O novo álbum de Kanye West é genial pelo simples fato de que ele quer que você o ache genial

seg, 31/01/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

O título acima é meio grande, eu sei. Mas esse é um texto de grandes proporções – então, tem tudo a ver. Afinal, vou falar de “My beautiful dark twisted fantasy”, o álbum que abriu a segunda década do século 21 já como um status de obra-prima, mesmo antes de ser lançado. Depois de resistir por semanas a ouvi-lo com atenção, finalmente “arregacei as orelhas” e escutei tudo – tudinho! E o que eu achei? Genial! Claro! E põe exclamação nisso!!!

Afinal, se eu achasse “Fantasy” algo menos que genial – e se um dia Kanye West passasse os olhos por este modesto espaço de discussão sobre cultura pop (e tivesse aprendido português) – eu sei que seria punido. Severamente. Porque não tem como discordar do artista – Kanye não deixa espaço para isso. Então é melhor eu me juntar ao coro de aprovação – várias vozes que o compõem inclusive passaram por aqui para deixar seu protesto quando eu não o inclui na minha lista de melhores disco de 2010 que você não ouviu.

“My beautiful dark twisted fantasy” é genial sim, tenho que “confessar”… E seria ainda melhor se as canções compostas por Kanye se esforçassem um pouquinho mais para apresentarem um bom refrão, se cada faixa não passasse a sensação de ser um amontoados de sons (e colaborações) que raramente somam alguma coisa, se o trabalho todo tivesse um mínimo de foco, e se a maioria das músicas não durasse mais de cinco minutos, sem a menor necessidade.

Pronto, falei!

Em nome da transparência, devo admitir que só me entusiasmei em finalmente ouvir (e escrever sobre) “Fantasy” – que eu já havia comprado desde o final do ano passado e cheguei a me comprometer a escutar logo no início de 2011 – depois que li um artigo no “The New York Times” que eu tinha guardado desde novembro (e tinha, claro, esquecido de ler). O texto, assinado por um dos melhores críticos de música do jornal, Jon Caramanica – só superado por Jon Pareles, mas mais sobre ele daqui a pouco – é parte “vingancinha” (aparentemente porque o rapper não concedeu uma entrevista ao caderno de artes e cultura do “NYT”), e parte uma apreciação distanciada do quinto álbum do artista. Pode ser até que o fato de ele não ter falado ao jornal tenha contribuído para esse, hum, distanciamento, mas o fato é que esse foi a única crítica mais sensata e equilibrada que eu li de “Fantasy”. Todas as outras com as quais eu havia me deparado até então, eram, no mínimo, laudatórias – era até divertido ver os jornalistas se desdobrando para encontrar adjetivos para elogiar o álbum: “cubista”, “sinfônico”, “visionário”, “trabalho de uma vida toda”, “definitivo”, além do duvidoso “impossível de descrever”… Teve de tudo!

Caramanica preferiu ir pelo caminho do questionamento. “Sua música é enfeitada, ostentatória, curiosa e vivaz. Mas arriscada?”, pergunta ele, para responder em seguida: “Não”. Ao mesmo tempo que explica que “Mr. West” é incapaz de fazer um disco ruim, o crítico declara que o álbum é “incrível” (“terrific”, no original), mas muito menos relevante do que deveria ser, “ao menos, em parte, por causa da insistência de West na sua própria grandiosidade”. E foi desse lúcido raciocínio – o título do post de hoje é inspirado nele – que eu parti para a minha apreciação de “My beautiful dark fantasy”. Só para citar Caramanica mais uma vez, a postura de Kanye de não permitir respostas ao seu trabalho que não sejam de reverência, diminui o valor do seu próprio produto: “(O disco) transforma-se em objeto de admiração, e não de estudo”.

Quando li finalmente esse artigo, percebi que minhas suspeitas não eram infundadas. Como já dizia nosso “filósofo maior”, Nélson Rodrigues, “toda unanimidade é burra” (pensamento ainda tem uma segunda parte que também vem bem a calhar, mas quase ninguém lembra: “Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar” – mas deixa para lá…). Se eu resistia a ouvir o disco de Kanye, era justamente por causa da adoração histérica que o álbum vinha provocando – sobretudo na internet. Encorajado pelo texto do “New York Times” porém, lá fui eu mergulhar na (nem tanto) linda e (bastante) distorcida fantasia (semi) obscura do rapper. E o veredicto foi esse: é um disco competente, mas longe, bem longe de ser o que Kanye gostaria que a gente achasse que ele fosse – um trabalho de gênio…

Deixe-me começar pela melhor música de todas – a sensacional (e escrevo isso sem nenhuma pitada de ironia) “Runaway”. O piano que abre a faixa é ao mesmo tempo convidativo e assustador. Um “sample” que lembra um rádio fora de estação só agrava o clima. A aflição, porém, não dura muito: logo entra um vocal tão embalador que quase parece um refrão. A impressão é que a música começa no meio – e é brilhante, como se você já estivesse cantando-a antes de saber a letra. Mas aí ainda vem o melhor: o próprio refrão, que convoca para um brinde à escória do mundo – e ainda assina tudo com um verso precioso, quase um mantra… “Runaway as fast as you can”!

Logo na primeira vez que ouve você já grava “Runaway”. E quando ela parece que acaba, aos cinco minutos e quarenta e sete segundos, seu primeiro impulso é apertar o “rewind” para ouvir tudo de novo. Mas quem disse que aquilo é mesmo o final da música? Não, não! A partir dali a faixa se prolonga por mais quase quatro minutos, repetindo o tema do piano em variações bem tolas – para não dizer sem sentido. E aí você se sente enganado. “Runaway” poderia ser um clássico instantâneo, mas eu desafio você a ouvir os nove minutos e oito segundo inteiros da música por repetidas vezes seguidas… Essa é a faixa nove do disco – e ela só vem comprovar a hipótese de que Kanye não sabe a hora de parar…

Essas “esticadas” das faixas são insuportáveis – e, como já coloquei desnecessárias. A única delas que funciona – para você não falar que eu estou implicando – é a de “Blame game”, onde novamente somos embalados por um piano (cortesia de um “sample” de ninguém menos que Aphex Twin!!), mais uma produção sofisticada; recebemos um esboço de refrão graciosamente; somos enrolados com o que parece ser uma canção de amor (mas está mais recheada de palavrões que uma entrevista da saudosa Dercy Gonçalves!); e ainda ganhamos uma extensão no mínimo curiosa: uma espécie de acareação entre dois amantes, ele perguntando de maneira nunca menos que humilhante onde ela aprendeu isso ou aquilo, ela respondendo sempre como uma robô “Yeezy taught me” (“Yeezy me ensinou”). O efeito final é hipnótico e sublime – mas depois de ter tentado isso em tantas músicas, com pouco sucesso, a tendência é você achar que “Blame game” (que é a décima-primeira faixa do disco) acertou por acaso.

