Livros 2 x 0 Internet

seg, 23/04/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Achou o texto do último post curto? Pois este é provavelmente ainda menor! Não o faço de propósito – não estou dando tiro no pé, ainda mais depois de ter construído por mais de cinco anos um fiel e mui digno séquito de leitores que não se incomodam (e até apreciam) com a tarefa de encarar post que traz mais do que dois parágrafos… Este texto – pelo menos a parte que vou escrever – é bem enxuto. Mas é que tudo que quero hoje é apresentar duas evidências inegáveis de que mais vale um bom livro na mão do que uma página de internet voando…

A primeira é retórica – descoberta por acaso quando resolvi folhear novamente um livro que já havia lido. A segunda é puramente emocional – e chegou numa indicação de um dos melhores sites de cultura pop que descobri ultimamente. Mas não quero me estender muito com esses detalhes. Cada um dos argumentos que vou apresentar fala por si só. Assim, vamos às breves introduções. E no final, se você se sentir motivado, quero saber o que você achou disso tudo.

“Evidência número 1”: uma conversa entre dois autores que admiro, Malcolm Gladwell e Tom Rachman. O primeiro, um dos mais bem sucedidos autores contemporâneos de não-ficção (pense em “Blink”). O segundo, um escritor estreante, mas que já coleciona elogios com seu “Os imperfeccionistas” – já comentado em post anterior. Limpando minha mesa para selecionar leituras recentes que iam para a estante, descobri que o livro de Rachman tinha um material extra em suas páginas finais (algo já comum em algumas edições americanas): uma conversa entre os dois! (Se quiser ler todo o diálogo em inglês, clique aqui. O assunto em questão é o próprio “Imperfeccionistas”. A certa altura Rachman pergunta a Gladwell se ele acha que livros (e personagens) que a gente gosta mexem com nossa capacidade de ver e apreciar as pessoas (na vida real). Eis aqui, na minha tradução sempre apressada, a resposta de Gladwell:

“Certamente. Na verdade, essa é para mim a grande virtude da ficção – ou da “boa” ficção. Uma das consequências mais preocupantes da comunicação online, por exemplo, é que ela é polarizadora. Isto é, quando você lida com alguém de uma maneira tão limitada, o resultado é que você ou acaba gostando dela muito mais do que gostaria normalmente (essa é a base de um namoro pela internet) ou a acaba odiando bem mais do que odiaria normalmente (essa é a razão pela qual comentários de blog são tão agressivos). Porque você tem uma noção tão limitada da pessoa que está na outra ponta, você preenche as informações que estão faltando com preconceitos. A ficção te oferece uma experiência oposta. Num bom livro, nós temos um retrato íntimo e bem definido de alguém – a ponto de nossos preconceitos serem totalmente neutralizados (ou quase totalmente neutralizados) pelo mundo criado pelo autor. Esse é um tipo extremamente importante de disciplina social: ela nos lembra que uma parte importante do que significa ser humano é substituir nossas conclusões apressadas sobre as pessoas pelas verdadeiras evidências empíricas que elas nos oferecem”.

Respirou? Então vamos à “evidência número 2”: um curtíssimo filme (menos de dois minutos!), sobre como é feito um livro. Como adiantei, recebi isso numa “newsletter” de um site de cultura – o mais esperto que descobri recentemente, e que recomendo que você também assine: Flavorwire. Boas sacadas sobre música, literatura, TV, fotografia – e até arquitetura! – organizadas de uma maneira que eu mesmo não faria melhor (o que não é difícil – eheh!). Há alguns dias recebi essa preciosidade – que eu desafio você a assistir e não olhar para um livro de uma maneira diferente (é só dar um clique em “Nasce um livro”, logo abaixo). Descubra agora o prazer de saber (ou de se lembrar), que por trás de um volume que chega às suas mãos, já passou também um bom punhado de mãos. Humanas…

“Nasce um livro”

Hoje é só isso mesmo – e agora com licença, porque eu tirei o dia para terminar um breve (e fascinante) tomo chamado “O convidado surpresa”, de Grégoire Bouillier (Cosac Naify). Preciso explicar por quê?

O refrão nosso de cada dia

“Sexta-feira”, Boss AC – saio para uma breve folga de dez dias, e, para entrar no clima, encontrei uma música perfeita, que vem lá “do” Portugal. Boss AC é um rapper nascido lá, mas de família “cab’verdiana”, como se diz por aquelas bandas! “É sexta-feira, suei a semana inteira”, canta ele – e eu vou pegar carona nessa mensagem. Tudo bem que a música depois vira um divertido protesto à falta de dinheiro para se divertir… É com esse que eu vou! (Aonde? Ah, isso é com você daqui a alguns posts…)

“Meh”

qui, 19/04/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Amantes do texto curto – e leitores com distúrbio do déficit de atenção – hoje o post é para vocês! Não faço isso por pressão, claro, mas porque o assunto de hoje não exige muito do seu poder de concentração. Talvez um pouco da sua capacidade de avaliação das coisas que estão acontecendo a sua volta, mas nada que assuste. Afinal, a proposta agora é lúdica – e, como tal, apresento-a apenas por pura diversão.

Não é uma ideia exatamente nova, mas tirada de um outro veículo. Que por sua vez, tirou a expressão de um episódio dos “Simpsons” (se você acreditar em Wikipédia…). De qualquer maneira, o que tenho para mostrar é uma palavra divertida, que aparece cada vez mais em discussões sobre cultura pop – e que, por isso mesmo, merece lugar de destaque neste espaço. Enfim, o que quero apresentar para você hoje (se é que você ainda não conhece) é o conceito de “meh”.


