Nem toda unanimidade é burra

qui, 29/03/12
por Zeca Camargo |
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Pense comigo: se todos concordassem com a frase “clássica” – enunciada por ninguém menos que um dos nossos maiores escritores, Nelson Rodrigues -, ela própria resumiria um pensamento burro. Concorda? Sei que esse jogo logístico pode parecer um pouco pesado para começar o post de hoje – e prometo não me alongar na dissecação dele. Uso a citação apenas como uma defesa. Sim, porque eu mesmo estou aqui hoje para elogiar um trabalho que assim que estreou já se tornou uma unanimidade: o de João Emanuel Carneiro, em “Avenida Brasil”- a nova novela das 21h. Ou eu deveria dizer “o novo filme das 21h”?

A dúvida tem fundamento: quando assisti ao primeiro capítulo na última segunda-feira, por mais de uma vez eu tive a sensação de que o que eu estava vendo estava mais para a linguagem do filme do que a da novela. Não em detrimento do próprio formato da teledramaturgia brasileira – cuidadosamente construído ao longo de décadas -, mas mais como uma genial elevação de patamar sugerida pelo autor, como se mais uma vez ele quisesse reinventar o gênero. Coisa que, claro, já está conseguindo.

(Aos cínicos de plantão, é com certa relutância e certo constrangimento que eu devo deixá-los à vontade para achar que existe uma arma na minha cabeça me obrigando a escrever algo bom sobre a nova atração maior da emissora onde eu trabalho. Os elogios que vou fazer a seguir – frutos do enorme prazer que o acompanhamento dos três primeiros capítulos de “Avenida Brasil” me deu – não são mais do que as considerações de um grande fã de novelas, uma paixão que já deixei claro em vários momentos aqui mesmo neste blog. Blog este, que vive de cultura pop – especialmente cultura pop que agrada este que vos escreve. E “Avenida Brasil”, adivinhe, cai exatamente nesta categoria. Agora, se vocês acham que isso faz parte de um complô para, hum, alavancar a audiência – diga-se, de um produto que prescinde disso (sem falar que o “poder de tiro” deste modesto espaço é ínfimo se comparado a outras ferramentas que a própria TV poderia usar para isso) -, vá em frente. Elabore sua “teoria conspiratória” num comentário aqui mesmo, ou então saia twittando sua “descoberta”. Aos que já me conhecem de longa data e sabem do meu compromisso com o que é escrito aqui, vamos em frente. Vai ser um prazer).

Eu falava então sobre a proeza de João Emanuel em associar a linguagem de cinema à de novela, sem prejuízo de nenhuma das partes. Mais de uma pessoa com quem conversei na terça-feira – e algumas que viram o capítulo comigo na segunda – admitiram que várias vezes se esqueciam de que aquilo era uma novela. A captação – que já foi recurso de algumas outras produções (notoriamente aquelas reservadas para o horário das 18h) – certamente colaborava para esse diferencial. Mas havia ainda a iluminação – certamente mais elaborada. E os enquadramentos. E a profundidade dos personagens. Eu poderia me estender aqui por cada um desses aspectos da novela, mas, para não ir muito longe, vou ficar apenas naquele que eu considero mais crucial para o sucesso da novela, e que melhor define o grande trunfo do autor: a capacidade de João Emanuel de confeccionar um ótimo roteiro.

Digamos que você não viu a estreia de “Avenida Brasil”, e alguém chega até você contando sobre um capítulo sensacional que viu outro dia numa novela. “Teve final de campeonato”, descreve esse alguém, “madrasta malvada desmascarada, um golpe revelado, um pedido de casamento e até uma armadilha para um homem que tem duas mulheres”. Nossa! – pensaria você: isso é um enredo digno de um ótimo final de novela. Pois João Emanuel jogou tudo isso no primeiro capítulo de “Avenida Brasil”. E sem a menor preocupação de ficar sem assunto dali em diante. Sua história começa já no meio – sem alienar nem um pouco quem vê. Como ele consegue isso? Bom, primeiro dispensando os canais tradicionais de apresentação de personagens. Por exemplo, não precisamos suportar dezenas de capítulos nos convencendo de que fulana é boazinha para depois nos surpreendermos com sua “guinada” para o mal. Em uma das primeiras cenas – e em menos de cinco minutos -, Carminha (magistralmente interpretada por Adriana Esteves) disse ao que veio: acaba com a vida da enteada para em seguida se fazer passar por madrasta dedicada quando o pai Genésio (Tony Ramos, em uma participação especial) chega em casa.

Economizando a atenção – mas não a inteligência – do telespectador, o autor ainda usa outro truque para eletrizar um primeiro capítulo. No lugar de nos enrolar com dúvidas sobre as intenções – e a intensidade amorosa – do craque que decide a tal final do campeonato, Tufão (Murilo Benício, apostando na veia cômica que sempre faz muito bem), para com Monalisa (Heloísa Périssé, ainda colhendo os elogios por sua atuação em “Dercy de verdade”), o roteiro resolve tudo rapidinho: da promessa incerta de um namoro ao pedido de casamento, em pouco mais de dois blocos! E para registrar sua heroína nos corações e mentes de quem está assistindo, João Emanuel não hesita: “descaradamente” nos apresenta a adorável Rita (vivida nessa fase inicial da novela, que se passa em 1999, pela não menos adorável Mel Maia), a enteada de Carminha.


Por chamadas na programação, “vazamentos de informação” (wikileaks do entertenimento!), e mais um bom boca a boca, sabemos que cada um desses personagens vai ter um desdobramento forte e elaborado. Mas, para que esperar um punhado de capítulos para jogar o telespectador no olho do furacão? Como fez em “A favorita”, João Emanuel não tem nenhuma restrição quanto a desmontar as estruturas convencionais – lembra-se quando, nessa sua novela anterior, um assassinato importante era desvendado antes mesmo de chegarmos à metade da duração prevista da história no ar? A aposta esperta do autor é a de que o público – e seja ele de que classe for – é mais inteligente do que podem sugerir as histórias convencionais. Num incansável e tentador desafio, é como se ele estivesse oferecendo um lugar numa carrinho prestes a descer numa acidentada montanha russa – para citar Bette Davies em “A malvada”, é como se ele sussurrasse no nosso ouvido: “Fasten your seatbelts, it’s going to be a bumpy night” (ou, em português, “Apertem seus cintos, vai ser uma noite turbulenta”). Vai resistir? O prejuízo será seu.

A citação à Bette Davis não é tão gratuita quanto você possa presumir. João Emanuel traz a herança de bons roteiros clássicos de Hollywood na bagagem – o que nem chega a ser uma novidade (Gilberto Braga, por exemplo, recorreu brilhantemente a “Alma em suplício”, “Mildred Pierce” no original, para construir um de seus maiores sucessos, “Vale tudo”). Mas ele não faz disso sua única fonte de inspiração. Como observou bem uma amiga que assistia ao capítulo de ontem comigo, com as dramáticas cenas no lixão – onde Rita é deixada por Carminha, depois da morte de Genésio -, a referência é diretamente literária: Charles Dickens. (E, ao observar isso fiquei pensando nos comentários sobre o “esforço” de “Avenida Brasil” em falar tão diretamente com a classe C… Será que o criador de “Oliver Twist”, “A pequena Dorrit” e “Grandes esperanças”, entre outros, já tinha essas preocupações na Inglaterra vitoriana? Eu, claro, divago…).

E além de todas essas referências, tem o talento pessoal de João Emanuel, já comprovado em vários trabalho anteriores – em um dos meu primeiros posts, eu já estava aqui declarando-me fã do autor. E é justamente por esse “conjunto” da obra, que nós sabemos que podemos esperar reviravoltas – e muitas -, em “Avenida Brasil”. Não estou falando de mudanças gratuitas de rumo, quando personagens, sem nenhuma explicação, “aprontam” algo inesperado – um velho recurso desesperado, um remendo para a falta de imaginação, que até mesmo Hollywood parece não se importar mais de usar, e que está mais para a leviana pantomima circense do que para a coerência de uma história que deveria ser bem contada para agradar o “respeitável público”… Falo, ao contrário, de uma narrativa engenhosa, que o público já está praticamente esperando – e que, pela amostra desses primeiros três capítulos, o próprio público já está disposto a aplaudir em coro. Nem que seja só para desafiar a frase de Nélson Rodrigues…

(Por falar em um autor de grandes frases, a temporada ficou um pouco mais triste com a morte de Millôr Fernandes, por quem eu não só tenho uma admiração eterna, como também uma dívida de inspiração. Essa relação, exposta assim, em uma frase apenas, parece estranha. Mas estou me preparando para escrever um post só em homenagem a um dos meus ídolos da escrita – um texto que, só a emoção que tomou conta de mim desde ontem, não me permite elaborar assim de uma hora para outra. Assim, segunda-feira falamos disso. Até lá).

O refrão nosso de cada dia

“Ordinary life”, PacoVolume - uma daquelas curiosas exceções: uma canção cujo refrão não está no meio da música, mas logo no começo. Se hoje falei de um autor que quebra as convenções de uma novela normal, aqui vai um músico que faz uma coisa parecida só que com uma outra fórmula: a de um “hit pop”. Agora, quem é PacoVolume? Ah… vou deixar você descobrir por sua conta…

 

Um outro BBB (sem PAREDÃO nem EDREDON, mas com uma super PROVA DO LÍDER)

seg, 26/03/12
por Zeca Camargo |
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Outro dia um colega blogueiro me “ensinou” que toda vez que ele quer subir a “audiência” do seus posts, ele coloca “BBB” no título. Mesmo que o assunto principal daquele dia não seja o “reality” de maior sucesso na televisão brasileira, que encerra sua mais recente edição amanhã. O “truque”, segundo ele, não falha: leitores (ou, mais provavelmente apenas surfistas de internet) correm para “clicar” no título com as três letrinhas mágicas (na verdade, a mesma letra três vezes), como na velha história dos ratos atraídos pelo flautista de Hamelin. Assim, esse meu colega blogueiro vai dormir feliz com a ilusão de que é uma pessoa influente na internet…

Essa introdução se faz necessária para você entender o título do meu post de hoje como um misto de brincadeira e teste – cuja intenção, garanto, não é a de aumentar os acessos deste blog, mas brincar om os próprios conceitos da internet. Nosso assunto hoje não é (juro!) uma previsão de quem deve ganhar o “reality” amanhã – mais um daqueles cozidos pseudo-psico-sociológicos onde a análise “profunda” de gestos e palavras dos participantes são interpretados como se fossem verdadeiros oráculos do que pode acontecer com a competição (e tudo escrito com a inocência de quem ainda acha que nós – e os próprios “brothers” – estamos todos em 2001…). Fael, Fabiana ou Jonas? Isso é com você, que vai votar até amanhã na hora do programa. O que quero falar aqui hoje é de um outro fenômeno, chamado “Jogos vorazes”. E se você caiu na armadilha do título de hoje (como se não bastasse “BBB”, ainda joguei ouras palavras que meu colega me disse que “dão certo”), só lamento – mas insisto: siga comigo para saber um pouco mais dessa última febre no sempre agitado mundo da cultura pop.