E é isso… Ao transferir “My beautiful dark twisted fantasy” para meu iPod, essas são as duas únicas faixas que passaram a fazer parte do meu “playlist” permanente. E o resto? Digamos que estou meio sem tempo para a pretensão descabida de composições como “Monster” – que mesmo depois de escutada várias vezes, não deixa sequer um resíduo na sua memória; ou para o falso ouvido para a “world music” de “Power” (que mais parece uma desculpa para poder montar um mini videoclipe realmente incrível; ou para o tedioso exercício “sinfônico” de “All of the lights”; ou para a tentativa de credibilidade como rapper em “So appalled” (ele precisa mesmo disso a essa altura da carreira?); nem mesmo para o coro supostamente exuberante (que sequer passa como um bom refrão) da faixa de abertura, “Dark fantasy”…

Tenho profunda admiração por Kanye West, desde seu disco de estréia, “The college dropout”, que cheguei a cantarolar “de cor”! “Graduation”, talvez seu segundo melhor trabalho, também me fez dobrar de joelhos ao seu talento. Mas, traduzindo para um bom português o que Jon Caramanica colocou brilhantemente, dessa vez “o cara pirou”!

Se a intenção era fazer uma obra “para a eternidade”, bem, duvido que esse álbum seja mais lembrado (ou mesmo escutado) no futuro do que o próprio “College dropout”. Se, por outro lado, a idéia era colocar junto um bom punhado de canções pop… Bem, de pop “Dark fantasy” tem muito pouco – muito pouco mesmo. Por que? Bem, só para ficar em uma explicação simples, para uma canção ser pop ela tem que ter pelo menos uma parte dela com a qual o pública se identifica imediatamente – e sai logo cantando junto! Parafraseando a frase criada na então campanha para a presidência de Bill Clinton, o que funciona “é o refrão, estúpido!” (a frase original era “it’s the economy, stupid”, mas eu divago…).

Kanye West juntou tanta coisa – e tanta gente – boa no seu último álbum, que só esqueceu de uma coisa: compor belos refrões. E o pop – como o próprio Kanye já soube um dia – é feito disso. E quem defendeu isso de maneira brilhante recentemente foi o outro crítico de música do “New York Times”, Jon Pareles. E é sobre isso que eu quero falar na quinta-feira – se não for “atropelado” por nenhum filme da temporada de Oscar que me faça mudar de rumo…

Ah! E, só para terminar, se alguém quiser entrar numa discussão com você sobre a genialidade de “My beautiful dark twisted fantasy”, faça como Kanye manda em “Runaway”: “corra o mais rápido que você puder”!



‘Vicky Cristina Barcelona’, o antídoto

qui, 27/01/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Eu ainda estou interessado em explorar o improvável debate entre o que é melhor: assistir ao BBB ou ler um livro? – como propus no post anterior. Fui atrás de mais detalhes e parece – como qualquer polêmica que surge na internet, eu sempre desconfio… – que ela começou com um texto supostamente atribuído a Luis Fernando Veríssimo, no qual o escritor, indignado com a qualidade do programa (que, só a título de atualização, no momento em que escrevo este texto “comemora” o primeiro beijo entre duas mulheres desta edição), conclamava para um grande protesto na linha “desligue a TV e abra um livro”…

Aparentemente indignados com a proposta, um grupo de “twitteiros” respondeu com um levante, acusando a ideia de ser, hum, elitista – imagino, baseado na retrógrada ideia de que “apenas a elite lê” (supostamente num país de ignorantes…). Ou, pior, baseado no preconceito de que leitura é uma coisa difícil, só para pessoas com alta educação, algo que poderia significar – baseada na enorme fúria da resposta (e que resposta não é furiosa hoje em dia na internet?) – que a sugestão de Veríssimo (se foi dele mesmo) só deveria ser entendida como algo que fosse “de escitor para escritor”. Ou – ainda pior! – em cima de um preconceito imbecil de que o público que assiste o BBB não teria capacidade de ler um livro (e vice-versa)…

Todas essas suposições me deixaram tão incomodado, que eu queria mesmo abrir espaço para este assunto aqui – quem pode me provar que essas duas coisas são incompatíveis, leitura e BBB? Porém, reconheço, pelo menos por enquanto, eu não seria capaz de propor uma discussão equilibrada pois, embora meus argumentos em favor da leitura estejam bem sólidos (no momento, leio um curioso livro que fez algum sucesso nas listas de melhores do ano de 2010, “Skippy dies”, de Paul Murray, e mais um guia de como viver melhor baseado na obra de Montaigne, “How to live”, de Sara Bakewell), confesso que até agora não pude me dedicar a este BBB ainda com atenção suficiente para me sentir apto a escrever sobre ele – viagens e trabalho interferiram nessa atividade. Mas, como aparentemente boa parte dos fãs de BBB – entre os quais, claro, me incluo -, devo começar a me envolver mais com o programa nas próximas semanas, proponho que a gente retome esta discussão mais para frente (o que não impede que você desde já contribua com sua opinião…).

Até porque, como você que acompanha cultura pop sabe bem, na última terça-feira a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou os candidatos ao Oscar deste ano – o que tornou este assunto mais urgente. Assim, vamos a ele. Mesmo sem poder assistir ainda a todos os indicados – alguém pode me explicar o que passa na cabeça das distribuidoras ao decidirem que uma bomba como “Zé Colméia” deve passar em 25 salas de cinema, além de outras quatro com a versão em 3D (estou me baseando em São Paulo, capital), enquanto favoritos como “O vencedor” e “Cisne negro” ainda nem estão em cartaz (devem estrear sexta que vem, aparentemente); ou por que um filme notoriamente ruim como “O turista” (que foi alvo de uma das melhores piadas de Rick Gervais na última cerimônia do Globo de Ouro) está em exibição em 26 cinemas paulistanos, enquanto “O discurso do rei”, que levou o maior número de indicações este ano só vai estar disponível para o público brasileiro na semana que vem (e duvido que em tantas salas quanto o “clássico” de Johnny Depp e Angelina Jolie)? -, enfim, mesmo sem poder ainda assistir a todos os indicados deste ano, acho que já vale um comentário…

Afinal, quatro indicados (entre 10!) para o Oscar de melhor filme já passaram por telas brasileiras – viva! E cá e lá, já tivemos pelo menos a chance de ver algum outro título indicado a uma categoria que não está entre as principais. Como a única “participação” brasileira entre as indicações, “Lixo extraordinário” – se você não viu, pergunte-se se andou acompanhando os lançamentos de documentários recentemente… Talvez você tenha conferido “Alice no país das maravilhas” (indicado para melhor direção de arte, figurino, efeitos visuais), ou “Homem de ferro 2″ (efeitos especiais), ou “Incontrolável” (edição de som), ou “Harry Potter e as relíquias da morte: parte 1″ (direção de arte e efeitos visuais).