“Meh” (pronuncia-se “mé”), como foi magistralmente sintetizado pela “The New York Times Magazine”, que publica uma lista semanal sobre o assunto, é uma coisa que não é “nem quente nem não quente” (no original em inglês, “not hot, not not”). Uma ilustração que acompanha a coluna (e que está reproduzida acima) ainda ajuda nessa definição. Algo que é “morno” – quase indiferente. É simplesmente “meh”. Mas que, aparentemente, ganha um espaço desproporcional na mídia e no universo da cultura pop. “Meh” é uma espécie de “não-assunto”, mas que justamente pela falta de assunto – associada à necessidade infinita de uma cultura movida à velocidade da internet – torna-se uma peça de conversação. Numa linha do tempo, “meh” é algo que certamente será apagado do registro da história, mas que, na nossa sempre míope percepção do que é importante para o nosso dia-a-dia, ganha um volume inesperado, e acaba distorcendo nossa visão do que é realmente interessante e vale a pena ser discutido.

Na já citada revista do jornal “The New York Times”, essa é a primeira coisa que leio: uma curta lista, compilada por Adam Sternbergh, com 7 itens que na sua opinião são “meh”. Muita coisa que ele coloca lá eu nem sei a que se refere – pessoas e fatos que têm a ver exclusivamente com a cultura norte-americana e que fugiram do meu radar… Mas identificar cada um deles é menos importante para mim do que me deliciar com a ironia de uma cultura que se acha importante, mas que na verdade não está pautando nada…

Como tudo que é escrito aqui, a definição do que é “meh” não é muito importante. Como escrevi antes, quero apresentar isso como um passatempo inconsequente. E é totalmente nesse sentido que apresento aqui aquela que é talvez a primeira versão de uma lista “meh” em português (se você encontrar alguém que já deu esse “furo”, por favor corrija-me). Não só vou oferecer a primeira de uma série de listas (de vez em quando, se o cenário pop me inspirar, pretendo soltar outras), como vou convidá-lo (convidá-la) a elaborar e enviar a sua seleção de coisas “meh” como um comentário.

Reconheço que o conceito de “meh”, para quem não o conhece, talvez ainda esteja um pouco confuso. Mas quem sabe minha lista não ajuda a esclarecer um pouco as coisas? E quem sabe ela até sirva para inspirar você a fazer algo parecido. Para dar o pontapé inicial, aqui está o que eu acho que hoje é “meh”:

1)     Jack White solo
2)    A vida amorosa dos ex-BBB
3)    A espera pelo novo livro de J.K. Rowling
4)    20 anos do Charlie Brown Jr
5)    Val, “mulher rica”, garota-propaganda
6)    Rio+20
7)    “Humor x jornalismo”

Entendeu o espírito? Então faça um teste com você mesmo: o que você acha que é “meh”. E mande para cá. Não precisa ser “tão longa” – mande com cinco, ou mesmo três itens. Mas use sua criatividade e, como eu já disse, sua capacidade de avaliação. Engraçadinhos de plantão, deixe-me aliviar o seu trabalho: não precisam escrever colocando este próprio blogueiro que vos escreve (muito menos o programa que apresento) na lista… Além de previsível, a “piada” já acaba de ser apresentada. De resto, fique à vontade para exercer sua opinião – e eventualmente seu sarcasmo. Segunda-feira faremos um balanço disso e, como sempre, seguimos adiante!

O refrão nosso de cada dia

“Birthday cake”, Rihanna – para dar mais exemplo de algo “meh”, aqui está uma faixa de uma artista que, indiscutivelmente é brilhante. Para “apimentar” a história, ela gravou com a colaboração de seu ex-namorado – uma relação que ficou ainda mais notória quando ele, Chris Brown, deu-lhe uma surra quase pública. Num gesto de conciliação, amplamente condenado na internet, ela o convidou para gravar junto essa faixa. Que é boa… Que tem um “bastidor” incrível. Que tem até um bom refrão! Mas que é “meh”…

Estranhas coincidências

seg, 16/04/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Qualquer pessoa que rime “love” com “1,99” merece espaço de honra aqui neste blog. Bem como qualquer pessoa que consiga fazer uma boa canção pop com um mínimo de elementos. Sendo assim, abram alas para duas musas do pop que eu já venho acompanhando a certa distância, mas que ultimamente têm despertado minha curiosidade – menos pelas diferenças do que pelas semelhanças entre elas. Estou falando, claro, de Gaby Amarantos e Nicki Minaj – respectivamente.

Você talvez esteja um pouco confuso – ou confusa – com essa comparação. Afinal de contas, se é que você ouviu falar de Gaby Amarantos ultimamente (e se você não ouviu, é porque estava com James Cameron no Deepsea Challenger, tentando atingir a parte mais profunda dos nossos oceanos – nos últimos dois anos… mas eu divago), enfim, se Gaby passou pelo seu radar pop, provavelmente foi com o enganador pseudônimo de “Beyoncé do Pará”. Chamo de “enganador” porque, apesar de Gaby ter despontado para a fama com uma (ótima) versão de “Single ladies”, as conexões entre as duas param por aí. Numa rápida observação dos avanços recentes das duas cantoras, Gaby e Minaj têm, na minha opinião, muito mais a ver uma com a outra.