Há semanas, o filme já era o assunto principal para quem gosta de cinema popular. Com a expectativa nas alturas, esse era talvez o filme mais esperado do ano – a não ser pelo novo “Batman” e a continuação de “Harry Potter – a nova geração” (eu sei, eu sei, o segundo filme que citei não existe, mas dada a ganância de Hollywood de tirar o último centavo de cada franchising de sucesso, a hipótese não é tão absurda assim, concorda?). Se “O cavaleiro das trevas ressurge” (um título já tão desesperado para agradar que não teve nem pudor de reciclar o “codinome” do sucesso anterior, como se só o nome do nosso super-herói não fosse suficiente para atrair o público), enfim, se o “Batman” vindouro, que deve estrear em julho agora, conta com a força de um encapuzado tão icônico e adorado, “Jogos vorazes” tinha como trunfo apenas o sucesso dos livros de Suzanne Collins com o público jovem. Publicados no Brasil pela editora Rocco (“Jogos vorazes”, “Em chamas”, e “A esperança”), os volumes da trilogia tiveram a sorte de entrar no imaginário de uma geração pós-Harry Potter, que descobriu o prazer da leitura – desde que autores competentes acertem em cheio no universo dessa geração.

Mais do que no caso de outro sucesso similar recente, a saga “Crepúsculo” – que, no final das contas, acabava falando mais com o público feminino do que masculino -, “Jogos Vorazes capturou a imaginação de, como diria Renato Russo, “meninos e meninas”. Se de um lado há um triângulo amoroso – apenas esboçado nessa primeira parte de “Jogos vorazes” – que lembra muito o dilema do coração de Bella dividido entre Edward e Jacob, a história de Katniss (a heroína de “Jogos”) tem ainda um apelo enorme para o público adolescente masculino: uma carga de aventura e adrenalina capaz de contagiar até este quase cinquentão que assistiu à estreia na sexta-feira passada.

Não foi à toa que o filme abriu no Estados Unidos com a terceira maior bilheteria de todos os tempos: 152,5 milhões de dólares – um desempenho que deve ter ecoado por todos os cinemas do mundo (ainda não tenho essa informação, mas já dá para prever). Com essa marca, “Jogos vorazes” ficou atrás apenas de “O cavaleiro das trevas” (158,4 milhões) e “Harry Potter e as relíquias da morte: parte 2″ (169,2 milhões), segundo o site Box Office Mojo – e é já a maior bilheteria de todos os tempos no fim de semana de abertura para um filme que não é continuação de outro. Relendo estes dois últimos parágrafos, tenho a sensação de que estou precisando convencer você de que valeu a pena ter brigado por um ingresso para “Jogos vorazes”. De fato, quando comentei com vários amigos que tinha ido ver esse filme, a reação mais comum era aquela cara que obviamente estava perguntando: “por quê”?

Bem, mais de cinco anos depois de que comecei a escrever este blog – oficialmente, cinco anos e meio! – acho que não preciso justificar mais minha adoração por cultura pop. Reconheço que o público alvo de “Jogos vorazes” está ligeiramente fora da minha faixa etária. Porém, mesmo sob o risco de ser rotulado de um velho que se passa por mocinho – acredite, as pessoas ainda apelam para esse tipo de crítica! – eu estava louco para ver o filme. Justamente porque sei que ele foi todo concebido para agradar um telespectador que tem pelo menos 20 (ou 30) anos a menos que eu, fui desarmado à sessão – que era quase à meia-noite. E não me aborreci por nem um segundo.

Como você talvez já saiba – atenção “brigada do spoiler”, vou dar uma sinopse que é mais do que manjada – a analogia que fiz no título de hoje com o “BBB” não é tão absurda assim. Na verdade, se eu for acreditar em wikipédia, a própria autora admitiu que a ideia para escrever “Jogos vorazes” veio quando assistia a “reality shows” na TV – ao mesmo tempo que via em outros canais a cobertura da guerra no Iraque, quando ela ainda estava “quente”. Num futuro incerto, em que um país chamado Panem tem seus 12 distritos controlados (e explorados) por uma poderosa capital chamada… Capital, um ritual anual, que envolve escolher 2 adolescentes de cada distrito para uma caçada mortal (obviamente televisionada para o deleite de uma audiência, hum, voraz), serve como um lembrete de que as tragédias da guerra estão sempre à espreita. Assim, os tais jogos vorazes funcionam como válvula de escape – e, claro, instrumento de opressão.

O que nos faz assistir a um jogo onde as pessoas ficam confinadas – e são observadas 24 horas – e querem eliminar umas às outras revelando assim o pior de suas características, digamos, humanas? Bem, isso pode ser um tema para sua reflexão amanhã, logo depois da final do “BBB”. O que posso explicar aqui é que a minha reação diante da competição em “Jogos vorazes” – que, ao contrário dos “realities” da TV, usam o verbo “eliminar” não como metáfora, mas como uma instrução de literalmente acabar com acabar com a vida dos seus concorrentes – foi ficar grudado na tela! Não pelo final – que é mais do que previsível (“brigada do spoiler”, mais uma vez, sosseguem: por que vocês acham que Jennifer Lawrence, que faz papel da corajosa Katniss, do distrito 12, está em todos os pôsteres do filme?). Mas por outros dois motivos: 1) a engenhosidade do roteiro; e 2) o incrível apelo visual da Capital.

Quanto ao primeiro fator, não li nenhum dos livros originais de Collins, mas imagino que o crédito seja da própria autora. Afinal, você não consegue uma legião de leitores com uma história mal escrita – perguntem a J.K. Rowling ou Stephanie Meyer… Mesmo que o roteiro adaptado tenha sacrificado muitos aspectos da obra original (pelo que li na “Entertainment Weekly”, várias passagens na Capital, do passado de Katniss, e das próprias estratégias de eliminação e sobrevivência na competição, tiveram de ser eliminadas), não ficou aquela coisa sem pé nem cabeça que alguns “blockbusters” (sim, estou falando de você, “Cavaleiro das trevas” empurram goela abaixo do público. As manipulações por trás da competição e as próprias eliminações – são 24 jovens na briga, é bom lembrar – ficam bem claras e eu não me senti, em nenhum momento, insultado na minha inteligência – como quando, por exemplo, assisto a um “Transformers”… Minha torcida por Katniss era genuína – e, sem planos para ler os dois outros volumes da trilogia, espero ansiosamente pelo desenrolar da história nos próximos filmes.

Quanto ao segundo motivo que prendeu minha atenção em “Jogos vorazes”, só tenho a dizer que o visual criados pelo time de direção de arte e figurinos é extremamente original. Com tantas visões carimbadas do futuro – de “Blade Runner, o caçador de androides” a todos os filmes de “Guerra nas estrelas”, passando, claro, pelo genial “Marte ataca!” – seria fácil simplesmente reciclar alguma coisa. Mas o que a gente vê na Capital é uma bizarra visão do que pode acontecer se tudo que um estilista encontrar nas ruínas de um futuro apocalíptico fosse uma cópia de “Vem dançar comigo” (o duvidosamente sensacional filme de Baz Luhrmann), uma coletânea de vídeos “new wave”, e um livro de fotos com aquelas “lolitas góticas” que circulam por Harajuku, em Tóquio! Não me cansei nem um pouco em descobrir detalhes incríveis dessa concepção visual – e, assim como com os aspectos da competição – quero mais nos próximos filmes.

O futuro da série já está garantido – eu mesmo reafirmo: estarei na fila no ano que vem para ver a continuação. Sua bilheteria deve bater novos recordes – espero – e nós vamos ter que aprender a conviver com o rosto de Jennifer Lawrence por um bom tempo. Mas isso, ao contrário de ser uma reclamação, é um elogio. “Jogos vorazes” está longe de ser uma obra superoriginal (dê um google em “battle royale” para você ter uma surpresa…). Mas é divertido e razoavelmente emocionante. Se você não é um dos que, como eu, lotou as salas de cinema no último fim de semana, prepare-se para assistir a uma boa competição nas telonas.

E se precisar de um aperitivo, claro, tem a final do “BBB” nesta terça. Mas fica aqui um aviso: resista à inevitável tentação de torcer para que  na edição de 2013, os participantes levem às últimas consequências a tarefa de eliminar a concorrência…

O refrão nosso de cada dia

“Siliguri”, Mathieu Boogaerts – sou completamente fã deste cantor francês, que descobri por acaso numa viagem em 1998. São várias faixas dele que eu gostaria de recomendar, mas “Siliguri” me veio hoje à cabeça por conta de seu corinho de crianças no final – que acho que não estaria tão deslocado assim numa trilha sonora imaginária de “Jogos vorazes”… Descubra Boogaerts você também!

 

 

Um bom punhado de livros e uma leitura extraordinária

qui, 22/03/12
por Zeca Camargo |
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De tempos em tempos escrevo também sobre livros aqui neste espaço. Não é, como você pode imaginar, um dos temas mais populares – se é que o número de comentários sobre determinado post pode ser um bom indicador de popularidade. No entanto, por pura teimosia – e uma assumida queda por este artefato tão fora de moda que é o livro – eu sigo fazendo questão de comentar sobre boas leituras que faço. Da última vez que prometi isso – quando o Brasil se preparava para entrar em férias de verão (uma estação que, só lembrando, terminou na última segunda-feira) – eu já tinha em mente alguns títulos que tinham acabado de sair na “folia cultural” do fim de ano. Mas de lá para cá, mais títulos bons foram lançados em português e agora acho que já posso sugerir uma lista ainda mais completa (por isso, já aviso, o texto de hoje é longo!). Lamentavelmente, a tal leitura extraordinária que menciono no título ainda não ganhou uma edição nacional (e pela minha pesquisa rápida na internet nem deve ganhar uma tão cedo). Por isso mesmo vou deixá-la para o final – comecemos pelo que você pode encontrar agora mesmo em qualquer boa livraria, inclusive as virtuais!

Minha primeira recomendação é um autor sobre o qual eu já escrevi aqui – e de quem queria escrever de novo já há algum tempo, desde que vi seu mais novo trabalho traduzidos nas nossas prateleiras: Gary Shteyngart e seu sensacional “Uma história de amor real e supertriste” (editora Rocco). Desde seu primeiro romance, “O pícaro russo” (uma tradução no mínimo curiosa para o título original de sua estreia – que é “The russian debutante’s handbook”, ou algo como “O manual do debutante russo”, em português), tornei-me fã de tudo que Shteyngart escreve (além dos livros, coleciono também seus artigos e resenhas em várias publicações). Por isso, como eu mesmo já esperava, a leitura de “Supertriste” foi um enorme prazer. Eu diria até “um prazer delirante”!

