Missão impossível: os 100 melhores filmes de todos os tempos
Uma semana em que vi dois filmes sobre suicídio – “Oslo, 31 de agosto” (do norueguês Joachim Trier) e “Como na canção dos Beatles – Norwegin Wood” (do vietnamita Tran Han Hung) – talvez não seja a melhor ocasião para celebrar a grandeza do cinema. (Ou talvez, justamente pela sensibilidade desses dois filmes, essa grandeza deva ser celebrada – mas eu divago, e estamos só no começo…). Mas eu já estou há algumas semanas querendo falar da lista recém-publicada pela “Entertainment Weekly” dos “100 melhores filmes de todos os tempos” – então, aqui vai! No início de julho, a revista, uma espécie de “bíblia” contemporânea da cultura pop, embarcou num projeto ousado: não só essa lista, mas outras centenas duvidosas – os melhores livros, séries de TV e discos de todos os tempos (e ainda uma relação mais enxuta com as 50 melhores peças).
Cada um dessas seleções, claro, mereceria um post. A de música sobretudo (especialmente para mim) é particularmente provocadora. Aliás, como todas as listas desse tipo devem ser – eu que um dia ousei publicar aqui as minhas 1.000 músicas favoritas sei bem disso. Mas fiquei especialmente perturbado com a relação dos 100 melhores filmes de todos os tempos – e por motivos que explico a seguir, quis então sugerir uma brincadeira em cima dela.
O que me incomoda na lista é a falta de espaço para produções mais contemporâneas. Segundo a “EW”, qual década você acha que tem o maior número de “clássicos” do cinema? Se pensou nos anos 70, acertou: 20 filmes – quase todos inegavelmente sensacionais (“O poderoso chefão”, “Tubarão”, “Apocalypse now”, “Laranja mecânica”, entre outros) – foram lançados nessa época. Os anos 60 comparecem com 17 filmes – que vão de “007 contra Goldfinger” a “2001: Uma odisseia no espaço”. O mais antigo da lista é “Intolerância”, de 1916 (o único desta década), e os mais recentes, “Guerra ao terror” e “O cavaleiro das trevas”, ambos de 2008. Nenhum filme destes nossos anos 10 registram na lista elaborada pelos críticos da revista, Owen Gleiberman e Lisa Schwarzbaum.
Sou fã de ambos de longa data – especialmente de Schwarzbaum, que tem um gosto muito próximo do meu. Mas devo insistir que fiquei perturbado com os filmes que eles selecionaram. Tentando entender suas escolhas, fui pesquisar a idade desses críticos. Lisa nasceu em 1952 e Owen em 1959. Ora… Isso significa que eles estavam no auge da sua adolescência nos anos 60 – e na melhor parte da sua juventude nos anos 70. Hum. Exatamente na época em que a gente costuma – ou pelo menos costumava – ir mais ao cinema, uma diversão sempre barata para jovens sem muito dinheiro sobrando, e ainda estimulante. Ainda: foi nessa época, claro, que eles começaram a se interessar profissionalmente por cinema – e assimilar melhor tudo que viam. Logo… Isso pode ser uma explicação pela alta concentração de filmes dos anos 60/70 na lista que elaboraram.
Como bons críticos que são, olharam um pouco para trás para mostrarem respeito por alguns “Clássicos” – com “C” maiúsculo mesmo – adivinha qual é o filme número 1 da “EW”? “Cidadão Kane” (1941), claro. (Outras títulos recorrentes em listas do gênero também estão lá, de “…E o vento levou” a “Mágico de Oz”). Owen e Lisa ainda abriram espaço para décadas mais recentes. Há nove filmes dos anos 80 (“E.T.”, por exemplo), dez dos anos 90 (inclusive, para minha surpresa, “Tudo sobre minha mãe”), e apenas cinco do século 21 – aliás, só dos anos 00. Um monte de títulos ficaram de fora – o que é inevitável. Fazer justiça ao talento de inúmeros cineastas, atores, atrizes, e tantos outros profissionais envolvidos na produção de mais de cem anos de filmes é tarefa inglória. As homenagens simplesmente não cabem em uma centena.