A evidência mais forte é o, digamos, estilo visual. Ambas têm um gosto bastante, digamos (novamente), peculiar, onde a economia de cores, formas, texturas e adereços não é, definitivamente, a marca principal. Eu ainda não vi, por exemplo, Gaby Amarantos repetir uma roupa em suas aparições na TV. Seu guarda-roupa é um assunto que quase compete com sua música em todas as entrevistas que dá. E o que a gente poderia chamar de ousadia na escolha dos visuais (muitos talvez prefiram chamar de “falta de noção”, mas eu diria que isso é uma avaliação rasteira de um olhar extremamente conversador) é uma diversão extra para seus (já milhões) de fãs. E Nicki Minaj? Bem, vamos dizer que só os cílios postiços que ela usa já seriam capazes de fazer a cabeça de uma meia dúzia de carnavalescos para os desfiles de 2013! Uma de suas fotos que eu mais gosto – entre as que vi recentemente – é aquela em que Minaj está num desfile da “fashion week” de Nova York ao lado do inquestionável ícone do estilo contemporâneo, Anna Wintour (editora-chefe da “Vogue” americana): para ver a coleção da estilista Carolina Herrera, a jornalista usava um simples vestido com estampas geométricas em tons de vermelho, enquanto a cantora exibia um “top” feito do que parecia ser pompons com mais cores do que você acha que já usou em toda sua vida. Você precisa, claro, ter muito peito para cometer tal ousadia – e isso, claro, não falta a Minaj (em nenhum sentido).

Seu corpo – longe de se encaixar naquele modelo que costuma brincar com a libido dos homens cuja vida sexual se resume a admirar dançarinas de TV – é motivo de muito orgulho. Não fosse assim, ela não o exibiria tão livremente como faz em todos os seus vídeos (vídeos esses onde ela sacoleja seu generoso quadril sem constrangimento, antes de assumir sua posição preferida, que é a de cócoras, subindo e descendo – mas eu divago, novamente…). Aliás, não é só seu corpo – capaz de revisar e ampliar a definição de “curvilíneo” nos dicionários – que está em exposição em seus clipes: suas colegas também exibem volumes que nos faz achar quer as famosas mulheres-frutas do Brasil espalharam suas sementes além-mar. Cada coreografia de Minaj, seja no inacreditável “Stupid hoe” ou no ultra lascivo “Beez in the trap” (mais sobre ele, daqui a pouco) é uma explosão de rebuliços – e pode ter certeza de que a vítima (você) não oferece nenhuma resistência para ver aquelas imagens pela milionésima vez.

O mesmo despudor saudável está presente nas performances de Gaby Amarantos. Ainda não tive a oportunidade de conferir um de seus shows ao vivo – mais de uma vez, por motivo de trabalho, tive de recusar convites para tais disputados eventos. Mas pelos clipes e outros inúmeros registros no youtube, não resta dúvida de que seu corpo, ao contrário de ser motivo de vergonha (como o culto às “beldades” oriundas dos reality shows pode levar a crer), é um de seus melhores atributos. Nas loucas indumentárias que sua imaginação fértil não para de criar, mais do que esconder o corpanzão, o que Gaby faz é revelar – e explorar – toda a generosidade que a natureza lhe proporcionou.

Com tanta, hum, personalidade, seria inevitável que essas duas grandes artistas começassem a exercer sua influência no cenário pop – pelo menos no de seus respectivos universos. Num artigo recente de Jon Caramanica, no suplemento “Arts & Leisure” (do jornal “The New York Times”), Nicki Minaj é chamada de nada menos que “a cantora de rap mais influente de todos os tempos”. E segue: “Nas suas músicas, ela está sempre abraçando a linha entre hip-hop e pop que nenhuma outra ‘rapper’ é capaz de alcançar, ou talvez nem ousaria tentar”. Segundo o jornalista, toda uma nova geração de artistas – Brianna Perry, Iggy Azalea, Angel Haze – já está sendo criada na sombra do estilo musical de Minaj. Por aqui no Brasil, Gaby também abriu a porta para um bom punhado de “seguidoras” – ninguém, pelo menos até agora, com o talento para desafiar a própria… Nenhuma das duas, claro, inventou nada. Minaj está sentada nos ombros de uma gigante chamada Missy Elliot, e Gaby jamais chegaria onde está se não fosse pelo “pioneirismo” de uma certa Joelma… Mas as duas – isso ninguém discute – levaram o cenário musical de onde surgiram para um outro patamar. E por falar em música…

Elaborar muito aqui em cima das composições de Gaby Amarantos seria andar sobre um terreno perigoso. É fácil fazer graça com um gênero tão popular quanto o “tecnobrega” – ou, como ela mesma rebatiza em um cenário do seu enlouquecido clipe para “Xirley”, o “tecnodisc” (acadêmicos do brega, corrijam-me se estiver cometendo alguma gafe!). Mas para os que resistem a considerar um gênero musical – sobretudo um que tem a ver com o pop – como uma forma de arte, eu respondo que a contribuição de Gaby é legítima. E mais: divertida! Para não gostar de sua música, ou você é o mais impermeável dos críticos ou simplesmente não quer mandar embora a última camada de preconceito que teimosamente ainda recobre seus ouvidos numa época de exuberância sonora como a nossa.

Preconceito sim! Faça um teste. Conhece uma música que começa assim: “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí” (que aliás, ainda tem um outro verso que diz “E saiu dizendo eu quero mamar, mamãe eu quero mamar”, e um outro que descreve “abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação”)? Pois é, “Camisa listrada”, de um de meus ídolos pessoais, Assis Valente. Um clássico, ponto. Agora veja esta outra música que começa assim: “Saia vermelha camisa preta, chegou pra abalar” (e segue cantando “ela vai preparar café coado na calcinha, só pra lhe enfeitiçar”…). Sim, está é “Xirley”, de Gaby Amarantos. Cada um dessas músicas descreve momentos de loucura divertidos – e são cantadas em ritmos musicais que eram o fino do gosto popular de seu tempo. Tem certeza de que uma vale mais a pena do que a outra?