Este foi, se não me engano, um dos adjetivos que usei para descrever sua ficção no meu post de 2010 – que era sobre seu segundo livro, “Absurdistão” (também da Rocco). Mas depois de ler “Supertriste” vejo que “delirante” se aplica ainda melhor a este volume do que ao anterior. Novamente Shteyngart conta uma história aparentemente absurda – uma sucessão de fatos e cenas que desafiam a própria definição do “rocambolesco”. Mas dessa vez ele dá um salto ainda mais frenético, e para o futuro: transporta a ação para uma Nova York algumas décadas além de nós – onde o dólar é cotado segundo a valorização do yuan (a moeda chinesa), os Estados Unidos estão em guerra com a Venezuela, a questão da mortalidade humana está praticamente resolvida (se você for um bilionário, claro), e todas as pessoas andam com um aparelho pendurado no pescoço (espertamente batizado de “äpärät”) que fornece todas as informações que você precisa – desde a vertiginosa oscilação cambial até a “intensidade sexual” (um eufemismo para a expressão original “fuckability”) de quem é seu dono.

No meio desse cenário alucinado – que caminha, presumivelmente, para um final apocalíptico -, existe, sim, uma história de amor. Pelo menos é isso que o personagem principal pensa… Ele, Lenny, é de família russa, e sua “amada”, Eunice, é filha de coreanos – é curioso ver como Shteyngart faz questão de marcar essas ancestralidades num mundo onde as fronteiras são mais uma desculpa para uma disputa de poder do que um fator de identidade cultural. E o romance entre os dois é extremamente desiquilibrado – para o lado de Lenny. Não obstante, enquanto seu emprego (justamente na “firma” que promete vida eterna para as pessoas ricas) está por um fio, e o mundo prestes a acabar, Lenny faz de tudo para estender uma boa noite de transa até que ela vire uma grande história de amor. Eu adoro o título original, “Super sad true love story”, acho que ele descreve muito bem e resumidamente o que vamos ler, mas admito que uma tradução que tivesse a mesma força que ele é quase impossível – e ousaria até sugerir que a versão nacional mantivesse “Super sad…”, mas acho que eu divago, e ainda temos outros livros para comentar… Sendo assim, vou ser breve: corra para ler “Supertriste”.

E já deixe “Os imperfeccionistas” na fila para você engatar logo depois. Lançado aqui pela editora Record, essa é (ao contrário do livro de Shteyngart) uma história supertriste – se não exatamente na tragédia, pelo menos na melancolia. Qualquer resumo que você ler da história pode te dar a impressão errada sobre esse trabalho de estreia do americano Tom Rachman. Não se trata, como pode parecer, de uma saga familiar – ou, mais grave ainda, de uma saga de uma família que publica há anos um jornal em inglês em Roma, que agora está prestes a fechar. “Os imperfeccionistas” é sim uma espécie de homenagem a um tipo de “homem de imprensa” (ou “mulher de imprensa”, como o próprio livro deixa claro) que já não existe mais – e só por conta disso eu já teria um motivo especial para gostar dele. Mas Rachman, que tem a capacidade de escrever de maneira belíssima (e teve a sorte de receber uma boa tradução de Flávia Carneiro Anderson), acaba nos mostrando menos os bastidores de um jornal do que impressionantes retratos incomuns. O jornal, em si, acaba sendo mais uma desculpa para aqueles personagens tão sensacionais se chocarem – e você acompanha tudo, genuinamente interessado no destino daquelas pessoas. Se as personalidades apresentadas em “Os imperfeccionistas” parecem, às vezes, caricatas demais, dê um desconto: esse é um trabalho de ficção (se bem que se parar para pensar, tem um bocado de gente que você conhece que tem tudo a ver com aquelas pessoas do livro…).

Quando Rachman, que é inglês, lançou seu livro nos Estados Unidos em 2010, ele foi imediatamente aclamado como um novo talento – e teria até feito mais sucesso, se não tivesse sido ofuscado por um outro lançamento do mesmo ano: “A visit from the goon squad”, de Jennifer Egan. Este volume acaba de ser lançado aqui no Brasil, com o título de “A visita cruel do tempo” (editora Intrínseca). Já havia escrito sobre o livro aqui mesmo neste espaço, não exatamente para recomendá-lo fortemente, mas para usá-lo como exemplo não muito bem-vindo de uma nova onde de “escrita criativa” na literatura moderna. Porém, relendo alguns de seus trechos na edição em português (para poder escrever sobre ele aqui hoje), devo admitir que ele merece uma segunda chance – se bem que eu ainda não “engoli” o capítulo escrito em forma de powerpoint…

“A visita cruel do tempo” é, em última análise, uma história sobre decadência – e nossa incapacidade de, primeiro, reconhecê-la, e segundo, de administrá-la. Para nos envolver nesse dilema, Egan usa um universo onde talvez a idade avançada seja um dos castigos mais cruéis: o rock n’roll. Mas se essa não é sua praia, não se preocupe. A música é mais um pano de fundo do que um tema, e não tenho dúvidas de que você vai se envolver com os personagens do livro – sobretudo com Lou, uma caricatura perfeita de um produtor musical que conheceu seus tempos áureos nos aos 70, quando o rock justamente parecia dominar o mundo. Viajando para períodos e lugares diferentes a cada capítulo – que quase podem ser lidos como contos separados, Egan conta finalmente uma estranha história sobre conexões.

Mas por falar em música, se isso for mesmo um fator que faz com que você leia um livro, procure então “A canção é você”, de Arthur Phillips (editado aqui no Brasil pela José Olympio). A mera existência desse livro em português já me traz lágrimas nos olhos – e por isso é importante avisar que essa história pode cortar seu coração. É sim também uma história de amor – mas bastante incomum. É a história de um homem que se apaixona por uma voz. Tudo bem que é um homem de mais de 40 anos apaixonado pela dona de uma voz que tem pouco mais de 20. Essa estrutura, claro, beira o clichê – mas “Canção” consegue sobreviver a essa armadilha.

Não é que Julian, o personagem principal, está apaixonado por Cait – a cantora que ele escuta ocasionalmente uma noite num bar. Ele está totalmente obcecado por ela – e sua busca incessante por um contato (que por vezes você, leitor, desconfia que ele mesmo nem quer que aconteça) é o que move essa narrativa emocionante. De longe (de muito longe), “A canção é você” lembra “Juliet, nua e crua” (o mais recente livro de Nick Hornby), sobretudo no que diz respeito à relação contemporânea (leia-se “virtual”) entre um ídolo e seu fã. Mas a história de Julian e Cait corta mais fundo do que a de Tucker e Annie (os protagonistas do livro de Hornby). E para qualquer pessoa que deixa seu coração ser levado por uma música – sim, estou falando de mim! – essa é uma leitura obrigatória.

Ainda queria falar sobre dois lançamentos de não ficção. O primeiro, já comentado aqui há quase um ano – uma espécie de biografia de Montaigne, contada de maneira bem original, que agora recebeu uma boa tradução para o português: “Como viver, ou uma biografia de Montaigne em uma pergunta e vinte tentativas de resposta” (editora Objetiva). O segundo é também uma biografia pouco ortodoxa, que eu já havia lido em inglês e adorado: “Sangue, ossos & manteiga”, de Garilelle Hamilton (Record), que é também a chef de um dos meus restaurantes favoritos em Nova York, o Prune (foi por essa conexão, aliás, que eu cheguei no livro). Mas vejo que este texto já está logo – e devo deixar esses dois volumes para outro dia, se quiser falar pelo menos um pouco da “leitura extraordinária” que mencionei lá em cima.

O problema é que não quero falar pouco dela. Que falar muito. Quero exigir que alguém esteja correndo atrás para traduzir esse livro. Quero saber quem é a editora que vai cometer a ousadia de lançá-lo no Brasil. Quero te convencer a tentar lê-lo mesmo em inglês! Um livro assim não pode passar despercebido…

Não estou exagerando. Fazia tempo que eu não cruzava um livro que me fizesse andar com uma caneta no bolso para assinalar uma passagem. Uma não, várias! Há anos eu não lia algo que me desse vontade de eu mesmo ter escrito – um romance que fosse ao mesmo tempo simples, contemporâneo, e brilhante. Pois finalmente eu encontrei um livro assim: chama-se “Leaving the Atocha station”, e seu autor é Ben Lerner.

Novamente me vejo diante do desafio de fazer uma sinopse rápida de um livro – e acabar prejudicando-o por conta disso. O argumento de “Atocha” (que é uma estação de trem em Madri, infelizmente mais lembrada pelo atentado terrorista que ocorreu lá em 2004) é quase banal: um “poeta” americano passa um ano na capital espanhola por conta de uma bolsa que ganhou para desenvolver seu trabalho (vagamente inspirado no passado político da própria Espanha); no lugar de mergulhar na sua poesia, porém, ou mesmo no esforço de aprender um pouco de espanhol, Adam (o protagonista) gasta seus dias passeando pela cidade, fumando haxixe, ensaiando romances e contando mentiras – em suma, se esforçando para fazer de si mesmo um personagem mais interessante do que a própria vida que ele tem. Preciso dizer que todo seu esforço é em vão?

O que lemos, com agonia crescente a cada página, é a história de um típico jovem de 20 e muitos anos, bem contemporâneo – aquele que tem tudo, todas as informações, as referências, e eventualmente até os recursos para ser alguém interessante na vida, mas que permanece paralisado diante de todas essas possibilidades. A princípio, em descrições hilárias de conversas absurdas, parece que os problemas de Adam em Madri se resumem à língua – como nesse trecho onde ele encontra uma de suas paixões, Teresa, pela primeira vez (todas as traduções abaixo são minha – e apressadas!):

“O pai tinha sido ou um pintor famoso ou um colecionador de pinturas e ela tinha ou se tornado uma pintora para impressioná-lo ou tinha abandonado a pintura porque ela não podia lidar com o exemplo de seu pai ou porque ele era um imbecil”.

Não demora muito para ele perceber que a dificuldade com a língua seria um impedimento para sua própria sobrevivência (inclusive afetiva) na Espanha, como ele conta nesse momento de sedução:

“Eu tentei dizer isso a ela, como eu achei que poderia soar poético, mas eu não conhecia nenhum dos verbos relevantes, então eu disse algo sobre não conhecer as palavras para descrever como ela estava sempre se movendo, como eu não a podia imaginar parada, e fiz uma série de gestos que comunicassem que isso era apenas uma versão tímida do que eu queria realmente comunicar, e deixei que ela descobrisse o que eu queria dizer”.

Na sua rotina de drogas e álcool – e mais um “dolce far niente” – ele acaba se acostumando com a confusão, como conta nessa passagem inesperadamente lúcida:

“O baseado tinha voltado para mim e a mulher que o havia passado começou a falar comigo, e eu, talvez porque estivesse chapado ou chateado, não conseguia entender seu espanhol, mas isso não é o que acontecia de verdade. Seu espanhol, como o poema de Teresa, tornou-se um repositório de qualquer significado que eu quisesse atribuir, e eu me senti compreendido, embora eu tivesse falando comigo mesmo”.

