Como bem disse a Angélica, no seu comentário ao blog na última quinta-feira, semana passada eu não ofereci bem um post, mas uma charada. Foi, confesso, uma saída elegante. Eu estava – e estou – de fato envolvido com um projeto pessoal/profissional que está tomando bem mais tempo na minha agenda do que eu imaginava, e na última quinta-feira, envolvido com exames e gravações, achei que não poderia me dedicar o suficiente para você, meu leitor. Então propus a tal charada.
Pedi para você desvendar a curiosa conexão entre duas pontas aparentemente soltas. Primeiro, um bando de artistas dos quais quase ninguém nunca havia ouvido falar, mas que de repente viraram fenômenos na internet – o mais notório de todos, claro, Rebecca Black (que, desde a primeira vez em que escrevi sobre ela, viu o número de visitantes do seu icônico clipe “Friday” subir de 2 milhões para pouco mais de 29 milhões – até o momento em que eu escrevo!). E depois, um texto brilhante, publicado pelo editor-chefe do “The New York Times”, Bill Keller, sobre os problemas de se discutir o futuro do jornalismo.
Alguns poucos que se aventuraram a aceitar o desafio chegaram perto da resposta. Mas para deixar mais claro, vou usar o espaço aqui hoje para desenvolver o tema – que, sem um pingo de ironia, consegui sintetizar com perfeição no título de hoje. Você já vai entender…
Começamos com Bill Keller – para dar um tom mais “sério” à discussão (fãs de Rebecca e/ou Bieber, que querem saber sobre a possível parceria dos dois, hum, artistas, prendam a respiração: só vou falar disso daqui a pouco). O título de seu ensaio pode ser traduzido apressadamente por “Toda a agregação que é possível agregar” – uma brincadeira com o antigo (e improvável) slogan do próprio jornal que dirige (“All the news that’s fit to print”, ou, na minha tradução sempre apressada, “Todas as notícias que cabem ser impressas”). Sua provocação inicial é uma crítica ao tratamento de pessoas na sua posição na mídia como celebridades (em detrimento do valor do próprio veículo onde trabalham – desde quando o “editor” do “New York Times” é mais importante do que o próprio “New York Times?”, ele pergunta). Mas seu argumento mais poderoso está no meio do texto: a preocupação com a clara tendência dessa excêntrica espécie em extinção, os consumidores de notícias, de abandonar as fontes genuínas de informação e ler (ouvir, clicar) apenas “resumos” de notícias, coletados de várias fontes e “agregados” por um, sim, “agregador de notícias”
“Agregar”, escreve Keller, “pode significar pessoas espertas compartilhando suas listas de leitura, conectando-se uns aos outros nas recompensas do universo da informação. De certa maneira, isso descreve o que eu faço como editor. Mas com muita freqüência, isso significa pegar palavras escritas por outras pessoas empacotá-las no seu próprio site e colher receitas que, a princípio, deveriam ir para a fonte dessa material. Na Somália, isso poderia ser chamado de pirataria. Na esfera da mídia, isso é um modelo de negócio respeitável”.
Parte de seu desabafo tem a ver com uma milionária sociedade de mídia recém-anunciada – a compra, pela AOL, do Huffington Post, um dos primeiros e (hoje) mais influentes sites “agregadores”, por 315 milhões de dólares! Ariana Huffington, a idealizadora do projeto foi quase uma pioneira em coletar material de blogueiros (não-remunerados, diga-se) e transformar isso, como que por encanto, em “conteúdo”. A fórmula, claro, tornou-se imensamente popular – e, com pequenas variações, se espalhou pelo mundo todo (preciso citar exemplos no Brasil, ou basta você percorrer a sua barra de “favoritos” para identificar o que estou falando?). Tanto que agora virou um negócio bem lucrativo – ainda que de credibilidade duvidosa…
De maneira elegante, Keller bate numa tecla que já vem sendo martelada há um bom tempo por vários jornalistas. Sua conclusão, inevitável, é a de que alguns dos maiores sites agregadores já estão percebendo que, se todo mundo é agregador, não vai sobrar ninguém para produzir alguma coisa original que possa ser agregada! Mas quem realmente está ligando para isso?