Eu gosto de imaginar que a primeira lista que Lisa e Owen fizeram tinha mais ou menos mil títulos – e aí eles começaram a lapidar… E o fizeram muito de olho na própria credibilidade deles como críticos: para continuarem a ser respeitados, eles não podiam deixar de fora filmes como “O falcão maltês”, “Olympia”, “Ladrão de bicicletas”, “Cantando na chuva”. Mas o preço disso é ter que deixar de fora boa parte da produção recente – e qualquer pessoa que goste de cinema vai concordar comigo quando digo que o cinema contemporâneo vem nos oferecendo filmes estupendos. Mas será essa uma armadilha inevitável que o próprio cinema criou para seus fãs?
Na busca de uma alternativa, resolvi eu também fazer uma lista – um projeto, aliás, tão antigo quanto a tão relação das minhas 1.00o músicas favoritas. Eu também vou escolher 100 dos melhores filmes que eu já assisti no cinema – e o truque dessa vez está no próprio critério da lista. Por “filmes que já assisti no cinema”, entenda-se “títulos que foram lançados depois que eu passei a frequentar salas de projeção”. Colocando esse “filtro”, fico livre então da obrigação de citar os tais clássicos de sempre. Não que eles não sejam marcos importantes na história do cinema – quem sou eu para discordar de um coro sólido de cinéfilos? Mas selecionando entre os filmes que eu realmente assisti nos cinemas na época em que foram lançados eu não só me sinto mais à vontade de falar pela minha geração, como dou um tom mais contemporâneo à lista. E é exatamente isso que eu eu vou fazer agora.
Vou começar apenas com 10 hoje – e darei mais 30 a cada novo posts. Como sempre faço quando embarco num projeto desses, reforço que é uma seleção ultraidiossincrática e pessoal. Não pretende abalar os pilares dos acadêmicos de cinema, muito menos questionar o seu gosto particular – seja você da minha geração ou não. Este é um parágrafo que dedos mais nervosos para escrever um comentário me questionando (quando não insultando) certamente vão passar por cima (você vai ver nas reações que estou falando a verdade…), mas que mesmo assim acho importante escrever. Escolhi esses filmes por critérios que eu mesmo nem sei explicar – talvez, se tentar esboçar minhas razões, eu tenha usado minha memória do que senti quando saí das sessões dessas produções. Mas nem disso eu tenho certeza. É uma lista solta – um exercício de diversão e (superficial) reflexão sobre tantos anos como espectador.
Ainda, não é uma lista em ordem de preferência. Vou numerá-la apenas por uma questão de ordem, e não pelo valor que dou a cada escolhido. Todos esses filmes me impactaram de alguma maneira – e é isso que vou tentar descrever nos breves textos que acompanham cada título. Não vou entrar em detalhes de roteiro nem produção – apenas contar brevemente como cada um deles mexeu comigo. Pode ser divertido para você também. Ou pode ser que você fique ligeiramente incomodado – como eu fiquei com a “Entertainment Weekly”. De qualquer maneira, convido você a me acompanhar nessa experiência. Apague a luz e relaxe…
1) “Pulp fiction – Tempo de violência”, de Quentin Tarantino (1994) – os créditos acabam, as luzes começam a serem acesas, e você se pergunta: o que aconteceu? Até hoje eu não sei direito. Com uma narrativa totalmente imprevisível e uma iconografia que o próprio cinema preferia jogar para baixo do tapete (isto é, todo o universo dos filmes B de Hollywood), Tarantino pegou todo mundo de surpresa – até mesmo seu “astro ressuscitado”, John Travolta. O diretor já prometia (“Cães de aluguel”) e ainda iria se superar (“Kill Bill”, “Django livre”). Mas foi com “Pulp fiction” que ele provou que existia público para um cinema que fosse ao mesmo tempo “trash” e sofisticado. Sem contar que a influência dele pode ser sentida até hoje, de sucessos contemporâneos como “Tropa de elite” a pistas de dança de casamentos caretas, onde as pessoas que já beberam um “meia-de-seda” a mais do que deviam começam a se mexer como Uma Thurman e o próprio Travolta…
2) “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, de Michel Gondry (2004) – poucas coisas são tão satisfatórias quanto um filme que faz você achar que entendeu a sua história, só para destruir tudo na cena seguinte e provocar seu raciocínio infinitamente. “Brilho” faz exatamente isso – e quase pede para ser visto mais de uma vez. Não porque você não tenha captado alguma coisa da história mais que original, mas porque você quer entender melhor como sua mente foi levada a extremos tão improváveis. O roteiro (Charlie Kauffman) é simplesmente brilhante. O visual delirante. E a atuação de Jim Carrey e Kate Winslet está entre as melhores coisas que ambos já fizeram. Faz tempo que não revejo este filme… Eu acabo me esquecendo que como ele é um bom lembrete para que a gente não se vergue diante de histórias tolas e banais.
