Este post contém pelo menos um ‘spoiler’

qui, 01/09/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

É de um filme de 1968, mas eu achei melhor avisar porque os mais histéricos da “brigada do spoiler” estão sempre a postos querendo te crucificar por eles terem lido uma coisa que eles foram avisados que não deveriam ler… Mas eu divago mesmo antes de entrar no assunto de hoje – o que não é um bom sinal. Talvez eu esteja assim porque ainda guardo os efeitos que “Planeta dos macacos: a origem” provocou em mim. Fui vê-lo na última segunda-feira e posso garantir: não é uma experiência prazerosa – e se você teve a chance de conferir esse lançamento no cinema esta semana sabe do que eu estou falando. Mas por favor, não me entenda mal: eu adorei o filme. Só não posso dizer que ele é uma delícia de assistir. Na verdade, se eu tivesse de escolher um só adjetivo para descrevê-lo, eu diria que “esse Planeta” é perturbador.

Quando digo “esse Planeta”, faço questão de frisar que estou falando de um “Planeta dos macacos” específico. Quero deixar claro que sou de uma geração que já viu uma boa cota de símios ameaçando a raça humana nas telas de cinema. Aliás, para ser preciso, a primeiríssima vez que embarquei nessa aventura, foi por uma tela de TV. O “Planeta dos macacos” original é o tal filme de 1968 cujo final eu vou comentar daqui a pouco. Na época do seu lançamento, eu tinha apenas cinco anos – e minhas experiências cinematográficas se resumiam a desenhos do “Tom e Jerry” que minha avó me levava para ver em memoráveis matinês, eventualmente enriquecidas com comédias de longa-metragem, do tempo em que elas eram engraçadas, como “Um convidado bem trapalhão” (ou mesmo “Se meu Fusca falasse”). Filmes mais, hum, “adultos” de ficção científica, estavam fora do meu alcance.

Por isso, tenho certeza de que vi na telinha, e não na telona, o primeiro filme desse que seria talvez o segundo “franchise” de maior sucesso da história do cinema até então (os títulos com 007, claro, ocupavam o primeiro posto). O que não diminuiu nem um pouco o impacto que aquela história tinha. Desavisado, eu devo ter assistido ao filme bem tarde da noite em casa, numa daquelas madrugadas em que os pais ainda podiam sair e confiar a guarda dos filhos apenas aos bons filmes da TV aberta – até porque, era a única programação que existia. Provavelmente achei que era mais um filme de aventura, talvez até com uns “bichinhos” legais. O que me lembro, porém, foi de ver algo muito além disso: uma assustadora fábula sobre um planeta onde os seres humanos eram escravizados por uma espécie de inteligência ainda superior – os macacos! Como se isso não fosse suficientemente apavorante, o choque do final deixava qualquer um estarrecido, quando Charlton Heston (no papel de um astronauta cuja nave, depois de um acidente de vôo caiu naquele lugar), cavalgando por uma praia deserta, depois de ter escapado da tirania nos macacos, depara-se com nada menos do que (atenção para quem não vai ao cinema desde 1968 – aí vem um “spoiler”)… a Estátua da Liberdade semi-soterrada. E vem a revelação: eles não estão em um planeta distante de outra galáxia, mas na própria Terra, alguns anos no futuro!

Para platéias tão “blasé” como essas de hoje, que acham que só de ver um carro se transformar em um robô mutante já conhecem tudo que o cinema pode oferecer, um final como esse do primeiro “Planeta dos macacos” parece uma bobagem. Porém, você não faz ideia do que era levar esse “susto” na época – era uma conclusão tipo “tapa na cara”, muito mais transgressora do que hoje seria o encerramento (ou talvez o “não encerramento”) de “A origem”, o sucesso do ano passado dirigido por Christopher Nolan. Ver aquela ponta da estátua era o equivalente a usar sua mente como um estilingue – e te obrigava a repensar todo o filme desde o início (algo que eu só faria com prazer anos depois, quando assisti a um clássico mais moderno chamado “Os suspeitos”).

O sucesso de “Planeta” na época foi tão grande que logo vieram várias sequências: “De volta ao planeta dos macacos” (1970); “Fuga do planeta dos macacos” (1971, provavelmente o primeiro que eu vi mesmo no cinema); “A conquista do planeta dos macacos” (1972); e “Batalha pelo planeta dos macacos” (1973). A ideia de que nossa espécie teria sua liderança ameaçada – ainda por cima por uns símios – havia entrado definitivamente para o imaginário popular, ajudada ainda por um seriado de TV inspirado na saga do cinema (que eu acompanhava religiosamente toda semana, é claro).

Mesmo depois dessa febre, de vez em quando ainda pipocava alguma produção que pegava carona no nome “Planeta dos macacos” – sobretudo no que diz respeito a filmes para a TV. E mais ou menos na virada do século, o assunto voltou a tornar-se interessante por dois motivos. Primeiro, em 1997, o escritor britânico Will Self (um ídolo pessoal, que já citei várias vezes aqui neste espaço) lançou um livro sensacional chamado “Os grandes símios” (que levou quase uma década para ganhar uma ótima tradução para o português pela Alfaguara). Em, um pouco depois, em 2001, Tim Burton emprestou o seu talento bizarro para uma nova versão para o cinema do “cult” de 1968.