Eu de minha parte, sem saber ainda das indicações, tenho assistido ao que está disponível com avidez. Desde uma pré-estréia de “O vencedor”, que concorre a sete Oscars, e que pretendo comentar aqui em breve (mas só para adiantar, tudo bem que o filme é baseado em uma história real, mas será que a distribuidora no Brasil precisava mesmo contar o final logo no título?), até um insignificante (quase insultuoso) Clint Eastwod, “Além da vida” – que honrosamente foi indicado para o prêmio de melhores efeitos visuais, certamente menos pelas imagens “do além” (honestamente, até “Nosso lar” fez melhor!) do que pela impressionante sequência do tsunami no seu início.

Mas o filme que quero mesmo discutir hoje aqui é um que foi indicado em duas categorias: melhor filme estrangeiro e melhor ator… Meia palavra basta para você que gosta de cinema, portanto, se você juntou a informação anterior com o título do post de hoje, talvez já tenha matado a charada: vou falar sobre “Biutiful”, de Alejandro Gozáles Iñarritu, que concorre como produção mexicana e tem sérias chances de dar a Javier Bardem seu segundo Oscar.

Para quem não viu “Vicky Cristina Barcelona”, um dos melhores trabalhos recentes de Woody Allen, vale esclarecer que eu estava só brincando: a únicas coisas que este filme tem em comum com “Biutiful” é a cidade onde a história se passa, e o ator principal. De resto, os dois filmes não podiam ser mais distantes. Se os amores na obra de Allen são descontrolados (quem se lembra de Penélope Cruz entrando em cena totalmente descabelada), eles pelo menos terminam bem em suas confusões. Já os amores do trabalho de Iñarritu, que são ainda mais indomados, só encontram desfecho em desastres catastróficos. Bardem, um artista plástico sedutor em “Vicky”, frequentador de sofisticados restaurantes catalães, nas mãos do diretor mexicano é o miserável trambiqueiro Uxbal, que tenta convencer o filho de 5 anos que o cereal que ele come todo dia é hambúrguer com batata frita… Se, no primeiro filme, Barcelona funciona como um cartão postal, no segundo a cidade é quase uma anti-propaganda para seu turismo – a igreja da Sagrada Família, por exemplo, só aparece em “Biutiful” como silhueta, contrastando com a brutal arquitetura das áreas mais pobres da cidade, e contra um céu poluído…

É preciso ter estômago para assistir “Biutiful” – felizmente em cartaz em saudáveis 11 salas paulistanas! É preciso deixar também seu coração na bilheteria do cinema porque – anote meu aviso – se você entrar com ele na sessão, você vai se machucar. Afinal, o filme começa com a notícia de que Uxbal está com câncer de próstata – intratável, já que foi detectado num estágio bem avançado. A melhor perspectiva, com um tratamento quimioterápico “barra pesada”, é de dois meses de vida. E se você pensa que essa é a única notícia ruim que Uxbal vai ter de encarar ao longo do filme, prepare-se para outras “surpresas” terríveis…

Separado de sua mulher bipolar, alcoólatra e drogada, Marambra (vivida pela ótima Maricel Álvarez), Uxbal tenta criar um casal de filhos (Ana e Mateo) sozinho. O problema é que sua “fonte de renda” vem do comércio ilegal de bolsas de grifes falsificadas, vendidas por um exército de ambulantes senegaleses – que, por sua vez, são imigrantes também ilegais. As bolsas vêm da outra ponta do “negócio” de Uxbal: fábrica clandestinas onde imigrantes chineses (preciso dizer que são também ilegais?) trabalham em condições sub-humanas. A polícia não dá sossego aos senegaleses e, para dizer pouco, o dia-a-dia dos chineses só deteriora… Lembra do câncer de Uxbal? Pois é… um “detalhe”…

Com a “sentença de morte” rondando cada pensamento seu, Uxbal tenta ser um bom homem na reta final da sua vida. Mas como fazer as coisas certas em um cotidiano onde tudo – tudo! – está errado? A tentativa de fazer com que os chineses tenham uma acomodação mais decente sai totalmente pela culatra. O senegalês com quem Uxbal mais conta é preso e deportado (sua mulher e filho de menos de dois anos ficam para trás). E a “última chance” que ele dá para seu casamento tem uma consequência tão desastrosa que, sem entregar demais, resulta na cena mais insuportável de ver de todo o filme – um pai arrancando (literalmente) o filho dos braços da mãe. Aliás, deixe-me reformular: essa é uma das cenas mais difíceis de ver de toda a história do cinema!

Aos que adoram me acusar de contar muito coisa de um filme nos meus comentários, um aviso: não se preocupem! Tudo que descrevi aqui empalidece e se transforma quando você vê essas cenas interpretadas por Javier Bardem. Imagine que todas essas coisas estavam já no roteiro que Iñarritu ofereceu ao ator (parece que o diretor concebeu o filme pensando especificamente nele para o papel) – apenas palavras, como aqui no meu texto. O que Bardem fez foi elevar tudo isso a uma outra dimensão, mergulhando no personagem até que ele não tivesse mais espaço para respirar – nem sobreviver. O resultado, claro, é uma performance que, se não ganhar o Oscar, vai exigir da Academia de Hollywood uma redefinição do que significa o trabalho do ator. Se não for o que Bardem mostra em “Biutiful”, então eu não sei mais o que é…

Iñarritu é geralmente acusado de “carregar nas tintas” ou “forçar uma barra” em seus filmes. Eu discordo… Até hoje não vi “Babel” – eu sei, uma falha. Mas tenho verdadeira adoração por “Amores perros”, e já entrei em inúmeras brigas defendendo “21 gramas” como um filme genial. Pelo visto devo enfrentar novas discussões ao levantar aqui uma bandeira para “Biutiful”, mas sei que não vou me arrepender.

O filme me fez chorar em cenas inesperadas – não quando uma tragédia está sendo explicitamente mostrada, mas nos raros momentos de alegria, como quando a filha Ana pergunta a Uxbal como se escreve “beautiful” (daí o nome do filme), ou no seu próprio aniversário de dez anos. Mas eu já colocaria esse trabalho de Iñarritu como um dos melhores do ano (categoria “filme estrangeiro” ou não), nem que fosse apenas pela belíssima simetria entre as cenas do início e no final. Qualquer pessoa que já colocou um anel no dedo de outra e a chamou de “meu amor” vai me entender.

