagine um mundo onde todas as suas opiniões se resumem a uma carinha sorrindo ou uma carinha enrugada – como se estivesse contrariada. Melhor ainda! Sensores de movimento facial identificam se você está fazendo a primeira cara ou a segunda e conseguem transmitir, na sua rede social, exatamente o que você está, hum, “sentindo”. Espera, que fica melhor! Neste mesmo mundo, quando você sente uma grande paixão, não é preciso perder tempo com essas bobagens que a gente chama de palavras: é só se declarar com uma dessas mesmas carinhas, só que com os olhos substituído por corações! Não é uma maravilha?

O quê? Este mundo já existe? As pessoas já estão se comunicando assim? Será possível? Mas esse é o mundo da ficção, criado por Dave Eggers no seu novo livro “The Circle”! (Ainda inédito no Brasil, mas com lançamento anunciado para o segundo semestre, pela Companhia das Letras). Não pode ser? Já chegamos neste nível?

Claro que não. Mesmo para um ser na era mesozoica como eu, que até hoje se recusa a ter uma conta no Facebook (e, é bom lembrar, também não tenho no Twitter nem no Instagram – se você está me seguindo em alguma dessas redes sociais, tem alguém te enganando) – enfim, mesmo para alguém tão fora do “círculo” como eu, dá para saber mais ou menos como as pessoas estão se comunicando. E acho que talvez ainda não chegamos no estágio que Eggers – autor de tantos livros bons, entre eles um dos 20 melhores títulos que eu já li em toda minha vida, “O que é o quê?” (Companhia das Letras) – descreve tão bem em “The Circle”. Mas já vamos chegar. Pode esperar…

A empresa que é a personagem central de seu novo livro é, intencionalmente, muito parecida com a Google – e é, claro, de propósito. Mas, num futuro não muito distante, é como se a Google tivesse dado um passo além – ou ainda, como se ela tivesse se tornado obsoleta com o surgimento de uma outra empresa, “The Circle” – que vou passar a chamar aqui de Círculo (provavelmente o nome que será usado na tradução para o português). O “truque” do Círculo foi ter conseguido convencer as pessoas a assumirem uma identidade verdadeira na internet. Todos os “circlers” – como são chamados os membros dessa comunidade virtual – entram para a rede com seus dados da vida real. Não há pseudônimos, perfis falsos, emails de mentira – mais ou menos como é agora (onde, só insistindo no assunto, já que “apareceu” um Instagram com o nome Zeca Camargo recentemente, e vários amigos vieram perguntar se era eu mesmo, é possível qualquer mané criar um perfil meu – ou seu – e enganar um monte de pessoas). Com isso, não existem mais fraudes na internet, todas as pessoas pagam suas contas, suas multas, todo mundo é responsável por tudo que faz.

Seduzidos por essa “maravilha da transparência”, as pessoas deixaram suas redes sociais antigas e migraram para o Circle – e vivem feliz, sonhando um dia, quem sabe, poder trabalhar nessa empresa tão legal. Mae, a personagem principal que conhecemos logo na primeira página do livro, acaba de realizar este sonho. Graças a um contato com uma amiga da faculdade – que agora pertence ao círculo mais superior e exclusivo de executivos da empresa -, ela agora faz parte desse time de 12 mil pessoas privilegiadas. Não sabemos exatamente onde fica essa sede do Círculo, ou mesmo em que época se passa a história que estamos lendo. Mas os paralelos com nosso mundo de hoje são inevitáveis. E, à primeira vista, sedutores. E nem um pouco improváveis…

Na qualidade de quem acompanha de longe as migrações nas redes sociais, foi engraçado ver, nesses últimos anos, o entusiasmo com que as pessoas abraçavam primeiro uma coisa chamada Frienster, depois MySpace (alguém ainda tem banda com site lá?), Orkut (lembra de Orkut?), e finalmente Facebook – que pelo que li recentemente, os adolescentes já estão achando que é “coisa de velho”. (É bom lembrar essa cronologia, especialmente para quem acredita que certas empresas são insubstituíveis…). Assim, o surgimento de uma “nova” rede social, ainda que na ficção, me pareceu razoavelmente verossímil. Mas as semelhanças entre a história de Eggers e a nossa vida real – se é que uma vida virtual pode ser chamada de real, mas eu divago… – não param por aí.

Excitada como está por finalmente ser aceita na empresa mais “cool” do mundo, Mae não consegue dizer não aos pedidos cada vez mais bizarros que seu chefes e colegas de trabalho fazem a ela. De início, ela é designada para trabalhar com atendimento ao consumidor – algo chato como o cão, mas uma espécie de batismo para quem quer se dar bem no Círculo. A tarefa é simples e enfadonha: atender a perguntas e reclamações com textos pré-redigidos (são inúmeros, conforme as consultas mais frequentes), acrescentando um toque pessoal a cada resposta. Ah! E cobrar uma avaliação do cliente – que nunca é menor do que 95 (numa escala de 0 a 100). O objetivo, claro, é ganhar um 100. Se o cliente dá um 96, ou mesmo um 99, o atendente deve responder a ele e ver o que pode ser feito para sua avaliação melhorar. Sim, é uma situação absurda – mas eu pergunto: você já passou por alguma coisa parecida? Hum… Sei… Só para saber…

Mae consegue se sair muito bem logo nos primeiros dias – com uma média de avaliação em torno de 98. Excelente para alguém que esta começando! – é o que todo mundo diz pra ela, inclusive a amiga que a contratou. De tão competente que é, Mae vai recebendo novas tarefas, cada vez mais exigentes. Como por exemplo, subir alguns pontos no raking de “comunicabilidade” da Circle – isto é, responder a tudo quando é “zing” (uma espécie de mensagem de texto ultra moderna, desenvolvida pelo Círculo), mandar carinhas com sorrisinho (tipo, hum, “like”, ou “curti”) para cada coisa legal que ela vê e quer dividir com os outros, e participar (com presença física e comentários posteriores) no maior número possível de eventos coletivos, campanhas humanitárias e seminários “educativos” que acontecem dentro do Círculo.

Disposta a sair da “sarjeta” – sua “posição social” nesses primeiros dias, está abaixo do número 10.000 -, Mae se desdobra para estar conectada o tempo todo. E nós, leitores, acompanhamos sua “escalada” com o entusiasmo de quem vê um esporte olímpico. No princípio ela acha tudo um pouco esquisito – como talvez você acharia (e eu, menos conectado ainda do que você, posso garantir, certamente acho). Mas depois de um episódio hilário, no qual ela é chamada na sala de seu chefe porque “magoou” o organizador de um encontro cultural sobre Portugal – o “sistema”, vasculhando todas as informações do computador de Mae, descobriu algumas fotos de Lisboa e imediatamente a “linkou” a um grupo de pessoas com “interesse em Portugal”.

O tal organizador não está bravo – está triste! Magoou! Mae realmente ofendeu seus sentimentos. Como alguém pode fazer parte do Círculo, “gostar” de Portugal, e não ir ao seu evento? Mae precisa estar mais conectada com outros, lembra seu chefe direto. E precisa pedir desculpas ao “pessoal de Portugal”. O que ela faz numa carta oficial, que é distribuída para todo mundo, com um tom de “Olha só galera: Mae se arrepende do que fez e gosta de Portugal”. Todo mundo, como já era de se esperar, manda uma carinha sorrindo para ela. E Mae segue na sua caminha rumo à popularidade máxima!

