O que será que move as pessoas a tal?

seg, 29/08/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

A pergunta que uso para o título do post de hoje foi enviada pela Bruna, em um dos mais de cem comentários inspirados pelos clipes de Edinéia Macedo – meu tema da última quinta-feira. Entre tantas – e tão, hum, apaixonadas – opiniões que a nova “muzá” do pop brasileiro provocou neste espaço, achei que a da Bruna trazia a melhor colocação retórica. Afinal, depois de assistir aos vídeos de “Garota na chuva” (fui só eu que fiquei com esse refrão na cabeça durante todo o fim-de-semana?) e o tal “Clipe 6” (o da escola!), nada mais natural do que fazer uma exame de consciência e tentar tirar, de um questionamento pessoal, uma explicação para um comportamento universal.

Muita teoria para um assunto tão banal? Bem, espero que você já tenha acostumado com a teimosa tendência deste blog – que, daqui a um mês completa cinco anos – de tratar qualquer tópico da cultura pop com “seriedade”, seja Rebecca Black, Radiohead, “Magali dançando no Largo da Carioca”, “Se beber não case”, “A árvore da vida”, Adele, “Capitu”, novela das 9h, Paul Auster, Homem-aranha, Stephany, Beyoncé! Por isso, quando recebi os links dessas duas músicas de Edinéia, tremi!

Estaria eu à altura de discutir um novo fenômeno pop como esse – sem nenhum viés, sem nenhum preconceito, sem usar um juízo de valor? Não estava seguro, e por isso mesmo, pedi sua ajuda. Queria saber a sua reação a esse, digamos, produto cultural. Preferi colecionar opiniões variadas para só então me expressar. Sabia que poderia contar com os olhares astutos – e as opiniões afiadas – de quem passa por aqui. E não me decepcionei.

A Andrea, conterrânea baiana da cantora, mandou: “Aqui em Salvador Edinéia é sucesso, ainda mais depois de descobrirmos que ela é de Mutuípe/BA, terra de vários colegas de trabalho” (Andrea ainda me ofereceu uma entrevista exclusiva com Edinéia – que estou ainda ponderando). A Gabriela Lima, discorrendo sobre as possibilidades infinitas dessa ferramenta chamada internet colocou: “Diante destes vídeos fiquei pensando, será que as pessoas realmente não sabem como utilizá-la ou nós que ditamos que o uso com o qual algumas pessoas o fazem é errôneo?”. Numa provocação, digamos, mais “pessoal”, Adriano Mazzon evocou ninguém menos do que Ivete Sangalo e Cláudia Leitte para colocar Edinéia nas alturas: “Porém, uma diferença teria a autora de ‘Cantando (sic) na Chuva’ das duas musas do Axé: a primeira possui personalidade, o que é elementar num artista” – foi isso mesmo, né Adriano? O George Luiz também partiu para a provocação, mas de um outro ângulo: “Pessoas fazem arte ridícula para ser contemplada por outras pessoas ridículas. Esse é ponto ruim da net: é aberta a todos, até para quem não deveria. Ou será que isso também é um ponto bom?”. Ainda mais radical, Giovanni levanta a bandeira do preconceito, e argumenta: “O Brasil é, sem dúvida, um dos países com a maior diversidade cultural do planeta. Quem não consegue viver com isso, não deveria se dizer brasileiro”.

Teve gente que, como a Marina, reconheceu em Edinéia um talento a ser lapidado: “Eu já tinha visto este vídeo e hoje dei risada novamente, eu achei que a voz não é tão má, precisa de muita produção ali”. Com o que eu desconfio ser uma pitada de ironia, Tede Sampaio escreveu: “(Ela) pode até não seguir os padrões que a música dita de boa qualidade prega, mas ninguém pode discordar que essa garota tem força de vontade”. Mas muita gente também simplesmente reprovou a tentativa da baiana de buscar o estrelato, como a Cinthia Carvaho que, depois de concordar comigo com relação à capacidade incrível dela e de suas bailarinas não escorregarem na pedra lisa e molhada, declarou: “Eu senti vergonha por ela”. E a Dani, sem esperanças, pediu: “Edinéia agora é pop star. Oremos”…

Mas mais interessante do que julgar o que estamos vendo – no caso, alguns clipes toscos de músicas que esboçam uma possibilidade de fazer sucesso pop na voz de uma garota (na chuva!) que parece ter mais perseverança do que talento – a discussão que eu queria provocar era outra. E a Bruna, com sua pergunta, acertou em cheio: o que será que move as pessoas a tal?

De fato, o que mais me chama a atenção na “saga Edinéia” é a vontade de se exibir – de procurar uma platéia. Sei bem que, como pessoa pública, que apresenta um dos programas mais populares da televisão brasileira, eu talvez tenha um viés para entrar nessa discussão. Mas me dê um desconto e venha refletir comigo: do que as pessoas são capazes para sair do anonimato? Uma artista como Edinéia tem menos valor do que uma cantora superproduzida pela máquina do pop? E ainda, será que somos obrigados a engolir qualquer coisa, simplesmente porque todo mundo está clicando para ver aquilo? São perguntas delicadas de se responder, por isso, vamos tratar delas separadamente – começando pela última.

Como contei no post anterior, recebi os vídeos de Edinéia de uma amiga – e já na condição de “sucesso da internet”. Como confio bastante no gosto – e no humor e na inteligência – dessa amiga, não pensei duas vezes antes de clicar para ver do que se tratava. A primeira coisa que me chamou atenção em “Garota na chuva”, porém, não foi a própria música, mas o número de acessos que ela tinha no Youtube: quase 500 mil! De onde tinham saído todas aquelas pessoas para assistir ao “hit” de Edinéia? Certamente da internet. Mas por que tantos acessos assim? Bem, porque a internet, claro, vive disso. Aborrecidas no escritório onde trabalham ou solitárias de noite em casa na frente de um computador, as pessoas querem não exatamente se informar, mas se divertir – como qualquer piada, por mais sem graça que seja, tivesse o poder de fazê-las sentir mais vivas. E quem sai na frente nessas horas é sempre o riso mais fácil.

Nesse sentido, Edinéia é um prato cheio. A música é simples – o que logo cria uma identificação com quem ouve. As imagens são inesperadas – quem são aquelas pessoas dançando numa cachoeira (e por que elas não conseguem acertar a coreografia)? E todo o “non sense” do clipe te tira do sério e faz você não acreditar no que está vendo. E há ainda mais um elemento hilário: Edinéia é, pelo menos segundo os parâmetros vigentes de estética, uma beleza bem pouco convencional. E pior (ou melhor!): ela se acha bem mais deliciosa do que a maioria das pessoas que a estão assistindo (aliás, ponto para Edinéia, por sua auto-estima!). Inevitavelmente a primeira reação é o riso – e com ele vem a vontade de dividir essa risada com alguém. Pronto – aí está a receita de mais um sucesso viral!

É essa necessidade de detectar e dividir algo engraçado que nos torna presas fáceis de “mini fenômenos” como esse – e do “vlog do Fernando”, do menino dos mamilos, da dança do quadrado (e pode acrescentar o seu viral favorito aqui). Eu até poderia questionar aqui porque vídeos que não são “engraçadinhos” não têm o mesmo impacto (ou dia mesmo, quando falei dos 20 anos de “Nevermind” LINK PARA POST DE 18de08de11, recebi um monte de sugestões de boas músicas e novas bandas… por que eles não “viram virais”?), mas o que é mais interessante assinalar é que essas coisas são passageiras, porque nosso apetite de internauta não tolera a monotonia. Passada a “febre” de ver Edinéia, quem vai realmente se interessar pela carreira dela? (Ok, aceito o argumento de que “Menino sexy” , o primeiro clipe de Stefhany na sua fase “profissional”, tem quase um milhão e meio de cliques, mas qual refrão vem primeiro na sua cabeça, esse ou o de “Absoluta”?). A resposta para essa pergunta, claro, pouco importa – quando Edinéia estiver preparando seu próximo passo, nós certamente já vamos estar rindo de outra coisa…

Agora, que valor artístico tem Edinéia? Depende de quais critérios você quiser usar para julgar. Não sei se teria a ousadia do Adriano (citado acima) de cutucar fãs de artistas tão queridos – e competentes – como Ivete e “Claudinha”. Esse tipo de comparação, a meu ver, não leva a nada e despreza justamente o ponto de vista mais importante num debate como esse – o de avaliar cada artista pelo que ele é. O mais interessante aí é ver a dimensão que esse artista tem – e se ele está conseguindo falar com um grupo razoável de pessoas.

Para isso, faço uma pausa para divulgação – que, a princípio vai parecer gratuita, mas você já vai entender que não é. Anos atrás, fui a um curso sobre Fernando Pessoa, dado por um músico e poeta extremamente respeitado. As palestras eram brilhantes – e cumpriam a missão que uma boa aula sempre deve ter: a de nos fazer interessar por um assunto que talvez achássemos que conhecíamos. Não vou aqui descrever os pontos altos desse encontro, mas me lembrei dele apenas por uma passagem em que o nosso “mestre” fazia uma relação entre a poesia que uma menina adolescente escrevia em seu diário e os versos incomparavelmente mais universais de Pessoa. Será que o poema da menina não tinha valor algum? Claro que tinha, argumentava nosso palestrante – mas só para a garota que o escrevia. O que acontece com uma grande obra de arte (isto é, com um poema de Pessoa, por exemplo) é que aquilo tem um significado fortíssimo não só para o autor, mas também para uma legião de pessoas que se depara com ela. Assim, quando mais poderosa a arte, mais fundo ela vai falar com todos os seres humanos – já que arte é, ninguém duvida, uma das mais nobres características que nos torna justamente humanos.

Voltando a Edinéia, evidentemente ela está bem mais para o diário da menina do que para Fernando Pessoa. Mas, usando a mesma analogia, seu “diário” não está exatamente escondido numa gaveta trancada, sem ninguém poder ler. Pelo contrário, pelo menos meio milhão de pessoas já foi conferir o que Edinéia tem para dizer – para cantar, para dançar… E isso empresta uma certa relevância a ela. Sei que número de acessos na internet não é tudo (ainda não me conformo de “Friday” ter tido muito mais cliques que “Judas”!), mas o Youtube, se não é um bom parâmetro de qualidade, pelo menos serve para nos dar a dimensão de quantas pessoas ficaram interessadas em conferir aquele trabalho. “Garota na chuva” pode não traduzir a fina flor do seu gosto, cultivado no melhor da MPB – mas não precisa brigar com quem gosta de assisti-lo uma, duas, cem vezes.

E agora nos resta só mais uma pergunta para responder –aquela: “do que as pessoas são capazes para sair do anonimato?”. Bem, essa é fácil: são capazes de tudo – absolutamente tudo. Eu não tenho nenhuma dúvida disso, e quis justamente terminar o post de hoje com essa mensagem simples. Nós vivemos uma adorável era de “vale tudo” – e quem ainda tem problemas com isso, é melhor nem imaginar como vai ser o nosso futuro…

Aliás, por falar nele, eu vou hoje conferir uma nova – ou melhor, uma revisitada – versão sobre ele que essa semana chegou aos cinemas por aqui. Acho que você desconfia do que eu estou falando – mas se quiser ter certeza, volte aqui na quinta, pois quero justamente escrever sobre esse filme.

O refrão nosso de cada dia

“Vamos falar do norte”, Bando de Tangarás – vou pedir ajuda aos Tangarás para brincar mais um pouco com seus critérios para julgar o que é “bom” e o que é “ruim”. Eu sou fã dessa música, registrada aqui no que eu costumo brincar que é o “primeiro” videoclipe brasileiro. E que, por isso mesmo, é bem tosco. Mas será que você vai usar apenas o critério estético para julgar essa pérola? Se você sabe a história do Bando de Tangarás, está, claro, fora da brincadeira. Mas quem está sendo apresentado a ele pela primeira vez, ouça tudo primeiro, formule uma opinião – e só depois dá uma pesquisada na internet sobre quem são essas “figuras” (especialmente um certo tipo curioso, de chapéu largo e violão branco, no alto à esquerda…). De minha parte, fã que sou dos Tangarás, quero apenas deixar registrado que, mais sensacional que o próprio refrão (Quando nós saímos do Norte/ Foi pra no mundo mostrar / Como canta aqui nesta terra / Um bando de tangarás), é o “ai” que o cantor solta cada vez antes de cantá-lo…

 

 

 

Eu não sei o que dizer sobre isso

qui, 25/08/11
por Zeca Camargo |
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Eis que, depois de quase cinco anos de blog, eu me encontro sem palavras.

Ontem recebi um email de uma amiga “apresentando” essa “nova pop star”. A mensagem vinha apenas com dois links – um para a música “Garota na chuva”, e outro para algo enigmaticamente batizado de “Clipe 6” – se bem que eu arriscaria dizer que a música se chama “Adímirador” (com essa grafia mesmo), ou até, na sua versão mais longa “Eu vi sua foto dentro do diário”. E minha amiga me desafiava a escolher qual dos dois vídeos era o, hum, melhor.