O comportamento de Adam acaba sendo interpretado – pelos espanhóis, que são ao mesmo tempo interessados e indiferentes com relação à sua pessoa – como um certo charme, quase intelectual, algo que já se poderia esperar de um americano dedicado à penetrar no universo quase sagrado da poesia espanhola. Já no final do seu “ano de estudos”, quando sua saga já pode tranquilamente ser descrita como uma farsa, seus desentendimentos começam a afetar suas relações. Ao perguntar como um de seus poucos amigos fazia dinheiro, Adam se espanta:

“Teresa me disse então que ela já havia me contado, se eu não me lembrava. Eu hesitei e disse que sim, que agora lembrava. Ela talvez tenha me contado na primeira noite em que eu a encontrei. Ou talvez ela tenha me contado em vários momentos eu eu não consegui entender seu espanhol. Ou talvez ela tenha mentido sobre ter me contado alguma coisa”.

Até que ele mesmo entra em colapso, decepcionado com sua própria experiência – ou justamente a falta dela:

“Eu encostei minha cabeça na direção e senti toda a força da minha vergonha. Eu não era capaz de pedir um café neste país, muito menos entender sua Guerra Civil. Eu nem cheguei a ver o Alhambra. Eu era um mentiroso violento, bipolar e compulsivo. Eu era um americano de verdade. Eu nunca iria achatar algum espaço ou estraçalhá-lo. Eu nunca vi ‘Profissão: repórter’, um filme em que eu estrelava. Eu era um maconheiro e possivelmente um alcóolatra. Enquanto a História estava acontecendo (uma referência às explosões em Atocha), eu dormia no Ritz”.

Reparou na expressão “americano de verdade”? Lerner – que é também um poeta respeitado no Estados Unidos, coroa aí seu retrato de uma geração inteira que foi incapaz de incorporar as conquistas – materiais, intelectuais, emocionais – dos que vieram antes. Num brilhante artigo recente do “Sunday Book Review” (“The New York Times”), Gery Sernovitz faz um curioso paralelo entre a experiência espanhola de Adam e a de Jake Barnes, protagonista de um outro “romance de estreia” de “um certo” autor americano: “O sol também se levanta”, de Ernest Heminghway. Se Jake, argumenta Sernovitz, tinha pelo menos um registro de um forte evento histórico na sua vivência espanhola (a Primeira Guerra Mundial), Adam ignora o que acontece em sua volta. E, mesmo quando percebe a situação em que se meteu, mostra menos arrependimento do que um certo deslumbre:

“Fiz com que o esforço para prolongar indefinidamente minha experiência adolescente se obscurecesse imperceptivelmente numa dependência terrível, se não mundana”.

Pois então, caro leitor, cara leitora: estes são os tempos em que vivemos – maravilhosamente descritos por Ben Lerner em “Leaving the Atocha station”. Tempos em que as pessoas acham que estão vivendo experiências intensas, mas que não são mais que reflexos de reações ensaiadas pelas próprias fontes dessas experiências – a internet, claro, sendo a principal delas. Existe uma geração inteira de pessoas desinteressadas, crente que estão envolvidas em uma discussão realmente importante, quando tudo que elas têm para se expressar são 140 caracteres. Há muito barulho – e olha que essa gente é mesmo barulhenta – mas pouco argumento. E o mais triste é saber que nenhum deles vai ter um dia pelo menos a humildade que o protagonista de Lerner teve de olhar dentro de si e perguntar:

“Por que eu nasci entre espelhos?”

 

 

6 exposições em 4 horas

seg, 19/03/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Mesmo para meus próprios padrões, minhas duas últimas semanas foram relativamente puxadas. Resumindo, passei por quatro países em sete dias. Parte dessa “jornada” você acompanhou por aqui – mais precisamente, o início dela, quando falei com Roger Waters em Buenos Aires, na semana retrasada. De lá, voltei para o Brasil no fim-de-semana para trabalhar; na segunda de manhã, estava em Lima (Peru) para entrevistar Joe Cocker – um material que você vai ter a chance de conferir em breve; terça estava de volta ao Brasil para lançar o livro do “Medida Certa”… em BH! E na quarta-feira já estava embarcando para Londres, para acompanhar uma grande atração que vem ao Brasil até o final do ano: “Elvis in concert” (não se assuste: não era um espetáculo mediúnico, mas sim um show de tecnologia, sobre o qual pretendo falar aqui em breve). Não estou exatamente reclamando desse ziguezague – mas a correria foi tanta que a qualquer insinuação de que a vida de quem viaja sem parar é glamurosa eu seria capaz de responder com um pequeno desaforo…

Insisto: não estou reclamado, mas apenas relatando. Até porque – seja em Buenos Aires, Lima, BH ou Londres – eu sempre acho um tempinho para atividades, digamos “extracurriculares”! Especialmente se a escala for Londres – a última parada dessa maratona recente. Os horários eram apertados: cheguei lá na quinta por volta das 14h, e tinha a tarde e a noite de sexta para trabalhar. Descontando algumas horas de descanso – e uma passagem obrigatória pela Sister Ray (minha loja de CDs favorita na cidade, que teimosamente se recusa a declarar a morte desse tipo de estabelecimento comercial) – o que me sobrou foi a manhã de sexta para explorar um dos maiores atrativos de Londres: suas exposições de arte.

Museus e galerias por lá – como em boa parte do mundo – só abrem às 10h da manhã. Eu deveria me apresentar para as entrevistas às 15h. Descontando uma hora para chegar até o hotel e me preparar para o trabalho, o que eu tinha então eram quatro horas para explorar esse circuito. Por isso, o planejamento era fundamental. Acordei mais cedo do que o necessário e comecei a elaborar um trajeto. Logo veio a primeira dúvida: por onde eu deveria começar? Uma das mostras que eu queria ir era também a mais disputada: Lucian Freud, no National Portrait Gallery. Uma busca rápida no site do museu confirmou minha suspeita de que os ingressos eram com hora marcada – devido à grande procura por eles. Será que eu encontraria alguma coisa para o mesmo dia? Será que valia a pena eu ir direto para lá e tentar a sorte de ter alguém com um ingresso extra comprado antecipadamente? Ou talvez fosse mais garantido eu deixar Freud para o fim do roteiro – se eu chegasse lá e tivesse ingresso, tudo bem…

Como a National Portrair Gallery era o lugar que eu queria visitar mais perto do hotel onde eu estava, resolvi arriscar ir lá antes de tudo. Às 9h30 da manhã, a fila na porta (fechada) do museu já era grande. Uma placa no início dela convidava: “Espere aqui para um ingresso para ver Lucian Freud hoje”. Nada muito animador: pelo tamanho da fila, mesmo que eu conseguisse algo, não seria logo no primeiro horário – e isso poderia atrasar todo meu esquema…

Pontualmente às 10h, o portão abriu. A fila andou, e quando eu já estava perto do caixa, um reloginho indicava que os próximos ingressos disponíveis eram para as 11h30! Iria cortar minha manhã… A decisão era difícil, mas resolvi ficar. Era Lucien Freud! Eu tinha de ver! Fiquei na fila – e quando eu já estava calculando qual das outras exposições eu teria de cortar dos meus planos, uma mulher apareceu com aquele “papelzinho mágico”: um ingresso sobrando! Um outro cara, na minha frente, viu primeiro, mas não se interessou: ele precisava de dois! Imediatamente pulei na frente da mulher – um gesto que assustaria qualquer inglês, mas deixou a tal mulher especialmente desconcertada. “Eu não moro aqui, e tenho de ver essa exposição hoje”, explique meio sem jeito. Ela logo tratou de me passar seu ingresso – que comprei pelo preço da bilheteria (cerca de R$ 20,00). E, para minha sorte, com as galerias ainda vazias, lá estava eu diante daquele que, como seu obituário na “The Economist” lembrou bem, era sempre citado como o melhor pintor do mundo. E foi emocionante!

Lucian Freud na National Portrait Gallery

A mini multidão que tinha entrado no primeiro horário ainda se concentrava nas primeiras salas – com os retratos do início de sua carreira, antes de o artista ter desenvolvido seu estilo inconfundível. O que deixava as outras galerias praticamente livres para uma exploração particular. Ali estava eu, aproveitando o luxo de ter, praticamente só para minha apreciação, telas tão extraordinárias como “And the bridegroom”, “Standing by the rags”, “Sunny morning, eight legs”, “Benefits supervisor sleeping” – sem falar da série de retratos do corpanzil de Leigh Bowery! A única coisa que eu conseguia pensar era: pintura existe para isso!

Os corpos e rostos pintados por Freud estão longe da perfeições. Eles são mais ou menos como o seu ou o meu – não a exceção da harmonia das formas trabalhadas, mas um registro de histórias, de marcas que o próprio corpo vai absorvendo com a idade. Seu pincel não pede desculpas, nada corrige. Apenas busca uma forma que nenhum espelho é capaz de nos dar. E o resultado é dilacerador. À medida que as galerias começavam a encher, eu ia me despedindo daquelas telas com dificuldade: não fosse pelas outras visitas que eu ainda queria fazer, passaria o resto do dia ali na National Portrait Gallery, fácil, fácil…

Jeremy Deller na Hayward Gallery

Mas antes das 11h eu já estava atravessando a ponte de Waterloo em direção à Hayward Gallery – a parte que eu mais costumo frequentar do complexo cultural dos meus sonhos: o Southbank Centre. Eu sabia que eles estavam com uma exposição de um artista que eu adoro – David Shrigley. Mas quando cheguei lá tive uma outra boa surpresa: metade do espaço da galeria abrigava um outro artista, que eu conhecia só de maneira distante, Jeremy Deller. Melhor ainda! Comecei por esses trabalhos que são – como eu posso explicar? – inesperados. Não há uma obra igual à outra, e se existe alguma coisa que une tudo na criação de Deller, é o convite à interatividade do público. Mas não exatamente de uma forma lúdica. O que ele propõe é a discussão. Por exemplo, em “This is what it is”, diante de uma carcaça de um carro destruído em Bagdá, ele monta uma sala de discussão, com vídeos e imagens que cutucam o público a falar sobre a experiência da guerra no Iraque. Em “Valeri’s snack bar”, uma cantina de verdade está montada numa das galerias – e aberta ao público para trocas de experiências. Nem tudo, porém, precisa ser tão elaborado assim: na exposição, descobri que foi Deller quem dirigiu um dos meus vídeos favoritos, de uma das minhas bandas favoritas: “Found that soul”, do Manic Street Preachers. Só por isso, já me senti recompensado.