Mas os pedidos do Círculo não param. Com apenas algumas semanas de casa, ela ganha um “óculos retinal” (sim, que lembra muito o Google Glass), e com ele deve responder perguntas sobre preferências de consumo. Como tudo no Círculo, ela não é obrigada a nada, mas… Se responder a quase 100 perguntas dessas por dia, seu ranking de integração só vai subir. E claro que Mae logo está respondendo 100, 200, 300 perguntas “mercadológicas” por dia. E já que ela está tão bem assim, por que não apresentá-la ao “ranking de influência de compras”?

Funciona assim: você vê um produto, diz que gosta dele, manda para as pessoas da sua rede, um algoritmo calcula quantas pessoas gostaram dele também, e o quanto isso significaria potencialmente em compras para a empresa que o produz – o que imediatamente reflete no ranking de Mae. Em um piscar de olhos – quase que literalmente -, Mae passa a ser uma das pessoas mais influentes de toda a companhia. E por que parar por aí? Por que não ter um vida totalmente transparente, onde todo mundo pode saber o que você está fazendo, curtindo (ou não), vivendo?

As consequências de tudo isso na história de Eggers, como você pode imaginar, são desastrosas. Isto é, para quem não faz parte do Círculo… Mas se você é da “comunidade”, você vai achar isso tudo SUPERCOOL! E não podia ser diferente! Como não achar mega legal uma coisa que todo mundo participa, que todo mundo acha tudo bom, onde todo mundo tem uma avaliação de 99, e todos seus “amigos” gostam das mesmas coisas que você? Não é o máximo? Bem…

Como uma espécie de “grupo de controle”, Dave Eggers nos apresenta também os pais de Mae e um antigo namorado dela – que por instinto (e pela necessidade de uma boa ficção de ter antagonistas) não acham que fazer parte do Círculo é a coisa mais legal do universo. Seus pais até ficam encantados e orgulhosos de a filha trabalhar lá num primeiro momento – especialmente por que a empresa lhes oferece uma cobertura de saúde INCRÍVEL! Mas na medida em que Mae vai ficando mais envolvida com a empresa, ela também fica cada vez mais distante dessas pessoas. E o final de tudo isso… Bom, não quero tirar o prazer de quando você for ler o livro.

Eggers, mais uma vez, faz uma crônica impecável da vida moderna, que só tem uma falha: às vezes dá a impressão de ser escrita para um bando de imbecis. Sua narrativa é tão didática, e num certo sentido tão fabulosa (como nos contos de fadas), que em mais de uma passagem me senti irritado, como se aquele livro, pelo seu simplismo, não fosse para um leitor com ambições maiores. Mas aos poucos fui vendo isso como uma qualidade de “The Circle”: se Eggers quer que sua mensagem chegue para pessoas que estão acostumadas, já hoje em 2014, a se comunicar primordialmente com “emoticons”, é melhor ele manter a sua história bem simples – mas simples mesmo. Aliás, como um conto de fadas (e, no caso do Circle, de bruxas também!).

Pode-se até contra-argumentar, como Margaret Atwood sugere na sua brilhante resenha no “New York Review of Books”, que quem já está nesse estágio de conectividade (por exemplo, no Face!) certamente não passa nem perto de um livro como “The Circle”. E é verdade. Outro dia, apenas para ilustra, estava com um grupo de pessoas bastante esclarecidas, e um amigo de um amigo que estava lá. Na hora da “rodada clássica” da pergunta sobre o que cada um andava lendo ultimamente, esse cara respondeu na lata: “Olha, livro, livro mesmo… acho que eu nunca li nenhum”. Perguntei, por curiosidade a idade do garoto… 26 anos…

Mas eu não estou aqui para crucificar ninguém… Vai que eu faço isso e todo mundo me manda uma carinha franzida! Tudo que eu quero, modestamente, é sugerir uma boa leitura. Que possa te distrair enquanto você não está cercado – ou cercada – de amigos. Tridimensionais.

O refrão nosso de cada dia: “Nice weather for the ducks”, de Lemon Jelly – uma das bandas mais eletrônicas mais injustamente esquecidas do começo deste século, o Lemon Jelly tem bem mais de uma faixa hipnótica e genial. Se você não conhece, comece por aqui. Por que eu escolhi essa faixa? Porque de certa maneira o refrão que diz “all the ducks are swimming in the water” (“todos os patinhos estão nadando na lagoa”, em português), me fez lembrar os personagens do livro de Dave Eggers que fazem parte do Face – perdão, do Círculo…

 

O que eu aprendi em 2013

seg, 16/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura, Música
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Andei vendo muita lista de fim de ano ultimamente – inclusive as minhas… Elas não mudam muito. Um tenta sem mais “descolado” que o outro nas suas escolhas, como se isso fosse um exercício competitivo. Não deixa de ser divertido, mas ao mesmo tempo é um pouco cruel – e tolo. Afinal, para que servem essas listas? No meu ponto de vista, para informar – jogar uma luz sobre coisas interessantes que o ano trouxe e que, com essa vida fragmentada que temos hoje, não conseguimos registrar. Há sempre as listas mais óbvias, que são meros exercícios de vaidade – e aí falo dos dois lados do espectro: as óbvias com coisas previsíveis e as óbvias com coisas tão alternativas que nem fazem sentido. Mas há também as mais curiosas, mais específicas, mais idiossincráticas – e são essas, claro, são as que realmente me divertem (e as que me fazem descobrir coisas novas).

De maneira geral, porém, elas são rasas. A maioria fica na base do “eu conferi isso e você não”. Mesmo aquelas que esboçam algumas linhas para justificar os itens de cultura pop que estão nela (e falo, sempre, de listas sobre cultura pop) não vão muito além na elaboração. Por que exatamente aqueles filmes, livros, álbuns, mexeram com a pessoa que os escolheu? E por que eles têm chance de mexer com a gente também?

Claro que fazer uma lista dessas dá muito mais trabalho – fora o risco de isso se tornar um trabalho inútil. Numa era em que ler é uma atividade que exige um enorme sacrifício da parte de um internauta (você, caro leitor, cara leitora, é naturalmente uma exceção!), afrontar quem dá um clique em algo que você escreveu com mais de um parágrafo pode significar brutal rejeição – e até uma condenação ao limbo virtual. Mesmo assim…

Mesmo assim resolvi me aprofundar num experimento. Olhar para a cultura pop de 2013 e tentar entender o que eu aprendi com ela. Assim, diante do espírito “natalino”, embalado pela comoção que, mesmo (e sobretudo) contra nossa vontade, bate à porta, eu resolvi elaborar uma lista de coisas que aprendi com o pop este ano. E aqui ofereço então este olhar um pouco mais aprofundado sobre os “fenômenos” culturais que nos acompanharam em 2013. Não são exatamente “lições iluminadas” – nem tudo que a gente aprende nesta vida é para o bem. Mas são divagações honestas sobre esse mundo fascinante e inesperado – afinal, 2014 já está ali na esquina com novas tentações e novas possibilidades de “aprendizado”.