Ou pegue então essa sua música nova, “Ex-my love” (um título que, aposto, deixaria orgulhoso um Caetano que um dia escreveu “adapte-me ao seu ne me quitte pas”…). Essa mesma que é tema da novela que estreia hoje (“Cheias de charme”) – e que os mais cínicos usarão essa desculpa para elaborar mais uma conspiração deste humilde blog para bombar um produto da mesma TV para a qual eu trabalho (que gente incansável…). É dessa música que tirei a inspiração para abrir o texto de hoje: “love” e  “um e noventa e nove”! Não precisa nem aplaudir o brilhantismo da rima nobre. Mas se você não esboçar nem que seja um sorriso ao ouvir isso pela primeira vez, é porque, de fato, aquela camada de preconceito só vai te deixar na próxima encarnação.

E a música de Nicki Minaj? Aquela “boa canção pop com um mínimo de elementos” a qual me referi lá em cima é “Beez in the trap”, a segunda faixa de trabalho do seu novo disco, que saiu no início do mês, “Pink Friday: roman reloaded”. E é, afirmo sem medo de errar, um das canções mais originais de todos esses anos 10 – sei que ainda estamos longe de 2020 para fazer previsões assim, mas é que essa música é boa demais. Com um punhado de batidas quase inaudíveis, “Beez” tem um refrão imediatamente narcotizante. Uma levada que te arrasta sem você perceber. Um refrão instantaneamente memorizável. E ainda é uma espécie de “test drive” de todo o potencial da voz de Minaj. Não, espera. Esse último elogio, acho que tem mais a ver com “Stupid hoe”, uma montanha-russa de floreios vocais (e que de quebra, além do título atrevido – algo como “Vagaba estúpida” – ainda tem o coruscante verso “I’m Angelina, you Jennifer, you see where Brad at?”, que eu nem ouso traduzir por aqui…). Ou melhor, eu já não sei mais. Faz anos que eu não sou surpreendido por algo tão moderno – e estou um pouco perdido.

Mas nem tudo em Minaj é “mudernidade”. Esperta, ela nunca tira o outro pé do pop. E assim como emplacou pelo menos um sucesso mundial nas pistas contemporâneas com seu álbum de estréia (“Super bass”), “Roman reloaded” vem com um hino pop poderoso: “Starships”. E qualquer um que viu sua apresentação no último Grammy não vai ter dúvidas: ela sabe levantar um bom espetáculo…

Minaj certamente não sabe da existência de Gaby. Gaby provavelmente – antenada que é – sabe muito bem quem é Minaj, e a observa a distância e (aposto) respeito. As duas giram em órbitas distantes, mas como os astros sobre nossas cabeças, obedecem a mesma força que atualmente manda no nosso universo: vão expandir até o infinito.

O refrão nosso de cada dia

“Gossip folks”, Missy Elliot (ft. Miss jade & Ludacris) – semana passada falei aqui mesmo que, ao ouvir “Stupid hoe”, de Nicki Minaj, Missy Elliot estaria preocupada, em algum estúdio dos Estados Unidos, perguntando-se: “O que eu vou fazer agora?”. Era uma brincadeira, claro. Sem Missy, quem garante que um dia a gente ouviria Nicki? Por isso, para homenagear a grande dama da “experimentação” do hip-hop, aqui vai uma de suas melhores criações, que por estar num disco que também trazia a inigualável “Work it”, talvez não tenha recebido a atenção devida. O que, com um refrão bom desses, é no mínimo uma boa de uma injustiça. Vamos consertar isso já!

Eu vou samplear, eu vou te roubar.

Quando a saudade
Me consome
Grito seu nome…

Gal, Cohen, MDNA, La Havas…

qui, 12/04/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

“Julian não ligou, não fez nada, mas escutou a ‘demo’ de Cait, planejou como ele poderia inspirá-la à distância, esperou que chegasse com todas as respostas, todo o futuro”.

Este é um trecho de um dos melhores livros que li nos últimos anos, “A canção é você”, de Arthur Phillips (já bem recomendado em um post recente). Eu diria até que este é um dos melhores livros que “reli” na minha vida. Isso mesmo: eu acabei de reler “A canção é você” (editado aqui pela José Olympio). Passei os últimos dias literalmente “de cama” (uma virose fortíssima que me tirou de circulação – e me manteve inclusive longe deste espaço por alguns tempo), e procurando inspiração, tentei começar algumas leituras que estavam na minha lista, mas nada estava me animando. Encontrei o livro de Phillips numa pilha recém-mexida em casa – e resolvi retomá-lo, a princípio por pura nostalgia.

Eu já o havia lido em 2009, um ano em que a música pop foi especialmente relevante na minha vida pessoal. E me lembrava de ter ficado bem impressionado. Dei a ele uma outra chance – e não me arrependi. Phillips – de quem eu já havia lido um outro romance genial (“Prague”) – é um sedutor de primeira, capaz de oferecer frases de uma beleza inesperada. Como:

“E então ela partiu num trem matutino para Madri, a cabeça no colo de Ian, quando não se curvava sobre o vaso sanitário de metal com a vista dentro dele passando pelos trilhos da ferrovia abaixo”.

Ou:

“A primavera chegou tarde, mas algum aniversário de criança não, e os balões amarrados à cerca do parque enrugavam no ar frio, um buquê de podas coloridas sobre as bordas manchadas de azul-picolé e o barulho dos malabares que um palhaço tremendo de frio deixou cair”.