David Shrigley na Hayward Gallery

Mas aí, no segundo andar da Hayward, me deparei com David Shrigley – e a minha manhã ficou mais divertida. A arte de Shrigley é inclassificável. Desenhos, pinturas, filmes de animação, esculturas – e mesmo peças de design (se bem que um design bem alternativo). Nada escapa do humor – quase sempre ácido – desse artista. Quer um bom exemplo? Um cachorrinho empalhado segura um cartaz onde se lê: “I’m dead” (“Estou morto”). Um breve desenho animado mostra um baterista tocando sem cabeça. Letras abandonadas no terraço da Hayward convidam o espectador: “Look at this” (“Olhe para isso”). Um muro alto sustenta uma fileira de ovos que perigosamente se equilibram lá em cima. Ou então você pode encontrar uma sala inteira de formas de arame abstratas. Tudo vale no universo de Shrigley – desde que o trabalho te tire do sério. E não que as aparências não te enganem: por trás das gracinhas do artista, existe uma boa provocação – só você parar um pouquinho e pensar…

Parar um pouquinho, porém, era o que eu não podia fazer. Na minha programação, da Hayward eu faria então um belo passeio pelo rio Tâmisa (a meteorologia estava ajudando) até a Tate Modern – que levaria mais ou menos uns 20 minutos. Tamanha era minha determinação, que fiz o percurso em menos de 15… E, quando cheguei ao museu, outra (dupla) surpresa me esperava. Eu queria ter ido lá, a princípio, para ver a retrospectiva de uma artista chamada Yayoi Kusama. Mas a Tate também estava com uma outra mostra importante: a do italiano Alighiero Boetti.

Alighiero Boetti na Tate Modern

Como no caso de Deller, eu conhecia a obra de Boetti apenas marginalmente. Seu trabalho (talvez) mais famoso é um mapa mundi bordado onde os países são representados por suas bandeiras. Mas isso, como eu percebi assim que entrei nas galerias (deixe Yayoi para depois), era só uma fração do que essa mente absurdamente criativa ofereceu ao mundo. “Batizado” no movimento dos anos 60/70 que surgiu na Itália e ganhou o nome de “arte povera” (ou “arte pobre”, feita com materiais simples e do nosso dia-a-dia), Boetti partiu para elaborações cada vez mais ambiciosas, rearranjando formas, cores, objetos, palavras – tudo que pudesse instigar a imaginação que quem visse suas criações. As possibilidades que os trabalhos de Boetti abriram na minha cabeça ainda precisam ser bem digeridas, mas o que eu posso dizer é que ao sair da última sala da sua retrospectiva, eu estava com a mente deliciosamente preparada para entrar no universo de Yayoi Kusama.

Yayoi Kusama na Tate Modern

Conheci seu trabalho quando viajei em 1998 para o Japão para uma série de reportagens que comemoravam os 100 anos de imigração japonesa para o Brasil. Ao passar pela ilha de Naoshima, a primeira coisa que me chamou atenção foi uma gigantesca abóbora pintada de bolinhas pretas (talvez você se lembre de ter visto essa imagem aqui mesmo, neste blog) – tão curiosa que me fez ter vontade de saber mais sobre a artista que a havia criado. Era a japonesa Yayoi Kusama, uma mente tão exuberante, que, mesmo para os anos 60, quando começou a ser conhecida nos Estados Unidos, ela era considerada uma “outsider” – uma espécie de alienígena… Do início em telas psicodélicas aos objetos pontiagudos e cheio de bolinhas, Kusama deixa claro que sua linguagem é alucinada – no bom sentido: sempre cheia de estímulos visuais. Nas suas instalações mais contemporâneas, o espectador é convidado a entrar em salas onde os sentidos são desafiados – e quem há de resistir? Passei pouco mais de meia hora em companhia daquelas imagens, mas a marca que Kusama deixa na nossa imaginação é certamente mais duradoura que esse curto período de tempo.

Em frente à Serpentine Gallery

Era só nisso que eu pensava no trajeto para cumprir a última etapa da minha “maratona de arte”. Meu destino final era a Serpentine Gallery, em Kensington Gardens (até daria para ir a pé… se eu tivesse tempo!) – e mesmo dentro dessa pequena galeria (que é, diga-se um dos meus lugares favoritos de toda Londres – e que já apareceu várias vezes neste blog), eu ainda era constantemente distraído pelas criações de Kusama. Não que a exposição da Serpentine fosse muito surpreendente: “On the Edgware Road” é uma coletiva de uma comunidade relativamente segregada de Londres, onde a própria Serpentine faz um trabalho de aproximar artistas e a população de origem imigrante. Irregular, o conjunto de trabalhos não me convenceu – mas nem por isso me arrependi de ter corrido para vê-lo. Foi na Serpentine que conheci artistas incríveis, como Shirin Neshat, Paul Chan, Karen Kilimnik, Thomas Demand – e foi lá também que reencontrei outros que já conhecia e admirava, como Matthew Barney, Jeff Koons e Wolfgang Tillmans. Mesmo sem novas descobertas, aquele é um lugar de peregrinação para mim.

Assim, saí feliz (mais uma vez) da Serpentine – contente até por ter visto por acaso de uma de suas paredes uma criação inédita do brasileiro Ernesto Neto (uma homenagem ao trabalho de outra brasileira, Lygia Pape, que tinha acabado de ganhar uma mostra no mesmo espaço). E apesar de um pouco cansado, estava pronto para trabalhar pelo resto do dia, com a cabeça cheia de ideias e imagens. Graças a esses artistas geniais que me inspiraram num espaço tão curto de tempo – uma manhã só! Com um pouco de sorte, quem sabe eu não consegui fazer você ficar um pouco curioso por esses trabalhos também.

Aproveite os links do post de hoje e leve sua mente para passear – nem que seja por algumas horinhas também. Ela vai te agradecer…

O refrão nosso de cada dia
“Design for life”; “If you tolerate this your children will be next”; ambas do Manic Street Preachers – talvez seja por conta da coincidência de ter encontrado uma música dos Preachers no meio da exposição de Jeremy Deller. Fato é que senti vontade de chamar sua atenção para duas músicas (já que eu fiquei devendo uma da semana passada) talvez menos conhecidas dessa banda que nunca teve o devido reconhecimento. A primeira é de uma sofisticação poucas vezes experimentada no mundo da música pop. E a segunda é talvez a canção de protesto mais linda do final do século 20. Por falar em levar sua mente para passear, que tal agora ser guiado não pelos seus olhos, mas pelos seus ouvidos?

O artista

qui, 15/03/12
por Zeca Camargo |
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Rodrigo Santoro é Heleno de Freitas. Algumas pessoas vão dizer para você que ele está apenas interpretando Heleno de Freitas – um dos primeiros ídolos controversos do futebol brasileiro. Mas não se deixe enganar. O que acontece ali no filme “Heleno” (em cartaz no circuito nacional até o fim do mês) não é uma simples interpretação, mas um raro caso de reencarnação. Não sou lá uma grande autoridade para falar de futebol – acompanho lá os campeonatos por força do meu trabalho (e competência do meu colega de apresentação que reinventou a maneira de atualizar o Brasil das aventuras do gramado, Tadeu Schmidt), mas estou longe de ser um experto do que rola nos campos hoje em dia, muito menos há mais de 60 anos (justamente o período em que Heleno brilhou). Mas o filme me fez ficar fascinado por esse personagem que, driblando o velho clichê, eu diria que se não tivesse jogado, teria que ser inventado.

Ou talvez tenha sido o próprio Rodrigo que tenha emprestado sua força ao personagem – uma vez que, repito, sua atuação é fundamental para o sucesso do filme. Fato é que saí da sessão especial de cinema a que assisti (para poder entrevistá-lo, eu fui conferir uma pré-estreia) convencido de que existem filmes capazes de transcender nossos interesses mais específicos. Digo isso porque às vezes uma interpretação magistral não é suficiente para nos fazer gostar de uma produção. Sem querer divagar muito (vou tentar!), o melhor exemplo recente que eu posso dar nesse sentido é “A dama de ferro”, que mês passado deu a Meryl Streep mais um Oscar para sua estante, mas, apesar de ter me deixado boquiaberto, justamente no quesito interpretação, não “falou” comigo. Eu até tive, ao longo dos anos 80, um interesse marginal pela política britânica, uma vez que eventualmente ela resvalava na musica pop da época – de Bronski Beat a The Smiths. Mas esse é um assunto que não me encanta – e mesmo a performance magistral de Streep não foi suficiente para me tornar um fã do filme.

O truque de “Heleno” – baseado na cuidadosa e divertida biografia “Nunca houve um homem como Heleno”, escrita por Marcos Eduardo Neves (Zahar) – é sutilmente deixar o futebol em segundo plano. Não que o esporte não esteja presente na tela do cinema. Mas o que o diretor José Henrique Fonseca conseguiu com seu filme foi contar menos uma história sobre grandes lances, do que uma outra bem mais interessante: sobre a paixão de um homem pelo futebol, dentro de uma mente atormentada. E, digamos que, para chegar nisso, a ajuda de Rodrigo Santoro foi indispensável. Em mais de um momento Heleno brada seu amor pelo jogo – e, mais especificamente, pelo seu Botafogo. Segundo ele me contou na entrevista, Santoro treinou exaustivamente para aperfeiçoar uma marca de Heleno: a bola matada no peito, que descia para o chute forte. E esse esforço todo certamente está lá nas imagens. Bem como as cenas de vestiário, os bastidores dos treinos, a frieza dos discursos dos cartolas, e os climas ruins dos treinos – aliás é em um deles que Rodrigo oferece a atuação mais engraçada de todo “Heleno”, ao esculhambar colegas que tinham a expectativa de ouvir, pelo menos daquela vez, um jogador-estrela menos ácido. Mas esse não é o coração do filme – que só tem a ganhar com isso.

“Heleno” permite que Santoro explore uma bipolaridade num personagem que viveu numa época onde essa palavra ainda nem existia no dicionário corrente. No papel de alguém que tem problemas mentais – ou melhor, que desenvolve problemas mentais porque foi colocado injustamente num sanatório – nós já sabíamos que ele se sairia bem. Falo, claro, de “Bicho de sete cabeças”, filme de 2001, dirigido por Laís Bodanzky, no qual o ator vivia essa história adaptada de uma vida absurdamente real. De certa maneira, o triunfo de “Bicho” quase que nos prepara para a primeira imagem de Heleno na sua biografia filmada: um rosto precocemente envelhecido, uma expressão à deriva, uma pele corroída, e um olhar silenciosamente desesperado. Impressionante como é, esse retrato, pela própria referência que temos de Rodrigo no cinema, é quase familiar. Mas quando vamos aos poucos vendo o mesmo ator nos revelando de onde veio aquilo tudo, o Heleno trágico ganha uma força ainda maior – e quando, mais adiante, a história retoma sua decadência física e mental (o diretor propõe vários jogos entre passado e presente), Rodrigo transcende na caracterização da doença.

Mesmo assim, não são esses momentos que mais impressionam quem procura uma atuação sofisticada. Nos suas passagens mais sóbrias é que Heleno faz com que Santoro nos surpreenda. Uma vez que sabemos que ele está sempre à beira de um ataque de nervos – o ídolo era conhecido por ser temperamental (quando não perigosamente histriônico) –, é na sua relativa lucidez que, nossa atenção fica aguçada para tentarmos perceber quando o furacão vai se instalar. Por exemplo, nas cenas de momentos alegres com sua mulher – Aline Moraes na medida certa (sem trocadilhos, por favor), e tão bem caracterizada que ela parece ter nascido para viver no Rio dos anos 40 – o perigo está sempre lá. Mesmo apaixonado, Heleno pode estourar a qualquer hora. E respiração de quem assiste a tudo obedece esse suspense, sem você perceber. O clima é o mesmo com seus colegas jogadores: minha cena favorita é a que Heleno recebe a notícia de que seu passe foi vendido para o argentino Boca Juniors (em parte por seu comportamento lamentável em equipe, o Botafogo decide negociá-lo) e ao sair pelo vestiário ele puxa uma briga demoníaca com um colega.