3) “A rosa púrpura do Cairo”, de Woody Allen (1985) – prepare-se para encontrar alguns filmes de Allen até o final desta lista. Mas eu tinha que começar com esse, nem que fosse pelo simples fato de que “Rosa púrpura” fala exatamente sobre o fascínio que o cinema é capaz de exercer sobre nós. Como Cecilia (a personagem impecavelmente vivida por Mia Farrow), nós temos vontade de voltar mais e mais ao cinema para rever aquilo tudo, e sentir tudo que sentimos de novo, como se fosse a primeira vez. Amigos que têm filhos pequenos não se cansam de comentar que já perderam a conta de quantas vezes as crianças pedem para assistir a “Carros” ou ao “Rei Leão”. Eu sou exatamente assim com este filme de Woody Allen – e com alguns outros que você vai saber nos próximos dias.
4) “Toy story 3″, de Lee Unkrich (2010) – chocado com a escolha? Então eu digo que você não tem coração. Boa parte das listas de melhores filmes (inclusive esta da “EW”) faz questão de incluir o primeiro “Toy story” entre eles. É genial, não vou discutir. Mas uma vez que nunca tive a experiência de assistir a ele quando era criança – já estava bem nos 30 anos quando da sua estreia – foi esse terceiro que falou mais comigo. Tem aventura – os brinquedos no triturador! Tem comédia – o que é aquele Ken mostrando seu guarda-roupas? E tem o final mais triste que já vi num filme que foi feito principalmente para crianças. Não falo de uma tragédia ou coisa parecida. Aliás, as crianças nem percebem que o final é triste. Mas nós, adultos, sabemos muito bem o que é perder a inocência de se divertir com seus brinquedos – e o quanto nos custa passar essa sabedoria para os nossos filhos. E é por isso que choramos no final de “Toy story 3″.
5) “Amnésia”, de Christopher Nolan (2000) – quando este filme foi lançado em DVD, veio com uma versão da história contada de maneira linear, com os fatos se sucedendo assim como na vida real, um atrás do outro. Não tem a menor graça – e eu diria até que nem faz sentido. A originalidade de “Amnésia”, que colocou Nolan no cenário mundial do cinema, está em jogar um quebra-cabeças para cima e apostar que o público vai ser capaz de encaixar todas as peças. É exatamente isso que acontece cada vez que vejo esse filme. E mesmo que você já saiba como vai ficar tudo no final, eu duvido que você não consiga sempre se surpreender.
