Ora, livros…
Estou saindo de férias. Hoje! E, por conta disso eu tinha preparado uma espécie de despedida. Interativa. Basicamente, diante de uma viagem que será no mínimo longa (para não dizer inesperada) pelas próximas três semanas, eu queria sua opinião sobre o que eu deveria levar como leitura. Não exatamente o que ler, mas como ler. Já tinha separado alguns títulos que, de alguma maneira, combinavam com a viagem que eu estou prestes a fazer – títulos estes que não vou entregar aqui com facilidade, para não dar sequer uma pista velada do meu destino (já que, como você pode imaginar, vou convidar você a adivinhar onde estarei assim que tiver uma boa foto do lugar). De qualquer maneira, para o que eu ia propor para você eles eram irrelevantes.
O que estava me inquietando mesmo era como eu deveria levar esses livros para a viagem – se seria melhor colocar quatro (sim, quatro) volumes de tamanhos “generosos” na minha bagagem ou me render, finalmente, a uma leitura digital. Acredite, conectado como eu gosto de ser – e quem não gosta? – eu até hoje ainda não tenho uma daquelas novas “maravilhas da tecnologia” que nos permitem ler um sem número de livros num pequeno (e, diga-se, bem portátil e prático) tablete. De um lado, o conforto de não ter de carregar aqueles “tijolos” ao longo de um trajeto (quase) imprevisível. Do outro, minha paixão infinita – já declarada em vários posts aqui mesmo neste espaço – por esse antigo objeto conhecido pelo nome de “livro”.
Você pode achar que é pura teimosia, mas eu acho que estou me esforçando para ser um dos últimos da minha geração a adotar a leitura digital. Não falo de revistas – nem, claro, de material exclusivamente produzido na própria internet. Esses já me conquistaram. Mas de livros mesmo – literatura, reportagem, não-ficção, ensaios, contos, essas coisas que muitos acreditam (em vão) que ninguém mais se interessa em ler. Não que eu não tenha tentado. Sempre que um amigo, uma amiga, ou alguém conhecido está lendo alguma coisa dessa maneira, eu dou uma esticada de olho. Já cheguei até mesmo a pedir para um amigo “baixar” um livro que eu precisava consultar para escrever um post – aquele sobre livros de humoristas americanos (eu já o havia lido o volume em questão, “This is a book”, de Demetri Martin, mas queria apenas citar alguns trechos e não o tinha na mão; foi bem prático, mas como leitura, tenho que confessar, nada satisfatório). Mas nada ainda me convenceu a comprar um desses tabletes capazes de substituir prateleiras inteiras de volumes preciosos… Será que uma viagem de logística complicada seria finalmente um bom motivo para experimentar essa “novidade” (antes de me chamar de velho, repare que usei a palavra entre aspas…)?
Eu iria usar este espaço hoje justamente para pedir sua opinião. Será que alguém que vem aqui sempre já faz desse tipo de leitura um hábito? E que conselhos esse alguém teria para me dar? Ou será que alguém já experimentou – e não gostou? Será que alguém recomenda isso para um tipo de leitura – mais breve, ligeira – mas não para outro (mais densa, que exige mais concentração)? Quem sabe alguém não viria com aquele comentário bom (e nostálgico) sobre a sensação inigualável de tocar, pegar um livro nas mãos – algo que um tablete jamais será capaz de substituir? Ou não – quem me garante que não surgiria uma opinião justamente no sentido contrário, defendendo um novo “fetiche”: o da sensação inédita (e inesperada) de ter nas mãos aquele friozinho de uma tela de vidro…
Era só isso que eu queria discutir.