Ou:

“As luzes do barco de excursão iluminavam as margens de tijolo do rio, e as sombras das árvores magricelas na calçada ao longo do rio se projetavam contra as paredes dos passeios mais elevados, e as sombras dos galhos balouçantes vagavam pelas paredes enquanto o barco puxava as luzes rio abaixo; as árvores viam um filme sobre árvores que podiam se mover”.

Como assim? “As árvores viam um filme sobre árvores que podiam se mover”? Quem escreve uma coisa dessas? Eu poderia ocupar todo o espaço de hoje com citações ainda mais lindas de “A canção é você” – mas isso talvez tiraria seu prazer de mergulhar na sua narrativa. Sem contar que eu estaria traindo minha própria intenção de escrever aqui hoje, não sobre livros, mas sobre música (como, aliás, o título acima não deixa dúvidas).

De qualquer maneira, achei necessário retomar a escrita de Phillips, primeiro para tentar te convencer mais uma vez que essa é uma leitura fundamental. Segundo, porque sua frase que eu escolhi para abrir o post de hoje tem tudo a ver com os artistas que eu quero falar. Num cenário musical cada vez mais terrorista com relação à juventude, algumas das melhores novidades que ouvi recentemente vêm de pessoas que têm pelo menos três – ou até quatro vezes – a idade de certos astros que dominam a mídia atualmente (para não falar dos corações adolescentes).

Sinal da minha própria idade avançada – lembrando que acabei de completar 49 anos? (Aproveito aqui para agradecer quem usou este blog para me desejar parabéns!). Segure suas lanças! Uma das músicas que mais tenho ouvido ultimamente é a sensacional “Stupid hoe”, de Nick Minaj (em algum estúdio nos Estados Unidos, Missy Elliot está ligeiramente nervosa se perguntando: “E o que eu faço agora?”). Já viu o vídeo, com sua homenagem moderna à “diva das divas”, Grace Jones? Como diria um consagrado apresentador de televisão que não consegue se decidir sobre a cor de seu cabelo, “isso é muito muito bom”! Sem falar que o que eu consegui conferir do Arctic Monkeys tocando no Lolapalooza domingo passado em São Paulo renovou minha crença de que aqueles “meninos” (idade média da banda: 26 anos, com quatro álbuns no currículo) são a prova de que o rock ainda floresce. Não tenho nenhum problema com idade – nem com a minha nem com a de quem faz a música que eu escuto. Mas não tem como negar que uma certa cinquentinha, uma sessentona, e um setentão, me tiraram do sério ultimamente.

A cinquentinha, claro, é Madonna. Confesso que fico até com medo de me repetir ao falar sobre seu novo “álbum” – “MDNA”. Há pouco mais de dois meses, fiz uma série de elogios não só a sua performance no último Super Bowl, mas também ao seu então novo “single”, “Gimme all you luvin’ ”. Tudo aquilo que disse em fevereiro continua valendo: em cada faixa de “MDNA” eu senti a energia dessa artista (que poderia muito bem estar no seu canto, cuidando dos seus filhos, e planejando uma turnê mundial para encher seus cofres daqui a uns 5 anos), sempre preocupada com não se acomodar. Brilhante, moderna, “reinvetada”, Madonna está de volta – e dando a cara para bater como nunca. Aos que já estavam com suas manchetes estampando a palavra “velha” prontas, mesmo antes de seu álbum ser ouvido, ela responde com mais ousadia. Auto-referente ao extremo (a “Entertainment Weekly” fez o favor de compilar todas as citações que Madonna faz a ela mesma em várias faixas novas – aposto que você não tinha reparado que ela cita Marlon Brando e James Dean em “Superstar”, exatamente como ela fez em “Vogue”, mais de 20 anos atrás…), ela está menos preocupada em agradar críticos previsíveis do que em criar. O que para uma mulher de 53 anos é uma missão e tanto.

Fazer um “faixa à faixa” aqui é quase uma covardia – uma vez que “MDNA” tem inúmeras referência em cada música de seu novo álbum. Eu aqui vou economizar e dizer apenas que mais uma vez ela surpreendeu. Outras “promessas de novas Madonnas” já perderam o fôlego há anos. Mas ela continua firme e poderosa. Quer uma prova disso? Ouça “Turn up the radio”, “I’m a sinner” e “Masterpiece” – nesta ordem. E depois conversamos.

Sobre Gal, eu já queria ter falado aqui mesmo no blog desde o final do ano passado. Afinal, é desde essa época que o refrão infinito de “Neguinho” se instalou na minha cabeça como um daqueles zumbidos que músicos de idade avançada reclamam que não sai de seus ouvidos. Porém, ao contrário de causar desconforto, a batida mínima com a voz máxima de Gal repetindo “Rei, rei, neguinho é rei” é um oásis tranquilizador para onde minha atenção vaga quando sente a falta de alguma música. Essa, claro, é apenas uma das faixas inacreditavelmente frescas de “Recanto” – seu primeiro álbum em seis anos. Eu queria ter escrito sobre ele logo em seguida de seu lançamento – mas acabei perdendo o bonde… Porém, encontrei um novo gancho quando, há poucos dias, fui conferir seu “pocket show”, no Rio de Janeiro.