Repito, eu fiquei sem palavras – e peço sua ajuda. Não para eleger o melhor – acho que fico com “Garota na chuva”, pelo inegável charme da troca de sílabas tônicas (musa vira “muzá”; folhas, “folhás”) e pelo esforço sobre-humano da cantora e das bailarinas de dançar uma elaborada coreografia em cima de uma pedra de cachoeira por onde a água não para de passar (até o Homem-aranha escorregaria ali – como elas conseguem?). Enfim, não quero abrir uma competição vazia entre um clipe ou outro, mas sim te desafiar a fazer algum comentário sobre… esse novo fenômeno da internet.

Farei minhas as suas palavras – prometo. Pois depois disso, sinto-me impotente, mudo, sem inspiração – ou, quem sabe, tão embriagado de inspiração que nem sei mais como me expressar. E não vale ligar no número que está junto com esses vídeos – que, numa rápida pesquisa, descobri que é de Mutuípe, interior da Bahia. Queria sua opinião sem interferências externas. Ajude esse formador de opinião a… formar uma opinião.

O refrão nosso de cada dia
“No me castigues”, Catherine
– para não destoar dos vídeos que sugeri acima, aqui vai uma artista que habita este mesmo universo. Ao contrário de “Garota na chuva” e “Clipe 6”, eu acredito em cada palavra que Catherine canta. Isso é que é sofrer por amor! Em tempo: já tentei procurar a letra dessa música nos quatro cantos da internet – sem sucesso. Meu espanhol até que não é ruim, mas não está à altura da interpretação de Catherine. Será que você pode me ajudar nisso também?

O cômico e o cósmico

seg, 22/08/11
por Zeca Camargo |
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Na frase famosa de Nabokov – lembrada recentemente por Anthony Lane, na “The New Yorker” – o que separa o cômico do cósmico é apenas uma letra (no inglês, claro – em português, um acento empresta mais uma diferença). Fui lembrado dessa ironia ortográfica ao procurar opiniões de pessoas que eu respeito sobre o melhor filme que vi desde… bem, desde que… bom, a verdade é que eu não sei se esse é um dos melhores filmes que eu já vi na vida, mas é, com certeza, um dos que mais mexeram comigo desde, hum, desde… Eu ia falar “Ondas do destino” – ou “Dogville” –, mas a verdade é que eu não me lembro de nenhum filme que tenha mexido tanto comigo – um filme que, desde que eu o assisti (na última quinta-feira), eu acordo, penso nele, e só aí eu começo meu dia. Talvez eu tenha dado pistas erradas… Não estou falando de “Melancolia” – o novo trabalho de Lars Von Trier (que também é muito bom). O filme que me deixou tão perturbado chama-se “A árvore da vida”, de Terrence Malick.

Tenho perfeita consciência de que, apenas ao ler isso, algumas pessoas que tiveram contato com esse filme façam o mesmo que fizeram ao se entediar com o que estavam vendo na tela – e saiam da sala (no caso aqui, parem de ler). Não importa… Este espaço é meu – e ao contrário do que muita gente pensa, eu estou aqui menos atrás de números de popularidade, mas sim em busca de afinidades com a minha maneira de ver o mundo – ou, mais especificamente, como eu vejo o mundo com a ajuda da cultura pop. Por isso, este é um texto para quem não assistiu ao filme mas quer mais uma pista sobre as razões de ele criar tanta discussão (foi o grande vencedor de Cannes este ano – só lembrando); e também para quem viu “A árvore da vida” e saiu, se não com a mesma inquietação que eu, pelo menos com um modesto questionamento (que seja) sobre o que pensar de um filme que, para contar a história de um menino entendendo o que é ser adulto em Waco (Texas) nos anos 50, precisa explicar algo ligeiramente mais complicado – que é a própria história do universo (que passa, inclusive, pela era dos dinossauros – eu não estou brincando)… Se for o seu caso, vamos em frente.

Como eu dizia, deparei-me com o jogo de palavras de Nabokov (“cômico” e “cósmico”) ao procurar o que pessoas cujo olhar sobre cinema eu gosto e confio haviam escrito sobre o filme. Anthony Lane, claro, é um deles. Assim como David Edelstein, da “New York” – que mesmo não tendo adorado “A árvore da vida”, termina sua resenha recomendando que todos assistam, nem que seja para decidir se ele é “ridiculamente sublime ou sublimemente ridículo” (de minha parte, claro, fico com a primeira opção, como vou deixar ainda mais claro hoje). Geofrey O’brien, na “New York Review of Books” talvez seja o crítico que vai mais fundo no último trabalho de Malick, remexendo nas suas implicações filosóficas, religiosas, de estilo, e até pessoais. Mas foi A.O. Scott, no jornal “The New York Times” que justificou com as melhores palavras  a estranheza que sentimos ao final da projeção.

Usando como referência clássicos como “Moby Dick” (Herman Melville) ou “Folhas da relva” (“Leaves of grass”, de Walt Whitman) – que, apesar de não terem encontrado aceitação universal na época em que surgiram (e podem parecer, até hoje, inacabadas, brutas), “apóiam-se perpetuamente no futuro, empurrando seus leitores a um novo horizonte de compreensão” –, Scott defende que a experiência de ver esse filme é mais ou menos como a de ler esses livros: “Assistir a ‘Árvore da vida’ é, por analogia, participar da sua confecção”. Seria até possível editar alguma coisa – cortar um trecho, dar uma enxugada em determinada cena… Mas, argumenta o crítico triunfante, “a imaginação vive para o risco, inclusive o risco da incompreensão”… Será que esse último trabalho de Malick faz algum sentido?, pergunta ele finalmente. E responde: “Não posso dizer que sim. Mas desconfio de que em algum momento, entre o hoje e o Dia do Juízo Final, ele vai fazer”.

Eu prefiro não esperar até lá. E o que vou apresentar aqui é uma defesa apaixonada de “A árvore da vida”. Sei que não vou fazer muitos amigos com ela – muito menos agregar novos admiradores a este blog (e ao que escrevo). Mas, insisto, este espaço é meu – e escrevo literalmente o que eu quero. E hoje eu preciso escrever disso.

Chorei em quatro momentos bem pontuais no filme. Chorei durante uma longa sequência logo depois do nascimento do primeiro filho (Jack), quando ele ganha seus irmãos e, saltando um bom par de anos, vemos as crianças crescerem numa simples rotina da mãe cuidando deles através de um dos gestos mais banais de todos os rituais familiares: um beijo na testa na hora de os meninos dormirem. Chorei na parte em que o pai, O’Brian (Brad Pitt), ensina Jack (Hunter McCracken) a lutar boxe – “Vem, me acerta”, comanda o pai, num perigoso exercício que, em vez de aproximar, afasta mais ainda as duas partes envolvidas. Chorei também no momento em que Jack faz um carinho no cotovelo do irmão – e este limpa o beijo com a mão (o gesto é repetido duas vezes). E, na reação mais inexplicável de todas, chorei numa linda sequência em que a câmera passeia por um parque cheio de crianças brincando, quando se ouve apenas a voz de Jack, em mais um trecho daquilo que parece ser uma conversa com ninguém menos que Deus: “Eu quero ver o que seus olhos vêem”… (Eu quase chorei também na cena dos dinossauros – sério – e quando o pai chega de uma viagem internacional, mas deu para segurar).

Se você não viu o filme, certamente está perdido – aliás, se você viu o filme, pode ser que esteja perdido também. Dinossauros? Waco? Deus? Brad Pitt? Bem, vou tentar organizar um pouco as ideias. A coisa mais próxima de um argumento em “Árvore da vida” é isso: Um pai (Pitt) e uma mãe (a angelical Jessica Chastain) criam seus três filhos no interior do Texas (na década de 50, como já observei) – ele, incondicionalmente frustrado com seu trabalho, ela, incontestavelmente dedicada aos filhos. Amor e ódio se misturam na relação de Jack com o pai (o mesmo vale para os outros irmãos), sufocando cada vez mais a rotina da família que, como sabemos logo no início do filme, vai perder o filho do meio quando ele completa 19 anos. Desse “tableau”, somos catapultados às vezes para o presente (quando Jack é um arquiteto que nunca completa as frases, vivido por Sean Penn), e às vezes para o passado distante. Mas distante mesmo – assim, tipo, a origem do Universo!

A explicação mais simples para essa, hum, “ponte narrativa” é a de que contar a história de uma família, por mais ordinária que ela seja, é impossível sem entender a criação do mundo. Aliás, eu diria ainda mais: que as duas histórias são a mesma coisa. Uma vez que você entende isso, “A árvore da vida” torna-se o mais belo filme já feito sobre como aprendemos a odiar e a amar – ou seja, a perceber que fazemos parte de uma família e, só assim, podemos considerar a possibilidade de criar uma. E, quem sabe, aprender a amar.

Essa explicação que dei – ou, pelo menos, tentei dar – não é boa. Eu sei. Mas nenhuma explicação jamais será. Malick fez a obra perfeita – impossível de se definir, mais ainda de criticar. Quer dizer, é até fácil você sair de duas horas e meia de uma colagem semi-subjetiva e dizer: “que filme chato”. Mas isso jamais vai soar como uma crítica – apenas um comentário breve de quem não teve a paciência (ou a generosidade) de se entregar aos desafios de “Árvore da vida”. Não deu para atravessar as longas cenas de vulcões explodindo, e ondas quebrando? Que pena… Você nunca vai entender o que elas têm a ver com a insistência de um pai em que seu filho capine a grama da maneira certa… Sem saco para ver as surradas imagens científicas de células se reproduzindo? Puxa, você jamais vai fazer a conexão entre essas pequenas revoluções do seu corpo e o prazer secreto em mexer na gaveta de peças íntimas de sua vizinha, antes mesmo de saber o que é uma relação sexual… Não tem ideia do que faz no filme uma cena em que um dinossauro enorme quase se aproveita para se alimentar de um menor que está abandonado à beira de um rio, mas decide deixá-lo em paz, depois de amedrontá-lo ao máximo? Só lamento: você nunca vai entender por completo o sentido da compaixão…

“A árvore da vida” é feito não de peças que se encaixam como num quebra-cabeças perfeito, mas de fragmentos que estão mais para as imagens soltas que a gente tenta recolher quando acorda de um sonho. Todas elas fazem parte de você, mas você nunca consegue saber exatamente que conexões são essas nem de onde elas vêm. Chorei nesses cinco momentos que descrevi acima, mas tenho certeza de que outras pessoas se emocionaram com outras partes – e talvez nem tenham respondido a essas que tanto me tocaram. Mas esse é, talvez, o maior mérito do filme: disponibilizar uma bíblia de referências para todas as possibilidades da vida. E não joguei a palavra “bíblia” aqui à toa.

O filme mexeu tanto comigo que me fez reconsiderar até mesmo minha posição com relação à fé. Ela é um pouco complexa (e indefinida) demais para eu poder dividi-la hoje aqui com você, mas, apenas para continuar a discussão, digamos que eu já tinha resolvido que fé era uma coisa que não faria parte da minha vida. Mas aí chega Malick e me reapresenta a Graça Divina como o único amor que de fato pode nos salvar – como não me sentir cutucado com isso? As perguntas que Jack – e eventualmente seu pai e sua mãe – colocam ao Criador são longe de ser tolas, ou simplesmente retóricas. São pontuais e indispensáveis para nos fazer pensar na cena que estamos vendo – e nos provocar por muito tempo depois que saímos do cinema. Por exemplo: “Por que eu devo ser bom se você não é?”, pergunta Jack a certa altura (em off), sem nos dar uma pista precisa se ele está se referindo a seu pai o ao seu (nosso) Deus – ou talvez, novamente, seja tudo a mesma coisa. E eu te desafio: qual o filho que nunca pensou isso do pai?

Aqui vale a pena uma ressalva. No último sábado, durante um jantar que fui com duas amigas, encontrei um terceiro amigo que tinha ido assistir ao filme com elas. A conversa imediatamente se encaminhou para “Árvore da vida” – como qualquer conversa que tive nos últimos cinco dias! As “meninas” não tinham gostado tanto. Mas o outro “menino” – um ator por quem tenho uma enorme admiração – tinha ficado tão emocionado como eu com o filme. E reconhecemos, afinal, que o filme talvez fale mais aos “meninos” do que às “meninas”. Essa relação “custosa” que temos com nossos pais – e esse meu amigo, me contava ele, não só pensava nisso como no seu próprio filho que nasceu há pouco tempo – fala talvez mais diretamente aos “homens de boa vontade” que assistem a “Árvore”. Mas eu, insistindo com as “meninas”, fiz questão de frisar que esses temas propostos lá por Malick são mais universais do que isso.