Mas aí, na última sexta-feira, fazendo a mala para ir para Fortaleza – e, no dia seguinte, para o Rio – peguei correndo um livro que tinha chegado esta semana pelo correio: “The sense of an ending”, de Julian Barnes. Os leitores mais assíduos aqui no blog já conhecem este nome – quando há mais de dois anos escrevi sobre um livro seu de reflexões sobre a morte. Barnes é hoje um dos mais respeitados escritores ingleses – uma reputação reforçada agora, depois que ele ganhou o prêmio Man Booker de 2012, na Inglaterra, um dos mais importantes da literatura em língua inglesa. Sou fã dele desde que li, anos atrás, “O papagaio de Flaubert” – e logo em seguida um dos melhores livros da minha vida, “História do mundo em 10 ½ capítulos”. Leio tudo que ele escreve. E encomendei “The sense of an ending” quase que no “piloto automático”. Quando o coloquei na minha mala de mão antes de sair em viagem, foi também nesse espírito – quase um gesto mecânico. Escolhi o livro porque estava em cima da pilha de “novidades”; porque era pequeno (150 páginas, bem enxutas, num formato reduzido); porque eu sabia que não iria me decepcionar com o autor.
Mas aí eu comecei a ler “The sense of an ending” no avião – 3 horas de vôo entre São Paulo e Fortaleza. E não parei mais. E depois que terminei, li de novo. E hoje – segunda-feira de manhã, quando escrevo isto – já estou quase no final da minha terceira leitura. Sim, do mesmo livro. E mais: estou pensando em não levar aqueles títulos que eu havia selecionado para a viagem. Acho que vou levar apenas este. É pequeno. É fácil de carregar. E me preenche com tudo que eu espero de uma boa literatura.
Reconheço que estou sendo um pouco egoísta ao me desdobrar em elogios para um livro que ainda não foi traduzido para o português – embora ele certamente seja lançado aqui (a Rocco é responsável por seus títulos no Brasil). Mas é que eu não tiro esse livro da minha cabeça há 48 horas. E não quero tirar pelas próximas três semanas (a duração das minhas férias)! O que esse livro tem de tão bom?
Bem, primeiro… ele é bem escrito. Muito bem escrito – daqueles em que a maioria das frases não deve exatamente ser apenas lida, mas degustada. Depois, ele tem personagens memoráveis – não daqueles que você se lembra só depois de ter terminado o livro, mas do tipo que gruda na sua memória desde a primeira página em que eles são apresentados. Não são muitos – menos de uma boa dúzia no geral, e menos de meia dúzia, entre os que articulam a trama central. E como se isso não bastasse, tem a história.
Aliás, não é uma história. É um tapa.
E sobre isso eu vou falar pouco. Ou melhor, não vou falar nada. Se eu disser que é sobre um triângulo amoroso, vou estar diminuindo a trama. Se disser que é um acerto de contas de uma antiga rivalidade – quase anos depois dela ter explodido – estarei tirando as nuances de um emaranhado muito maior de histórias. Se eu optar por resumir tudo a uma reflexão sobre amor e culpa – bom, isso também é bem menor do que Barnes consegue expressar em suas breves páginas. Por isso, não vou falar nada – a não ser que o livro é genial. Se você não se sente à vontade de arriscar uma leitura no original, em inglês, espere ansiosamente pelo lançamento de “The sense of an ending” no Brasil. Nenhuma expectativa que eu criar vai ser demais, exagerada. Tanto que eu acabo de decidir: vou levá-lo na viagem para a qual eu parto agora. E não vai ser num tablete – vai ser no papel mesmo, nessa pequena versão antiga e maravilhosa de uma dar coisas mais incríveis que o ser humano é capaz de criar: histórias que valem a pena ser contadas.
Retomamos aqui no dia 13 de dezembro. Vou tentar – mas não vou garantir – dar notícias. Sobretudo (espero) vou descansar. E eventualmente me divertir. Se possível, faça você o mesmo nessas três semanas. É bom para a cabeça…
O refrão nosso de cada dia
“I’m going overseas”, Derrick Harriot – não posso indicar uma música que combine mais com o clima que estou entrando – isto é, de férias! – do que essa preciosidade desse (injustamente) esquecido músico jamaicano. Dificilmente eu chamaria essa canção de um reggae – mesmo um “proto” reggae. Mas quem está ligando para rótulos quando a música é tão deliciosa. Assim como quem canta, eu estou indo em direção do além mar… E que esse refrão inacreditavelmente fácil fique com você pelas próximas três semanas.