Bem, mas eu divago – e temos dias cheios pela frente, com “vencedores”, “cisnes negros”, “reis gagos” e quejandos. Para não falar da própria festa do Oscar lá para frente! Quanto assunto…

Magali e o Homem-Aranha: das coisas que nos divertem

seg, 24/01/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Eu começaria falando da Magali, se alguns leitores não reclamassem que eu dou muitas voltas antes de chegar ao assunto principal… Talvez, de vez em quando, eu faça isso mesmo, caro leitor (cara leitora) impaciente. E se assim o faço, garanto, jamais é no intuito de distraí-lo ou distraí-la. Pelo contrário, a intenção é sempre seduzir para a leitura – um truque velho, que todos que gostam de um bom texto um dia aprenderam com a heroína de “As mil e uma noites” (que sempre adiava o desfecho de sua história, se bem que menos com o objetivo nobre de encantar o seu ouvinte do que prolongar a própria vida).

Mas, veja só, apenas ao escrever o parágrafo acima já estou dando motivos para que tal disperso leitor (ou dispersa leitora) me acuse novamente de “enrolação” – algo que, você que está acostumado a vir aqui sabe que prefiro chamar de “divagação”… Então vamos direto ao assunto de hoje – que é, como prometi no post anterior, sobre “o musical do Homem-Aranha” na Broadway!

Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Como coloquei na semana passada, não foi uma decisão simples. Considerei vários prós e contras – e acabei decidindo desembolsar os cerca de R$ 350 para ver “Spider-man: turn off the dark”.

A primeira surpresa veio na própria facilidade de comprar um ingresso. Afinal, este é um dos espetáculos mais falados dos últimos tempos na Broadway – não apenas por se tratar de uma adaptação da história de um dos heróis mais queridos dos quadrinhos (o próprio Homem-Aranha), ou pelas pessoas envolvidas no projeto, como Bono e The Edge (assinando as músicas), e Julie Taymor (que assinou, entre outros trabalhos, um clássico moderno da Broadway, a adaptação de “O rei leão”), mas também porque toda a produção tem vivido uma espécie de “maldição”, com problemas que vão de constantes estouros de orçamento (que já está na casa dos 65 milhões de dólares!) a graves acidentes com membros do elenco, que se machucam nos arriscados efeitos especiais que fazem o próprio Homem-Aranha (e outros personagens) “voar”…

Com todo esse “currículo”, achei que seria impossível conseguir um ingresso, mesmo nesse período de ensaios abertos para o público (a estreia oficial do musical é dia 15 de março). Porém, decidi ir com uma amiga menos de 24 horas antes da performance da matinê de quarta – e lá estavam, no site oficial do espetáculo , dois ingressos me esperando. Escolhi de propósito sentar no balcão, onde, segundo alguns textos que havia lido na internet, seria possível apreciar melhor algumas das acrobacias dos atores – e me dei muito bem.

Especialmente no primeiro ato, quando tudo funcionou (quase) perfeitamente. Por todos os incidentes recentes, a expectativa da platéia, mesmo antes de a cortina de segurança subir, é de que alguma coisa pudesse dar errado. Cientes disso, membro da produção alertavam a platéia de que aquele era um ensaio aberto, que alguns problemas poderiam surgir, devido à complexidade e sofisticação das traquitanas de palco – e que, claro, eles contavam com a nossa compreensão. Um assistente do teatro, daqueles que te ajudam a encontrar seu lugar na plateia, foi especialmente veemente com a amiga que estava comigo (e que se sentou no corredor), avisando que não deveríamos nem pensar em sair do lugar. “Sobretudo no número do Chrysler Building, você não deve se mexer!”, insistiu ele “con gusto”, lembrando que por ali passariam alguns atores (o próprio Homem-Aranha, quem sabe?) e que qualquer movimento de nossa parte seria extremamente perigoso!

Cheguei a pensar se era o caso de telefonar para o Brasil e avisar parentes e amigos que eu estava prestes a viver uma experiência de alto risco, mas antes de eu ligar novamente o celular – que havia sido desligado sob ameaça de morte, também pela produção, atenta à possibilidade de alguma filmagem pirata! -, as luzes já estavam sumindo, o palco já começava a se mover e a primeira cena de “Spider-man: turn off the dark” já estava rolando.

A expressão “o palco já começava a se mover” soa estranha, eu sei. Quem se move, geralmente, são os atores… Mas este não é um espetáculo convencional – e esse início já indicava que você poderia esperar qualquer tipo de surpresa. No caso, o chão do palco havia se transformado em uma fachada de um arranha-céu, onde uma vítima inocente estava pendurada por uma corda – que se soltava antes que nosso herói conseguisse chegar para salvá-la. Tudo acontece tão rápido, que você quase nem percebe que Taymor aplica ali seu primeiro truque visual, mudando completamente a perspectiva do palco: no lugar de um cenário frontal, temos um ponto de vista vertiginoso e surpreendente. Eu já estava começando a gostar…

Para deixar tudo mais didático, o musical tem um time de garotos – e uma menina, que vai “criando” uma história para o Homem-Aranha. O truque acaba funcionando: quem já conhece o super-herói não se aborrece com a narrativa, e quem eventualmente não sabe do que se trata (será que alguém que paga R$ 350 para ver essa extravagância não sabe do que se trata?) pode seguir a trama sem problemas. A partir daí, a diversão realmente começa.

Os fãs de Taymor vão ficando extasiados a cada novo cenário que ela cria. E os fãs do U2 – eu sei, eu sei, não é oficialmente o U2, apenas Bono e The Edge, mas você me entende… – vão reconhecendo aqui e ali canções que potencialmente poderiam estar num próximo álbum da banda. A genialidade desses artistas merece muito mais do que uma frase. Então, permita-me aprofundar…

Primeiro a linguagem visual de Taymor. Fortemente escorada nas referências de quadrinhos, ela brinca o tempo todo com a perspectiva do palco e com nosso ponto de vista. De cara, a escola onde Peter Parker (que ainda não é o Homem-Aranha) e Mary Jane estudam é um espaço cubista – que contém ao mesmo tempo os lados de dentro e de fora. Em seguida, uma surra que Parker leva dos colegas atualiza as antigas lutas do seriado de “Batman” na TV – com direito a palavras como “Pow!” e “Bang!” explodindo ao vivo em cena! E logo depois ainda vemos uma belíssima solução visual para mostrar o cotidiano suburbano de Peter e Mary: grandes painéis com casas pintadas que se desdobram em múltiplas combinações, e retomam inclusive o jogo de “dentro e fora” da escola, enquanto no alto do cenário, uma miniatura de trem passa de um lado para o outro, quase que de maneira poética. O momento é belíssimo, ajudado pela primeira música de verdade do U2 – ooops, eu sei, de Bono e The Edge… (mas mais sobre isso daqui a pouco).