Em última análise, o filme fala de amor – que, para mim, é a única justificativa para o mundo existir. É por isso que Malick precisa começar a contar sua história mesmo do começo, bem do comecinho – e é por isso que ele precisa terminar (numa sequência que é a única que eu criticaria com veemência) com mortos e vivos se encontrando em uma praia. Mesmo que esse desfecho para um filme tão monumental seja quase patético, a mensagem é tão forte que sobrevive até a essa fraqueza: nós só estamos aqui por conta do amor.

Deus, o amor da sua vida, sua mãe com quem você não fala há duas semanas, uma criança que você nunca viu na rua, sua irmã de criação, alguém que você entrevistou, seu companheiro de anos, uma mulher que você viu na TV, a filha adolescente de sua amiga que está sendo expulsa de casa, alguém que te responde sempre com “oi meu amor”, os parentes que choram a morte de um pai de família, a moça de quem você ainda não esqueceu como era o beijo, o cara que você fica olhando antes de ir embora para trabalhar enquanto ele ainda está dormindo, a menina que mereceu ganhar 12 dúzias de rosas, o namorado para quem você encheu uma parede de post-it, a noiva que não queria se casar na igreja, a terceira neta de sua amiga que ainda vai demorar cinco meses para nascer, os dois irmãos que finalmente estão se falando depois de 15 anos, a amiga da sua mãe que você encontrou no check-in do aeroporto, o turista italiano surdo que te pediu informações em Dublin, a mochileira alemã que se instalou no quarto do seu albergue, a outra ponta de uma história recente que não deu certo e cujo convite (automático) para entrar numa rede social chegou inesperadamente hoje de manhã, a bibliotecária que te cobra um livro, a menina que você deixou para trás depois de quatro anos de namoro, seu sobrinho que teve um aneurisma ainda adolescente (e sobreviveu), a garçonete para quem você nunca lembra de deixar uma gorjeta à altura da simpatia dela, o dono da mão que está sempre suada toda vez que te vê, a jovem que treme de estar na mesma sala que você, o monge mirim que você encontrou meditando no meio de um bosque, o pai da sua amiga que não fala com você enquanto está ouvindo música clássica, a loirinha que te levou para o fundo da sala tentando te arrancar um beijo, os jurados que te medem decidindo se você deve passar mais uma etapa do teste, quem te olhou bem dentro do olho e disse um dia “não tem volta”, a única pessoa que realmente te faz falta hoje, a aeromoça que te cumprimenta prendendo seu olhar por dois segundos a mais do que a cordialidade permite, o fotógrafo que te apresenta a banda mais legal do mundo que você não conhecia, a senhora que veio fazer a barra de sua calça, seu amigo que mal conversa contigo mas vem te contar que está dormindo no carro depois que brigou com a mulher, a mulher dele, uma grande atriz de teatro que diz estar encantada em te conhecer, a repórter que não deveria estar naquela festa, o único cara em que você confia para ler seus texto antes de publicá-los, o amor da sua vida (outro), o cara que tirou o amor da sua vida da sua vida, a outra menina que está competindo com você (por mais um amor da sua vida), a mulher em cuja mão você colocou o anel, o bebê cujo pé você não consegue parar de beijar, as filhas que voltam para as casas da mãe, o garoto que não aguenta mais brigar com seu companheiro de quarto, a nadadora que chega em quarto lugar, todos os membros da banda que saem do palco sem ter dado um bis, a moça da limpeza que finge que não vê você saindo do cinema chorando, a garota que só descobriu “Nevermind” no ano passado, sua prima que reclama que você nunca mais foi na cidade em que nasceu, seu dentista que fala que você só o procura em ano de Copa do Mundo, o garoto da camisa listrada, a menina que te aponta um táxi vazio, qualquer pessoa que passar por aquela porta, qualquer um ou qualquer uma que disser eu te amo, qualquer imbecil que te chamar de imbecil, todas as pessoas que te admiram, todas as pessoas que você admira, sua avó em uma foto da adolescência, a mãe da Giulia, o pai do Téo, o irmão do Alê, a Tereza, o Werneck, a Uchoa, a Cris, o Chris, o filho que você ainda não teve mas quer chamar de Facundo. Todo mundo.

Se não for por amor, então por quê?

“A árvore da vida” tem a resposta. E é por isso que eu vou ver de novo e de novo e de novo e de novo. Se o filme é tão precioso, é porque vai buscar no cósmico uma explicação para o cômico de nossa vida. E, como me lembrou uma grande amiga na semana passada, Balzac não escreveu a “comédia humana” para fazer a gente rir…

“Nevermind”, 2011

qui, 18/08/11
por Zeca Camargo |
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Se você ainda se lembra chocado das comemorações dos dez anos do álbum que mudou o cenário do pop, bem, eu não tenho boas notícias… “Nevermind”, do Nirvana, já está fazendo 20 anos! E por mais que eu ache saudável saber que boa parte das pessoas que passam por aqui para ler este texto talvez tenham sido apresentados a esse clássico ouvindo um CD que seus pais tinham, meio empoeirado, na estante, tenho de admitir – novamente, do alto dos meus 48 anos, que esse aniversário me deixa perturbado…

Não exatamente pelos 20 anos que se passaram – isso é bobagem (você aí de 20 e poucos anos, ou menos, vai com certeza, por volta de 2031, ter uma sensação assim quando se deparar com “Suck it and see”, do Arctic Monkeys, sei lá em que formato for mais popular daqui a duas décadas!). O que me deixa meio passado é a triste constatação de que nada de tão surpreendente quanto “Nevermind” aconteceu no mundo da música desde então. White Stripes, Oasis, The Strokes – e o próprio Arctic Monkeys -, vocês estão de parabéns! Deram o seu melhor para reinventar o velho e surrado rock – e até conseguiram trazer alguma coisa de novo em um aspecto ou outro. Mas “sacudir as estruturas”, como fez o Nirvana com “Nevermind”, isso não – isso ninguém conseguiu superar (pelo menos até hoje).

Sei que estou ligeiramente adiantado nessa comemoração – a data oficial de lançamento do disco é 24 de setembro de 1991. Mas é que o barulho já começou – especialmente no número de agosto da revista “Spin”, que faz um generoso tributo ao álbum (eles vão colocar disponível na internt até mesmo uma compilação de versões das faixas de “Nevermind” – inclusive a “faixa escondida”, “Endless, nameless”; mais informações, no site da revista. Entre tantas homenagens, eles acertaram bem nos depoimentos de pessoas sobre o impacto do segundo álbum do Nirvana (até Eddie Vedder dá o seu relato!), e publicaram textos interessantes sobre a influência de “Nevermind” em universos que não exclusivamente o do rock – como o da moda e, surpreendentemente, o do hip-hop (assinado por Brandon Soderberg, esse artigo é brilhante!). Mas o que me fez pensar – e querer escrever este post hoje – tem a ver com o lúcido artigo de abertura, escrito por Latoya Peterson, sobre o que se passava na cabeça das pessoas – especialmente dos jovens de uma geração triturada pelos mais que caretas anos 80 – quando Kurt Cobain veio com suas letras que quase ninguém conseguia entender, sua voz das entranhas, e um punhado de músicas que são, até hoje, algumas das melhores que já ouvimos de todos os tempos!

“Cobain tornou-se não apenas a cara do Nirvana, mas a cara de todo o debate dos anos 90 sobre masculinidade, feminilidade, e identidade sexual que estava acontecendo na cultura pop”, escreve Peterson a certa altura – e essa não é nem sua afirmação mais profunda… (Mais adiante ela lamenta: “Acho que ‘Nevermind’ simplesmente morreu de fadiga cultural”). Mas o mais interessante neste texto é a conclusão de que, de 1991 para cá, nada, nenhum pensamento mais revolucionário (ou até mais político – ainda que indiretamente) chegou para mexer com a cabeça dos jovens. De fato, estamos num vácuo pop, onde todo mundo tem um espaço infinito para se expressar, mas ninguém tem exatamente algo a dizer…

Juntei isso com outro artigo interessantíssimo que li no último domingo no “The Guardian”, sobre o quebra-quebra geral  recente na Inglaterra. Que assina, desta vez, é Krissi Murison, a editora do mais que venerado “NME” – o único semanário realmente relevante de música pop em circulação atualmente. E a pergunta que ela coloca já no título não poderia ser mais relevante: “O punk fala em nome de uns garotos com raiva. Por que as bandas de hoje não fazem o mesmo?” . Chamando atenção para a coincidência de que o próprio “NME” que chegava às bancas enquanto Londres (e Birmingham) pegava(m) fogo trazia uma das bandas mais políticas de todo o pop inglês (The Clash), ela se mostrava extremamente incomodada pelo fato de as bandas de hoje não terem sequer a intenção de mexer de maneira mais profunda com a cabeça da geração da qual fazem parte.

Com boa vontade, ela tenta fazer uma comparação entre a atitude punk de 1976 e algo que se aproxima do “politicamente provocante” hoje em dia, a banda coletiva Odd Future – cujo líder é o rapper Tyler, The Creator (que teve seu disco “Goblin”  corajosamente lançado aqui no Brasil pelo selo Lab 344). Nas letras raivosas do Odd Future, porém, Murison encontra apenas uma “anarquia apática” – e não um chamado para uma “tomada de consciência” (para fazer justiça a Tyler, ela mesma diz adiante que, ao contrário do Clash, o Odd Future nunca pretendeu ser a voz de uma geração – mas mesmo assim… que oportunidade desperdiçada, não? Mas eu divago…). E assim como eles, nenhuma das bandas que estão surgindo agora – e que teriam a força para dar uma mensagem contundente para quem acha que as coisas estão erradas e deveriam mudar – tem algo a dizer. Pior: sequer sonham em ter…

(É verdade que, como sabemos agora, os ataques de adolescentes nas ruas de duas das principais cidades na Inglaterra tinham menos a ver com uma revolução social do que com a vontade de um bando de adolescentes de ter o último modelo de um smartphone… Num também brilhante artigo na “Newsweek” -, o candidato à prefeitura de Birmingham, Siôn Simon, mostra-se estupefato com a idade média dos saqueadores – segundo a polícia de Londres, dois terços das pessoas presas no segundo dia de violência eram adolescentes, muitos com 13, 14, 15 anos. E o que eles queriam? Protestar contra alguma coisa? Expressar sua insatisfação social? Que nada – só roubar uma loja de aparelhos eletrônicos… Uma outra matéria do “Guardian” comenta, com elegância, o fato de nenhuma livraria dos bairros saqueados ter sido sequer ameaçada de furto. Que lições tirar disso? Além das mais óbvias – que você mesmo já elaborou -, gostei da provocação da autora teatral Sabrina Mahfouz, citada no texto. Descartando a tola defesa de que essa geração, com tantos blogs e tweets, lê e escreve mais do que as anteriores, Mahfouz dispara: “Essa é a primeira geração que está consumindo mais conteúdo escrito gerado pela sua própria faixa etária do que por escritores mais velhos e adultos”. E a consequência disso? Bem, agora minha divagação está passando dos limites, reconheço – vamos voltar para a música…).

A busca por um “Nevermind dos nossos tempos” é inútil, eu sei. Nesse exato momento, em alguma bar de quinta, em algum quarto bagunçado, em alguma garagem afastada, ou até mesmo em algum estúdio semi-profissional, tem um bando de garotos tentando criar uma música que vá fazer toda a diferença. Mesmo que eles não coloquem toda a intenção nisso – o próprio Dave Grohl (Foo Fighters, Nirvana) admite na “Spin” que todos ficaram em choque quando “Smells like teen spirit” estourou (“Meu Deus, essa coisa funciona!”). As coisas não andam mesmo muito certas – e não é possível que não exista um moleque (ou uma garota) de 16/19 anos percebendo o que está acontecendo em volta dele e querendo cantar algo sobre isso. O problema é que, no meio dessa cacofonia maluca que nos envolve hoje – a começar por essa mesma tela onde você está lendo este texto – ninguém vai ouvir essa voz com atenção.

No triste desfecho do texto de Latoya Peterson, ela escreve: “Talvez nós estejamos a caminho de uma colisão das proporções do Titanic com o próximo ‘Nevermind’. (…) Mas talvez nós vamos estar tão preocupados com outras coisas que não vamos reconhecê-lo até que o momento tenha passado”.