Ora, como já escrevi aqui, também recentemente, tudo que parece interessar hoje em dias aos que ainda “perdem tempo” tentando ler alguma coisa é um título chamativo. A notícia mesmo, apurada, com uma origem declarada e uma justificativa da sua publicação? Precisa mesmo? Ah, respondo com convicção, precisa… (E digo isso de experiência própria, pois, como figura pública, trafego numa posição privilegiada que me permite ser às vezes gerador e outras objeto de notícias, e por isso sei bem o que significa uma vez ou outra ser alvo de um rumor sem fundamento, criado sem nenhuma base jornalística, por alguém que se acha transmissor de informação – mas eu divago… e com isso chateio, não propositalmente, juro, a Ana do comentário 61 do post da última segunda-feira…).
O que estamos vivendo, como eu mesmo já disse, é “a época de ouro da desinformação”. E, como jornalista, nem que seja pelo próprio instinto de sobrevivência, eu tenho que defender a posição de que a origem e a transparência de qualquer notícia é importante. Notinhas agregadas, “colchas de retalhos” de informações soltas, frases fortes “manchetadas” – isso, desculpe, não é notícia! Notícia (para usar uma expressão que um grande amigo emprega com ironia) “é quando” alguém vai lá, descobre alguma coisa diferente, incorpora seu olhar e seu talento para contar essa tal coisa, e ainda se apóia num veículo com credibilidade para bancá-la.
Você conhece esse fenômeno. No mundo todo, não são poucos os veículos que adoram estampar o selo de “exclusivo” em imagens – ou mesmo informações – que são meros cozidos requentados de outras fontes (se precisar de exemplos recentes, é só pegar algumas “coberturas” do terremoto e do tsunami no Japão…). Mas a cacofonia de “furos” e “alertas” e “notícias quentes” está, infelizmente criando uma geração de pessoas que não se importam com a credibilidade dessa corrente de informações. E quem perde com essa transformação? Sua inteligência, claro. Mas, repito a pergunta: quem está ligando para isso?
Hoje, o que parece que conta mais que tudo, é ganhar mais um acesso, um clique, uma visita – e para isso, parece que ninguém precisa ter nas mãos uma informação de verdade. Basta chamar atenção. Se todo mundo é “agregador de conteúdo”, de que serve um jornalista? A coisa mais fácil do mundo é estampar uma frase de efeito e fazer barulho – concorda? Então lá vou eu, mesmo sem ter entrevistado minha atual obsessão, Rebecca Black – e muito mesmo Justin Bieber! –, emplacar neste blog um título como o de hoje, apenas inspirado num vídeo que vi aqui mesmo, na internet (mais sobre ele daqui a pouco). E tudo bem…
Tudo bem, vírgula!
Pegando uma carona (descarada) no texto de Bill Keller, não é bem assim – não é todo mundo que sabe digitar um teclado que pode se achar capaz de dar uma informação com a mesma qualidade da que daria um jornalista. Seria até legal viver nessa utopia do vale-tudo – ou, melhor, do “pode-tudo”. Mas não é assim… É uma pena, mas o que parece evidente, é que vivemos uma era em que todo mundo pode fazer tudo – e ninguém faz nada… Quando eu ainda estava na universidade, estudando (entre outras coisas) marketing, eu aprendi uma brincadeira que tem a ver com um antigo slogan de um produto de limpeza muito popular: tudo que tem mil e uma utilidades, não serve para nada!
O que você faz exatamente? Um pouco de tudo não é mesmo? E o que você não sabe fazer nem num nível amador – que, pelos parâmetros de hoje, já te permite postar ou subir alguma coisa na internet como autor (seja de um texto “jornalístico” ou de uma obra de arte, tipo desenho, “vídeo”, canção) –, basta baixar a app e… Presto! Você nasceu para isso! As infinitas possibilidades da internet – e do admirável mundo novo digital, que eu mesmo sou sempre o primeiro a celebrar – vão acabar por nos transformar a todos em pessoas talentosas. Em tudo! Genial, não é mesmo? Só que se todo mundo tem mil e uma utilidades…
Há pouco tempo li um (outro) artigo interessantíssimo num número recente da “Wired”. Era uma espécie de manifesto escrito por um comediante que eu não conhecia, Patton Oswalt. De maneira inteligente – e hilária – ele começa se lembrando de um tempo onde colecionar alguma coisa rara de um filme obscuro, ou brigar para ter o lado B de uma “single” perdido de uma banda dos anos 80, ou ainda, ver quem tem a lista completa de versões (mesmo as mais obscuras) de um mini-sucesso da época “disco” – enfim, saber dessas coisas pouco previsíveis –, era uma coisa legal, diferente, “cool”, algo que poderia até pleitear o status de “cult”. Mas hoje, com a internet… quem pode se orgulhar de conhecer alguma coisa mais “obscura” – e se gabar disso –, quando o conhecimento, por mais alternativo que seja, está apenas a um clique de qualquer mané!?