À brigada do “spoiler”, eu devo anunciar que estou falando aqui de uma biografia. Não estou “entregando” nenhum segredo ao contar aqui as desventuras de Heleno. Se hoje novas gerações de torcedores têm apenas uma vaga ideia de quem foi esse ídolo, qualquer fã de futebol com mais de 70 anos – e não são poucos – vai poder te contar suas próprias lembranças desse que era uma espécie de protótipo dos “jogadores problema” que hoje são a delícia da mídia sensacionalista. Não preciso citar nomes aqui – nem mesmo de jogadores recém desempregados – para você imaginar exemplos de atletas para quem Heleno era mais que uma referencia futebolística.

Mulherengo? Pode apostar que Heleno era (o livro dá ainda mais conta de suas conquistas do que o filme). Drogas? O lança-perfume e, depois, o éter cumpriram direitinho o papel de acabar com sua saúde (já bastante debilitada por uma sífilis nunca tratada propriamente). Luxo? Heleno vivia rodeado dele – dos carros aos ternos com o pedigree da alfaitaria inglesa. Escândalos? O craque era a delícia dos “mancheteiros” dos jornais populares. Qualquer semelhança com o que a gente lê hoje em dia sobre futebol fora do campo não é mera coincidência… Com tantos ingredientes preciosos assim, a história de Heleno estava quicando para ser contada para um público maior e mais contemporâneo. E Rodrigo Santoro, não me canso de insistir, só poderia mesmo ser a melhor escolha para dar vida a tudo isso.

Esse Rodrigo mesmo, que certo dia anunciou que iria repensar sua carreira e se dedicar ao cinema. Não apenas a nossa produção nacional, mas a um vôo mais alto – Hollywood mesmo. Lembra-se como você riu nervoso da coragem de uma ousadia dessas? E como você foi irônico quando percebeu que, apesar de ele ter finalmente feito um filme americano ultra popular (“As panteras”), nem diálogos ele tinha na edição final? Tem alguma recordação de ser sido sarcástico quando seu papel em “300”, na opinião de alguns, beirava a caricatura? E você tem um registro de quando finalmente deixou de prestar atenção na sua carreira internacional, considerando tudo “uma grande loucura”?

Pois Rodrigo Santoro não parou: seguiu em frente acreditando no que faz. E sobe cada vez mais. “Heleno” não é Hollywood –mas bem que poderia ser. Mais de uma vez conheci atores que desdenham seus trabalhos em TV, como se fossem meros veículos (lucrativos) para uma “verdadeira vocação”: a interpretação no teatro e no cinema. Bem, felizmente convivo também com uma outra turma: atores (e atrizes, claro), que são tão bons no que fazem que levam seu talento para qualquer suporte – e transformam todo o prazer que têm em interpretar em arte. E de quebra em diversão para nós, famintos (tel)espectadores.

Santoro, não tenho dúvida alguma, está neste segundo grupo. E se você ainda não está convencido disso, vá ver “Heleno”. E prepare-se para sair certo de que, ele sim, é “o artista”.

Coisas demais para lembrar

dom, 11/03/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Acabou que eu não fui ao show de Morrissey no Brasil – muito menos tive a chance de entrevistá-lo. Nessas horas que é bom ser budista – mesmo que amador, como eu costumo me definir – para não enlouquecer. A vida é feita de surpresas e injustiças – e temos que saber lidar com elas… Como vários comentários que foram enviados nos últimos dias lembraram, ele é um de meus artistas favoritos – se não “o” artista favorito! Mas quis o destino que eu não estivesse no Brasil nas datas possíveis para uma entrevista – e, pior, nem as datas de suas apresentações (em nenhuma das cidades por onde Morrissey passou) eram favoráveis para que eu pudesse “encontrar-me” com o ídolo.

Pelo menos eu já tive a chance de vê-lo no palco uma vez – aqui mesmo no Brasil, quando tocou em São Paulo, em abril de 2000. Ligeiramente mais animado – pelo menos se eu for comparar com as coisas que li sobre seus shows recentes – e certamente com um repertório mais “amigável” do que o que trouxe desta vez, Morrissey deu a este fã a satisfação de ter esse sonho realizado. Queria ver de novo? Queria, claro – um “adorador” de verdade nunca está satisfeito. Mas no final eu “troquei” o ex-líder dos Smiths por um outro nome fundamental da história do pop e do rock: Roger Waters.

Sim, caro leitor, cara leitora. Alguns dias antes de um dos últimos grandes shows que nunca haviam passado até hoje pelo Brasil finalmente chegar a estas bandas, eu fui conferir seu mega espetáculo “The wall”, em Buenos Aires. E, de quebra, ainda conversamos longamente – e “longamente”, no caso, não é apenas uma figura de linguagem. Os 20 minutos previstos para a entrevista – que aconteceu na última quinta-feira – se estenderam por mais 25, num total de três quartos de hora, com muitas histórias, e até algumas divagações (se você acha que eu às vezes divago demais, é porque ainda não jogou conversa fora com Roger Waters…). E foi, para dizer pouco, emocionante.

Minha relação com o Pink Floyd sempre foi muito, digamos, próxima. Uma das primeiras memórias musicais que eu tenho – fora as canções de criança que me envolviam até então – era de ouvir as evoluções da (até hoje) indecifrável “Atom heart mother”. Não me pergunte bem onde eu ouvia isso – é possível que, nos idos de 1970, as rádios até tocassem uma faixa “esquisitona” de mais de 20 minutos, mas mais provavelmente eu a escutava na casa de primos mais velhos que, indiferentes à tenra idade dos primos mais novos que circulavam a sua volta, consideravam a faixa a trilha mais adequada para suas experiências lisérgicas que anunciavam uma década ainda mais maluca que os anos 60. (Como o título do post de hoje já anuncia, este texto está recheado de memórias – por isso, aperte os cintos e me acompanhe nesse “stroll down memory lane”…). E ainda tinha o coro impagável de “Summer ‘68”, que foi certamente um dos primeiros que cantei em alto brado – e até hoje me arrepia só de ouvir…

Alguns anos depois, talvez por uma associação de ideias, um dos primeiros LPs (pergunte ao seu pai o que é isso!) que comprei foi “The dark side of the moon”. Como inclusive já contei aqui, era apenas uma tentativa (frustrada) de um garoto de dez anos de animar sua festa de aniversário. Mas se “Moon” não chegou a animar essa minha primeira incursão pela atividade de DJ, seguidas execuções do LP – que envolviam, acredite, uma pausa para que fosse possível mudar o lado do vinil – provaram ser decisivas na minha formação musical. Álbuns subsequentes também deixaram uma boa impressão. Mas quando meu gosto já estava se definindo por algo que ficava entre o punk e a “disco” – e preparando o terreno para a “new wave”–, veio “The wall” e eu me vi novamente interessado pelo Pink Floyd.

Com seu formato de ópera e refrões icônicos – o mais memorável de todos, claro, o de “Another brick in the wall” (que, para você que gosta de refrões como eu, tem uma peculiaridade: só é cantado uma única vez em toda a canção – e mesmo assim basta ouvir uma vez para você nunca mais esquecer… isso é que é poder, mas eu divago…) –, enfim, com sua estrutura grandiosa e original, “The wall” entrou instantaneamente para o cânone do pop. E sua relevância para mim foi reforçada quando, em 1982, na minha visita inaugural a Londres como mochileiro, a primeira coisa que fiz quando cheguei à cidade foi entrar num cinema e ver a versão de Alan Parker do álbum para o cinema. Nunca mais revi esse filme, mas a lembrança que ficou era de uma obra genial, quando não sombria e quase assustadora. E foi assim que esse trabalho fundamental passou a fazer parte da minha vida – bem como na de várias pessoas que estão lendo isso agora.

O trabalho como jornalista musical só viria muito mais tarde, bem como a possibilidade de entrevistar alguns músicos que sempre admirei. Nos últimos 25 anos, fui colecionando alguns desses encontros – muitos deles (pelo menos os que aconteceram nesses últimos cinco anos, como o com Paul McCartney, Lady Gaga, Arctic Monkeys, Courtney Love, e tantos outros) relatados aqui mesmo neste espaço. Mas esse é um “álbum de figurinhas quase infinito”, e sempre faltam algumas figurinhas (a recém-lançada edição especial da “Rolling Stone” brasileira, que traz uma lista dos 10 artistas de rock mais importantes de todos os tempos só reforçou essa ideia!). Assim, sempre quando me perguntam sobre quem eu ainda não entrevistei e gostaria de ter entrevistado, a resposta vinha meio pronta. Sade – que finalmente encontrei no ano passado. Morrissey – de quem não vou desistir! E Roger Waters – com quem então estive na semana passada.

Os detalhes dessa entrevista você vai conhecer em breve no “Fantástico” – bem próximo à chegada de “The wall – live” ao Brasil. Posso adiantar que falamos de tudo: das ilhas Mavinas (!) à separação do Pink Floyd. Mas o que queria contar agora é sobre o encantamento que tive com o espetáculo. Dificilmente poderia chamar o que vi em Buenos Aires de um show de rock – está mais para um grande musical. Water mesmo, por vezes, parece cumprir mais o papel de ator do que de músico. (Num detalhe delicioso da entrevista, ele me contou, num rasgo de humildade, que até poderia ter treinado para ser um virtuoso de guitarra ou um excelente cantor, mas preferiu focar seu talento na tarefa de se tornar um grande compositor). Mas prender-se a esses “problemas” seria perder tempo com detalhes. A performance chega a ter um intervalo de 20 minutos entre dois atos, como num musical da Broadway (aliás, foi justamente nesse intervalo – quando, no muro de verdade que se forma no palco, são projetadas fotos e mini-biografias de pessoas que morreram em guerras ou atos de injustiça social, como os brasileiros Jean Charles de Menezes e Chico Mendes – que tirei a segunda foto publicada no post anterior; e que, aliás, ninguém acertou onde era…). E diante dessa experiência tão estupenda, quem ousa reclamar?

Faço sinceros votos de que você tenha conseguido um ingresso para ver “The wall” aqui no Brasil – uma noite em Porto Alegre, uma no Rio, e duas em São Paulo (migalhas, se compararmos com as nove – nove! – noites que ele terá se apresentado em Buenos Aires nesta mesma temporada… esses argentinos!). E espero que a experiência seja capaz de trazer tantas lembranças quanto trouxe para mim.

E são lembranças que, como sugeri, conectavam as duas fotos que mostrei aqui na última quinta-feira. A segunda, como já disse, foi tirada no intervalo de “The wall”. E a primeira, como várias pessoas apontaram corretamente, tinha como cenário a Catedral do Sagrado Coração de Jesus na minha cidade natal: Uberaba! Estive lá há dez dias, depois de quase 30 anos sem visitar o lugar (desde que minha avó paterna, que era minha maior ligação com a cidade, morreu, eu nunca mais havia tido a chance de ir), e foi um reencontro muito emocionante.