Assim, meio que sem esperanças para o presente – que dirá para o futuro -, convido a você para fazer o mesmo exercício que a “Spin” propôs para várias figuras notórias (as contribuições vão do “deus” do punk americano, Henry Rollins, ao sensacional escritor Sam Lipsyte, de quem estou lendo, no momento, “The ask” – quero escrever em breve sobre este livro aqui!). Mande um comentário dizendo como ouviu “Nevermind” pela primeira vez – onde você estava, o que você sentiu? Divida com quem passa por aqui sua opinião sobre a melhor faixa do álbum – que não necessariamente precisa ser “Smells like teen spirit” (eu, apesar de reconhecer a genialidade dessa música icônica, tenho uma “quedinha”, por exemplo, por “Lithium”…). Se puder, contribua até para a discussão sobre “por que não temos ninguém fazendo algo como o Nirvana há 20 anos (ou mesmo o The Clash 35 anos atrás)?”. Ou até faça o favor de me convencer do contrário – mande um link esperto e prove que tem alguém sim criando música forte como essas, capazes de virar tanto a cabeça de um adolescente de hoje como a desse quase cinquentão que vos escreve (como eu gosto sempre de citar – a exemplo do que fiz nos comentários ao último post, para alguém com um pseudo “embasamento” em cinema -, “Pensamento que não muda, vira uma mentira estúpida”, já dizia o New Order… Ou se preferir tem sempre Raul Seixas a nos inspirar com seu “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”… Nossa! Mas hoje eu estou divagando além da conta!).

Ou então não faça nada disso. Coloque o disco do Nirvana para tocar, comemore que “Beavis e Buttead” estão ressuscitando (não viu?), e vamos fingir que estamos de novo em 1991. Como o próprio álbum sugere no título, “nevermind”…

O refrão nosso de cada dia

“It’s gonna happen”, The Undertones – como indicar uma música depois de ter evocado um clássico como “Nevermind”? Diante desse dilema, quase não sugiro um refrão hoje por aqui, mas aí me lembrei dessa pequena preciosidade esquecida do início dos anos 80. Os Undertones foram um dos filhotes do punk dos anos 70. Não são ingleses, mas irlandeses – porém pegaram o “espírito da coisa”, e deram uma cara pop impecável ao punk. Sem perder o atrevimento. O single deles de 1979, “Jimmy Jimmy” é um poderoso hino a qualquer adolescente rejeitado – um subgênero que o Radiohead reinventaria brilhantemente anos depois com “Creep”. Mas em nenhuma de sua ótimas faixas os Undertones (com aquela voz esquisitíssima de Feargal Sharkey) – “Here comes the summer”, “You got my number”, “Chains of love” – resumiram tão bem a expectativa perene dos adolescentes de que algo está para acontecer como em “It’s gonna happen”. Seja uma grande paixão ou uma revolução – como eu ousei sugerir no post de hoje. “Ué, mas paixão e revolução não são a mesma coisa?” – você se pergunta…

Impróprio para maiores de 12 anos

seg, 15/08/11
por Zeca Camargo |
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Os fãs de ambos já estavam salivando. Se Steven Spielberg é um dos maiores diretores de filmes de todos os tempos, e J.J. Abrams é um dos caras que revolucionou a ficção na TV (e ainda se arriscou com certo sucesso no cinema), a colaboração entre esses dois gênios só poderia dar numa produção estupenda, certo? Por conta disso, a expectativa estava nas alturas. Ainda mais quando descobriu-se que o projeto nos quais os dois estariam envolvidos tinha a ver com… extraterrestres! Aí então, o nível de excitação (por antecipação) chegou ao seu limite máximo. “Super 8″ – o nome do filme que o primeiro produziu e o segundo dirigiu -, como se costuma dizer quando as coisas dão errado, “tinha tudo para dar certo”. Como assim? – você já deve estar se perguntando. É meu caro amigo, minha cara amiga, o problema com esse “projeto dos sonhos” é que ele não é muito bom – e não se esqueça de que quem escreve aqui é um grande fã tanto de Spielberg quanto de Abrams!

Já era de se desconfiar. Quando a maior parte da divulgação de um filme – ainda mais de uma superprodução que todos estão apostando que tem que ser bem sucedida – é feita em cima de quem está por trás das câmeras, e não na frente delas (ou da história que está sendo contada por elas), você sabe que as coisas não vão bem. E não deu outra: nas semanas que antecederam o lançamento de “Super 8″ nos Estados Unidos (sua estréia nos Estados Unidos foi dia 09 de junho), só se via o próprio Spielberg dando entrevistas com Abrams, um dizendo o quanto admirava o outro, como um sonhou sempre em trabalhar com o outro, um dizendo como a colaboração entre os dois foi perfeita, o outro dizendo que as pessoas ia ver como o resultado dessa experiência foi incrível. Infelizmente, não foi bem assim.

Primeiro, usando um critério meramente quantitativo, a bilheteria, pelo menos nos Estados Unidos, decepcionou. Em nove semanas, ele fez “apenas” 125 milhões de dólares – 40 milhões a menos que “Kung Fu Panda 2″, e só 15 milhões a mais do que “Os Smurfs” conseguiu em apenas três semanas (se você acha que é injusto comparar essa bilheteria a de filmes de animação, pense de novo – se colocarmos “Transformers 3″ e “Harry Potter e as relíquias da morte – parte 2″ na equação, os resultados são ainda piores para “Super 8″). Depois, como pude conferir pessoalmente este fim-de-semana no cinema, usando critério mais, hum, subjetivos (e apreciativos), toda a promessa de genialidade combinada, simplesmente não rolou.

Não que eu tivesse me aborrecido nas quase duas horas de duração do filme (eu juro que eu fiquei até quase o final dos créditos – e por um bom motivo que eu vou explicar já já). Mas o que eu via na tela era uma história tão artificialmente amarradinha, que eu comecei a achar, lá pela metade do filme, que para se divertir mesmo, eu teria que suspender qualquer tentativa de compreender a história como um adulto. E, com efeito, para acreditar em tudo aquilo que a tela me mostrava, eu teria que ter a boa vontade de um garoto de, no máximo, 12 anos de idade.

Não estou me referindo, claro, à questão dos seres extraterrestres. Gosto muito desse tipo de ficção – e, diga-se, o maior responsável por isso é o próprio Spielberg, que me encantou com seu clássico “Contatos imediatos do terceiro grau”, ainda em 1977, quando eu era um garoto de 14 anos. Mas, é preciso explicar, o fascínio que esse filme exerceu sobre mim não dependia da minha “lógica pré-adolescente” – ou melhor, da minha ainda tenra capacidade de analisar criticamente a história contada em um filme. Depois de adulto, revi “Contatos imediatos” e renovei minha admiração por uma trama que é ao mesmo tempo fantástica e plausível, sonhadora e “pé no chão”. O que não é o caso, claro, de “Super 8″.

Em rápidas palavras, para quem ainda não assistiu ao filme, “Super 8″ é a história de uns garotos que estão fazendo um filme amador de zumbi e acabam sendo testemunha de um espetacular descarrilamento de trem perto da pequena cidade onde moram – um trem que, aliás, estava conduzindo uma carga preciosa: um alienígena “preso” na Terra há décadas, que não consegue voltar para casa (pense em “E.T.”, mas com uma criatura bem mais possuída do que o cândido extraterrestre imortalizado em outro clássico de Spielberg). Enfim, o exército americano chega na cidade, todos seus moradores entram em pânico, e começa uma furiosa caça ao monstro. Novamente a premissa é boa – um filme muito interessante poderia ter saído daí. Mas os furos na história são tão grandes, suas soluções para a trama são tão improváveis, que a impressão que se tem é que o próprio Spielberg – mesmo não sendo diretor, ele, mestre em amarrar qualquer história muito bem, deve ter dado uns palpites -, a certa altura, desistiu. Virou-se para Abrams e disse: “Bom, faz o que você quiser”…

E ele fez! Conduziu a história por um fio sem pé nem cabeça – não um “sem pé nem cabeça” na linha de “Lost”, que nos intrigava, mas algo mais para os truques fáceis que ajudam, como passes de mágica, a história a se encaixar (sem querer entregar muita coisa, alguém pode me dizer como a nave do alienígena foi parar em cima da caixa d’água da cidade? ou o que exatamente ele construía no subterrâneo do cemitério?). Como os condutores da história são as crianças – outro detalhe que certamente teve a “mão pesada” de Spielberg -, a conclusão a que se chega é a de que o filme é mesmo feito para elas! “Super 8″ conta aquele tipo de história que, para as petizada brilhar, os adultos beiram a imbecilidade (o pai de Joe, o principal personagem infantil, é talvez uma exceção como o delegado da cidade, mas ele existe mais para ser vilão do próprio filho do que para ser uma figura importante no filme). Ou então, como o comandante do exército que baixa na cidade, são personagens de uma maldade tão caricata que beiram as histórias em quadrinhos adaptadas para o cinema…

E aí ainda tem o “e.t.” da história, que parece ter sido criado a partir de desenhos rejeitados do “Alien” – ele mesmo, o oitavo passageiro. Para uma criatura tão inteligente (eles são sempre superinteligentes, não são?), esse me pareceu agir de forma bastante irracional – por que, por exemplo, ele pendura as pessoas de cabeça para baixo, por um tempão, à espera de poder finalmente degustá-las como “lanchinho”? E a sugestão de que um ser tão incontrolável pode deixar-se dobrar com as palavras de uma criança, mesmo num universo “spielbergiano” é difícil de engolir (eu sei que você vai dizer que, nos filmes de arquivo, que as crianças eventualmente encontram, ele já mostrou que pode ser bonzinho com quem quer o ajudar a voltar para casa, mas mesmo assim…).

Não consigo entender o que aconteceu. Até mais ou menos o primeiro terço do filme – digamos, até a cena do acidente e algumas sequências depois dela – tudo parece ir bem. De fato, o que vemos é a mente maluca de Abrams nos oferecendo mais um bom enigma, temperado com uma boa dose de sentimentalismo (e valores familiares) por Spielberg. Mas aí, de repente, as coisas começam a desandar – tudo fica cada vez mais improvável, caricato, forçado, e sem graça. No lugar de eu me sentir mais envolvido com o filme, eu me senti traído por ele. E na grande apoteose final, eu já tinha desencanado totalmente de “Super 8″. Eu até tentei fingir que tinha 12 anos, mas não funcionou…

Era como se Abrams, mestre em deixar coisas não explicadas para que o público tire suas conclusões, pressionado pelo compromisso de fazer um grande filme de Hollywood – ainda mais supervisionado por Spielberg – se visse de uma hora para outra obrigado a colocar todos os pingos nos “is”. Mas, usando a mesma figura de linguagem, acho que tinha pingo demais para pouco “i”. Em termos de criar suspense em cima de um monstro, seu ótimo “Cloverfield” (aqui já elogiado) é uma lição de sutileza e suspense – mesmo sem estar tudo explicado nos mínimos detalhes, o filme funciona que é uma beleza! Mas pelo visto ele não quis retomar seus próprios ensinamentos…

E a conhecida obsessão de Spileberg por contar histórias que sejam reconfortantes para toda a família que vai assistir a uma de suas produções dessa vez foi pintada com tintas ainda mais carregadas do que as que ele usou em “Inteligência artificial” (sim, a relação mãe/filho é mais uma vez interrompida – nosso pequeno herói, Joe, começa a história perdendo a mãe em um acidente de trabalho). E tudo ficou açucarado demais. No final, o que deveria ser um novo padrão de narrativa acabou virando um grande pastiche que não reflete a obra nem de um nem de outro criador.

Por sorte, nem tudo está perdido! Se você tem mais de 12 anos e conseguiu atravessar toda a projeção sem se chutar, fique mais um pouquinho para ver os créditos. Ali, dividindo a tela com todos aqueles nomes, você encontra o filme “original”, em super 8, que os garotos planejavam fazer originalmente. E é sensacional. Tem humor, suspense, romance, aventura, sobrenatural – e até ótimas atuações. E tudo isso assinado por um provável futuro gênio do cinema, um tal de Charles (interpretado pelo jovem ator Riley Griffiths). Que, por sua vez, não é ninguém menos do que o próprio… Bom, eu espero que você tire suas próprias conclusões…

Com isso encerro minha temporada de filmes de verão – isto é, do verão americano, quando predominam entre os lançamentos do cinema aquelas produções que exigem muito pouco do raciocínio dos jovens que estão de férias nos Estados Unidos. Nos próximos dias, vou ver se invisto em algo mais, hum, sério – “Melancolia”, ou quem sabe “A árvore da vida”. Afinal, aqui estamos no inverno, tempo de fazer a cabeça funcionar, não é mesmo?

O refrão nosso de cada dia

“Disculpame”, La Portuaria – sim, mais um refrão que vem da Argentina, de uma banda verdadeiramente singular. Tão singular que o refrão é só a palavra que a canção traz no título. Pode usar para fazer as pazes com o seu desafeto. Eu garanto que vocês vão voltar…

Sandy, muito prazer

qui, 11/08/11
por Zeca Camargo |
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Eu já te entrevistei um bom par de vezes, Sandy. Já assisti a alguns de seus show – em especial aquele de “despedida” da parceria com seu irmão. Já li muitas entrevistas suas – e já te vi em incontáveis programas de televisão – inclusive no que eu trabalho, em outras reportagens que não assinei. Assim como milhares (milhões!) de fãs, eu achava que te conhecia bem – talvez com uma pequena vantagem com relação a esses outros admiradores, pelo fato de eu ter chegado um pouco mais perto de você, quase sempre em ocasiões profissionais. Mas só agora, depois que li a entrevista que você deu à revista “Playboy”, eu posso dizer que conheci uma Sandy diferente – talvez mais próxima do que é a Sandy “de verdade”. Talvez mesmo até uma Sandy mais “estudada” para provocar o público de uma revista masculina (nunca se sabe…) – mas, sem sombra de dúvida, uma Sandy mais honesta. E isso, nesse mundo deliciosamente maluco do “showbizz” é o que realmente interessa.