Infelizmente, porém, o “Planeta dos macacos” de Burton era um pastiche tolo. Com seu imaginário visual único, o diretor quase conseguiu ressuscitar o interesse na história. Graças a uma maquiagem surpreendente, Helen Bonham Carter quase roubava todas as cenas com seu jeitinho “miquinha malandra”. E as sequências de batalha eram quase dignas e impressionantes. Mas o conjunto não convenceu. O resultado final acabou sendo uma bagunça – sem falar que a conclusão do filme é tão sem pé nem cabeça que eu acho que até hoje ninguém chegou a entender o que Tim Burton queria realmente dizer. Acho que nem o próprio Tim Burton sabia…

Esse “Planeta dos macacos” acabou deixando um gosto ruim na boca de quem o viu, e talvez por isso eu estava um pouco receoso de encarar esse filme de agora – que vou passar a me referir como “A origem” (por favor, não confunda com o filme de Nolan, que não será mais citado daqui em diante). Dirigido pelo relativamente desconhecido Rupert Wyatt, essa explicação de como o próprio homem abriu uma brecha para ser dominado pelos macacos é irresistível. Está longe de ser um filme de arte (como muitos que passam por aqui acham que determina o meu gosto cinematográfico) – muitos detalhes do roteiro são tão forçados que faz “Super 8” parecer um elogio à razão; ótimos atores como James Franco e a belíssima Freida Pinto são praticamente humilhados pela performance de um símio (ou, pelo menos, de um humano interpretando um símio – Andy Serkis, com a ajuda de efeitos especiais espetaculares); e o final – que não é bem um final, mas uma promessa de que vai haver continuação (mais descarada do que em “Harry Potter e as relíquias da morte – parte 1”) – não chega nem aos pés do filme original no quesito surpresa. Mas eu fiquei grudado no filme o tempo todo – senti medo, repulsa, fiquei encantado com bebê macaco, com raiva de alguns humanos, passei por tudo que eu acho que o filme queria que eu experimentasse. E saí mais que satisfeito do cinema.

Parte do mérito de “A origem” tem a ver com a computação gráfica. Qualquer cena com macacos é um show de tecnologia – não só nas pirotecnias das câmeras, mas também nas criativas escolhas de pontos de vista (a ideia de mostrar as hordas dos símios em fuga pelo alto, como se vistos sempre de um satélite, não só amplia o terror de uma cidade invadida por inimigos incontroláveis, como também fornece a dose perfeita de adrenalina para uma geração que cresceu acostumada a se deslocar com a ajuda de um GPS). O filme trabalha o tempo todo com o suspense do que César – o personagem (símio) principal – pode ou não fazer, e nos remete a um novo plano do desconhecido: se já é difícil prever o que se passa pelos corações (e mentes) dos humanos, o que dirá pelos dos macacos. E nós ficamos constantemente a tentar adivinhar como ele vai reagir às situações do mundo dos humanos. O perigo é iminente. A violência, latente. E o medo é real.

Numa temporada de tantas bobagens lançadas nas telas grandes – um super-herói mais genérico do que o outro (e incluo nessa até aqueles que não usam um disfarce colorido, como o personagem do novo filme de Taylor Lautner, “Sem saída”, cujo trailer eu vi essa semana antes de “A origem”) – esse “Planeta dos macacos” me trouxe de volta aquele puro prazer inconsequente de me entregar a um filme com uma história improvável como se fosse o mais feliz dos reféns. E melhor: vou ficar ainda mais feliz de só pagar o resgate quando a sua continuação chegar aos cinemas, provavelmente em 2013.

O refrão nosso de cada dia

“Picasso visita el planeta de los simios”, Adam and the Ants – lembro-me bem do estranhamento que causei quando coloquei essa música no todo da minha lista das mil músicas favoritas, publicada aqui mesmo há quase três anos. Mesmo os (raros) fãs de Adam Ant, como eu, se surpreenderam com a escolha da faixa. Na época, nem tive tempo de me justificar – aliás, nem era essa a proposta: eu estava apenas listando músicas que eu admiro. Mas aqui, aproveitando o gancho que escrevi sobre “Planeta dos macacos”, não resisti – evoquei de novo essa pequena jóia, não simplesmente porque eu a venero, mas porque seu refrão é sensacional, e a letra da música é surreal (tão surreal quanto o fato de o título dela ser em espanhol, enquanto a própria canção é cantada inteiramente em inglês). Uma viola espanhola – e alguns gritos tribais (junto com alguns sons que podem ser de araras, ou até de macacos) – dão o tom na introdução. E o que se segue é uma comédia do absurdo! Uma ode à criatividade espanhola? Uma rapsódia latina? Um interlúdio tribal? Uma composição cubista? Um “proto rap”? Um “medley” universal? Um diálogo com Deus? “Picasso” é tudo isso – e eu ainda acho que não decifrei totalmente essa canção… Também, como penetrar numa letra que descreve algo assim: “Enquanto os mestres apodrecem na parede e os anjos comem suas uvas, eu vejo Picasso em visita ao planeta dos macacos”? Como? Como? César, me ajude!



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