Como em qualquer tipo de educação, porém, é fundamental que o aluno queira aprender – ou, no mínimo, tenha o gosto pela nova informação. Se este é seu caso – ou acaso -, vamos em frente! Em 2013, na cultura pop (sempre é bom frisar, no caso de alguém ainda achar que a pauta deste blog é a situação global e as mazelas do mundo) – enfim, em 2013, eu apreendi que…

- …banda “velha” é que faz música boa (também). Esta é uma das tentações mais óbvias de listas de fim de ano: escolher entre uma safra de bandas e artistas frescos do seu primeiro trabalho. Mas este ano alguns dos melhores álbuns vieram de veteranos, e de várias épocas. Viu qual foi “o” disco de 2013 para o “NME”? “AM”, do Arctic Monkeys – uma banda que dificilmente pode ser considerada uma novidade do cenário musical britânico. O último dos Strokes é um favorito pessoal, mas também estava na lista dos “50 melhores” do “NME”, entre outras. Assim como o terceiro trabalho do Vampire Weekend. Sem falar que Sir Paul McCartney mandou muito bem no seu disco mais recente – que, para calar a boca de engraçadinhos, ele resolveu batizar de “New” (“Novo”). Sim, tem gente nova fazendo música muito boa também – preciso citar King Krule mais uma vez? Mas em 2013, os veteranos também mandaram muito bem.

Alex Turner, vocalista da banda Arctic Monkeys (Foto: Divulgação)

- …já estamos nos acostumando a ver o número 2 nos títulos de comédias brasileiras. “De pernas pro ar 2″ inaugurou 2013 (ele estreou na última semana de 2012) com ótima bilheteria – e vieram outras “parte 2″ com o mesmo sucesso (por exemplo, “Até que a sorte nos separe”). O espaço do humor nas produções nacionais já está garantido não é de hoje, mas a surpresa é o fôlego que elas mostram também nas suas continuações (pelo menos aquelas que deram certo da primeira vez). Diretores e atores parecem nem dar conta da demanda – o público quer mais, e vai ganhar! “Minha mãe é uma peça 2″ já está sendo criada a todo vapor, e eu não tenho dúvidas de que a tentação para fazer o segundo “Meu passado me condena” já é grande. Nem preciso falar de “Crô 2″, preciso? E que assim seja, desde que elas não percam a graça – o que acontece mais ou menos quando elas chegam no número 3 (pense em “Se beber não case”…).

- …boa parte das colunas de TV não fazem ideia do que acontece em TV. Das coisas que mais me divertiam enquanto eu preparava a minha transição do “Fantástico” para o “Vídeo Show” – uma passagem do jornalismo para o entretenimento não apenas desejada como solicitada há mais de dois anos – era ler as “notinhas” (esses parágrafos que preenchem tais colunas e passam por informação apurada) com “informações quentes” sobre o que estava acontecendo. Tinha um prazer especial em ler que a apresentação do programa estaria (os colunistas tinham “certeza”) a cargo de uma colega minha ultra competente (e que já tinha seu programa!), quando minha ida para o “Vídeo Show” estava mais que definida. Se esses colunistas “acertam” tanto num item tão trivial, o que dizer das seus “furos” sobre o que é decidido nas “reuniões de cúpula” nas TVs… Mas ninguém está checando, não é mesmo?

- …mega festivais de rock não fazem mais sentido, a não ser que… O último Rock in Rio foi um sucesso. Centenas de milhares de pessoas circulando ali pelo espaço que será eternamente chamado de “cidade do rock”, divertindo-se como nunca, num evento que nem achávamos mais que seria possível. Mas será que foi isso mesmo? Na ressaca do festival, o balanço era perigosamente de cansaço do formato. Afinal, o que vimos foram shows de quarentões, cinquentões, e até sessentões, puxando atrações menores que tinham potencial para um público que equivaleria a uma fração do que estava lá. Será que precisa ser assim até as atrações (e o público) baterem na faixa dos setentões? Será que ninguém nesses festivais percebeu que em mais de um momento o que acontecia em palcos menores era bem mais interessante? Não seria um caminho?

- …vilão que tortura vilão tem cem anos de perdão. César, o personagem de Antônio Fagundes, é um clássico vilão. Pai de metade da galeria de personagens de “Amor à Vida” – novela de Walcyr Carrasco (que, tenho certeza, vai me perdoar por essa “liberdade poética”) -, ele tem inúmeros motivos para ser odiado pelos telespectadores. Mas Félix, a criação suprema de Walcyr, conseguiu ser ainda mais revoltante. E enquanto César pena no trágico desfecho do seu segundo casamento (oficial), Félix experimenta uma redenção pela via improvável de sua “babá chacrete”. E todo mundo se diverte! Mudaram os tempos ou mudaram os vilões? Como promete o autor de “Amor à Vida”, o final de ambos os personagens será algo que nunca se viu na TV. Mas uma coisa é certa: o público já aprendeu a amar os seus vilões (lembra de Carminha?), e até torcer pela sua salvação.

- …Woody Allen é imbatível. Se você gosta pelo menos um pouco de cinema, é provável que você tenha visto “Blue Jasmine”. E é provável também que você tenha adorado – não só a interpretação irreparável de Cate Blanchet, mas todo o roteiro brilhante, o elenco de apoio preciso, e a direção natural do filme. Também é provável que você tenha discutido o filme com seus amigos, e tenha perdido um bom tempo tentando encaixar “Jasmine” na sua sempre incompleta escalação dos melhores filmes do diretor (eu tentei encaixá-lo na posição de número 7, mas não estou muito seguro disso). E mais provável que tudo isso é o fato de você nem se dar conta que é justamente um cara quase octogenário que segue fazendo alguns dos filmes que mais afirmam a necessidade de se contar uma boa história.

- …se você não tem uma boa história, que venha então com um filme que ninguém nunca fez. Claro que esse deveria ser o impulso maior de qualquer cineasta. Mas, em troca de uma bilheteria estupenda, essa proposta fica vergonhosamente em segundo plano – “Homem de aço” e a continuação da saga de Thor (você não calcula o mal que me faz chamar isso de “saga”) são só os exemplos mais óbvios disso. Felizmente existe Alfonso Cuarón. Com um roteiro fraquíssimo, ele fez de “Gravidade” um clássico instantâneo – e de uma maneira totalmente inovadora. Num toque de ironia, o diretor de uma das maiores bilheterias de todos os tempos Joss Whedon, de “Os vingadores”, fez algo ainda mais incrível: pegou uma boa história (“Muito barulho por nada” – tipo Shakespeare) e a filmou em branco e preto de um jeito que ninguém nunca tinha feito. E tem sempre Spike Jonze, que chega com o seu “Ela”, e inverte todas as regras – ainda não vi, mas se o trailer e as críticas que estão saindo são um bom termômetro, esse será sim um dos melhores filmes de 2013 (que só veremos em 2014).

- …o Brasil tem condições de fazer bons filmes alternativos, com algo mais que uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Caso em questão: “O som ao redor”, de Kleber Mendonça Filho. Já defendi bem este filme aqui, e a lição que ele deixa é que finalmente estamos tendo coragem de ousar – novamente. De um passado de criatividade e irreverência, nosso cinema passou por décadas desacreditado. Até que, nos anos 90, as coisas começaram a mudar. A princípio de maneira original e ousada, até que, no século 21, descobrimos que podíamos ser tanto comerciais (vide o sucesso das comédias, já assinalado aqui hoje), como instigastes (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”). Mas com “Som”, eu arrisco dizer que chegamos a outro patamar. Um filme que perturba com muito pouco – uma espécie de bomba de hidrogênio, cujo efeito só sentimos depois. Ah! E fora do eixo de onde você geralmente espera que saia algo assim…

Cena de 'O som ao redor' (Foto: Divulgação)

- …também no humor, tudo se copia (do “Porta dos Fundos”). O abalo sísmico criado pelo “Porta dos Fundos” – já bastante comentando aqui - trouxe consequências que ainda nem conhecemos por completo. Mas uma coisa é certa: todo mundo quer ser o Porta! Na internet, a lista de imitações é enorme – bem como a lista de fracassos nessa intenção. Mas mesmo na TV, dentro dos limites do que é possível fazer numa TV aberta, o Porta faz escola – e a gente tem mais que comemorar isso! O esquete mais engraçado da recente reestreia de “Junto & Misturado” era “puro Porta”: Heloísa Pérrissé no papel de uma professora torturada pela alunas mirins, perguntando “Meninas, o que a titia falou pra vocês sobre brincar com granada?”. Tomara que esse seja o caminho. E para quem precisa de inspiração “do estrangeiro”, tem sempre “Portlandia” – que eu descobri tardiamente este fim de ano (e agora estou absolutamente dependente dela). Se o seu mau humor apertar, procure na internet por episódios com os sugestivos títulos de “Put a bird on it” ou “Take back MTV”.

Portlandia (Foto: Divulgação)

- …já existe sim um bom público para os livros virtuais. Entre tantas coisas incríveis que me aconteceram em 2013, ainda passei pela experiência de escrever um livro para ser lançado apenas no formato digital. Fiz isso, claro, apostando na novidade, mas ao mesmo tempo um pouco desconfiado: será que o leitor brasileiro já estava preparado para isso? Para a minha surpresa, a resposta foi mais que positiva. O espaço para os livros virtuais ainda é pequeno se comparado com o dos livros “de papel”, mas já está crescendo. Fiquei imensamente feliz quando vi “50, eu?” – o nome do meu livro sobre o que significou fazer 50 anos (que, já que estamos falando dele, você pode baixar com um clique ou dois agora mesmo aqui na internet) – arranhar as listas dos mais vendidos neste formato, agora nas últimas semanas de 2013. E mais feliz ainda quando alguém me conta que se divertiu lendo suas páginas virtuais. Só não consegui dar alguns deles de presente de Natal… Mas ainda vou descobrir um jeito fácil de isso acontecer – e ainda mandar autografado!

E prometo incluir essas lições aprendidas em 2013 na nova edição de “50, eu? – 2″ – a ser lançada apenas para “download” em tabletes como um curta-metragem dirigido por Alfonso Cuarón… Ah, 2014, chega logo…

O que eu leio quando leio Fernanda Torres

seg, 02/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Sei… O cara fica reclamando que não tem tempo para nada e aí vem dizer que está lendo livro? Pois é… eu tenho esta mania: se eu estou parado (num táxi, numa carona, num avião – coisas que, claro, acontecem com boa frequência no meu dia a dia), eu não aguento e pego um livro para ler. De certa maneira, ler é uma atividade mais fácil de adaptar a uma rotina corrida do que, por exemplo, ver um filme. (Eu poderia escrever um post inteiro sobre como é mais simples interromper e continuar uma leitura do que fazer o mesmo com um filme – que, ao contrário de uma obra literária, é concebida para ser absorvida de uma só vez… mas você sabe o que acontece quando eu já divago no primeiro parágrafo…). Por isso, anuncio com orgulho que, ao mesmo tempo em que brinco que “nunca trabalhei tanto em minha vida” – a piada que faço com meus amigos agora é que, ao sair do “Fantástico” e abraçar o “Vídeo Show”, eu continuo fazendo um programa semanal… só que é diário! -, eu estou conseguindo ler alguns dos melhores lançamentos do ano, aqueles que as editoras espertamente esperam para lançar na época das compras de Natal.

E este ano os livros são apenas bons, no sentido mais “literário” do elogio. Eles estão cada vez mais bonitos – uma tendência que, na minha torcida, chegou para colocar o livro tradicional com certa vantagem sobre a versão digital. Alguns lançamentos são de encher os olhos. Como uma nova versão de “Decameron”, que a Cosac Naify lançou recentemente, e que resolveu um impasse da leitura moderna: como despertar o interesse de um leitor atual por uma obra do século 14? A solução foi convidar o artista plástico Alex Ceverny para fazer belíssimas ilustrações para os contos de Giovanni Boccaccio. Ou, se você quiser uma leitura que não seja de ficção, mas que fale também de tempos antigos, corra atrás de “A história do mundo em 100 objetos” – que finalmente foi lançada no Brasil (pela Intrínseca) e é um sonho para os olhos… e para a sua inteligência.

Acredite: este livro veio de uma série de rádio. Isso mesmo: lembra de rádio? Não serve só para tocar música – e a BBC 4 (que, como o número indica, não é nem a estação mais importante do conglomerado da comunicação britânica), em 2010, colocou no ar uma série incrível em que Neil MacGregor, diretor do British Museum, escolhia 100 objetos do acervo do museu (certamente um dos mais importantes do mundo). Foi um enorme sucesso – e isso sem mostrar nenhum dos objetos escolhidos (rádio, né?). Quando o livro foi lançado no Reino Unido, foi um “bestseller” – e merece repetir essa trajetória aqui no Brasil. É uma viagem fascinante: começa com a “múmia de Hornedjitef” (sim, Egito, ano 240 antes de Cristo) e termina com uma lâmpada e um carregador solar, produzido na China (Shenzen), em 2010. Parece simples, mas os outros 98 objetos que conhecemos ao longo dela transformam a jornada numa experiência incrível. Uma moeda de ouro da Turquia, um dragão de Jade da Ásia Central, relevos de pedra encontrados no norte do Iraque, um banco de madeira da República Dominicana… A lista é enorme e cativante. Imperdível!

E, ainda nos livros “caprichados”, não posso deixar de indicar “S.”, o primeiro livro de J.J. Abrams (Intrínseca). Escrito em parceria com Doug Dorst, ele é parte quebra-cabeças, parte “caça ao tesouro”, parte aventura literária. Incrível como o cara que nos fez viajar (e como!) visualmente – “Lost”, na TV, e “Além da escuridão – Star trek”, no cinema, para citar apenas alguns trabalhos – agora encara o desafio de nos encantar também apenas com esse objeto tão “arcaico” que é o livro. E se dá tão bem… (Em nome da transparência, devo dizer que “S.” não é para ler no carro ou no avião… se tem algo que me sequestra a atenção ultimamente quando estou em um raro momento quieto em casa é este livro exigente!).

Mas e o “bom e velho” livro – daqueles que você simplesmente abre e começa a ler? Respire aliviado: há uma boa safra deles nas prateleiras também, pode procurar. Comece com, por exemplo “Grande irmão”, de Lionel Shriver (Intrínseca). Inspirada pela história de obesidade mórbida de seu irmão, a autora do sensacional “Precisamos falar sobre o Kevin” conta a vida emocionante de alguém que simplesmente não consegue vencer a obsessão com comida. O assunto – em tempos de “Medida Certa”- já é interessante, mas com o talento de Shriver ele adquire uma outra dimensão: a de um narrativa brilhante.

Sou um apaixonado por autores portugueses – sempre volto de Lisboa com alguns quilos a mais na bagagem depois de passar nas incríveis livrarias do Chiado (sem falar na Cotovia, do Bairro Alto…). E agora a editora Leya parece ter ouvido minhas preces – e vem lançando, dentro de um selo chamado “Novíssimos”, uma série de novos autores portugueses. Comecei escolhendo pelo título: como resistir a um trabalho chamado “No meu peito não cabem pássaros”? Seu autor, Nuno Camarneiro, não conta apenas uma história, mas três, aparentemente independentes, mas inesperadamente conectadas. Se você nunca lei um livro português – nem mesmo “Equador”? – comece então por esse para entender minha paixão pelos autores da “Terrinha”. De Novíssimos, já li também “Para cima e não para o norte”, de Patrícia Portela, e agora estou devorando “O teu rosto será o último”, de João Ricardo Pedro. Estou exatamente no momento em que ele descreve um lugar ordinário, a barbearia Playboy, mas que é frequentada senhor Walter, cuja calvície era difícil perceber se era devida a “uma precoce queda de cabelos” ou ao “permanente e desmesurado crescimento da caixa craniana”… Estou encantado com João Ricardo Pedro – e lamentando o fato de não ter conseguido passar por Lisboa este ano: acompanhado de “O teu rosto”, teria sido uma viagem e tanto…

Num ritmo bem mais lento, estou encarando também aquele que talvez seja o livro de não-ficção mais interessante do ano: “Longe da árvore”, de Andrew Solomon (Companhia das Letras). Com suas mais de 800 páginas (e mais 200 de referências), ele está mais para “livro de cabeceira” do que algo que você leva na mala de mão… Mas esse estudo impressionante sobre filhos que não saem, digamos, como seus pais esperam – prodígios, esquizofrênicos, gays, surdos, anões… – é mais que um exercício “voyerista”: é uma belíssima reflexão sobre aceitação, e sobre a própria essência da família, e da relação entre pais e filhos. Se preferir ficção – e não tiver medo de segurar um volume de quase 500 páginas – meu conselho é que você passe um bom tempo com “A arte do jogo”, de Chad Harbach (Intrínseca), que li em inglês sem a menor expectativa no ano passado – só me interessei por um livro sobre beisebol porque as críticas eram muito boas – e que foi uma grata surpresa. Por isso, agora que ele foi lançado aqui, faço questão de adicioná-lo às minhas recomendações de fim de ano (e não deixe o tema desanimar você não: eu venci essa barreira e me dei bem!).

Mas OK, digamos então que você anda meio sem tempo para tomos “pesados” como estes que acabei de sugerir… Então mergulhe na boa safra de autores brasileiros. Acabei de ler “Barreira”, de Amilcar Bettega (Companhia das Letras), que me encantou muito além do que minha já conhecida paixão por Istambul poderia esperar. E estou, por recomendação de um amigo em cuja opinião confio, encarando “O drible”, de Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras) – se me surpreendi com um livro sobre beisebol, por que não um sobre futebol? O esporte, porém, é só um belo (belíssimo) pano de fundo para a reconstrução de uma história entre pai e filho. Não estou nem na metade, mas já dou o meu aval!

E Fernanda Torres, onde fica em tudo isso? Não, usar o nome dessa atriz conhecidíssima – e reconhecidíssima – não foi só um truque para atrair mais leitores (considerando a dispersão de atenção dos internautas, jamais conseguiria fazer com que eles chegassem até este parágrafo apenas com a força do nome de Fernanda!). Deixei “Fim” (Companhia das Letras) para o final do texto – e não apenas para tirar vantagem de um trocadilho infame. Quis falar de sua estreia na ficção por último para reforçar uma tecla em que bato já há algum tempo – e que a qualidade de “Fim” só vem reforçar: a de que não existe limites para o talento.

Mesmo depois de colecionar elogios como cronista (as evidências estão espalhadas pela “Folha de S.Paulo”, “Veja Rio” e “piauí”), não duvido que haja gente que tenha perguntado: mas o que esta atriz está fazendo se metendo a escrever livros? É natural. Para dar um exemplo em outra escala, enfrentei um questionamento parecido quando deixei o jornalismo de lado por um tempo e fui fazer um programa de entretenimento. Não, não estou falando do momento atual, quando troquei o “Fantástico” pelo “Vídeo Show”, mas quando fui apresentar um certo programa chamado “No Limite”, há mais de 12 anos! Quem esse jornalista pensa que é? – eu lia com frequência. Ora, alguém que tem vontade de experimentar outras coisas – e investir seu talento em novas áreas, ajudado pela competência que já conquistou em outras.

Neste momento atual da minha carreira, esse questionamento dúbio ameaçou um retorno, mas acho que meu entusiasmo com o novo projeto deixou logo claro que a opção era minha – e abraçada com vontade! Sim, é possível fazer bem coisas que as pessoas não esperam de você. Mas deixo aqui esse paralelo para voltar a falar do ponto de partida dele: Fernanda Torres, escritora. Eu não diria que sua conquista a este leitor foi fácil. Talvez eu mesmo tivesse dúvidas quanto ao que ela – que já tinha provado ser não só competente na interpretação, como extremamente popular (e divertida) nas suas criações – tivesse a oferecer no que diz respeito às palavras que saíam não de sua memória, emprestada de outros autores, mas de sua inspiração genuína. Mas aos poucos fui ficando encantado com seus textos – e quando “Fim” chegou não hesitei em adquiri-lo.

Comecei a lê-lo ontem e, mesmo cansado como estava (pensa que é mole gravar 5 programas em dois dias?), atravessei meu domingo em sua companhia – ou melhor, na companhia de Álvaro, Neto, Ciro, Ribeiro e Sílvio… e mais uma galeria de personagens riquíssimos que orbitavam em torno desse clube de amigos. “Fim” é divido em cinco partes – mais um epílogo necessário e ao mesmo tempo inesperado. Cada um deles foca em um desses amigos às vésperas de ele encarar a morte. Mulherengos e devassos (mesmo o Ribeiro…), cada um à sua maneira, eles constroem o retrato de uma geração que talvez a própria autora só tenha conhecido por tabela – quem sabe até por alguns de seus “velhos” a quem Fernanda dedica os livros. Mas são personagens muito vivos – apesar da decadência. E entrelaçados de uma maneira esperta, envolvente.

Não deixa de chamar a atenção também o fato de ser uma mulher que dá voz a esses homens tão ordinariamente especiais. As mulheres de “Fim” – e elas são muitas, e importantes (inclusive uma certa Maria Clara, bem no final) – vão surgindo com seus coloridos enredos atormentados, mas raramente independentes de seus homens. Só uma vez ou outra ouve-se um sotaque genuinamente feminino – como quando Ruth, a mulher que Ciro literalmente enlouqueceu, perdeu a virgindade:

“Sérgio lhe levara o hímen, é certo, mas não arranhara em nada a inquietação. É a paixão que deflora as mulheres, é ela que desperta os sentidos, o olfato, o tato, o paladar, a visão, o arrepiar dos ouvidos. Ruth permanecia intocada. Quem a iria resgatar?”

Todas as história de “Fim” são trágicas, como é trágica a vida miúda. A das calçadas sobre as quais um velho (Álvaro) não consegue andar. A das sarjetas onde outro velho – este, tarado (Sílvio) – não acredita que vai morrer. A do vôlei na praia. A do homem vestido de mulher na televisão, que assusta o telespectador dos anos 70. A das salas de necrotério. A vida da gente. Por tudo isso, li “Fim” com um prazer imenso. Mas a lembrança de que a autora ali é uma atriz famosa estava sempre a rondar.

E eu me perguntava: o que estou lendo quando leio um livro dessa atriz? Um “divertissement”? Uma proposta “séria”? Uma derivação de seu trabalho nos palcos e na TV? Uma inspiração passageira? Ou simplesmente um bom livro? Não estamos nunca livres das nossas próprias referências. Nosso inconsciente se acostuma a ver uma pessoa de um jeito e dá um trabalho enorme encará-la de outra maneira. Mas é por isso que insisto que maior do que a história de quem faz um produto cultural, é o próprio resultado que finalmente chega a você. Só se concentrando nele você pode aproveitar o que está sendo oferecido sem um viés. E, no caso de “Fim”, o que você tem finalmente nas mãos é um dos melhores livros que eu consegui ler nessa temporada tão intensa da minha vida.