Logo estamos no laboratório do cientista Norman Osborn – e mais uma vez Taymor mexe com nosso labirinto. As dramáticas linhas diagonais do cenário são tão simples quanto eficientes para criar uma imagem futurista e grandiosa, preparando o momento em que Peter recebe a picada da aranha que lhe dará superpoderes. A partir daí as coisas começam a ficar ainda mais interessantes! Dentro do seu quarto, ao testar pela primeira vez seus novos dons, Peter pula com leveza de uma parede para outra – e mesmo para o teto -, num cenário todo molengo e desestruturado. O efeito é fascinante e mexe com qualquer criança (inclusive os adultos que não esquecem que foram crianças) que já teve fantasias de voar…

Peter Parker então já está pronto para incorporar o Homem-Aranha – guiado “espiritualmente” pela divindade Arachne (uma boa desculpa para Taymor criar oníricas teias de aranha espalhadas pelo enorme palco). Nosso herói começa a combater o crime e intimidar bandidos – e é nessa hora que ele faz seus primeiros sobrevoos pela plateia. Ali de onde eu estava – cadeiras C 101 e 102, terceira fila do balcão -, ele passava raspando… E eu não tenho vergonha de admitir que voltei a ter uns 8 anos de idade, vibrando só de ver aquilo acontecer.

A cena, claro, é fruto de um bem orquestrado jogo de cabos de aço, mas quem é que está reparando nisso? Estamos – todos nós na plateia – estupefatos demais para tentar descobrir os detalhes da cena. Nossa atenção é rapidamente sequestrada de volta ao laboratório de Norman Osborn, para ver sua metamorfose. Por um “acidente”, ele se torna o terrível Duende Verde – e declara o Homem-Aranha como seu inimigo mortal. Tudo então se encaminha para o clímax desse primeiro ato, que é a batalha voadora entre nosso herói e o Duende.

Quando ela começa, você já está quase de pé na cadeira – imprudentemente esquecendo a recomendação dada no início para ninguém se mexer (essa é a tal cena do Chrysler Building!). A perseguição é mesmo sensacional. Os dois atores voam ao mesmo tempo, explorando todo o espaço do teatro, e chegam até a se cruzar: a certa altura, o Homem-Aranha “pousa” nas costas do Duende Verde – e eu não faço ideia de como isso acontece (como aqueles cabos não se enrolam??). Mas, de repente, quando a ação está no auge, eu reparo que os fios que seguram o Homem-Aranha em pleno ar estão se envolvendo numa espiral… Por alguns segundos achei que seria um novo efeito especial – mas que efeito especial, que nada! A cena tinha acabado de ser abortada – o equipamento “deu pau”. Tudo estava paralisado…

Difícil descrever a decepção que rolou geral entre o público. Enquanto o Homem-Aranha era içado de volta ao palco, lentamente, ele até tentava fazer algumas gracinhas com a plateia, mas nada seria capaz de recuperar a energia do espetáculo àquela altura. Como que para “dar uma força”, muita gente aplaudia, outros davam gritinhos de encorajamento, mas quando a história foi retomada (sem que víssemos o resgate de Mary Jane de uma gárgula do edifício Chrysler), saímos todos meio desanimados…

Para “levantar os ânimos”, comecei a recapitular, com minha amiga, as músicas de Bono e The Edge – e chegamos à conclusão que a tarefa da dupla de criar um clima de musical de Broadway e ao mesmo tempo deixar sua marca havia sido cumprida com sucesso. Canções como “No more” (o dueto de Peter e Mary quando estão voltando para casa da escola) e “Rise above” (quando morre o tio de Peter) são “de primeira linha”. E a guitarra inconfundível de The Edge está presente – e como! – em sequências como “Bouncing off the walls” (quando Peter brinca no quarto) e “Pull the trigger” (no laboratório de Norman). E foi essa vontade de ouvir mais músicas boas deles – e mais alguns efeitos especiais estonteantes – que nos fez voltar animados para o segundo ato. Mas aí…

Aí, parece que todo o esforço de encantamento do primeiro ato exauriu a capacidade criativa de todo mundo. “Turn off the dark” torna-se um musical convencional, com baladas “xaropadas” e cenas sem emoção. Parker rejeita seus super-poderes para viver o amor com Mary. A cidade (e o mundo) é tomada por bandidos – o que nos proporciona o momento mais visual desse segundo ato, com um balé de gigantescos painéis luminosos. Mas o dilema de Parker – volto ou não volto para a roupa de Homem-Aranha? – não convence. Tampouco seu romance com Mary. O “duelo” final entre Peter e Arachne chega a ser constrangedor de tão sem graça… E as músicas? Bem, vamos parar por aqui pelo amor e respeito que eu tenho por Bono e The Edge…

Com tudo isso, o final é um anticlímax. “Deveríamos ter saído no intervalo”, comentou minha amiga – e eu não tinha como discordar. Pelo menos teríamos saído com a melhor das lembranças – mesmo com aquele pequeno incidente… Caminhando no vento gelado por Times Square, ficamos lembrando dos bons momentos do primeiro ato, e concluímos, finalmente, que nossa tarde não havia sido de todo perdida. Pagamos caro, de fato. Mas achamos que cada “cent” tinha valido a pena.

Afinal, mesmo com todos os problemas, “Spider-man: turn off the dark” é um espetáculo único – parte concerto de rock, parte Cirque du Soleil, parte história em quadrinhos, parte filme de ação, e parte “pura fantasia”. Se o esforço de colocar tudo isso junto nos pareceu um tanto quixotesco, tanto melhor. Arte vive também disso, desses delírios – e mais uma vez eu só posso agradecer que existe gente como Julie Taymor para, como diz uma outra amiga minha, “jogar a lanterna lá na frente” e apontar para onde a gente deve ir. Diverti-me como há muito tempo não fazia dentro de um teatro – a última vez, acho, foi quando fui assistir à remontagem de “Hair”. E é de obras de arte assim, de momentos criativos como esses, que precisamos para esquecer das coisas chatas da vida – que, só lembrando, nunca são poucas…

Mas será que precisamos sempre de um evento grandioso como esse musical para nos divertir? Claro que não – e para provar isso, convoco aqui Magali!

Na última sexta-feira, ainda virado da viagem a Nova York, fui jantar com um grupo de amigos, quando alguém me perguntou se eu já havia visto Magali dançando no Largo da Carioca – uma praça no centro do Rio de Janeiro. Respondi que não, e fui praticamente obrigado a procurar esse vídeo ali mesmo no youtube, usando meu celular. Achei que era mais uma dessas bobagens virais – a “última da semana”… E era! Só que é a coisa viral mais sensacional que eu já vi desde… Sei lá… Desde a “dança do quadrado”?