Acho que a última vez em que eu havia visto Gal no palco era num daqueles esquemas de grandes casas de show. A artista que vi entrar no pequeno espaço de uma nova casa no Rio não poderia estar mais distante dessa lembrança. No lugar de uma “banda grande”, ela veio com uma “grande banda” – econômica: Pedro Baby, Domenico Lancelotti e Bruno Di Lulo. Para que mais? Com aqueles poucos instrumentos e uma inspiração renovada, Gal desfilou várias músicas de “Recanto” e ainda revisitou clássicos como “Divino maravilhoso” e “Vapor barato”. O resultado? Nirvana!

Como descrever a emoção de ver uma mulher daquela – uma senhora, se você preferir – encarando um público de uma maneira tão ousada, quase que reeducando o gosto de seus fãs (e contrariando o gosto previsível de quem muitas vezes não quer ver seu artista favorito inovar)? Com franqueza. Gal está longe de seu apogeu vocal? E daí? Energia eu não vi faltar naquele palco. Nem curiosidade. Mais do que tudo – e de certa maneira, um pouco como Madonna – o que ela oferece (com o disco e com o show) é um bom de um “cala a boca” para quem tem a ousadia de sugerir que é ela que deveria calar a boca. “Você acha que eu deveria ficar quieta em casa?” – ela parece perguntar. “Com licença, eu vou em frente” – parece ser a sua resposta. Ou melhor, ela nem precisa pedir licença… Vai Gal! Vai que eu vou junto!

Madonna com 53… Gal com 66… Vamos agora para Leonard Cohen, que já está com 77 – e pelo que a gente pode conferir no seu mais recente trabalho, espertamente batizado de “Old ideas” (“Velhas ideias”, em português), ele não poderia estar mais em forma. Fato: logo que foi lançado, há algumas semanas, “Old ideias” conquistou o topo da parada americana. Isso mesmo: um senhor de quase oitenta anos ocupando um lugar que presumivelmente deveria ser disputado por uma nova banda… Como você explica isso? Bem, é verdade que os maiores consumidores “oficiais” de música hoje em dia são mais velhos (os mais jovens, como sabemos, simplesmente não se preocupam com conceitos tão arcaicos quanto “pagar para ouvir música”). Mesmo assim, para Cohen ter uma repercussão tão intensa, sua música deve falar alguma coisa especial… Bingo!

Dificilmente posso defender aqui que “Old ideias” traz alguma inovação musical. Mas o velho Cohen tem um outro truque na manga: suas letras. Sabe “Friday”, de Rebecca Black? Então, imagine algo que é exatamente o oposto! Cada verso, cada palavra que Cohen (que já era conhecido pela sua poesia antes mesmo que ele abraçasse a música), cada frase que ele pontua, vem com uma carga emocional que um jovem artista que está começando só pode sonhar em um dia alcançar. Sua voz não disfarça a idade. Mas longe de parecer cansada, ela abraça cada canção como se fosse sua própria amante. E o que ouvimos é um êxtase exatamente no momento em que ele está acontecendo. A cada faixa de “Old ideias”, a sensação que fica é a de que você acaba de cometer a indiscrição de um voyeur. E não tem porque se arrepender…

Juntos, esses três artistas têm hoje exatos 226 anos. Você talvez até hesite em lhes dar uma chance só de perceber isso. Mas pode ter certeza de que, se você assim pensar, o prejuízo será todo seu…

Ah! E o que La Havas tem a ver com isso? Com seus tenros 21 anos, essa inglesa mal acrescenta duas décadas ao patrimônio artístico das estrelas que citei aqui até agora. Mas recentemente eu fui apresentado por um amigo ao seu “single” “Forget”. Lianne La Havas parece ser exatamente o tipo de artista que eu espero que chegue “com todas as respostas, todo o futuro” – como escreveria Arthur Phillips… E o que eu percebi quando a ouvi pela primeira vez foi um talento que, se bem trabalhado, eu vou certamente querer acompanhar até ela chegar ao 50, 60, ou mesmo 70 anos. Eu, a essa altura, já devo estar (com sorte) com 80, 90, ou mesmo 100 anos. Mas isso, claro, é um detalhe…

O refrão nosso de cada dia

“Now that I’m older”, Sufjan Stevens – eu poderia alegar que estou sugerindo este refrão hoje aqui porque ele faz parte de uma das faixas esquecidas de um disco genial, “The age of ADZ”, do “mestre” Sufjan. Mas o motivo da minha escolha é mais simples: essa foi a música que mais ouvi no meu aniversário, domingo passado. Uma espécie de “Parabéns a você” alternativo. É pique, é pique…

Outras palavras

seg, 02/04/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Não sou muito chegado a coincidências – especialmente àquelas que as pessoas costumam chamar de “esotéricas”. Mas vou abrir espaço aqui para contar uma história que eu prefiro chamar de curiosa – um ótimo exemplo do que o The Police um dia ensinou o mundo todo a chamar de “sincronicidade”.

Na última terça-feira, estava com minha colega de apresentação no “Fantástico”, Renata Ceribelli, fazendo uma noite de autógrafos do livro do “Medida Certa” (nosso projeto de reprogramação do corpo, que foi ao ar no ano passado). Curitiba, com sempre, nos recebeu de uma maneira entusiasmada e afabilíssima. Era tanta gente para dedicar os livros, que passamos quase três horas ali na função – e com prazer. Um dos nomes, porém, me chamou a atenção. (A história que vem a seguir fica mais curiosa se contada oralmente – e vou até ter que fazer uma “adaptação” para relatá-la por escrito; mas no final, tenho certeza, você vai me perdoar).