As sugestões de Oswalt para reverter essa situação de impasse para a cultura pop – repetindo o raciocínio, se todo mundo é “descolado”, que é “descolado” mesmo? – não são das mais otimistas; mas também não são das mais sérias… Vale a pena você tentar ler o artigo para se divertir! Mas, brincadeiras à parte, porém, a ferida que o humorista cutuca é bem profunda, e afeta todas as áreas da informação contemporânea, do “novo jornalismo” à própria música pop! O que nos traz, novamente, para “o mundo de Rebecca Black”! Ou ainda, Rebecca Black “et caterva”!
Como o comentário de uma semana atrás de Andréia nos elucidou, Rebecca nãos surgiu do nada. Ela é “apenas” mais uma estrela da até então desconhecida produtora Ark Music, dedicada a tirar meninas com muito dinheiro e pouco talento do anonimato. Com a equipe da Ark, elas ganham uma música “original” e um videoclipe “da hora” – e já estão prontas para o estrelato. Mesmo que não queiram… Uma garota chamada CJ Farm, por exemplo, canta desesperada que quer ser apenas uma “por star” comum! E essa ainda é uma faixa tolerável… Experimente ouvir “Butterflies”, de Alana Lee – mas só faça isso se você estiver bem distante de objetos perfurocortantes que possam significar risco de automutilação!
Diante desse “elenco”, Rebecca é realmente uma estrela maior – mais que isso, um fenômeno! No meu ritual matutino de ouvir “Friday” pelo menos duas vezes antes de fazer qualquer coisa, por “associação” de links não paro de descobrir ainda mais vídeos de derivados do inesperado sucesso – além das inúmeras críticas (a maioria negativas, na linha “é o final dos tempos!), mensagens de repúdio, e até uma boa entrevista dela para a rede de TV americana ABC , de onde tirei a informação que está no título de hoje (tudo bem que é só uma “esboço de vontade”, mas pelo menos, eu citei a fonte…). A reportagem perguntava: será que essa é mesmo a pior música que já gravaram? Eu digo que não, Rebecca, e eu estou aqui para te defender, especialmente depois de ouvir sua versão acústica para a música (versão acústica!), parte da mesma entrevista.
Quando escrevi sobre ela há uma semana – e despertei a ira de alguns produtores de som que não entenderam que o título “O Auto-tune e suas contra-indicações” era uma brincadeira e não uma tentativa de desmerecer a nobre profissão –, eu não queria diminuir a menina-cantora, mas plantar a idéia de que, por trás da absurda popularidade de “Friday” (que já deve ter ganho mais uns 7.500 cliques desde que você começou a ler este texto) estava a possibilidade de que qualquer um pudesse estourar na parada pop. Cantores de verdade? Produtores musicais? Compositores e poetas? Quem precisa de vocês? Aqui está Rebecca Black para provar que vocês são totalmente obsoletos!
Assim como os jornalistas. E escritores. E preparadores físicos. E médicos, E chefs. E babás. E mecânicos de automóvel. E historiadores. E cantores! E o que você mais quiser! O texto está longo eu sei – e já vou terminar! Mas não sem admitir que, mesmo que isso pareça um pouco reacionário (e até “coisa de velho”, se você quiser), nessa bandalheira “de todo mundo pode fazer tudo”, eu prefiro confiar em quem realmente entende do que está oferecendo.
Vou sempre ficar com o original. Eu ainda vou procurar um jornal que eu confio. Um autor que escreve frases originais. Um “personal” que olha para o que eu estou fazendo e diga se está certo ou errado. E assim por diante. Inclusive um artista que se virou do avesso (de verdade) para mostrar sua música – desde que ele ou ela não implique, claro, com o fato de vez por outra eu dar uma clicada em “Friday”…
E você, de que lado está?
O refrão nosso de cada dia
“Nada de nada”, El Canto del Loco – quando escrevi aqui pela primeira vez sobre a importância do refrão (e me comprometi a sugerir um genial para você a cada novo post), citei, com louvor, esta banda espanhola – que é mestre em fazer coros perfeitos! A faixa que sugiro aqui não é original deles – está em um disco de tributo a canções populares que eles cresceram ouvindo. Mas mesmo assim vale, pois “Nada de nada” (atribuída a uma cantora chamada simplesmente Cecilia), é uma das mais bonitas de toda a coletânea. E na voz de Dani Martin, ela toma proporções mágicas! Alguma música te faz ter vontade de sair abraçando as pessoas na rua? Pois então…