Trata-se de uma menina vestida de Magali (sim, o personagem de Maurício de Sousa), com cabeção e tudo, que, aparentemente, é contratada para distribuir folhetos de uma loja no próprio Largo da Carioca. Mas isso não é tudo… Quando toca uma música que ela gosta, “Magali” dança enlouquecidamente – e transforma uma tarde rotineira no centro do Rio em uma performance triunfal!!!

Duvida? Então confira você mesmo aqui . Já são mais de meio milhão de acessos – e “Magali na Carioca” está virando objeto de culto!! A ela eu desejo muito sucesso – e que nossa diversão possa sempre depender de coisas tão diversas (e incríveis) como “Turn off the dark” e um boneco de cabeção dançando “California dreamin’ ” no meio da rua…

(Falando em tipos diferentes de diversão, parece que enquanto eu estava fora, surgiu um movimento no twitter para que as pessoas trocassem o “BBB” pela leitura de um livro. Achei curioso, mas o que me chamou mais a atenção foi uma “resposta” que o movimento recebeu, com gente “twitando” para acusar a proposta de,hum, “elitista”… Ler livro então é elitista? Faça-me um favor! Isso só pode ser verdade num país que não respeita a educação – ou num grupo que acha que a única informação que eles precisavam vem daqui, da própria internet… Ora… Quem disse que não é possível gostar das duas coisas, ler e ver o “BBB”? Fala sério! Essa micro-pseudo-polêmica me deu nos nervos – e só de lembrar dela fico tão irritado que perco o foco do pensamento… E a consequência disso, qual é? Eu divago, claro… Na quinta falamos mais sobre isso, certo Sherazade?).

Conhece a maldição do Homem-aranha?

qui, 20/01/11
por Zeca Camargo |
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Titubeei algumas vezes antes de comprar o ingresso para ver uma “pré-estréia” de “Spider-man: turn off the dark” . Afinal, o espetáculo mais comentado da Broadway (escrevo de Nova York hoje) nos últimos anos, como já indiquei, ainda não estreou – o que eu assistiria era uma espécie de “ensaio aberto”. A possibilidade de alguma coisa dar errado – e ela era grande (já falo mais sobre isso) – estaria sempre presente. E o ingresso para assistir a esse “esboço” é o de uma performance “oficial”: cerca de R$ 350! Por outro lado, a música é assinada por Bono e The Edge (mas, curiosamente, não pelos outros dois companheiros da dupla no U2) – o que, obviamente, para um fã como eu, é algo muito atraente. E o nome por trás dessa mega produção é o de Julie Taymor, uma artista (diretora, cenógrafa, mente criativa) – que ficou famosa, entre outras coisas, com a montagem revolucionária, também na Broadway, de “O rei leão”. Enfim, debatendo entre prós e contras, gastei um bom tempo decidindo se deveria ou não pegar a matinê de quarta-feira e arriscar. Ou melhor, conferir como toda a produção de “Spider-man” está se arriscando…

A “maldição” a qual me referi no título do post de hoje não é brincadeira. Desde que o espetáculo foi aberto ao público (ainda que não oficialmente), não foram poucos os acidentes em cena com alguns atores – alguns deles, bem graves. Entre outros problemas, os efeitos especiais “revolucionários” que fazem o Homem-aranha (ou melhor “os Homens-aranhas”) voar pelo palco e em cima da platéia envolvem uma tecnologia sofisticada – e que jamais foi usada num musical da Broadway (o teatro Foxwood, na rua 42, foi especialmente adaptado para isso). E envolve também risco… Os tais acidentes viraram uma das notícias mais “saborosas” na imprensa local nova-iorquina – uma onda de maledicência e ironia, que gerou até uma capa bem sacada na “The New Yorker”, com uma enfermaria cheia de “Spider-men”!

Mas esse não é único problema de “Turn off the dark”. Os “ensaios abertos” – que aqui recebem o nome de “previews” começaram em novembro. Eles se estendem geralmente pelo menos por algumas semanas, para dar tempo de o elenco – e o próprio espetáculo – “esquentar”, antes da estréia oficial. Ocorre que a tal estréia já foi adiada várias vezes – e agora está marcada para 15 de março (possivelmente…). Por conta disso, os custos de produção já foram para a estratosfera! “Spider-man” já está sendo chamada de “a produção mais cara da história da Broadway”, e as piores previsões de retorno dizem que o musical vai ter de conseguir lotar o teatro por três anos consecutivos para pelo menos sair do vermelho – e isso com o ingresso por aquele “precinho camarada” que citei anteriormente…

Será que “Spider-man” na Broadway vai dar certo? Será que os fãs – de um dos super-heróis mais amados da Marvel, diga-se – vão gostar da adaptação? E os fãs do U2 – será que eles vão achar que Bono e The Edge foram longe demais? Os efeitos são mesmo de arrepiar? O frisson de saber que alguma coisa de errado pode acontecer durante a performance – será que isso vai espantar ou atrair o público?

Todas essas perguntas – e tantas derivadas dessas – estão na cabeça de muita gente aqui em Nova York. E elas passaram também pela minha enquanto eu decidia se ia ou não assistir ao musical. Como já expus rapidamente os motivos para querer ir pesavam tanto quanto os para não ir – e, isto aqui sendo Nova York, poder investir umas três ou quatro horas em um outro passatempo cultural (MoMA, P.S.1, New Museum – todos me esperando…). Mas no meio dessa argumentação pessoal, tinha uma coisa que me atraía acima de tudo: o fato de todo mundo ali envolvido com “Spider-man” estar apostando numa ousadia – em algo que, em mais de um aspecto, nunca havia sido feito antes…

Já vou retomar o “Turn off the dark”, mas antes preciso dar uma satisfação a quem acompanhou (e palpitou sobre) meu último post. Por que ele também falava de ousadia e algo que nunca havia sido feito antes – no caso, numa novela de TV, no final de “Passione”, de Silvio de Abreu. Relembrando rapidamente, convidei você a “descobrir” o que o final tinha de bastante original – a ponto de surpreender este noveleiro “de carteirinha” que vos escreve.

Ninguém – pelo menos nos comentários enviados – acertou exatamente o que eu estava querendo dizer. Ou melhor, a Raiza, que mandou um dos últimos comentários, chegou perto, ao falar sobre “o ponto de vista de quem assiste” – o raciocínio dela pegou carona na dica que eu dei sobre o desfecho de “Passione” ter me lembrado o de “Sopranos”. E é mais ou menos isso…

O que eu achei fascinante na solução de Silvio de Abreu foi que, pela primeira vez – pelo menos que eu me lembre – a novela terminou sem que todos os mistérios fossem desvendados… para os personagens da história! Só quem ficou sabendo o que realmente aconteceu – quem matou o Saulo, o pai de Saulo, e as razões para esses crimes terem acontecido – foi o público! Achei isso fascinante – e bato palmas para Silvio de Abreu por isso. De maneira inédita, o autor estabeleceu ali uma cumplicidade com o telespectador, que para mim foi novidade!