O refrão nosso de cada dia – “Girlfriend”, Icona Pop  - em algum lugar do mundo pop, Kate Perry está se perguntando: por que eu não gravei esta música antes? Querida Kate, que eu gosto tanto: as meninas do Icona Pop – que talvez tenham feito o disco mais dançante de 2013 – chegaram lá antes… Se liga…

Seus problemas acabaram (desde que um deles não seja “ler livros”)

seg, 14/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Estou doente. Não sou bom de diagnósticos – incrível como em mais de 40 anos de convivência com um pai médico, não aprendi nada… Mas acho que tem a ver com minha total falta de intimidade com algo que para a imensa maioria das pessoas é a coisa mais comum no mundo – se não uma das mais desejadas: um fim de semana livre! Como você talvez tenha acompanhado aqui, para driblar essa mudança de rotina – que eu já sabia que iria enfrentar desde que deixei a apresentação do “Fantástico” -, no domingo passado “inventei” uma viagem a Buenos Aires… Mas este fim de semana agora, não teve jeito. Já envolvido como estou nos novos projetos no “Vídeo Show”, não poderia me dar o luxo de ficar mais uns dias fora do Brasil – e então tive de encarar um sábado e um domingo inteiros em casa!

“Em casa” é maneira de dizer. Não fiquei o tempo todo aqui, claro. Saí com amigos para comer alguma coisa no sábado, na hora do almoço. Fui a uma peça de teatro – em plena noite de sábado, algo que eu não fazia há milênios! (Aliás, para quem mora ou passa por São Paulo, fui ver “O duelo” – uma adaptação de um livro de Tchekhov, com a Mundana Companhia, cujo elenco agora inclui a excelente Camila Pitanga, que, em nome da transparência, devo dizer que é também uma grande amiga, por quem tenho enorme admiração, sobretudo na coragem e ousadia com que desenha sua carreira, um traço que inclusive já elogiei aqui). Tomei o café da manhã de domingo com uma amiga que visitava (olha que ironia) o Rio de Janeiro. Mas de resto fiquei em casa, em São Paulo.

Pensei em assistir a “Gravidade”, mas me julguei incapaz de enfrentar um cinema de shopping center num domingo (ainda mais para ver um filme que obviamente estaria lotando as salas). Conferi mais uns dois ou três episódios da série que agora rouba minha atenção – “Orange is the new black” -, mas de resto fiquei no meu canto. E quando eu achava que os “males” dessa readaptação de rotina iam tomar conta de mim… Eis que surge… Um livro! Sim, um livro – algo que quase nunca encaramos como um “remédio”, mas que é sim uma das melhores terapias, não só para um “problema” como este que enfrento agora, mas para tantos outros momentos introspectivos.

Mas este livro, mais especificamente, é exatamente sobre isso: sobre como outros livros podem ajudar você no dia a dia. Falo de “The novel cure: from abandonement to zestlessness – 751 books to cure what ails you”, uma incrível compilação literária organizada por Ella Berthoud e Susan Ekderkin. (Uma tradução apressada do título do livro, apenas para dar uma ideia melhor do que se trata, pode ser: “A cura do romance: de abandono à falta de entusiasmo – 751 livros para curar o que te aflige”). Descobri o título lendo uma resenha na “Economist”, e fiquei imediatamente interessado! Primeiro por conta do próprio assunto: livros! Um “livro sobre livros” é sempre uma coisa fascinante. Depois, gostei mais ainda quando soube mais uma das autoras de “Novel cure” é uma “biblioterapeuta” da “School of Life”.

Explico: a “Escola da Vida” foi criada em Londres, há cinco anos, por um dos meus ídolos literários – o filósofo e escritor Alain de Botton (para quem já me desdobrei em elogios, aqui mesmo neste espaço). Não contente em escrever um livro atrás do outro fazendo a ponte entre a alta filosofia (e alta literatura) e nossa vida prática – um de seus melhores é “As consolações da filosofia” (L&PM, Rocco) -, ele também resolveu abrir essa “escola” onde ensina as pessoas a fazer algo que está cada vez mais difícil em tempos disperso como o nosso: parar para pensar. E faz isso não com pesadas palestras sobre grandes pilares da nossa filosofia, mas com encontros, conversas e leituras saborosas – que rendem livros como “Novel cure”, ainda inédito no Brasil, ou a coleção “The School of Life” (editada aqui pela Objetiva, com títulos tão fascinantes como “Como pensar mais sobre sexo”, “Como manter a mente sã”, e, talvez o mais urgente de todos, “Como viver na era digital”).

Além disso, sua “escola” – que já organizou alguns encontros no Brasil (Rio e São Paulo, por enquanto), e quer fazer ainda mais por aqui, segundo informações do site oficial – oferece sessões de “biblioterapia”. Nunca fiz uma (ainda!), mas parece que funciona assim: você marca uma sessão, fala quais são os principais problemas que te afligem e… pronto! O seu “biblioterapeuta” te indica um livro – de literatura! – que pode ajudar você a superar seu problema! Não é incrível?

Outro dia, lendo uma sessão interessante do suplementos de livros do jornal “The New York Times”, deparei-me com um autor (não consigo me lembrar qual, e as pesquisas na internet que fiz hoje de manhã se mostraram infrutíferas…) que, ao ser perguntado se ele tinha algum livro em sua estante que surpreenderia seus leitores, como um título de autoajuda, por exemplo, respondeu: “Mas todos os livros são de autoajuda, não?”. A ideia da “biblioterapia” é exatamente esta: não existe livro do qual você não seja capaz de tirar uma lição! Ele não precisa ser especificamente de autoajuda – quantos de vocês (eu mesmo!) têm coragem de se aproximar abertamente de uma sessão dessas nas livrarias? Basta você ler o romance certa, na hora certa!

No já citado “Consolações da filosofia” (que é de 2000), há capítulos específicos para, por exemplo, problemas amorosos. A solução, segundo Botton, está em ler Schopenhauer (um filósofo alemão do início do século 19). Frustrado com tudo na vida? Leia Sêneca – um pensador romano, contemporâneo de Jesus Cristo! Anda se sentido deslocado, “um peixe fora do aquário”, inclusive sexualmente? Montaigne (que viveu na França, no século 16) é o cara certo para você! O que Alain de Botton parece ter feito com sua “Escola da Vida” é a simples evolução dessa ideia: livros podem te ajudar sempre! E agora já existe até um manual para provar isso.

“The novel cure” – que então baixei no meu smartphone – é fascinante. Comecei a ler, claro, pelas listas – tipo “top 10″. Como resistir a uma seleção de “Dez livros para baixar sua pressão sanguínea”? – entre eles, “As horas”, de Michael Cunningham, e “O coração é um caçador solitário”, de Carson McCullers. Ou “Dez livros para convencer seu parceiro de que ler é legal”? – tente “O nome da rosa”, de Umberto Eco, ou “Micro servos”, de Douglas Copland (se você precisar convencer sua parceira, as indicações vão de “Um quarto com vista”, de E. M. Foster, a “Dentes brancos”, de Zadie Smith). Ou que tal “Dez livros para planejar uma viagem”?: “A sombra do vento”, de Carlos Ruiz Zafrón; “O conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas; e até “Os homens que não amavam as mulheres”, de Stieg Larsson.