6) “Nove rainhas”, de Fabián Bielinsky (2000) – o filme que apresentou o argentino Ricardo Darín para os brasileiros (e para o mundo) tem outros méritos. O maior deles, talvez, de ter um roteiro perfeito para te seduzir até o final – e quando você chega lá é descaradamente chamado de trouxa. E com prazer! Frenético (experimente piscar durante uma cena), espontâneo (Gastón Pauls é um parceiro perfeito para Darín), e divertido (de onde surgiram aqueles personagens?), “Nove rainhas” permanece injustamente um segredo para poucos. A morte prematura de seu diretor não ajudou – e Hollywood, que ousou fazer sua versão para um dos roteiros mais fascinantes que eu já vi, parece que não se deu bem. Cá entre nós, prefiro rever esse filme argentino até o fim dos meus dias…
7) “Boogie nights – Prazer sem limites”, de Paul Thomas Anderson (1997) – pegando uma forte carona em “Pulp fiction”, o “breakthrough” de Anderson faz um retrato dos anos 70 exatamente como eles eram – alucinantes e vazios. Num estilo que ele ainda iria aprimorar nos seus trabalhos seguintes, o diretor trabalha sua história como uma sinfonia – e tudo que podemos fazer é nos integrar a ela. “Boogie nights” pode ser descrito com um retrato do submundo da pornografia – numa época em que ela ainda tinha um certo verniz. Mas isso seria diminuir um filme cheio de nuances e ousadias narrativas – e não estou nem falando da prótese que Dirk Diggler (Mark Whalberg) ostenta em uma cena crucial…
8 ) “Ondas do destino”, de Lars von Trier (1996) – o diretor dinamarquês é uma usina de experimentação cinematográfica. Já fez filme mais desestruturados que esse (por exemplo, “Dogville”), mais torturantes (“Dançando no escuro”), e outros ainda mais melancólicos (o próprio “Melancolia”). Mas nada é tão perverso e arrebatador quando a história de amor entre Jan (Stellan Skarsgard) e Bess (Emily Watson definindo os limites da loucura na arte da interpretação). Curiosamente, minha lembrança é a de ter saído do cinema leve – quase que de alma lavada, sabendo que tem gente que passa por isso no amor (assim eu não preciso passar). Mas seu efeito é como o de uma bomba de hidrogênio – vem depois e vem feroz. Até hoje volto a “Ondas do destino” quando preciso de refúgio emocional.
9) “Eleição”, de Alexander Payne (1999) – provavelmente ninguém lembra deste filme. O que é uma pena. Com um roteiro relativamente simples – uma eleição em um colégio –, o filme é um retrato perfeito (e sujo) sobre a luta pelo poder. A carreira de Reese Witherspoon foi lançada aqui. A de Matthew Broaderick foi consolidada com “Eleição”. E Hollywood ganhou um diretor bastante original (cujo filme mais recente foi “Os descendentes”, com George Clooney). Muitos dirão que o filme não tem nada demais. Eu rebato dizendo que tudo está lá, sutil e inteligentemente colocado. É só assistir…
10) “32 curtas metragens sobre Glenn Gould”, de François Girard (1993) – antes de tudo sou grato a este filme por me apresentar às “Variações Goldberg”, de Bach. Tenho um conhecimento tão limitado quanto apaixonado pela música clássica, e sempre dependo do acaso para me identificar com alguma peça. “32 curtas” me deu esse presente – e mais: a cada vez que eu ouço as “Variações” cada um daqueles pequenos filmes me vêm à memória, com suas nuances, detalhes, discursos e – sendo Glenn Gould – ruídos. Algumas entrevistas são hilárias e outras tocantes. E algumas das imagens tão líricas, que descrevê-las aqui não faz justiça ao conjunto da obra (de que adianta saber que uma das variações é ilustrada apenas com imagens de raio-x?). Tem que ver tudo…
Continuamos na quinta?
refrão nosso de cada dia
“Don’t shake it”, Cornershop (com Bubble Kaur) ( https://m.youtube.com/watch?v=M01VjQRI7zo ) uma de minhas bandas favoritas, que não cito aqui faz tempo. Hoje fiquei a fim de lembrar deles para abrir bem a semana. Que alegria dessa música te acompanhe nesses dias em que o Papa veio, se foi, e deixou o espaço aberto para a gente se entender melhor…