Enquanto a família Gouveia celebrava mais um aniversário da matriarca Bete (Fernanda Montenegro) – sem saber ao certo quem havia cometido os crimes, uma vez que Fred (Reinaldo Gianechinni) negou até o final ter sido o autor deles –, o final que se desenhava era feliz, mas de uma felicidade que vinha da ignorância (a de não saber o que aconteceu e não se preocupar mais em ir atrás da verdade). Enquanto isso, Fred recebe, na cadeia, um postal de Clara (Mariana Ximenes), a verdadeira assassina de Saulo (mas não de seu pai, como logo vamos saber num flashback), que, ao contrário do que todo mundo pensava, não estava morta, mas numa “ilha do pacífico”, mais uma vez fingindo que era enfermeira (como no início da novela) de um idoso milionário… Com isso, claro, Fred “descobre” que ela é a verdadeira culpada, mas isso não é nem metade da história… Só quem ficou sabendo mesmo de tudo foi quem estava assistindo de casa, do conforto de sua poltrona… E isso eu achei genial!

Isso é o que eu chamo de ousadia – de experimentar com um formato tão batido quanto uma novela de televisão. Essa provocação – uma característica essencial para os artistas – é o que realmente me seduz. E aí pode ser em qualquer forma de expressão que você quiser escolher: cinema, literatura, música, dança, teatro, performance – até mesmo uma novela. Ou quem sabe um musical da Broadway… E foi pensando nisso que eu resolvi comprar o ingresso para ver “Spider-man: turn off the dark”!

O que eu achei da experiência? Bem… É meu último dia dessa viagem rápida a Nova York – e “a rua” está me chamando para sair da frente deste computador onde escrevo e aproveitar um pouco mais da cidade. Resistir será inútil…

Segunda-feira então, temos um encontro marcado aqui com o “Homem-aranha”, fechado?

Um rápido desafio para os noveleiros de plantão

seg, 17/01/11
por Zeca Camargo |
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Noveleiros estes, entre os quais eu me incluo. Para vocês, eu quero propor um desafio. Mas antes… Porque talvez você até seja um noveleiro (ou um inimigo mortal desse tipo de paixão) e esteja entrando aqui pela primeira vez, sinto-me obrigado a explicar mais uma vez que não tenho a menor obrigação de escrever aqui sobre novelas da emissora na qual trabalho. Este é um blog de cultura pop, e ignorar o assunto, seria cair no mesmo “ato falho” que a própria televisão comete: não admitir que a TV é onipresente no nosso mundo contemporâneo (para mais explicações, consulte um texto que escrevi aqui mesmo sobre isso – sobre como a TV está quase sempre ausente dos programas de TV, sobretudo na nossa dramaturgia). Aos militantes da “teoria da conspiração”, alerto ainda que não estou lançando este assunto na tentativa de alavancar a audiência da novela “Passione” – primeiro porque ela foi muito bem de audiência nesses últimos capítulos, e segundo porque, bem… porque ela acabou…

(A você que está acostumado com os temas deste blog, peço desculpas por ter de me justificar novamente. Considere isso apenas um “desencargo de consciência” – e vamos em frente).

Enfim, o que quero propor aqui, rapidamente, é um exercício de percepção. “Passione” acabou – o que significa também que mais um mistério proposto por Silvio de Abreu está impecavelmente concluído. O capítulo que foi ao ar na última sexta-feira tinha, claro, todos os ingredientes de um “gran finale”: beijos a granel, um belo casamento, uma amarração na linha “crime e castigo”, famílias felizes reunidas – e até conquistas no esporte. Ah, e por falar em prêmios, não podemos esquecer a surreal consagração da personagem vivida por Irene Ravache, a Clô, que finalmente foi reconhecida como “celebridade do ano” – uma cena que, desconfio, serviu menos para amarrar uma ponta da história do que para mostrar aquele impagável “modelito” com penas de pavão…

Mas o último capítulo de “Passione” trouxe uma novidade – ainda que de maneira bem sutil. Não estou falando da “escapada perfeita” da personagem de Mariana Ximenes, a Clara – um desfecho, vale lembrar, que certamente foi inspirado no do filme “Corpos ardentes”, um pequeno clássico “noir” do início dos anos 80, com William Hurt e Kathleen Turner, que vale a pena você conferir (mais um ponto para Silvio de Abreu e seu infinito conhecimento enciclopédico da ficção policial!).

O que me chamou a atenção nesse final tem a ver menos com uma “revelação surpreendente” do que com a própria estrutura da novela. Assim que a palavra “Fim” apareceu ao lado do rosto de Clara, num enorme “close-up”, veio um estalo: genial! Eu, mesmo fã do gênero, não posso falar que me lembro de todos os finais de novela desde que comecei a assisti-las há pelo menos quatro décadas… Mas do registro que tenho, nunca havia visto alguém usar um recurso tão brilhante e original como este.

Não vou contar qual foi o “truque” agora que Silvio de Abreu apresentou – e, mesmo sem falar com ele sobre isso, tenho certeza de que Silvio fez isso de propósito, procurando inovar. Pelo menos não vou contar isso hoje. Quero ouvir primeiro o seu palpite – se você percebeu alguma coisa diferente na estrutura dessa conclusão. Até para, de repente, a gente abrir espaço para um debate sobre como as novelas podem se renovar. Como eu também já discuti aqui mesmo, João Emanuel Carneiro mostrou com “A favorita” que é possível subverter uma novela – e ter sucesso! E agora o veterano Silvio de Abreu mostrou (de novo) que tem o mesmo fôlego para surpreender.

Não seria um papo interessante?

Vou dar mais uma pista para você elaborar. Esse aspecto original do final de “Passione” me lembrou um outro desfecho totalmente surpreendente – o da série “Os Sopranos”. Você assistiu? Percebeu onde eu quero chegar? A conversa continua na quinta…

Monga, a mulher gorila

qui, 13/01/11
por Zeca Camargo |
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Depois de cantar apenas cinco músicas, na primeira vez em que Amy Winehouse saiu do palco, durante sua apresentação da última segunda-feira no Rio, ninguém achou estranho. Afinal, já sabíamos desde sábado, quando ela abriu seu giro pelo Brasil em Florianópilos, que esses, hum, “breaks” eram uma constante no seu show. Não é justo, enfim, todo artista – e quem sabe ela, em especial – precisar de um “respiro” entre um bloco de músicas e outro? (De repente me lembro de um detalhe da entrevista que fiz com Paul McCartney, quando ele contava que não bebia nem um copo de água durante o show – mas eu divago, e estamos apenas começando…). Não, essa saidinha dela mal registrou. O que me deixou mesmo incomodado foi quando, depois de a banda, sozinha no palco, ter “enchido um pouco de linguiça”, ela voltou e cantou “Rehab”.