Berthoud e Elderkin, as autoras de “Novel cure”, sugerem ainda que você pode partir de indicações mais específicas. Se você está se sentindo um estrangeiro em algum lugar, elas indicam “Tudo se ilumina”, de Jonathan Safran Foer (que os leitores mais frequentes deste blog sabem que é um dos meus livros favoritos de todos os tempos – e que, analisando a receita de Berthoud e Elderkin, tudo faz sentido: alguém que viaja tanto como eu, não escapa de se sentir estrangeiro…). Você está decidido a ir atrás de uma mulher mesmo sabendo que ela é casada? Seu livro é “O paciente inglês”, de Michael Ondaatje! Pensando em matar alguém? Que tal controlar seus impulsos com “Thérèse Raquin”, de Emile Zola? Ou simplesmente se seu coração está partido… mergulhe em “Alta fidelidade”, de Nick Hornby (que, aliás, acaba de ser reeditado num belo volume pela Companhia das Letras). Obcecado com alguma coisa? Leia “Morte em Veneza”, de Thomas Mann (ou “Moby Dick”, de Herman Melville). Inutilidade da vida – de tudo (leia-se “desespero total”!)? Fique com “A vida: modo de usar”, de Georges Perec.

Veja bem, são 751 livros – não vai dar para ficar citando todos aqui hoje (para não falar das maravilhosas e divertidas justificativas que as autoras dão para receitar este ou aquele livro). Minha torcida é para que alguém tome logo a iniciativa de lançar “Novel cure” por aqui – uma ousadia, admito (ainda mais quando se pensa nas indicações que, como várias que pesquisei, não tem ainda um título lançado no Brasil – por exemplo, “English Passengers”, de Matthew Kneale (um dos romances mais engraçados que já li na minha vida!). Ou que você se arrisque a comprar o livro em inglês mesmo – e se divertir com suas “curas”.

Pensei até em fazer meu pequeno receituário aqui hoje. Rapidinho, assim… Para quem está com problemas de fidelidade conjugal em casa, adivinha qual seria a leitura recomendada? Pois claro, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis! Crise no casamento, na linha “sobra conversa e falta sexo”? Tente “Sobre a beleza”, de Zadie Smith. Sua vida anda miserável? Eu sugeriria que você lesse “Um delicado equilíbrio”, de Rohinton Mistry. Sentindo-se rejeitado? Ah… Você precisa ler então “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Decepção com sua família, sobretudo com seus pais? Que tal passar os olhos por “Tempestade de gelo”, de Rock Moody? Apaixonado(a)? Vá de “Coração tão branco”, de Javier Marías. Querendo fugir de tudo? Minha recomendação é “Invisível”, de Paul Auster.

Mas seria leviano eu tentar imitar aqui, com tamanha superficialidade (todas as indicações acima foram feitas à queima-roupa, confiando apenas na minha memória, que como você já sabe, está longe de ser infalível), o trabalho dedicado de Berthoud e Elderkin, em “The novel cure”. No máximo, faço isso como um exercício saudável, para que eu mesmo possa me lembrar de como os livros me ajudaram ao longe de toda minha vida – e lá se vão cinquenta anos… E é nesse sentido que ouso jogar o desafio para você também!

Digamos que você foi convidado (ou convidada) a sugerir uma entrada para uma edição brasileira de “A cura do romance”. Que livro você indicaria? Para que males? E por quê? Como eles poderiam ajudar uma alma em apuros? Quem sabe você não tem dentro de si uma alma de “biblioterapeuta”?

O refrão nosso de cada dia: “Botch-a-me”, Rosemary Clooney - sabia que a tia de George Clooney era uma cantora famosa? O caminho pelo qual cheguei ao refrão de hoje é tortuoso – começa em “Gravidade”, o filme, e vai parar em “Mad men”. Mas não vou alugar você com isso agora. Divirta-se com o sotaque “suave” de Rosemary Clooney – e se quiser um bônus, veja também “Mambo italiano”.

Serendipidade

seg, 26/08/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura, Música

Eu conheci essa palavra primeiro em inglês: “serendipity”. Usei-a assim durante anos, sem nem tentar descobrir se ela tinha uma tradução para o português – o que sempre me pareceu improvável. Mas recentemente fui buscar uma tradução “oficial” e, em pelo menos um dicionário online de respeito (Michaelis) encontrei “serendipismo”. O problema é que eu não consegui encontrar “serendipismo” em um dicionário de português com a mesma credibilidade. O Houaiss, ironicamente, me encaminhava para a própria palavra em inglês – “serendipity”. Cuja definição me indicava a seguinte forma aportuguesada: “serendipidade” – que foi a que usei para o título de hoje.

Este início de texto meio labiríntico – quando não é? – tem um motivo. É fruto de uma improvisação. Hoje nem teria um post. Estou tirando alguns dias de férias das minhas atividades do dia-a-dia por conta de, entre outras coisas, me dedicar ao lançamento do meu novo livro: “50? Eu?” (E-galáxia). Mas diante do que vi no episódio de ontem do quadro “Vai fazer o quê?” – rapidamente, um homem negro, um branco, e uma mulher bonita tentando roubar uma bicicleta para ver a reação das pessoas – fui fazendo associações com o tema “racismo” e resolvi procurar aqui mesmo na internet uma música que não ouvia há tempos: “Racist friend”, do The Specials. Achei oportuno, diante do que foi mostrado no quadro, ouvir uma letra que elegantemente sugere: “Se você tiver um amigo racista, essa é a hora para terminar a amizade – seja sua irmã, seu tio, sua mãe, seu amante”.

Uma vez que o Specials é uma das bandas mais importantes – e talvez menos reconhecidas – do pop britânico (veja também “Ghost town”, Friday night, Saturday morning”, “A message to you, Rudy”, e claro “Free Nelson Mandela”) pensei em comunicar você que eu sairia de férias usando apenas esta música (“Racist friend”), sem me alongar demais. Mas aí a “serendipidade” entrou em ação – e aqui estou eu já terminando o terceiro parágrafo, e já pensando no quarto para explicar o que a tal palavra significa. Onde isso vai parar? Não sei – e essa é a beleza dessa palavra.

O próprio dicionário Houaiss ajuda nessa tarefa definindo que trata-se do “dom de atrair o acontecimento de coisas felizes ou úteis, ou de descobri-las por acaso”. Isso eu até mesmo poderia explicar, talvez com outras palavras, pela própria maneira como aprendi a usá-la em inglês: para descrever situações que iam se desenrolando, justamente, por acaso. Mas o Houaiss tinha mais – uma explicação possível de sua origem: teria vindo do antigo nome do Sri Lanka (um país da Ásia), de onde, segundo um antigo conto persa, vinham três príncipes que sempre “davam em coisas sem ter procurado por elas”.

Já viu onde isso vai dar, né? Na internet, claro! Isto aqui é o Reino da Serendipidade. Onde mais você pode se perder em informação, em associação de ideias, em caminhos soltos que sempre te levam a algum lugar? Aqui mesmo. Mais de uma vez escrevi sobre isso neste espaço – nesses quase sete anos de blog. E mesmo que não esteja sempre falando literalmente disso, a tal “serendipidade” sempre está presente na minha vida (e aposto que na sua também). Eu não brinco que minha religião é o acaso à toa…

Assim, do “Racist friend” do Specials, eu fui parar em outra canção com um título parecido: “Your racist friend”, do They Might Be Giants”. Na virada dos anos 80 para os 90 eu fui apresentado para um álbum dessa banda com o nome ligeiramente esquisito – que em português é algo como “Eles podem ser gigantes”. Era o disco “Flood” que eu ouvi umas 967.532 vezes, só no ano de 1990! Apesar de não ter escutado nenhuma faixa dele nos últimos 10, 15 anos. Por isso mesmo, no próprio YouTube comecei hoje de manhã a escutar várias canções de “Flood” – favoritos pessoais como “Istanbul (not Constantinopla)”, “Twisting”, “Letterbox”, “Minimun wage” (uma pequena obra-prima que eu faço questão de pedir 47 segundos da sua atenção para clicar aqui e ouvir o título dela, que significa “salário mínimo” e uma chicotada). E acabei a seleção com o “clássico” “Birdhouse in your soul” – que por acaso, era a mensagem gravada num cartão que eu havia escrito para um amigo meu, colega de trabalho, ontem mesmo.

Por conexões ainda mais misteriosas que as da minha memória, a lista de sugestões da própria página do YouTube para “Birdhouse” veio com uma música que eu não ouvia também há tempos – mas que esteve no meu “playlist” intensamente quando entrevistei sua cantora por causa de um lançamento de então. A canção era “Hands clean”, de Alanis Morissette. E quando o refrão veio, comecei a chorar:

“We’ll fast forward to a few years later
And no one knows except the both of us
And I have honored your request for silence
And you’ve washed your heads clean of this”

Por que as lágrimas? Por conta de uma entrevista que eu havia lido na manhã de domingo, com alguém que admirei havia algum tempo atrás – uma entrevista que li, entre outras coisas, pela paixão pelos livros que eu mesmo dividia com o entrevistado, a ponto de vibrar, tempos atrás, com seus comentários sobre um dos meus autores favoritos, Nick Hornby.

Ele, Hornby, está novamente em evidência por conta de um relançamento – pela Companhia das Letras – de seus livros mais queridos: “Febre de bola” e “Alta fidelidade”. Esse último em especial, é uma leitura obrigatória para qualquer pessoa que, como eu, é apaixonado por música e literatura – uma combinação interessante que sempre produz livros ótimos. Como este lançamento de um autor que só conhecia como colunista, mas cujo último trabalho estou louco para ler: “A maçã envenenada” (Companhia das Letras), com sua história que envolve a passagem do Nirvana pelo Brasil em 1993 (um episódio que, como qualquer pessoa que acompanhou meu trabalho na MTV no início dos anos 90 sabe, eu segui bem de perto). Ou este outro livro que terminei de ler ontem mesmo, “A morte do pai”, de Karl Ove Knausgård (também da Companhia das Letras) – e que achei misteriosamente hipnótico.

Knausgård – que cancelou na última hora sua participação na última Flip (a Feira Literária de Paraty) – vem sendo chamado de um Proust moderno, por seus livros monumentais que são (ou não) livremente biográficos. Não sei se é tudo isso, mas sei que é bom. “A morte do pai” é o primeiro desses volumes a sair no Brasil – traduzido do próprio original norueguês por Leonardo Pinto Silva – e me fisgou à relutância. Seu estilo por vezes ultradetalhista – com parágrafos que descrevem uma pessoa entrando no carro, colocando a chave no contato, girando-a e ligando o motor com mórbida precisão – é um obstáculo a princípio. Mas aos poucos você vai entrando na viagem da memória de Knausgård com resistência cada vez menor. Eu fui me surpreendendo com a maneira que minha leitura fluiu – em parte pela intimidade que o autor cria com o leitor (que a certa altura quase que passa a fazer parte da família Knausgård), em parte com a forte ligação que o protagonista (o próprio autor) tem com a música, e em especial com a música da minha geração.

Um trecho típico:

“Certa vez fomos até a casa de Asbjørn, eu me recordo, passamos três dias bebendo, Yngve pôs Pixies, então uma desconhecida banda americana, para tocar e Asbjørn ficou deitado no sofá se acabando de rir porque achou bom demais o som que ouvíamos. Isso é bom demais, gritava ele, por sobre a música no volume máximo. Ha-ha-ha! Ha-ha-ha! É bom demais! Quando fui a Bergen aos dezenove anos, ele e Yngve foram ao meu alojamento logo nos primeiros dias, e nem a foto de John Lennon, pendurada sobre a minha escrivaninha, nem o pôster de um milharal, com a pequena área gramada cintilando com uma intensidade milagrosa em primeiro plano, nem o pôster de ‘A missão’, com Jeremy Irons, passaram pelo crivo deles. Sem chance.”

Era estranho notar, página após página, como uma adolescência no interior da Noruega pode ser tão parecida com a de um garoto numa cidade grande do Brasil… Como eu disse, resisti incialmente a “Morte do pai”, mas saí extremamente recompensado da experiência, a ponto de achar que teria me arrependido muito se, um dia lá na frente, um amigo me recomendasse o livro de Knausgård e eu tivesse que admitir que ainda não tinha lido apenas por preguiça de me envolver com uma história que supostamente eu achava que não tinha nada a ver comigo.

E me lembrei de encomendar um outro livro na internet, cuja resenha me deixou incrivelmente excitado. Chama-se “Rewire: digital cosmopolitans in the age of connection”, de Ethan Zuckerman. Escrevendo sobre ele na “Bookforum”, Astra Taylor esclarece um ponto de vista do autor que não é exatamente novo, mas é sim brilhante:

“Nós procuramos por informação que já queremos ou achamos coisas novas com a ajuda de pessoas que já conhecemos, e uma vez que essas pessoas tendem a ser parecidas com nós mesmos, muita coisa no mundo acontece sem que a gente tenha conhecimento delas. Por exemplo, Zuckerman diz que nós americanos talvez não saibam muito do que está acontecendo na Zâmbia a não ser que a gente conheça alguém de lá. E na era de Google e Facebook, se seus hábitos de consumo de mídia são limitados, a culpa é de nós mesmos, não desses poderosos guardiões da informação. Por isso Zuckerman argumenta que ‘se quisermos que a conexão digital amplie a conexão humana, nós temos que experimentar’.”

E eu acho que esse é o problema de boa parte da nossa desinformação de hoje: a falta de curiosidade pelo que é diferente. Toda vez que vejo uma coluna de “as mais lidas” num site de notícia tenho vontade de apagar aquilo! A gente quer ler o que os outros lêem, os mesmo sites de sempre, sobre as mesmas pessoas – e depois a gente reclama que a vida é sem graça.

Pois eu digo: vá se aventurar. Quando você sai só um pouco do caminho, coisas impressionantes podem acontecer. Deixe a “serendipidade” entrar em ação. Eu não tinha ideia que este texto de hoje ia parar aqui. Passei por They Might Be Giants, Alanis, um chorinho, Nick Hornby, Knausgård, estudos cognitivos – e agora estou saindo de férias! Quem diria? Se você veio comigo até aqui – bravo! Já é um bom começo. É daqui para outros destinos ainda mais inesperados. Ou então tem uma lista de mais lidas aqui mesmo na primeira página do G1 – vai lá. No momento em que termino de escrever isso, a matéria mais procurada é a sobre o harém de colegiais que um livro diz que Khadafi mantinha numa fortaleza…

O refrão nosso de cada dia: “Vathala paakku”, Chitra  - só para seguir na linha do mergulho no desconhecido, ouça esses 23 segundos de uma canção surreal. E depois vá para onde você quiser…



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