 

Sei que entro no assunto dessa sua entrevista com certo atraso – mas sei também que você vai compreender meus motivos. Teria sido fácil eu comentar em cima da divulgação da sua entrevista – um processo normal, quando se trabalha com mídia, de lançar algumas “aspas” (entre aspas mesmo, como a gente costuma dizer no jargão jornalístico), para criar um boca a boca a boca de algo que ainda não foi lançado.  Mas seria mais um comentário vazio, e certamente fora do contexto – tão estridente quanto todos os que vimos circular alguns dias atrás nesse meio que já tem uma queda para a histeria… Então preferi esperar que a revista chegasse às bancas, que eu pudesse ler com calma tudo que você falou – e aí sim, tirar minhas conclusões. E minha primeira reação, sem medo de me repetir, é essa: muito prazer, Sandy.

 

A essa altura, dois parágrafos depois (uma “distância” que a maioria dos cínicos de plantão na internet não costumam alcançar), creio já ter espantado os oportunistas que estavam só esperando para ler o que eu iria escrever para alfinetar não só suas repostas mais ousadas à “Playboy”, mas minhas própria palavras escritas especialmente para você. Assim, a essa altura, sinto-me à vontade para cumprimentá-la pela coragem e maturidade que você demonstrou ao longo da conversa. Mais do que sua opinião sobre práticas sexuais (já falo disso mais adiantes – tenho que afugentar mais alguns curiosos desavisados que improvável e teimosamente talvez tenham acompanhado o texto até aqui!), o que eu queria destacar é a sua transparência e, sobretudo, sua capacidade de surpreender não só seus fãs, mas também os marmanjos que tinham aquela fantasia sobre sua figura.

 

Fantasia essa que, como você colocou muito bem, era a da “virgem do Brasil”. Para eles (e elas também, certo meninas?), o ideal seria que você continuasse a cultivar essa imagem para sempre. Claro! Essa era a fantasia erótica perfeita para boa parte desse público. Mas ao contrário deles – que, mesmo sem admitir, adorariam viver numa eterna adolescência – você cresceu. Casou, transou, gostou (ainda que, como você deixa no ar na entrevista, de maneira bem-humorada, não necessariamente nessa ordem…). E agora se sentiu à vontade para falar sobre tudo isso. Esse desmanche da fantasia, creio, é o que causou tanta sensação com relação às suas declarações – e que, secretamente, arrasou o coração de milhares de admiradores com a própria vida sexual claudicante por todo o Brasil. Você acha que alguém que tinha você em alta conta nas suas fantasias eróticas gostou de ler você dizendo: “Se meu marido me acha gostosa, então pra mim já basta”?

 

Esse é, claro, apenas um exemplo da franqueza com que você encarou as perguntas – e que eu, como jornalista, tiro meu chapéu (para os dois lados, entrevistada e entrevistadoras – a editora Adriana Negreiros e a repórter Camila Gomes). Naquelas linhas, encontrei uma Sandy que, mesmo tendo sido pego de surpresa, eu talvez já esperava que existisse – afinal, você já é uma mulher, de 28 anos, num casamento feliz! Aliás, como você também coloca, a essa altura você é “uma pessoa bem resolvida, casada, tudo certo”! Ninguém vai admitir isso, mas o que deixou parte dos seus admiradores chocados foi isso – e não a sua opinião sobre prazer e sexo anal.

 

Acho que quatro mil toques depois (sem duplo sentido, por favor – como diria o “venerado” repórter Agamenon Mendes Pereira!), já podemos falar sobre isso – sem medo de estarmos sendo lido por alguém que só quer se aproveitar disso para fazer uma piada sem graça e gratuita (com você e/ou comigo), que não seria nada além do reflexo do próprio desejo reprimido de quem se manifesta. Mas eu divago… Vamos voltar para a entrevista!

 

Suas aspas “polêmicas” (sim, agora as aspas estão em outra palavra – e você sabe porquê) trazem a seguinte declaração, feita depois da colocação “Dizem que mulheres não gostam de sexo anal. Você concorda com isso?” (o fato de a pergunta ter sido feita por uma mulher mas colocada na “terceira pessoa anônima”, o tal “dizem”, cria um pequeno ruído na conversa, mas vamos deixar barato…): “Então… Não tem como responder isso sem entrar numa questão pessoal. Mas falando de uma forma geral, eu acho que é possível ter prazer anal sim, porque é fisiológico. Não é todo mundo, Deve ser uma minoria que gosta”.

 

Pronto! Foi o que bastou para que todo um levante de falsos defensores do pudor se manifestasse. Não faltaram os que se mostraram horrorizados – horrorizados! – com a possibilidade de que você, a Sandy dos sonhos deles, mostrasse que tinha uma opinião sobre um assunto que eles mesmos não têm coragem de discutir na sua intimidade, nem mesmo “dentro de casa” (a não ser que muito bêbados, numa noite em que finalmente eles resolvessem convencer suas esposas de tentar algo diferente…).

 

Percebe a ironia, Sandy? Esse time de pseudo defensores da moralidade viu na sua declaração uma oportunidade “mágica” de poder falar daquilo que não ousam – mas desejam… (ou, pelo menos fantasiam!). O tabu – que, ao que parece, você cutucou – não estava dentro da sua cabeça, mas justamente na daqueles que fizeram questão de se mostrar escandalizados – escandalizados! – com sua “ousadia”. Que é, diga-se, a de discutir – e, como ficou claro na edição da entrevista, de um ponto de vista genérico, e não pessoal – um assunto que eles fingem não existir.

 

Como ilustração, conto aqui um episódio que eu mesmo vivi recentemente – e que tem a ver com a sua entrevista. Numa conversa entre amigos (alguns deles jornalistas), acabamos caindo nessa sua declaração – que havia “explodido” na internet, e que, justamente por esbarrar num tema “delicado”, mostrava-se virtualmente impossível de repercutir. Que outro veículo, que não a própria “Playboy”, teria espaço para tratar do assunto – que tornou-se, sem dúvida, popular –, de uma maneira que não fosse vulgar? Nem preciso dizer o quanto a discussão foi ficando cada vez mais “quente”, até que a certa altura, eu já um pouco irritado com o nível crescente da hipocrisia sugeri: “Por que não começam a repercutir o assunto em casa, para ver a reação das suas esposas e maridos – e aí sim ver uma maneira interessante de desenvolver uma matéria?”.

 

O assunto acabou ali mesmo.

 

Percebe o que você fez, Sandy? Chacoalhou a intimidade de um monte de casais – e mesmo de solteiros com mentes “criativas” –, simplesmente porque deu uma opinião (genérica, e não pessoal – é bom sempre reforçar) sobre um assunto que mesmo gente que se diz tão liberada, tão “moderna”, tão “cabeça aberta”, não consegue discutir sem melindres. Foi divertido ver o desenrolar desse quiproquó nesses últimos dias – uma “bola de neve” que, como tudo que é “polêmica” que surge na internet, passou mais rápido do que o calendário conseguiu acompanhar…

 

Mas o que fica disso, pelo menos para mim, é a imagem de uma artista ainda mais legal – que é você. É realmente delicioso ver que você cresceu, e essa parte dos seus fãs não… É um pouco como se você agora estivesse dando o troco – depois desses anos todos deixando sua imagem ser explorada (um processo que tinha, pelo menos em parte, a sua cumplicidade), parece que agora você é quem estivesse finalmente manipulando eles, como quem diz: “tolinhos… vocês acham que podem controlar o que eu penso…?”. Nada disso, eu entendi bem. Por isso, renovo minha confiança em você como uma pessoa bacana, Sandy.

 

E escrevo isso não pelas aspas do sexo anal, mas por tantas outras ao longo da entrevista, que me convenceram de que você – independente do rumo que sua carreira for tomar (cantora? atriz? mãe?) – está com as rédeas da sua vida na mão. Afinal, quantas pessoas, ao serem perguntadas sobre um outro assunto tão delicado como a traição no casamento, sem se apoiar na surrada muleta da religião, teria a lucidez de responder: “Homem gosta de sexo, gosta de variedade, gosta de experimentar. Só que, quando ele tem um autocontrole e um amor tão grande, isso dá força para se controlar e ele consegue ser fiel.”?

 

Vai que a vida é sua Sandy. E se a gente se encontrar por aí numa outra entrevista – nunca se sabe – pode contar com o dobro de respeito e o dobro da admiração que eu já tinha por você!

 

Um beijo.

 

O refrão nosso de cada dia

 

“Kore ga Watashi no Ikiru Michi”, Puffy – que tal um refrão em japonês? Na verdade, acho que essa música – que descobri na primeira viagem que fiz ao Japão, em 1998 – tem até mais de um refrão… Isso mesmo: para uma faixa pop, ela é extremamente complexa (ou vai ver eu estou exagerando só porque ela é japonesa…). Durante anos – até a internet me ajudar – cantei essa música sem ter idéia do que ela queria dizer. Hoje é fácil achar um site com a tradução da letra (que é, afinal, sobre o prazer de aproveitar a vida), mas bom mesmo, se me permitir a sugestão, é você decorar o que Ami e Yumi (as duas “meninas” do Puffy) falam e ir cantando só pelo som – nem que seja só o “sayonara” no final…

Os 30 melhores videoclipes da história (você não precisa concordar comigo)

seg, 08/08/11
por Zeca Camargo |
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No último post, por conta do aniversário de 30 anos da MTV americana, eu pensei em propor dois, digamos, “exercícios criativos” (ou dois desafios) para você. O primeiro, que muitos responderam com gosto (e um certo brilho), era aparentemente simples: montar uma sequência de cinco videoclipes que pudesse “vender” um canal de música que estivesse estreando hoje em dia – que ao mesmo tempo se apresentasse como moderno e reverente ao passado; que falasse com mais uma “tribo musical”; e que mostrasse que o “novo” formato (o videoclipe) pudesse ser explorado como uma forma de arte.

Como ficou claro, o desafio, como escrevi, era só aparentemente simples. Passar todas essas idéias em apenas 5 clipes é praticamente impossível… Mas, pelo visto, foi pelo menos divertido de pensar nisso (vale a pena conferir os comentários enviados!). Mas o que dizer então do próximo desafio?

Ele também é inspirado no aniversário da MTV – mais precisamente num artigo do site da revista “Time” que, para celebrar a data fez uma lista dos… 30 melhores clipes de todos os tempos! 30 videoclipes! Seria possível mesmo contar a história dessas três décadas em apenas 30 “capítulos”? Bem, se a “Time” tentou, por que eu também não posso tentar? E por que não você?

Ninguém, claro, vai fazer uma lista que seja definitiva (por que você acha que eu inclui aqueles parênteses no título do post de hoje?). Nem a da “Time”, na minha opinião, é muito boa – digamos que eu concordo com cerca de um quarto dela. Mas isso não foi obstáculo para eu tentar fazer a minha – e apresentá-la hoje aqui para você.

Assim, sem me alongar demais, vamos a ela? Só alguns lembretes antes: ela está numerada apenas por uma questão de ordem – e não de preferência. Mesmo assim essa ordem, que tenta ser cronológica, também não está muito apurada – é mais uma associação de idéias. A lista não pretende ser uma verdade absoluta (e eu suplico que você leia essa frase antes de escrever seu comentário furioso) – e nem eterna. Como novos artistas vão aparecer no mundo do pop, é bem provável que, no dia em que a gente fizer uma lista de 40 anos da MTV (uau!) ela seja totalmente diferente. Ainda, para cada escolha, eu faço uma breve justificativa – que é, como tudo que escrevo aqui, bastante idiossincrática (e se você tem problemas com essa palavra, certamente vai ter com minha seleção…).

Sabendo de tudo isso, aproveite a seleção – e no final… aceite o meu convite! Vamos à lista:

1)  “Once in a lifetime”, Talking Heads – este é o clipe que abre a lista da “Time” e eu achei mais que justo que abrisse a minha também. Como quase tudo que o Talking Heads fez, é moderno até hoje! Uma colagem absurda de ideias, com a performance quase extraterrestre de David Byrne. Perdi a conta de quantas vezes fiz aquele movimento com os braços (como se um estivesse fatiando o outro) em pistas de dança dos anos 80. E nunca decepcionei.