“Como é seu nome?”, perguntei eu na típica rotina de boas-vindas a quem chega à mesa de autógrafos geralmente com um jeito tímido (acredite: depois de seis livros lançados, a gente fica craque em identificar essas posturas). “Keyla”, respondeu-me a menina diante de mim. Como de praxe, faço questão de pedir detalhes da grafia para não errar na assinatura – afinal, eu ainda acho que livro é alguma coisa que a pessoa vai guardar, e é importante que tudo esteja então correto. “Com ‘k’ e ‘y’?”, perguntei então. Ao que ela me respondeu: “Que nada, é normal mesmo, com ‘q’ e ‘u’, assim mesmo!”, foi a resposta de… Queila!

Mas claro! O nome dela só podia ser escrito assim: Queila! De um jeito “normal”! Eu é que estava errado, achando que um nome que não é “naturalmente” português tinha que ser escrito com letras que por muito tempo nem faziam parte do nosso abecedário oficial… Imediatamente, no meio do movimento dos autógrafos, lembrei-me de que aquilo faria o maior sentido para um “cara” que foi fundamental para me introduzir no mundo das palavras. Um “cara” que, depois de tanto tempo escrevendo em tudo quanto é formato, resolveu entrar também na internet – criando seu próprio “saite”. Um “cara” que criou a definição perfeita de um “chato” (“indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”). Um “cara”, aliás, que teve, também como Queila, seu nome eternamente alterado por um descuido (ou seria “excesso de zelo”) de um cartório: o Milton que virou Millôr, por conta de uma bizarra leitura da caligrafia do tabelião, que fez o corte do “t” longe da letra, transformou-a num “l”, fez o “tracinho” virar um acento circunflexo, e conseguiu que um “n” preguiçoso parecesse um “r”.

Foi um flash rápido – uma associação imediata de ideias (Queila/Millôr). A fila andava – como sempre anda – e eu logo estava assinando outros livros, para outros nomes. A tal história seria apenas um registro ordinário, não fosse pelo fato de que, no dia seguinte, logo que acordei, eu recebi uma mensagem de texto de uma grande amiga, informando-me que Millôr tinha morrido. Na própria noite de terça-feira. Insisto: não acho que as coincidências têm um significado especial. Mas eu fiquei meio perturbado. Daí para as lembranças, foi um simples empurrãozinho…

Fui apresentado a Millôr de uma maneira pouco ortodoxa – se não precoce. Quando era criança, bem criança mesmo (estou falando da época em que tinha uns dez anos de idade), vi-me obcecado por uns desenhos esquisitos que povoavam páginas de duas revistas que meu tio costumava colecionar. Acho que nunca mencionei isso aqui – talvez por genuína modéstia – mas sou sobrinho de um grande poeta. Seu nome é Cacaso – irmão de minha mãe. Cacaso, que morreu cedo demais (aos 43 anos), foi uma das minhas grandes referências de cultura, mesmo muito antes de eu saber elaborar o que era isso. Nos anos 70, quando eu já morava em São Paulo, minhas férias escolares eram divididas entre Uberaba (minha cidade natal), e Rio de Janeiro, onde também vivi, nos anos 60, num apartamento que então, era ocupado por Cacaso. Professor da PUC carioca, sua casa era – pelo menos na minha memória – recheada de livros e revistas. Lembro-me sobretudo de um corredor onde mal se via as paredes, todas cobertas por estantes e mais estantes repletas. E de duas pilhas de publicações que eram leitura obrigatória de qualquer círculo acadêmico – na verdade, qualquer círculo pensante – da época. Uma era com o extinto “O Pasquim”, e a outra com essa que é até hoje uma das maiores referências do jornalismo impresso: a “Veja”. O que as duas tinham em comum? Um homem de nome estranho – ainda mais para uma criança que estava descobrindo a leitura: Millôr.

Entre gatos de rabos improváveis e passarinhos com dentes protuberando dos bicos, eu comecei a dar atenção aos textos que dividiam aquelas páginas. Em especial, sempre que estava no apartamento do meu tio, eu começava a “colecionar” algumas “Fábulas fabulosas” de Millôr – estranhas reinterpretações do clássico formato criado para encantar (e eventualmente educar) as crianças.

Não demorou muito até eu descobrir que muitas delas estavam reunidas num volume editado então pela Nórdica – e o livro virou minha “bíblia” de cabeceira. Se as fábulas eram acessíveis, porém, boa parte dos outros escritos (sobretudo aquele de conteúdo político) de Millôr eram quase incompreensíveis para mim na época. Mas eu gostava do que ele fazia com as palavras – do respeito com que Millôr usava cada uma delas, com a sua capacidade de brincar com seus significados, e com sua liberdade de reescrevê-las com propriedade e humor. O livro seguinte que comprei dele era uma espécie de biografia: uma coletânea de seus melhores (e mais divertidos) textos, chamado “Trinta anos de mim mesmo” (Nórdica) – que, aliás, emprestei para um amigo do colégio (Tomé) e lamentavelmente nunca mais vi… (Hoje tenho a reedição “enxuta”, publicada pela Desiderata, mas morro de saudades do volume original, com seus desenhos, diagramação e formato inusitados). Depois, comprei todos os outros. Millôr virou a obsessão mais adorável que eu jamais tive.

Foi nesse espírito que, nos idos do meu colegial – algo que hoje parece que se chama de ensino médio (sei, estou velho….) – num evento que era um espécie de olimpíada estudantil, com modalidades não só esportivas como artísticas também, eu ganhei, junto com minha amiga Malu, uma medalha de ouro em “declamação”. Os versos escolhidos? “Poesia matemática”, de Millôr Fernandes! Até hoje me lembro de como distribuímos o texto: “Às folhas tantas do livro matemático, um Quociente apaixonou-se um dia (Malu), doidamente (Zeca), por uma Incógnita (Malu)”… “Enfim, resolveram se casar (M), constituir um lar (Z), mais que um lar (M), um perpendicular (Z)”… O texto, que é de meados dos anos 50, parecia-me então extremamente moderno – e assim me parece até hoje. Meu breve interesse por poesia (um exercício criativo com o qual flertei brevemente), veio também dele. Por anos, seu “Papáverum Millôr” descansou na minha cabeceira – ao lado dos outros volumes que eu já tinha como clássicos.