Saí muito pequeno de Uberaba – com menos de dois anos de idade. Mesmo assim, a cidade esteve sempre presente na minha infância. As férias eram passadas religiosamente metade lá e metade no Rio – e das matinês carnavalescas do Jockey Club aos fins de tarde brincando na estação Mogiana (uma das melhores vistas da cidade), as memórias voltaram quase que instantaneamente mesmo antes de chegar ao endereço da Rua Senador Pena 100, onde minha avó morava – uma casa que tinha espaço o suficiente para abrigar um quarador (!) e até um galinheiro (!!). Assim como “The wall” começou puxando pelas lembranças de uma fria tarde londrina (aquela em que eu assisti ao filme de Alan Parker) e foi me remetendo até “Atom heart mother”, o simples passear por Uberaba abriu um precioso baú da minha memória.

Eu fui convidado agora para ir à cidade receber uma homenagem muito carinhosa – e importante: a medalha Major Eustáquio! Mas inevitavelmente acabei tendo outros encontros – com meu tio Tércio (o único irmão vivo do meu pai), com primas queridas (na verdade, primas-irmãs da minha mãe, com quem eu passava longas tardes fazendo planos para o futuro no quintal da minha bisavó Vidica), com amigos de infância e seus respectivos pais e mães, que me remetiam ao meu próprio pai e a minha própria mãe. Foi um dia apenas, mas tão carregado de emoção, que eu ainda vou levar um bom tempo para processar tudo.

Às vésperas de completar 50 anos – faço 49 agora em abril – essas coisas parece que tomam outra dimensão. Não escrevo isso num tom melancólico, muito menos de preocupação. Você também vai chegar lá um dia (ou talvez já tenha até chegado – já que uma das coisas que eu me orgulho nesse blog é a elástica faixa etária de seus freqüentadores!), e talvez então vá me entender melhor. São coisas demais para lembrar, coisas demais para escrever. Mas não demais para se sentir.

Acho que está na hora de finalmente tomar coragem e começar a escrever um certo livro chamado “Muito tudo”…

O refrão nosso de cada dia

“Legal e ilegal”, Felipe Cordeiro – e que ninguém diga que essa sessão vive do passado! Aqui está um novo e divertido nome do brega – isso mesmo, do brega! E com pedigree: Felipe é filho do conhecido guitarrista Manoel Cordeiro. E chega para reinventar tudo que você sabe sobre… o brega! “Cultura sintética no drum’bass/ Cuba libre na salsa peruana”, diz um dos trechos de “Legal e ilegal” – a faixa que abre seu álbum de estreia, “Kitsch pop cult” –, e você quase pode imaginar Joelma dando um de seus volteios ensandecidos com a cabeleira quando o corinho feminino canta “rosinha, branquinha, pílula amarela”… E isso é só um dos bons momentos da faixa. Recomendo ainda “Fanzine kitsch”, “Café pequeno”, e “Historinha”. Será Felipe o nome que fará pelo brega o que Chico Science fez pelo maracatu? Façam suas apostas!

Onde estou? (Dois lugares distintos estranhamente conectados)

qui, 08/03/12
por Zeca Camargo |
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Devem as bandas de rock comemorar 30 anos?

seg, 05/03/12
por Zeca Camargo |
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Eu sei que os Rolling Stones estão prestes a comemorar 50 anos. Vai ser uma festa e tanto – festa esta que já começa a ser celebrada aqui e ali, em textos pelo mundo todo. Mas Jagger, Keith, Ron e Charlie estão entre nós há tanto tempo que é como se a gente nem contasse os anos que convivemos com eles. Pelo impacto que essa banda causou no mundo pop – na verdade, no mundo de uma maneira geral – 40, 50, 60 anos, tanto faz. A longevidade dos Stones parece uma mera consequência do impacto que eles têm, até hoje, na nossa vida.

O que me deixou inquieto esses dias foi um outro aniversário – de uma banda brasileira mesmo. Muito querida e muito respeitada, ela está anunciando uma série de apresentações especiais para meados deste ano, prometendo, inclusive uma reunião de sua formação original (ou quase isso, já que um de seus integrantes morreu em 2001). Estou falando, claro, dos Titãs – ou, para ser fiel ao nome com o qual eu fui apresentado a eles lá no início dos anos 80, os Titãs do Iê-iê. Semana passada, um colega de trabalho chamou minha atenção para esse aniversário – e suas vindouras comemorações. Notícia que chegou não sem um certo desconforto.

Primeiro, sem dúvida, pelo fato de saber que já estamos velhos o suficiente para acompanhar uma banda por 30 anos… Mas digamos que eu não quero falar sobre isso agora – atenção aos sarcásticos de plantão: essa frase anterior foi uma ironia! O outro motivo de desconforto tem a ver justamente com a banda em questão – ou ainda, com seus 30 anos que vão ser comemorados. Ter sobrevivido tanto tempo num universo tão desfavorável ao envelhecimento como esse da música pop é um sinal de força ou de fraqueza? Estar “em cartaz” por tanto tempo – muitas vezes sobrevivendo apenas de sucessos de dez, ou mesmo 20 anos atrás –, faz sentido? Eu e meus colegas começamos ali mesmo uma boa discussão sobre o cenário do nosso pop-rock. Não chegamos exatamente a nenhuma conclusão – e talvez por isso mesmo quero estender a conversa a você.

Antes porém, vale uma ressalva, para que você não ache que essa é uma crítica aberta aos Titãs, eu recomendo que volte ao segundo parágrafo do texto de hoje e releia o trecho em que eu falo que se trata de uma banda muito querida e muito respeitada. Minha história pessoal com eles, por exemplo, é não apenas cercada de admiração, como deixa claro uma simbiose muito produtiva entre jornalismo musical (do meu lado) e produção artística (do deles).

Fazendo breves parênteses (não resisto…) meu primeiro contato pessoal com eles foi numa das enlouquecidas e antológicas apresentações do extinto programa de TV “Perdidos na noite” – de onde ninguém menos que Fausto Silva despontou para uma estupenda carreira televisiva (ele já era bastante conhecido como um profissional de rádio). Na época (1984), eu fui lá com meu grupo de dança – comandado por Ivaldo Bertazzo – para promover um espetáculo que estava estreando, e os Titãs estavam em mais uma rodada de divulgação de seu primeiro álbum – um sucesso quase instantâneo, puxado por um (hoje) “clássico” chamado “Sonífera ilha”. Eles ainda se apresentavam com aquelas camisas – quem se lembra? – com grandes estampas de insetos (baratas?), numa espécie de uniforme que ficava entre o “new wave” e o estilo “Kraftwerk”. No camarim do antigo teatro Záccaro, de onde o programa era transmitido, todo mundo se misturava – e foi lá que eu troquei as primeiras ideias com um pessoal que estava mudando tudo no pop brasileiro.

Depois, quando entrei de cabeça no jornalismo musical – pela porta do jornal impresso – esbarrei novamente no trabalho da banda, justamente num de seus períodos mais criativos e influentes: o final dos anos 80. Em seguida veio a MTV – onde eu trabalhei por quatro anos e cuja própria existência no Brasil não teria sido possível se não tivéssemos contado com o apoio dos Titãs. Entre tantos encontros memoráveis, o que mais gosto de destacar é o primeiro “Rockstória” da MTV brasileira – cujo foco foi justamente essa banda. Outros vieram, e há muito tempo o formato já foi extinto na própria MTV, mas ter contado com eles nessa estreia de formato foi não só uma grande responsabilidade como também um grande prestígio.

Nos anos 90, já com algumas mudanças, os Titãs foram em frente – e com reviravoltas às vezes dramáticas (como a perda de Marcelo Fromer, em 2001, estupidamente atropelado por uma moto em São Paulo). E, com uma tenacidade nunca antes vista no cenário da música nacional, eles adentraram o século 21 mostrando fôlego renovado – e ao mesmo tempo uma certa nostalgia. Em 2008 – que, pelo que me lembro, foi a última vez que falei com eles profissionalmente, para uma reportagem do “Fantástico” – eles se reuniram com os Paralamas e provaram que seus fãs não eram apenas quarentões (a média de idade de seus próprios integrantes), mas eram formados por mais de uma geração.

Ninguém pode falar que a trajetória dos Titãs não foi brilhante. E se olharmos por esse ponto de vista, o aniversário merece muito ser celebrado. Mas na discussão que tive com meus colegas – essa que quero propor a você agora – surgiram algumas questões. Por exemplo: o que exatamente está sendo comemorado? Uma retomada? A simples longevidade? Um novo trabalho? A relevância da banda depois de três décadas? A falta dela? Assumir os “trintinha” num meio que celebra a novidade é sim um ato de coragem. Mas será que não estariam os Titãs dando a cara pra bater? Ao reconhecer que estão aí há tanto tempo, será que eles não correm o risco também de serem chamados de obsoletos – ou até de oportunistas – por quererem “cacifar” em cima de uma história que sobrevive por conta do passado?

Como adiantei, não tenho essas respostas agora – e se lanço as perguntas é muito menos para avaliar a banda do que para jogarmos a luz sobre a própria natureza do pop, e como nos relacionamos com ele. Para tirar o ônus do debate das costas dos Titãs, acho que vale a pena dizer ainda que a questão não envolve apenas eles, mas também um punhado de outras bandas que despontaram para o cenário nacional nos anos 80 e que estão aí até hoje: Paralamas (que “tomou corpo” também em 1982, e lançou seu primeiro disco em 1984); Ultraje a Rigor (“Inútil” faz 30 anos em 2013); Dinho e seu Capital Inicial (banda nascida em Brasília em 1982); Kid Abelha (30 anos em 2014); e até mesmo Barão Vermelho, que oficialmente está num hiato, mas sustenta rumores de que pode voltar a se apresentar – adivinha por quê? Para comemorar 30 anos!

O que quero saber é: você bate palma para esses aniversários todos? E por que motivo? Pelo passado? Pela persistência? Pela memória? Pelo trabalho recente? Minha proposta, como sempre é uma discussão saudável – não faz sentido “detonarmos” aqui artistas tão especiais que nos divertiram (e eventualmente nos iluminaram) por décadas. Quando pergunto – como lá em cima, no título de hoje – se as bandas de rock “devem” comemorar 30 anos é um exercício mais filosófico do que de crítica.

Eu poderia desfilar aqui dezenas de exemplos de bandas que tiveram um início de carreira fulgurante, mas que depois se arrastaram com um brilho menor (ou às vezes com nenhum brilho), que quase ameaçava apagar suas reputações originais. E tantas outras que, com pequenas variações, souberam parar na hora certa. Sex Pistols, claro, é o exemplo mais óbvio. Mas pense também em White Stripes; Portishead; The Libertines; Oasis; Siouxsie & The Banshees; The Police; e, claro, The Smiths (em tempo: estou tão ansioso quanto você com a nova passagem de Morrissey agora pelo Brasil; infelizmente, não tenho a confirmação da possibilidade de uma entrevista – que se acontecer, aliás, eu talvez nem vá poder fazer, devido a um outro compromisso musical que tenho esta semana, e que vou dividir com você aqui em breve… coisas do destino…).

Pense com a cabeça fria – como eu estou tentando fazer e participe da conversa. É melhor ter a lembrança de uma grande banda que durou exatamente o período de sua máxima atividade (e talvez criatividade)? Ou acompanhá-la por anos e anos na expectativa de que aquela chama inicial volte com a mesma intensidade?

O refrão nosso de cada dia

“Swimming horses”,  Siouxsie & The Banshees – eu assumo a nostalgia. Fui citar Siouxsie no texto de hoje e “Swimming horses” me veio à cabeça quase que automaticamente. Essa é certamente uma das grandes músicas pop de todos os tempos. E seu refrão é impecável, épico, intrincado, surpreendente, genial. Fique com ele.

O artista em questão

qui, 01/03/12
por Zeca Camargo |
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Dias antes de a cerimônia do Oscar 2012 acontecer – cerimônia esta que deu o grande prêmio de melhor filme para “O artista” (sobre o qual quero falar aqui hoje) – os dois principais críticos de cinema do jornal “The New York Times”, Manhola Dargis e A.O. Scott, publicaram um saudável debate sobre a relevância de uma premiação tão distorcida – e, para muitos, até sem sentido – como essa. Sob o título de “Oscarmania e seus descontentes” , os dois não pouparam a Academia de Artes e Cinema nem os organizadores da festa – só reforçando, muito antes de a festa acontecer… Estavam, claro, cobertos de razão – como quem acompanhou o Oscar no último domingo há de concordar. Logo no início de seu argumento, porém, Scott espertamente apresenta uma contradição na própria discussão – esta que transcrevo abaixo, na minha tradução sempre apressada:

“A premiação da Academia parece exigir mais atenção a cada ano, e uma maneira de prestar atenção a isso é reclamar dela. O cinismo em torno do Oscar tornou-se sua própria forma de promoção, e eu me pergunto às vezes se tudo isso – as indicações, suas amplamente divulgadas mudanças de regras, sua triste transmissão e a infinita demanda da ‘temporada’ – é intencionalmente exasperador. Quanto mais criticamos, mais precisamos nos importar.”

É uma deliciosa contradição – que de certa maneira me remeteu até a alguns comentários sobre a comemoração da edição de número 2.000 do programa que apresento (“quanto mais criticamos, mais precisamos nos importar”…), mas eu divago. Odiar o Oscar, falar mal dele – como eu mesmo o fiz no post anterior – é uma forma de exaltação. E por mais que disfarcemos, a simples referência à festa é uma “bandeira” de como gostamos de falar sobre o assunto. Mas entre o mero exercício retórico (que ironicamente denota devoção) e a crítica sincera, existem inúmeras nuances – como o próprio diálogo dos críticos do “Times” deixa claro (vale mesmo a pena conferir o link acima, se você tiver tempo, e gostar do Oscar). Todas elas, no entanto, colaboram para que a gente desconfie da premiação como uma verdadeira bússola que aponta para o que está acontecendo de interessante no cinema. Eu diria até que é possível resumir todas as dúvidas que o Oscar desse ano trouxe numa única pergunta emblemática: “O artista” foi mesmo o melhor filme do último ano?

Antes de tentar encontrar propriamente uma resposta, queria citar um outro artigo interessante que li, também na temporada “pré-Oscar”. Foi publicado na revista “New York”, e assinado por Gavin Polone. Chama-se “A farsa do Oscar”. O trecho a seguir ilustra bem o tom da reclamação:

“No lugar de chamar o último prêmio concedido no Oscar como ‘Melhor Filme’, eles deveriam dar o título de ‘Filme Favorito de Cerca de 6.000 Eleitores da Academia’. Uma vez que a composição desse grupo – mais velhos, mais brancos, e mais masculino que o público de cinema, que é mais jovem e mais variado que o público americano – a competição entre ‘Forrest Gump’ e ‘Pulp fiction’, ‘Os infiltrados’ e ‘Pequena Miss Sunshine’, ‘Guerra ao terror’ e ‘Avatar’, ou ‘O discurso do rei’ e ‘A rede social’ – representam desfechos inevitáveis”.

Chover no molhado? Um pouco. Textos assim estão longe de serem encarados como novidades – muito menos protestos efetivos – nessa temporada de premiações. Mas Polone vai um pouco além nas suas provocações. Para reforçar a irrelevância da premiação, por exemplo, para a carreira de atores contemplados com a estatueta – e sua insignificância ainda maior no que diz respeito a retorno de bilheteria -, ele pergunta: “Se você estivesse financiando um drama estrelando um quarentão, você se sentiria mais confortável no seu investimento oferecendo o papel para Sean Penn ou Kevin Spacey, ambos vencedores de dois Oscars, ou para Will Smith ou Johnny Depp, que nunca ganharam nenhum?”. E termina com uma espécie de maldição: “Como com qualquer instituição cultural, quando o interesse e apoio dos jovens desaparece, é apenas uma questão de quando, e não de se, até que essa instituição se torne completamente irrelevante. Mal posso esperar”.

Bem, eu diria que premiando “O artista”, a Academia deu mais um passo rumo à obsolescência. Não que eu tenha detestado o vencedor. Achei-o tão interessante que fui conferi-lo duas vezes – uma em Londres, quando estive por lá logo no início do ano, e outra bem na semana do Carnaval (como já suspeitava que ele fosse ganhar o Oscar, fui assistir com mais atenção). Mas declarar que um “divertissement” como esse – uma deliciosa distração cinematográfica – seja o filme que será lembrado daqui a cinco, dez, vinte anos, como o melhor do ano de 2011 é, no mínimo, uma enorme distorção.

Eu sei, eu sei… Podemos dizer isso de praticamente qualquer ano das últimas, digamos, três décadas. A Academia parece se especializar mais e mais em premiar o bom comportamento do que a ousadia. “Coração valente”, “Conduzindo Miss Daisy”, “Crash”, “Dança com os lobos”, “O discurso do rei” – escolha sua década e certamente você vai encontrar um punhado de exemplos. Como Gavin Polone demonstra brilhantemente no seu artigo já citado, a exaltação do medíocre (segundo o dicionário Houaiss, aquilo que é “de qualidade média, comum, mediano, meão”) é tão comum, que eu me pergunto se ainda devemos nos “revoltar” com isso…

Ao ver a confirmação do prêmio maior para “O artista”, talvez por toda essa reflexão que venho fazendo nos últimos dias, resolvi relaxar. Não entrei “numas” de ficar indignado com a Academia, nem desejei – como Polone – que toda a instituição se destrua envenenada por sua própria irrelevância. Finda a noite – e que noite comprida! – eu simplesmente me despedi dos meus amigos que estavam acompanhando a cerimônia comigo e pensei: “mais do mesmo”… Cheguei a pensar e defender “O artista” diante de alguns que ainda tinham energia para expressar perplexidade diante do resultado, mas sem muita verve.

“O artista”, afinal, tem suas qualidades. Se o filme ganhou um prêmio de fato merecido, por exemplo, foi o de melhor ator – para Jean Dujardin, que parece que veio ao mundo para viver esse papel no cinema (não consigo imaginar um outro rosto que seja capaz de tantas expressões sem dizer uma palavra – Jack Nicholson talvez, mas eu divago, e já pela segunda vez…). A nostalgia que a produção evoca de um tempo onde o cinema realmente pautava o imaginário das pessoas – uma ambição que Hollywood, hoje em dia, só pode mesmo sentir saudades – é adorável. A façanha de contar uma história – e ainda sustentar nossa atenção – por mais de uma hora e meia sem diálogo é impressionante (não sou um expert em filmes mudos, mas tenho a impressão de que a maior parte dessas antigas produções não era de longas metragens – mas posso estar errado, se você tiver mais informações sobre isso, por favor me corrija). Gosto ainda do trabalho da outra atriz principal, Bérénice Bejo – que também parece ter um rosto esculpido para um filme nessa época. E não vamos nem falar do carisma de um certo “ator de quatro patas”, que, na festa do Oscar, era o único que parecia não estar se divertindo nem um pouco…

Listei todas essas qualidades para dizer que, se houver uma nova oportunidade, eu gostaria até de ver “O artista” um terceira vez. Porque ele é divertido. Porque ele passa rápido. Porque a gente sai da sessão e nem pensa muito sobre o que acabou de assistir. “O artista” é “legalzinho”. Mas não é o melhor filme de 2011 – muito menos uma produção digna de entrar no cânone do melhor cinema de todos os tempos. Sem querer parecer do contra, os filmes que realmente mexeram comigo, o fizeram de uma maneira tão perturbadora que eu nem tive necessidade – ou talvez a “coragem” – de vê-los novamente.

“Touro indomável”. “Apocalypse now”. “O segredo de Brokeback Mountain”. “Taxi driver”. “A primeira noite de um homem”. “Ponto final”. “A árvore da vida” (ok, este eu vi mais de uma vez – e até já contei sobre isso aqui -, mas você entendeu o que eu quero colocar). Nenhum desses filmes ganhou o Oscar de melhor filme. Mas acho que ninguém ousa discordar que, sem eles, a história do próprio cinema teria sido outra…

Que venha o Oscar 2013, então, com uma nova leva de indicações previsíveis – e premiações mais ainda. De coração, eu desejo que o “sucesso” de “O artista” inspire você a deixar a preguiça de lado e ir passar quase duas horas na companhia de um filme sem diálogos. Mas já que você saiu de casa, por que não aproveita e dá uma conferida também em “A separação”? Filme bom, para mim, é isso: tem um argumento universal (apesar de a história se passar no Irã); excelentes atuações (se um dia alguém me perguntar o que é a definição de uma boa atuação eu vou mostrar no meu “smartphone” a cena em que a empregada vai buscar o Corão – ou o Alcorão – para fazer um juramento); e tem um final que te convida a discutir o filme por horas e horas depois que você deixa a sala de cinema. Ah! E ele até ganhou um Oscar – o de melhor filme em língua estrangeira…

O refrão nosso de cada dia

“Spiteful intervention”, Of Montreal – saindo do forno, como diria minha avó… O novo álbum do mestre dos refrões descontruídos acaba de ser divulgado. Falo, claro, de Kevin Barnes, que atende pelo nome de Of Montreal, e se recusa a ser classificado em uma única categoria musical. Mais prolífero que Kanye West (!) ele vem com mais uma coletânea de absurdos em “Paralytic stalks” (o novo CD) – e parece ainda mais enlouquecido. Não conhece seu trabalho? “Spiteful intervention” é uma ótima introdução – quem sabe você descubra inclusive que, no meio dessa canção anárquica, existe até um refrão. E já que eu fiquei devendo uma indicação no post anterior, aqui vai uma dose dupla. Confira, dele também,  “Heimdalsgate like a promethean curse”. E vamos cantar juntos: “C’mon chemicals!”…

 



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