2) “Legal Tender”, The B-52’s – uma lição de simplicidade. Filmado com um orçamento que não deve ter ultrapassado os 100 dólares (já incluídas as perucas das meninas), o clipe é um show de despojamento – e de alegria. Que prazer é ver (até hoje, pela milésima vez) Kate Pierson e Cindy Wilson cantando “and heavy equipment… we’re in the basement”, como se elas estivessem tendo um orgasmo quádruplo qualificado! E o que dizer da parte instrumental ilustrada apenas com uma guitarra girando num pedestal, com as notas tocadas assinaladas nas suas cordas? Gênio! Gênio! Gênio!

3) “Rio”, Duran Duran – quando vi este vídeo pela primeira vez (lembro-me direitinho!) pensei: o futuro chegou! Além de todos os excessos visuais dos anos 80 – quesito no qual a banda era especilaista –, a edição ainda colaborava mostrando cortes, janelas e efeitos “modernos” e “inovadores”. Tudo, claro, com cara de antigo hoje. Mas em 1982, acredite: isso era o futuro!

4) “Sledgehammer”, Peter Gabriel – para que discutir com um clássico? Lembro-me que quando ouvi a música pela primeira vez no rádio (antes era assim que a gente tomava conhecimento dos lançamentos, sabia?), achei um pouco estranha… Meio chata até. Mas aí vi o vídeo – e eu já não podia resistir. Uma animação de “massinha” – como a gente fala no Brasil –, que tinha tudo para parecer tola (ou mesmo infantil). E acabou virando, como eu disse, um clássico – que o próprio Peter Gabriel jamais conseguiria repetir.

5) “Bad”, Michael Jackson (Parte 1 e parte 2) – uma ode ao exagero. Muitos fãs vão reclamar que eu não incluí “Thrillher” nesta lista. Reconheço seu pioneirismo – e sua qualidade de divisor de águas. Mas eu tenho cá meus problemas com essa música (fora os problemas que eu tenho com histórias de lobisomem…). Por isso, se é para celebrar os excessos de Michael Jackson, eu fico com “Bad” – que marcou seu ressurgimento – e em grande estilo (e também o ponto alto de formato, que nunca mais teria tanto orçamento assim…). Você provavelmente só viu a metade do clipe inteiro – a segunda parte, aquela em que Michael canta e dança. Mas, na sua totalidade, a “obra” é um verdadeiro curta metragem, com roteiro, elenco, boas interpretações (Wesley Snipes!), e até a direção de Martin Scorsese. Preparado para encarar seus 18 minutos? Então aproveite, porque, pelo menos dessa vez, todos os exageros são recompensados.

6) “Like a prayer”, Madonna – nunca, nem quando fez o vídeo de “Erotica”, Madonna foi tão ousada. A essa altura da carreira, ela estava com tudo na mão, podia fazer qualquer tipo de provocação – e fez. Mexeu com religião, com racismo, com sexo – e deixou a “cama pronta” para uma geração (ou mais) de divas que viria depois dela. E tudo isso com uma das melhores músicas de toda sua carreira (se for discordar, é melhor vir cheio de razão…). Madonna está linda, sem apelar. Está falando sério, sem perder o glamour. E nos emociona sem ser piegas. Não foram poucos os vídeos maravilhosos que ela nos ofereceu – mas nada se compara a “Like a prayer”.

7) “Freedom (90)”, George Michael – não dá para não ter trabalhado na MTV no começo dos anos 90 e não incluir esse clipe na lista. Na época, George Michael era Deus! E seus súditos, todos, cantavam “Freedom”. O golpe de mestre aí – além de ser pano de fundo para uma música icônica – foi ter substituído o próprio artista por modelos exuberantes (quando as modelos ainda dominavam o mundo – Linda! Christie! Naomi!). Todas gritando por liberdade – e nós com elas! E isso tudo enquanto a jaqueta que Michael usou em “Faith” pegava fogo no armário…

8 ) “Groove is in the heart”, Dee-lite – outra escolha previsível para quem trabalhou na MTV no início dos anos 90 – como eu! Mesmo descontando o fato de esse ter sido o primeiro clipe internacional que “nós” colocamos no ar, é preciso reconhecer que raras vezes um vídeo foi tão divertido. De fazer você ter vontade de ter participado das gravações… Sem falar que aquela introdução de Lady Miss Kier perguntando como se pronunciavam algumas palavras é um dos melhores deboches que a MTV já passou em todos os tempos. E em altíssima rotação…

9) “Losing my religion”, R.E.M.” – esse, para mim, significou o auge da minha época de ouro na MTV Brasil. Eu literalmente parava para assistir todas as vezes que ele passava – e não eram poucas… De maneira brilhante, o R.E.M. levava Arte (com maiúscula mesmo) às massas, sem nenhuma pretensão – nem mesmo os exageros que viriam dali para frente (como vídeos como “November rain” podem comprovar…). Aquela introdução com a banda correndo e olhando para cima me assombra até hoje. Mais até que o bandolim da canção…

10) “World”, New Order – uma das melhores bandas que surgiram no universo do pop – o New Order – nunca foi muito boa de vídeo. “Round & round” chegava perto de uma coisa ousada, mas nada à altura do brilho de sua música. Aí, no início dos anos 90, eles vieram com as imagens de “World”. Na letra, eles cantavam: “That’s the price of love” (“este é o preço do amor”). E na tela a gente via uma representação alternativa – e decadente – disso… Filmado em Cannes, em belíssimos planos-sequência (os membros da banda fazem aparições “hitchcockianas”), o vídeo desfila milionários setentões (homens e mulheres) e seus (suas) “amantes” – lindos, gloriosos – vendendo o que têm de melhor. Uma das provocações mais sutis que eu me lembro da história do videoclipe.

11) “Smells like teen spirit”, Nirvana – é possível acrescentar alguma coisa sobre esse vídeo, ainda hoje? Não tenho ideia como os executivos da Geffen (então a gravadora do Nirvana) convenceram Kurt e o resto da banda a embarcarem naquela viagem. Mas tudo acabou se encaixando tão perfeitamente que hoje é impossível ouvir a música e não se lembrar das “cheerleadres” frenéticas tentando animar uma platéia apática. “Retrato de uma época” – sem ter medo de exagerar (nem do clichê!).

12) “Nothing compares 2 U”, Sinéad O’Connor – nunca viu esse clipe? Só com o rosto (angelical) de Sinéad cantando, em um close super fechado, olhando diretamente para a câmera? Então faça já sua lição de casa – e depois volte aqui para admitir que nunca você viu uma imagem musical que te deixasse tão emocionado…

13) “Intergalatic”,Beastie Boys – a “Time” preferiu “Sabotage”, mas eu fico com “Intergalatic”. Os dois clipes são deboches descarados de filmes “antigos” (digamos, anos 70). Mas enquanto “Sabotage” foi mais para o gênero espionagem, “Intergalatic” enveredou pela ficção científica – e ficou sensacional (além de a música ser melhor!). Ficou difícil ser irônico depois disso (só o Fat Boy Slim conseguiu fazer melhor – mas eu já falo disso).

14) “Song 2”, Blur – tão breve como a música, o vídeo não dá voltas para falar ao que veio: destruir, destruir, arrasar. Em menos de dois minutos, banda e instrumentos estão voando pela sala, com a mesma intensidade daqueles acordes. Não era para detonar tudo? Então, missão cumprida. U-hú!

15) “Around the world”, Daft Punk – a regra geral é que clipe de música “dance” é difícil de aguentar. Ainda mais quando a faixa é quase toda instrumental. O caso de “Around the world” é ainda mais grave: o refrão funciona quase como um som solto – não uma letra… E a solução foi fazer uma das mais complicadas coreografias circulares que alguém já inventou. Na verdade, é tudo muito simples. Mas é extremamente complicado! Múmias, astronautas, nadadoras – e até uma espécie de “bonecos de Olinda”, dançam em círculo como se fizessem isso desde que nasceram. E você não cansa de ver – quer apostar?

16) “Let forever be”, Chemical Brothers – como explicar esse vídeo para quem nunca o viu? Digamos que é um dos mais elaborados quebra-cabeças visuais que alguém já resolveu filmar. Efeitos “tridimensionais”, geralmente produzidos apenas por computador, são transportados para o mundo físico, num “tour de force” de ilusionismo, perspectiva e golpe de vista. Bem, eu tentei, mas o clipe é literalmente indescritível. E se essa lista tivesse de ser reduzida a apenas dez itens, esse não ficaria de fora. Ah! A música ser boa ajuda bastante!

17) “No surprises”, Radiohead – Thom Yorke dá uma novo sentido à expressão “sacrifício pela arte”. A idéia é bem simples: ele está com um capacete de vidro que vai enchendo de água enquanto ele canta. Sim, você já entendeu: ele flerta, muito de perto, com a asfixia (e se você viu o impecável documentário sobre a turnê de “OK Computer”, “Meeting people is easy”, vai ver que as gravações foram uma verdadeira tortura). Um enorme sofrimento sim, mas não dá para reclamar, quando o resultado vai além do sublime…

18) “Weapon of choice”, Fatboy Slim – esse é outro vídeo que me deixou na dúvida… Eu quase escolhi um outro de Fat Boy Slim – “Praise you”, pela situação completamente absurda que ele consegue criar (basicamente um bando de bailarinos amadores fazendo uma coreografia mal ensaiada na frente de uma fila de cinema – uma espécie de “reality clipe”). Mas se essa descrição já parece surreal, “Weapon of choice” consegue se superar. É até fácil de resumir em uma frase: o ator Christopher Walken “dançando” a música num lobby gigantesco de um hotel, que está vazio. Mas se o choque de ver Walken sacolejando ao som de Fatboy Slim não for suficiente para te impressionar, imagine que ele sai dançando também pelas paredes…

19) “All is full of love”, Björk – sim, a música já é maravilhosa. Mas Björk – que podia simplesmente ter mais um ataque de esquisitice, inventar uma nova peruca, e sair cantando – deu um salto ainda maior: “transformou-se” em robô e fez com que a gente acreditasse que o sexo, no futuro, será mais sensual do que hoje. E também mais romântico – mesmo que não seja entre humanos…

20)  “Come into my world”, Kylie Minogue – se você assistir a esse vídeo apenas uma vez, talvez não vá encontrar nada demais. Mas assista uma segunda vez. Depois uma terceira. Quem sabe até uma quarta… Enquanto Kylie passeia pelos quatro cantos de um cruzamento, as coisas em volta dela vão se multiplicando – ou ainda, a própria cantora vai se multiplicando. Tudo muito sutil – e brilhantemente editado (eu queria saber como foi essa edição!). É como se alguém estivesse brincando com o seu olho – mas da maneira mais esperta possível. Tão bom que quase faz você gostar da música – que, assumidamente, não é a melhor do seu geralmente ótimo repertório pop.

21) “Hey ya!”, Outkast – já valeria uma entrada nesta lista pelo truque de fazer uma banda só com “Andres 3000”. Mas vou fazer uma lista breve aqui de outras coisas que, juntas, transformaram essa música num sucesso mundial – e eterno. A fã que invade o palco; as crianças dançando na frente da TV; a mãe na platéia assistindo ao show com cara de aborrecida; a perfomance do “Andre cantor”; as meninas desmaiando; as garotas que tiram Polaroids; as próprias Polaroids sacudindo – e isso não é tudo. Tenho certeza de que você pode acrescentar alguns itens a esses…

22) “Here it goes again”, OK Go! – eu tenho a impressão de que nem os caras da banda sabiam que estavam diante de um vídeo tão icônico quando filmaram tudo. A coreografia em cima das esteiras de ginástica era algo tão brilhante, que foi um dos primeiros sucessos estrondosos do Youtube. Elaboradíssima, ela acabaria sendo um problema para o próprio OK Go! Como fazer algo melhor que aquilo? Apesar de outros clipes extremamente criativos, eles ainda não tiveram sucesso (se bem que o vídeo de “All is not lost” chegou perto…).

23) “The hardest Button to Button”, The White Stripes – difícil escolher o melhor clipe do White Stripes… Acabei sendo influenciado pela lista da “Time” – que também selecionou “Button”. Não tem a sofisticação (e a exuberância) visual, por exemplo, de “Seven nation army”. Nem o puro espírito lúdico de “Fell in love with a girl”. Mas tem uma coisa essencial para entrar para a história – pelo menos para a história de videoclipes: uma ótima (e original) ideia. Instrumentos se reproduzem e se deslocam na batida da música – e que batida! Só isso. E é genial.

24) “Going on”, Gnarls Barkley – outra carona que peguei na lista da “Time”. Esse vídeo é, digamos, um clássico esquecido – aliás, um clássico em que quase ninguém prestou muita atenção. O que é uma injustiça! Gravado na Jamaica, de maneira aparentemente tosca, “Going on” tem mais vibração do que dezenas de bailarinos dançando enfileirados num cenário pretensioso (sim, você sabe de que vídeos eu estou falando…). Tudo bem que a música já é excelente, mas um clipe assim leva qualquer faixa a uma outra dimensão (e não estou nem fazendo referência à “porta da percepção” que os personagens cruzam logo no começo do vídeo).

25) “Who’s gonna save my soul”, Gnarls Barkley – como assim? Madonna na lista com um vídeo apenas? Bem como Michael Jackson? Lady Gaga (mais à frente) também só comparece com uma entrada? E esse tal de Gnarls Barkley vem com dois vídeos na minha seleção? (Aliás, quase três, porque por pouco eu não incluí “Crazy” também…). Bem, minha única defesa é pedir para você assistir ao vídeo – se é que você ainda não chorou na frente de uma tela vendo esse clipe… Da imagem inicial – do ponto de vista de dentro da boca de um cara – ao trecho inteiro onde a música fica em segundo plano (o diálogo que rola é mais importante!), tudo é absolutamente brilhante e inesperado. E ainda tem o coração agonizando…

26) “Sheena is a parasite”, The Horrors – talvez a escolha mais estranha de toda a lista (e também a mais bizarra). Das bandas dos últimos anos – isto é, que não lançaram mais que dois álbuns –, The Horrors é uma das minhas favoritas. A música é breve, mas as imagens – bem escuras, em sua maioria – são muito fortes. Cuidado para não levar um susto…

27) “Single ladies (put a ring on it)”, Beyoncé – preciso explicar?

28) “Bad romance”, Lady Gaga – com toda a loucura do conjunto de sua obra, Gaga praticamente redefiniu o que um videoclipe deve ser no século 21. Do épico “Paparazzi” ao messiânico “Judas”, tudo ali é diversão – inclusive aquela “montanha russa colorida” que era “Telephone”. Mas em “Bad romance” ela atinge um equilíbrio perfeito entre arte, pop, delírio, performance – e boa música. Mesmo com todo aquele exagero (o que são aqueles olhos de Lady Gaga?), o vídeo é bastante sexy – e tem até um bom toque de humor no final (com aquele sutiã “mortal” soltando faísca). A perfeição.

29) “Born free”, M.I.A. – já falei deste clipe aqui no blog. E repito: é muito bom! Proibido em vários sites (inclusive no Youtube), ele traz imagens chocantes de um massacre – não a nenhuma etnia específica, mas a um inofensivo grupo de… ruivos! A mensagem é óbvia, mas não menos forte. M.I.A. consegue ser política – sem nem aparecer em uma cena. Não é para os fracos do coração, mas a maior coragem nesse caso – é bom lembrar – não é de quem assiste, mas de quem faz…

30) “Friday”, Rebecca Black – depois de trinta anos de uma história cheia de inventividade e ousadia, quando você acha que o videoclipe vai chegar a um outro horizonte de inovação e criatividade, vem uma garota chamada Rebecca Black e apaga tudo que a gente sabe, conseguindo uma audiência (pelo menos no Youtube) maior do que muitos dos artistas acima combinados. Aposto que você já está esquentando os dedos para protestar com um comentário. Pode mandar. Mas negar que “Friday” inverteu tudo que a gente sabia sobre vídeos, isso é impossível. Ame ou odeie – ninguém mais vai conseguir esquecer aqueles moleques no carro gritando “yeah!” por muitas e muitas gerações!

E mais dois que eu queria incluir aqui por razões extremamente pessoais… Eles nunca entrariam em qualquer lista séria de “melhores clipes”, mas ambos são referências fortes para mim. Por que? Porque conseguem transmitir com muito pouco as duas coisas mais fortes que podem acontecer com seu coração: uma paixão e uma decepção. Veja se você adivinha qual fala do quê…

31) “Lost cause”, Beck

32) “Algo”, El robot Bajo el Agua

Mas agora é sua vez! Falei que esse era o segundo “desafio” que o aniversário 30 anos da MTV me inspirou. Bem… Eu já fiz a minha lista de 30 clipes – será que você tem fôlego para fazer a sua? Ou pelo menos acrescentar alguma coisa a esta? Vejamos…

O refrão nosso de cada dia

“Chihuahua”, Luis Oliveira and his Bandodalua Boys – depois desse “modesto” festival visual, eu acho que você merece um descanso – pelo menos para seus olhos. O link acima leva a apenas uma gravação – e não a um clipe. Esse é um mambo delicioso (e hilário!). E se você quiser cantar, a letra é simples – é só repetir comigo: “chihuahua”!!!!

Como começar um canal de música

qui, 04/08/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Na última segunda-feira, a MTV americana “comemorou” seus 30 anos de existência. As aspas no verbo comemorar são por conta do ligeiro constrangimento com que eu imagino a emissora, que se espalhou pelo mundo com um enorme sucesso, celebrou a data. Afinal, para uma ideia que foi criada toda em cima de um conceito de juventude, assumir que está entrando na sua quarta década de vida, não deve ser fácil… E olha que eu falo isso do alto de quem já está quase entrando na sua sexta década de existência!

Mas comentar sobre essa contradição seria fácil – uma piada muito pronta. Além do que, seria de minha parte extremamente deselegante olhar com maldade uma referência que foi tão importante na minha carreira e na minha formação (para não me alongar, em outubro do ano passado comente aqui mesmo neste espaço sobre minhas primeiras lembranças da MTV Brasil , bem como meu reencontro com o canal no seu aniversário de 20 anos – fique à vontade para ler, ou reler, sobre isso). Não me interessa a crítica mais fácil – a de que a “music television” já não toca mais música como antigamente (você sabia que o logotipo do canal já não tem mais a assinatura “music televison” debaixo daquele “M” enorme?). O que eu quero hoje é propor um, digamos, exercício lúdico para você – e para mim!

Será até um bom refresco depois das densas meditações que nosso post anterior sobre as origens das nossas paixões – meditações essas, diga-se, que me acrescentaram muito, especialmente lendo alguns dos comentários (estou resistindo à tentação de divagar…). O que peço a seguir é um envolvimento seu sem compromisso – com um espírito tão lúdico quanto todas as listas que eu já publiquei aqui sempre trouxeram.

Sim, listas! Uma mais simples – ou, pelo menos, aparentemente simples. E outra bem mais complicada – de fato!

Vamos começar com a primeira? Ela tem a ver diretamente com o aniversário “trintão” da MTV americana – e a idéia veio quando, pesquisando sobre essa estréia, descobri que a Wikipédia tem uma página com os primeiros videoclipes que a emissora transmitiu . É uma seleção para lá de curiosa – mesmo levando-se em conta que o formato ainda estava engatinhando na época…

A MTV certamente abriu um espaço definitivo para essa forma de expressão (e, ouso dizer, até de “arte”!). Mas não foi ela, claro, que “inventou” o videoclipe. Muitos artistas – notoriamente o sempre pioneiro Queen entre eles – já experimentavam com “músicas filmadas” (algo que ainda nem tinha um nome oficial ainda). E o que a MTV fez então foi pegar o que já existia e tentar fazer daquilo uma programação. Ou ainda, para ficar mais dentro da linguagem jovem da TV, o que eles fizeram foi “se virar com o que eles tinham”…

E o que eles tinham? Bem, todo mundo sabe que o primeiríssimo clipe exibido pela MTV americana foi o icônico “Video killed the radio star” (tradução: “O vídeo matou a estrela do rádio”…), de uma banda há muito esquecida (merecidamente) chamada The Buggles (numa nota irônica, a música “Video killed the radio star” havia sido lançada em setembro de 1979 – o que significa que a MTV estreou com uma música “velha” já de dois anos…). Mas e os vídeo seguintes? Aqui está a lista dos cinco primeiros:

1)              “Video killed the radio star”, The Buggles

2)           “You better run”, Pat Benatar

3)           “She won’t dance with me”, Rod Stewart

4)           “You better you bet”, The Who

5)          “Little Suzie on the up”, Ph.D.

Chocado? Chocada? Bem, enquanto você recupera sua respiração, vamos refletir um pouco sobre essa curiosa introdução. Mesmo não sendo um lançamento – como brinquei acima –, abrir com a música do Buggles. Nem que fosse pela cruel ironia… Pat Benatar na sequência – uma figura que muitos dos que passam por aqui (mais jovens que a própria MTV) devem estar se perguntando quem é – fazia bela figura na época e sua escolha me parece ter sido com a intenção de sinalizar que aquele não seria um canal “para meninos”… Rod Stewart veio depois – e (pasme) está no contexto, pois ele, apesar de ser uma figura bem anos 70, ainda era extremamente popular no início da década de 80 (a música escolhida, pode-se argumentar, não era a melhor de seu repertório, mas mesmo assim…) . The Who aparece em quarto também como um sinal, algo como “este canal aqui também vai prestar atenção ao passado do rock e do pop”. E eu diria que gostei inclusive da escolha da faixa – ouvindo “You better bet” hoje pela manhã ela me soou extremamente moderna. Agora o mais curioso mesmo é o quinto clipe que eles passaram – de uma banda que eu nem sabia que existia, essa tal de Ph.D., uns ingleses que fizeram sucesso (bem) moderado entre 81 e 82. E o que eu acho curioso nisso é que, entre todos esses primeiros vídeos que passaram, eram eles que apontavam o melhor caminho para as possibilidades que o formato iria trilhar nas décadas seguintes…

Agora, que tal se você se colocasse no lugar do cara – ou da menina – responsável por esse primeiro “playlist”… Imagine-se diante da tarefa complicada de “vender” o conceito de um canal – ou, mais que isso, vender toda a filosofia de uma emissora que estava nascendo, que queria mostrar que chegava para falar de música, de coisas jovens, de comportamento, de ousadia. E ainda: tendo que se virar com o que ela (ou ela) tinha… Nada fácil, não é? Que tal encarar um desafio desses?

Como sempre, claro, jogo eu aqui a primeira pedra. Se eu estivesse diante de uma missão como essa (que, só lembrando, quer tentar agradar a todo tipo de público musical), eu acho que apresentaria a seguinte seleção – para estrear um canal que (hipoteticamente) não existisse com o (abundante) material vídeo-musical que temos hoje disponível:

1)              “Crystalline”, Björk

2)           “Seven nation army”, The White Stripes

3)            “Single ladies (put a ring on it)”, Beyoncé

4)           “Losing my religion”, R.E.M.

5)             “All is not lost”, OK Go

Não quer tentar a sua lista também? Lembre-se, eu falei que só “parece” fácil, mas tente encaixar todos esses conceitos em apenas cinco vídeos! E não pense só nas músicas, pense também nas imagens. Enquanto você quebra a cabeça aí, eu vou me preparar para o próximo desafio – que tem a ver com o mesmo aniversário de 30 anos da MTV americana… Mas que eu só vou te apresentar na segunda-feira. Até lá aguardo sua “programação de estreia”…

O refrão nosso de cada dia

“Digging your scene”, Blow Monkeys – aos que reclamam que eu tenho uma fixação nos anos 80, aqui vai mais uma prova disso. O que eu posso fazer se eu cresci (musicalmente) numa década que era tão variada musicalmente como essa? Deixe seu preconceito de lado e mergulhe nesse delicioso refrão, que tem tudo: tem suingue, tem pegada, tem malícia, e é tão sexy quanto aqueles tempos pudicos permitiam…

 

Nós, espectadores

seg, 01/08/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Existem duas maneiras de decifrar o “enigma londrino” que propus na última quinta-feira. A primeira, claro, é a mais simples – que muitos dos que passaram aqui para deixar um comentário sobre esse post executaram com louvor: mergulharam aqui mesmo na internet e, cientes (talvez) de que eu estava a semana passada em Londres, por conta, entre outras coisas, de uma reportagem sobre a morte de Amy Winehouse, tentaram ver o que acontecia na vida cultural da cidade nesses dias. E chegaram sem dificuldades às pistas seguintes, seguindo a ordem das imagens que apresentei: 1) que na Whitechapel Gallery , está montada uma exposição do sensacional fotógrafo alemão Thomas Struth; 2) que fui conferir as homenagens que fãs de Amy Winehouse fizeram na frente de sua casa, em Camden, o bairro onde ela vivia; 3) que está em cartaz, no teatro Wyndham, no West End, uma elogiada versão de “Muito barulho por nada”, de William Shakespeare – se não exatamente revolucionária, pelo menos elogiadíssima.

É possível ainda, a partir dessas três pistas, fazer um sem-número de conexões – e muitas pessoas chegaram perto, com boas tentativas (a do Gabriel Lima, por exemplo, é um primor). Os que, como ele (mas de maneira mais simples), sugeriram que a morte de Amy Winehouse teria gerado “muito barulho por nada”, também chegaram perto – assim como quem pesquisou fundo na obra de Struth para arriscar que, ao fotografar visitantes de museus observando grandes obras (como ele fez num período de sua carreira), eu estava insinuando uma ligação entre o público e as celebridades. A segunda maneira de decifrar o enigma que propus passa exatamente por isso – por um exercício (que, espero, tenha sido desafiador), de “unir os pontos” de três fortes referências culturais. Mas o próprio significado de tudo isso, que eu tirei de uma  reflexão bem pessoal, só mesmo eu poderia oferecer – fruto de ideias que essas três experiências (que vivi no mesmo dia, na última quarta-feira) geraram. E é exatamente isso que ofereço a você agora, que é meu leitor assíduo – ou minha leitura assídua.

(Sem medo, aliás, de ter envolvido até aqui os melindrados de plantão que não se interessam em nada além do que ler o primeiro parágrafo de um texto com mais linhas do que eles jamais esperam escrever durante todo o ano, e que insistem que só existe um formato para quem quer escrever na internet – será que essas pessoas sabem que é possível ler um livro inteiro aqui mesmo na rede? Ou melhor, será que elas sabem o que é um livro? De qualquer maneira, antes que eu comece a divagar, acho que esses dois primeiros parágrafos já afugentaram esse gênero de leitor – e agora, mesmo que eu quisesse fazer as críticas mais severas, ou mesmo absurdas, à cantora que foi encontrada morta no último dia 23, eles já não estariam aqui para ler. O que é, claro, um alívio… Mas agora, finalmente, eu divago – e vamos então voltar para nosso enigma).

No próprio dia em que cheguei a Londres desta vez – terça-feira passada -, fui conferir o movimento em frente à casa onde Amy morava havia apenas alguns meses. Fui sem equipe de TV (só gravaria por lá no dia seguinte), movido apenas pela curiosidade de ver de perto como as pessoas estavam manifestando o luto pela perda de uma celebridade querida – um estranho ritual moderno que, como escreveu com muita perspicácia uma jornalista do “The Guardian”, hoje em dia envolve deixar retratos (de preferência tirados com o artista em questão), bilhetes, flores, eventualmente garrafas de bebida, e tirar fotos em frente do local…

Tudo isso, de fato, acontecia por lá, ao mesmo tempo em que uma movimentação de fotógrafos “oficiais” registravam tudo – sabe-se lá para que veículo (uma senhora grisalha, que parecia tudo, menos fã de Amy, me contou que trabalhava para um jornal da “sua pequena cidade a oeste de Londres”, sem dar mais detalhes antes de prosseguir com seu “trabalho”, como que para não deixar esfriar a articulações dos seus dedos que furiosamente disparavam sua câmera digital). Eu sabia que voltaria para lá no dia seguinte – para as gravações propriamente ditas – e então tratei de chegar logo ao hotel, para dormir cedo e tentar driblar o fuso de quatro horas para frente. Eu estava praticamente me forçando a cumprir o que havia planejado para o dia seguinte, antes de me apresentar ao trabalho: uma corrida no Hyde Park (quem disse que eu parei de me exercitar só porque o quadro do “Fantástico” já acabou?), e uma rápida visita à Whitechapel.

Acordei cedo e meio com sono – mas mesmo assim, fui bem na primeira parte (incrível com a gente aprende a gostar de correr!), fazendo um circuito generoso que passava pelo Albert Memorial, pela Serpentine Gallery (que eu só visitaria a fundo no dia seguinte, conforme minha programação), pela fonte “memorial” da Princesa Diana – e até pelas fontes italianas no parque. Entusiasmado com o percurso, acabei me atrasando para a Whitechapel. Ao chegar lá, porém, preocupado com o tempo, tive uma espécie de “choque de reconhecimento”. A primeira imagem que recebe o visitante na galeria principal é um díptico enorme, justamente da fase do fotógrafo em exposição sobre visitantes de museu. E comecei a pensar…

Struth é um artista extremamente versátil – e ironicamente coerente (se bem que dificilmente percebemos essa coerência num primeiro encontro com sua obra). Na retrospectiva da Whitechapel, como descobri em seguida, conheci várias outras fases suas – duas especialmente interessantes (uma de ruas urbanas vazias e outra de imagens de famílias pelo mundo). Sua fixação, relativamente recente, por ambientes aparentemente caóticos e inabitados (salas de laboratório, turbinas gigantescas, alas amontoadas de tubulações) teve um efeito quase hipnótico sobre mim. Mas o que ainda me mais me impressionou mesmo (e impressiona ainda) é seu trabalho nos museus – que, aliás, o tornou conhecido mundialmente.

Quando vi aquele primeiro díptico, fui imediatamente remetido às cenas do dia anterior na frente da casa de Amy – e me vi exercitando, espontaneamente, o mesmo olhar do fotógrafo. Eram situações diferentes, claro, mas com curiosos pontos de ligação. Percebi que os olhares daqueles turistas captados por Struth eram tão perdidos quanto os das pessoas que circulavam pela vizinhança de Amy. Nos dois casos, a sensação era a de que estavam diante de algo grande, quase extraordinário – de uma presença muito além da física (no caso do museu, as obras; no caso de Amy, suas memórias) -, mas que não conseguiam explicar. E nos dois casos – dos turistas e dos fãs – espectadores e espetáculo pareciam se misturar.

Ao voltar a Camden na hora do almoço, logo depois de minha visita à Whitechapel, quando reencontrei as mesmas cenas do dia anterior, a conexão ficou ainda mais forte. Os fãs, como se tivessem sido “clicados” por Struth, tornavam-se a própria atração. Iam lá viver seu luto e deixar suas homenagens à cantora morta, mas involuntariamente transformavam-se também no próprio espetáculo.

Já gravando “para valer”, conversei com pessoas que nem sabiam o que as tinha levado até lá – sentiam apenas que “precisavam ter ido”. Por exemplo, uma família de turistas brasileiros, de passagem por Londres nas suas férias, estavam lá por uma recomendação inesperada da guia de turismo que a acompanhava. “Ela disse que todo mundo estava vindo para cá”, contou-me uma adolescente do grupo, “então nós viemos”. O “velório informal” de Amy havia virado uma atração – que recebia pessoas que nem tinham uma intenção formal de ir lá. Não muito diferente, aliás, de hordas de turistas que visitam museus e monumentos (muitos deles escolhidos como cenário por Struth) sem a menor intenção de conhecer de fato o valor artístico que eles contêm. Você talvez já tenha presenciado isso numa viagem: grupos de visitantes que vagam de ala em ala em um museu estrangeiro com o mesmo interesse quer teriam em conferir as placas de ruas que encontram ao longo de um trajeto de táxi por uma cidade desconhecida…

Nada contra, claro. Acho que uma visita – a qualquer museu – nunca é inconsequente. Mesmo nos rostos mais indiferentes registrados por Struth, é possível imaginar um registro, ainda que tênue, de uma interatividade com a arte. Mas muitas vezes, uma experiência como essa se reduz a “momentos de deslumbramentos programados” – em que somo “obrigados” a admirar coisas (obras de arte também) que já fomos pré-programados para admirar. Sabe aquela visita relâmpago ao Louvre, em Paris, em que você só entra para conferir as três “pièces de résistance” – a Mona Lisa, a Vênus de Milo, e a Vitória de Samotrácia… Então, imagine esse roteiro multiplicado por todos os museus do mundo… (Um dia gostaria de escrever um guia de alas desconhecidas de museus que gosto de visitar – mas eu divago… de novo…).

De certa maneira, essa estranha manipulação do nosso gosto acontece em outras áreas da expressão artística também. Somos constantemente bombardeados com indicações do que “devemos gostar” – do que é “cool”, do que é “hot”, do que é “in”, do que é “it”… E pouco paramos para refletir o quanto gostamos dessas coisas apenas por inércia ou se genuinamente absorvemos aquilo por uma escolha discriminada e pessoal…

Passei o dia com essa inquietação – e já estava pensando em escrever sobre ela, quando uma terceira experiência mexeu ainda mais comigo. Depois das gravações, ao pegar o metrô em direção a Leicester Square – sem saber direito o que faria, mas ciente de que ali, como descobri há décadas, na minha primeira visita a Londres, eu encontraria alguma espécie de entretenimento -, desci naquela estação e saí bem em frente do Wyndham, onde a marquise anunciava: “Much ado about nothing” (o título original de “Muito barulho por nada”). Eu havia lido sobre essa montagem no avião a caminho de Londres, numa reportagem do “The New York Times” , e vi, na “Time Out” londrina, que essa era uma das peças mais recomendadas da temporada. E, por isso mesmo, com lotação esgotada. Contudo, passando pela porta do teatro, vi que havia uma fila modesta atrás de uma placa de “returns” – pessoas que haviam desistido do bilhete que haviam reservado. Contei seis pessoas na minha frente – e como não tinha nenhum compromisso, pensei: por que não?

Esperei apenas meia hora ali até meu ingresso “aparecer” – e em seguida, como o próprio Shakespeare teria aprovado, ao sabor do acaso, lá estava eu assistindo a uma de suas melhores comédias, numa montagem que era de fato original (transportada para os dias de hoje – ou talvez para os anos 80! -, porém sem excessos de modernidade, e conservando o texto original). Era Shakespeare, claro – e mesmo alguém orgulhoso de sua fluência no inglês (meu caso!) aborda uma montagem original de suas peças (mesmo as comédias) com um certo cuidado. Digamos que eu compreendi cerca de 40% do que era dito no palco – o que já é um ganho da última vez que passei por algo assim (em Londres mesmo, com “Hamlet”). Mas, justamente porque se trata de Shakespeare, dono de um repertório bastante conhecido, quem tem um mínimo de interesse pelo “bardo” conhece mais ou menos suas histórias. Ainda mais a divertida “Muito barulho”, onde os “amantes relutantes”, Beatrice e Benedick, acabam juntos depois de uma série de mal-entendidos. (Sim, eu sei que resumir uma comédia tão brilhante a essa linha apenas é ridículo, mas…).

Interpretados, respectivamente, por David Tennant e Catherine Tate (dois atores queridos pelo público por conta do seriado de ficção científica na TV, “Dr. Who”), os dois personagens oferecem um prazer redescoberto. Não vou aqui discorrer sobre a peça – quem dera eu tivesse gabarito para isso! Mas evoco “Muito barulho por nada” como uma continuação das experiências que eu havia tido durante o dia. A trama, que finalmente envolve Beatrice e Benedick – dois solteiros notórios que detestam sequer pensar na ideia de casamento – numa grande paixão, é um elogio (e ao mesmo tempo uma crítica) ao poder da manipulação. O que Shakespeare mostra com essa peça – e que está em tantas outras também (especialmente nas comédias), mas mais explicitamente em “Barulho” – é como somos frágeis diante do que estamos sentindo. E, dentro dessa fragilidade, como somos facilmente manipulados por essa nossa fraqueza.

Nós, pobres humanos, somos reféns perenes das nossas paixões. Por mais espertos que sejamos – ou que pensemos que somos -, tornamo-nos sempre presas fáceis daqueles que detectam qualquer variação em nosso sentimentos. A faceta mais visível disso, tem a ver com nossos corações. Quão tolos já fomos – e estou falando de mim, de você – quando nos apaixonamos? Quantas loucuras já fomos capazes de fazer quando somos privados de toda razão e nos entregamos aos caprichos de nossas emoções – ou pior, às pessoas que querem se aproveitar dessa nossa condição tão vulnerável?

Quando falamos de paixão, quase sempre pensamos nas nossas conquistas (ou não-conquistas) amorosas. Mas sempre colocamos paixão em todas as relações que estabelecemos: das obras de artes que gostamos (ou mesmo no trabalho ao qual nos dedicamos) aos artistas que admiramos. Mas quanto somos de fato “apaixonados” por essas coisas, por essas pessoas? E quanto somos apenas sugestionados a nos apaixonar por elas? Dos fãs da Amy aos “inocentes” Benedick e Beatrice – passando pelos turistas de Struth nos museus -, o quanto somos donos de nossa paixão?

Extasiado pelas quase três horas da montagem que acabara de ver – a ainda um pouco cansado pela correria do dia (e do dia seguinte, que seria também cheio de gravações) -, saí do teatro com minha cabeça a mil. Todas essas conexões competiam com meu cansaço – e mesmo ciente da minha necessidade de sono, eu não conseguia dormir. E, por essa razão resolvi dividir essas inquietações com você – primeiro como um enigma, e agora nesta nada breve reflexão.

Bobagens de quem não tem mais o que fazer – diriam os mais cínicos (que eu até acreditava que não teriam me acompanhado até aqui…). Mas eu prefiro achar que tudo isso é apenas uma semente de uma discussão maior – que você talvez leve adiante com sua própria consciência: quem manda mesmo nas nossas paixões? Ah, se eu soubesse a resposta…

O refrão nosso de cada dia

“La le la”, Shikisha – vem da África do Sul esse refrão. Que por acaso eu descobri no Japão. Não tenho idéia do que elas cantam, mas não resisto a soltar a voz cada vez que essa música aparece no meu iPod. Um ótimo refresco para as labirínticas associações que hoje eu convidei você a fazer comigo no texto acima…

 



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