E em todos esses anos, independente de qual revista, jornal – ou “saite” (por que eu acho que tenho que escrever esta palavra com aspas?) -, eu acho que consegui acompanhar quase tudo que Millôr escrevia. Eu era certamente seu maior fã à distância. Até que um dia, o acaso intercedeu para que eu pudesse finalmente conhecê-lo pessoalmente. Uma amiga – e queridíssima colega de trabalho – por anos teve uma convivência muito próxima a Millôr, algo que a gente pode classificar como “familiar”. O entusiasmo com que eu sempre falei de Millôr para ela, finalmente bateu no objeto de admiração. Não sei dos detalhes da abordagem, mas ela certamente deve ter contado para ele que um certo colega que trabalhava na TV era seu devoto incondicional. Na época (2004/05), eu tinha acabado de dar minha primeira volta ao mundo para o “Fantástico” e, por conta disso, creio, ganhei de Millôr um presente inestimável: uma reedição de uma revista que ele criou – e tocou brevemente -, chamada “Pif Paf”. Era uma obra comemorativa, dos quarenta anos da publicação – e na sua capa Millôr fez um desenho meu, andando em cima de um mundo em forma de bússola (junto, claro, de uma carinhosíssima dedicatória, mais a deliciosa assinatura: “Do Millôr, o último ponto confiável do zodíaco”!). Quem adivinhar quantas noites eu fiquei sem dormir olhando para aquela página (que hoje está devidamente emoldurada e pendurada no meu quarto) ganha um “hai-kai” – uma forma de poesia oriental que Millôr se esforçou por tornar popular entre os leitores brasileiros. (Exemplo: “Olho alarmado/ E se a vida for/ Do outro lado?” – para citar apenas um que tem a ver com a saudade…).

Eu poderia me considerar realizado com esse presente, mas minha amiga foi ainda mais generosa. Esperando uma brecha na saúde de Millôr – ela, que já estava mandando sinais de preocupação -, conseguimos marcar uma visita a seu “ateliê” em Ipanema, e depois um almoço. Para tentar retribuir a alegria de simplesmente conhecê-lo pessoalmente, levei dois livros de presente – não sem um certo receio de que ele, tradutor “master”, já os tivesse: “The meaning of Tingo”, e “The wonder of Whiffling”, ambos de Adam Jacot de Boinod, sobre palavras curiosas (respectivamente) das línguas do mundo, e da língua inglesa. Ou ele foi muito educado, ou eu realmente o surpreendi com o presente. O encontro – bem como o almoço – foi extremamente agradável e, para minha surpresa (uma vez que eu estava tão nervoso), fluido.

Desde então, pelo noticiário (e também por essa amiga em comum), acompanhava com tristeza suas complicações com a saúde. Até que semana passada recebi a tal mensagem de texto – enviada justamente por essa pessoa querida que era nosso elo. Assim como quando ele era vivo, corri atrás de tudo quanto era obituário, qualquer tipo de compilação ou homenagem que estivessem fazendo, como que para reavivar minha memória e minha paixão pelo “cara” que, como escrevi na dedicatória dos livros que lhe dei em mãos, “fez com que eu me apaixonasse pelas palavras”. Diante de um material tão farto, comecei a perceber que a maioria desses textos eram menos obituários em sua forma clássica, do que coletâneas das melhores frases e textos de Millôr. Nada mais justo, conclui: diante da tarefa quase impossível de superar a escrita do ídolo que acabara de morrer, jornalistas e escritores preferiram citar o próprio homenageado.

Seria facílimo para mim fazer aqui o mesmo. A fonte – de sabedoria, de inteligência, de humor, de ironia, de brilho – é praticamente infinita. Mas, como você viu, acabei optando por falar mais da minha relação com Millôr do que do próprio. Talvez apavorado pelo tamanho do gigante, preferi contar o que vi a sua sombra… Fora algumas breves definições lá em cima, trechos curtos de sua poesia – e o hai-kai (você pode encontrar outros no seu “saite”, que continua no ar) -, resisti ao máximo citá-lo, como se usar suas palavras fosse, pelo menos por agora, enquanto vivemos seu luto, uma apropriação vulgar. No entanto, sem saber bem como terminar essa “homenagem por tabela”, vejo-me obrigado a recorrer ao próprio Millôr para encontrar um ponto final – que, por sua vez, é quase uma reticência. Assim, reproduzo abaixo uma das palavras que ele me ensinou a reescrever:

Desp e  d   i     d        a

 

O refrão nosso de cada dia

“Up! Up! Up!”, Prinzhorn Dance School – saudades do White Stripes? Pois então eu gostaria de apresentar aqui uma banda que lembra bastante o duo do “irmão” White – quando não acrescentam um grau a mais de loucura no rock simples que els reinventaram. Confesso que tive dificuldade de escolher qual a música que queria que você conhecesse primeiro dessa dupla (todas são geniais). Mas já que esse espaço é dedicado a bons refrões, “Up! Up! Up!” é imbatível. Aproveite e descubra mais Prinzhorn Dance School: o segundo álbum deles, “Clay class”, acaba de sair!

 

 



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade