O que será que move as pessoas a tal?
A pergunta que uso para o título do post de hoje foi enviada pela Bruna, em um dos mais de cem comentários inspirados pelos clipes de Edinéia Macedo – meu tema da última quinta-feira. Entre tantas – e tão, hum, apaixonadas – opiniões que a nova “muzá” do pop brasileiro provocou neste espaço, achei que a da Bruna trazia a melhor colocação retórica. Afinal, depois de assistir aos vídeos de “Garota na chuva” (fui só eu que fiquei com esse refrão na cabeça durante todo o fim-de-semana?) e o tal “Clipe 6” (o da escola!), nada mais natural do que fazer uma exame de consciência e tentar tirar, de um questionamento pessoal, uma explicação para um comportamento universal.
Muita teoria para um assunto tão banal? Bem, espero que você já tenha acostumado com a teimosa tendência deste blog – que, daqui a um mês completa cinco anos – de tratar qualquer tópico da cultura pop com “seriedade”, seja Rebecca Black, Radiohead, “Magali dançando no Largo da Carioca”, “Se beber não case”, “A árvore da vida”, Adele, “Capitu”, novela das 9h, Paul Auster, Homem-aranha, Stephany, Beyoncé! Por isso, quando recebi os links dessas duas músicas de Edinéia, tremi!
Estaria eu à altura de discutir um novo fenômeno pop como esse – sem nenhum viés, sem nenhum preconceito, sem usar um juízo de valor? Não estava seguro, e por isso mesmo, pedi sua ajuda. Queria saber a sua reação a esse, digamos, produto cultural. Preferi colecionar opiniões variadas para só então me expressar. Sabia que poderia contar com os olhares astutos – e as opiniões afiadas – de quem passa por aqui. E não me decepcionei.
A Andrea, conterrânea baiana da cantora, mandou: “Aqui em Salvador Edinéia é sucesso, ainda mais depois de descobrirmos que ela é de Mutuípe/BA, terra de vários colegas de trabalho” (Andrea ainda me ofereceu uma entrevista exclusiva com Edinéia – que estou ainda ponderando). A Gabriela Lima, discorrendo sobre as possibilidades infinitas dessa ferramenta chamada internet colocou: “Diante destes vídeos fiquei pensando, será que as pessoas realmente não sabem como utilizá-la ou nós que ditamos que o uso com o qual algumas pessoas o fazem é errôneo?”. Numa provocação, digamos, mais “pessoal”, Adriano Mazzon evocou ninguém menos do que Ivete Sangalo e Cláudia Leitte para colocar Edinéia nas alturas: “Porém, uma diferença teria a autora de ‘Cantando (sic) na Chuva’ das duas musas do Axé: a primeira possui personalidade, o que é elementar num artista” – foi isso mesmo, né Adriano? O George Luiz também partiu para a provocação, mas de um outro ângulo: “Pessoas fazem arte ridícula para ser contemplada por outras pessoas ridículas. Esse é ponto ruim da net: é aberta a todos, até para quem não deveria. Ou será que isso também é um ponto bom?”. Ainda mais radical, Giovanni levanta a bandeira do preconceito, e argumenta: “O Brasil é, sem dúvida, um dos países com a maior diversidade cultural do planeta. Quem não consegue viver com isso, não deveria se dizer brasileiro”.
Teve gente que, como a Marina, reconheceu em Edinéia um talento a ser lapidado: “Eu já tinha visto este vídeo e hoje dei risada novamente, eu achei que a voz não é tão má, precisa de muita produção ali”. Com o que eu desconfio ser uma pitada de ironia, Tede Sampaio escreveu: “(Ela) pode até não seguir os padrões que a música dita de boa qualidade prega, mas ninguém pode discordar que essa garota tem força de vontade”. Mas muita gente também simplesmente reprovou a tentativa da baiana de buscar o estrelato, como a Cinthia Carvaho que, depois de concordar comigo com relação à capacidade incrível dela e de suas bailarinas não escorregarem na pedra lisa e molhada, declarou: “Eu senti vergonha por ela”. E a Dani, sem esperanças, pediu: “Edinéia agora é pop star. Oremos”…
Mas mais interessante do que julgar o que estamos vendo – no caso, alguns clipes toscos de músicas que esboçam uma possibilidade de fazer sucesso pop na voz de uma garota (na chuva!) que parece ter mais perseverança do que talento – a discussão que eu queria provocar era outra. E a Bruna, com sua pergunta, acertou em cheio: o que será que move as pessoas a tal?
De fato, o que mais me chama a atenção na “saga Edinéia” é a vontade de se exibir – de procurar uma platéia. Sei bem que, como pessoa pública, que apresenta um dos programas mais populares da televisão brasileira, eu talvez tenha um viés para entrar nessa discussão. Mas me dê um desconto e venha refletir comigo: do que as pessoas são capazes para sair do anonimato? Uma artista como Edinéia tem menos valor do que uma cantora superproduzida pela máquina do pop? E ainda, será que somos obrigados a engolir qualquer coisa, simplesmente porque todo mundo está clicando para ver aquilo? São perguntas delicadas de se responder, por isso, vamos tratar delas separadamente – começando pela última.
Como contei no post anterior, recebi os vídeos de Edinéia de uma amiga – e já na condição de “sucesso da internet”. Como confio bastante no gosto – e no humor e na inteligência – dessa amiga, não pensei duas vezes antes de clicar para ver do que se tratava. A primeira coisa que me chamou atenção em “Garota na chuva”, porém, não foi a própria música, mas o número de acessos que ela tinha no Youtube: quase 500 mil! De onde tinham saído todas aquelas pessoas para assistir ao “hit” de Edinéia? Certamente da internet. Mas por que tantos acessos assim? Bem, porque a internet, claro, vive disso. Aborrecidas no escritório onde trabalham ou solitárias de noite em casa na frente de um computador, as pessoas querem não exatamente se informar, mas se divertir – como qualquer piada, por mais sem graça que seja, tivesse o poder de fazê-las sentir mais vivas. E quem sai na frente nessas horas é sempre o riso mais fácil.
Nesse sentido, Edinéia é um prato cheio. A música é simples – o que logo cria uma identificação com quem ouve. As imagens são inesperadas – quem são aquelas pessoas dançando numa cachoeira (e por que elas não conseguem acertar a coreografia)? E todo o “non sense” do clipe te tira do sério e faz você não acreditar no que está vendo. E há ainda mais um elemento hilário: Edinéia é, pelo menos segundo os parâmetros vigentes de estética, uma beleza bem pouco convencional. E pior (ou melhor!): ela se acha bem mais deliciosa do que a maioria das pessoas que a estão assistindo (aliás, ponto para Edinéia, por sua auto-estima!). Inevitavelmente a primeira reação é o riso – e com ele vem a vontade de dividir essa risada com alguém. Pronto – aí está a receita de mais um sucesso viral!
É essa necessidade de detectar e dividir algo engraçado que nos torna presas fáceis de “mini fenômenos” como esse – e do “vlog do Fernando”, do menino dos mamilos, da dança do quadrado (e pode acrescentar o seu viral favorito aqui). Eu até poderia questionar aqui porque vídeos que não são “engraçadinhos” não têm o mesmo impacto (ou dia mesmo, quando falei dos 20 anos de “Nevermind” LINK PARA POST DE 18de08de11, recebi um monte de sugestões de boas músicas e novas bandas… por que eles não “viram virais”?), mas o que é mais interessante assinalar é que essas coisas são passageiras, porque nosso apetite de internauta não tolera a monotonia. Passada a “febre” de ver Edinéia, quem vai realmente se interessar pela carreira dela? (Ok, aceito o argumento de que “Menino sexy” , o primeiro clipe de Stefhany na sua fase “profissional”, tem quase um milhão e meio de cliques, mas qual refrão vem primeiro na sua cabeça, esse ou o de “Absoluta”?). A resposta para essa pergunta, claro, pouco importa – quando Edinéia estiver preparando seu próximo passo, nós certamente já vamos estar rindo de outra coisa…
Agora, que valor artístico tem Edinéia? Depende de quais critérios você quiser usar para julgar. Não sei se teria a ousadia do Adriano (citado acima) de cutucar fãs de artistas tão queridos – e competentes – como Ivete e “Claudinha”. Esse tipo de comparação, a meu ver, não leva a nada e despreza justamente o ponto de vista mais importante num debate como esse – o de avaliar cada artista pelo que ele é. O mais interessante aí é ver a dimensão que esse artista tem – e se ele está conseguindo falar com um grupo razoável de pessoas.
Para isso, faço uma pausa para divulgação – que, a princípio vai parecer gratuita, mas você já vai entender que não é. Anos atrás, fui a um curso sobre Fernando Pessoa, dado por um músico e poeta extremamente respeitado. As palestras eram brilhantes – e cumpriam a missão que uma boa aula sempre deve ter: a de nos fazer interessar por um assunto que talvez achássemos que conhecíamos. Não vou aqui descrever os pontos altos desse encontro, mas me lembrei dele apenas por uma passagem em que o nosso “mestre” fazia uma relação entre a poesia que uma menina adolescente escrevia em seu diário e os versos incomparavelmente mais universais de Pessoa. Será que o poema da menina não tinha valor algum? Claro que tinha, argumentava nosso palestrante – mas só para a garota que o escrevia. O que acontece com uma grande obra de arte (isto é, com um poema de Pessoa, por exemplo) é que aquilo tem um significado fortíssimo não só para o autor, mas também para uma legião de pessoas que se depara com ela. Assim, quando mais poderosa a arte, mais fundo ela vai falar com todos os seres humanos – já que arte é, ninguém duvida, uma das mais nobres características que nos torna justamente humanos.
Voltando a Edinéia, evidentemente ela está bem mais para o diário da menina do que para Fernando Pessoa. Mas, usando a mesma analogia, seu “diário” não está exatamente escondido numa gaveta trancada, sem ninguém poder ler. Pelo contrário, pelo menos meio milhão de pessoas já foi conferir o que Edinéia tem para dizer – para cantar, para dançar… E isso empresta uma certa relevância a ela. Sei que número de acessos na internet não é tudo (ainda não me conformo de “Friday” ter tido muito mais cliques que “Judas”!), mas o Youtube, se não é um bom parâmetro de qualidade, pelo menos serve para nos dar a dimensão de quantas pessoas ficaram interessadas em conferir aquele trabalho. “Garota na chuva” pode não traduzir a fina flor do seu gosto, cultivado no melhor da MPB – mas não precisa brigar com quem gosta de assisti-lo uma, duas, cem vezes.
E agora nos resta só mais uma pergunta para responder –aquela: “do que as pessoas são capazes para sair do anonimato?”. Bem, essa é fácil: são capazes de tudo – absolutamente tudo. Eu não tenho nenhuma dúvida disso, e quis justamente terminar o post de hoje com essa mensagem simples. Nós vivemos uma adorável era de “vale tudo” – e quem ainda tem problemas com isso, é melhor nem imaginar como vai ser o nosso futuro…
Aliás, por falar nele, eu vou hoje conferir uma nova – ou melhor, uma revisitada – versão sobre ele que essa semana chegou aos cinemas por aqui. Acho que você desconfia do que eu estou falando – mas se quiser ter certeza, volte aqui na quinta, pois quero justamente escrever sobre esse filme.
O refrão nosso de cada dia
“Vamos falar do norte”, Bando de Tangarás – vou pedir ajuda aos Tangarás para brincar mais um pouco com seus critérios para julgar o que é “bom” e o que é “ruim”. Eu sou fã dessa música, registrada aqui no que eu costumo brincar que é o “primeiro” videoclipe brasileiro. E que, por isso mesmo, é bem tosco. Mas será que você vai usar apenas o critério estético para julgar essa pérola? Se você sabe a história do Bando de Tangarás, está, claro, fora da brincadeira. Mas quem está sendo apresentado a ele pela primeira vez, ouça tudo primeiro, formule uma opinião – e só depois dá uma pesquisada na internet sobre quem são essas “figuras” (especialmente um certo tipo curioso, de chapéu largo e violão branco, no alto à esquerda…). De minha parte, fã que sou dos Tangarás, quero apenas deixar registrado que, mais sensacional que o próprio refrão (Quando nós saímos do Norte/ Foi pra no mundo mostrar / Como canta aqui nesta terra / Um bando de tangarás), é o “ai” que o cantor solta cada vez antes de cantá-lo…