Não pela performance, claro. Assim como as centenas de fãs que estavam lá conferindo o show – ou, no mínimo, conferindo se ela compareceria mesmo ao show! -, eu esperava ansiosamente esse momento. Momento esse – será mesmo que preciso dizer? – que foi sensacional! Dancei e cantei com ela exatamente como todo mundo em volta de mim! Não… O que me incomodou foi que dei uma olhada no playlist (que me havia sido gentilmente cedido por alguém da produção), e constatei que “Rehab” fazia parte do bloco final do espetáculo – para ser mais exato, era a antepenúltima música antes do bis!

Será que o show já estava acabando? Será que a apresentação que ela fazia displicentemente da banda (algo que sempre é reservado para o “gran finale” de um espetáculo) indicava que estávamos perto do fim? Será que ela pulou mesmo umas seis ou sete músicas que estavam no playlist? Será que era uma louca que estava no palco? Todas essas perguntas cruzavam meu pensamento e – tenho certeza – o de muita gente que estava na platéia. E, até aquele momento, só tínhamos, claro, resposta para uma delas: a última. E essa resposta, obviamente, era sim!

As outras respostas vieram logo em seguida – e eram também todas positivas. Depois de “Rehab”, ela cantou mais uma música, e se despediu com “Valerie”. Os músicos deram um adeus rápido, os instrumentos foram abandonados sem muito cuidado, as luzes do palco rapidamente se apagaram, e todos os espectadores se olharam com perplexidade. Teríamos pelo menos um bis? – era a nova pergunta que fazíamos entre nós.

A mesma pessoa que me cedeu o playlist passou de novo pela pista (de onde eu assisti à Amy no palco) e me confirmou que sim, que ela voltaria para mais três músicas – na verdade, voltou, cantou mais duas e deixou a última com a banda… Um pouco desconcertado (mas não exatamente irritado – como já vou explicar), virei para esse cara e perguntei: “Mas o show vai ser só isso mesmo?”. Ao que então ele me respondeu: “Mas claro! Não era isso que as pessoas queriam ver? Monga, a mulher gorila? Ela fez exatamente o que o público estava esperando!”…

Vi imediatamente nessas palavras, uma sabedoria enorme. Bom observador, e “insider” do “show business”, esse meu amigo mandou muito bem no seu resumo – e me obrigou a reconsiderar ali na hora a minha reação à apresentação de Amy. Se até então, como escrevi há pouco, estava ligeiramente desconcertado, passei a me sentir recompensado. Afinal, o que você e aquelas pessoas – inclusive eu – estavam ali para ver? Um belo show de música, com coreografias, reproduções quase impecáveis das gravações originais do artista, uma presença constante no palco, e um espetáculo de tecnologia (e pirotecnia)? Se era isso, como respondi a um pequeno grupo que me abordou na saída e suplicou: “Zeca, você é nosso porta-voz – diga a todo mundo que a Amy foi péssima!”, desculpe, mas você foi assistir a um show errado. Esse que você queria ver era o da Beyoncé – que se apresentou no mesmo espaço, em fevereiro do ano passado.

Se você estava lá naquela noite – ou presenciou uma outra passagem dela pelo Brasil (hoje ela se apresenta em Recife – supostamente; e no sábado em São Paulo – idem) – confesse agora! Você foi lá para ver ela cambalear no palco, errar ou esquecer algum trecho de uma música, cantar com uma garrafa de cerveja (ou um copo ou uma caneca com qualquer líquido claro ou turvo!), desaparecer por minutos, torcer para que seu vestido justo revelasse um pouco mais de pele, aplaudir quando ela simplesmente tropeçasse nas próprias (e belas) pernas. Vai negar?

E é esse espetáculo grotesco – adjetivo que uso sem juízo de valor – que você foi lá ver sim, e a maior prova disso é que os momentos mais aplaudidos eram, sem dúvida, os que vinham acompanhados de uma gafe dessas – e não os de virtuosismo musical. Ninguém esta falando aqui que ela não mandou bem ao microfone – isto é, quando conseguia chegar até ele. Pelo contrário: que prazer era ouvir sua voz, que ecoava sempre imponente e precisa – ainda que em leve tom ébrio. Mas, como quem estava lá no Rio na noite de segunda teve a chance de presenciar, um dos momentos em que a platéia foi mais à loucura foi quando ela desencanou completamente de acompanhar sua banda (também mega competente) e partiu para um longo e genuíno ataque de riso… Foi um delírio…

E tem gente que ainda tem a coragem de dizer que saiu decepcionada… Você não pagou para ver Monga? Então tome Monga! O bizarro “número de ilusionismo” ainda deve ser – creio – obrigatório nos parques de diversão mambembes espalhado pelo país. Mas, para refrescar a memória de quem já não vai a um lugar desses há algumas décadas (se bem que eu acredito que qualquer criança que tenha sobrevivido a essa experiência jamais seria capaz de esquecê-la), vou explicar rapidamente porque Monga era a atração mais “trash” que você poderia ver.

Num cubículo apertado, você encontra um palco diminuto separado da platéia por uma, hum, “barreira de segurança”. Sob os comandos de um “hipnotizador” – que, muitas vezes era só uma voz gravada -, uma bela (força de expressão) mulher entra trajando um biquíni supostamente sensual – para ele ser realmente sensual, o corpo da “assistente do hipnotizador” deveria, claro, ajudar… o que quase nunca é o caso…

Depois de algumas instruções, a mocinha mergulha em sono profundo e… Presto! Transforma-se da “bela” donzela numa incontrolável (e bravíssima) gorila. O susto só não é maior porque, felizmente, Monga está acorrentada! Mas a belicosa platéia não se contenta em ver a transformação (um barato jogo de espelhos) – e segue provocando a fúria de Monga até ela se soltar das correntes e avançar em direção às pobre vítimas inocentes do público. Que a essa altura, diga-se, já estão se acotovelando para escapar daquele espaço claustrofóbico e escuro (as “portas de segurança” já foram devidamente arrombadas…).

Alguns segundos depois, o apresentador parece ter controlado a situação. Monga é “recuperada” novamente para dentro da jaula – e num novo passe de mágica, ela “volta ao normal”. A “bela donzela” reaparece no mesmo ingrato biquíni – apenas para ouvir as piadinhas petulantes dos adolescentes que se achavam mais engraçados dizendo: “Agora sim estou com medo!”, “Preferia a Monga!”. Sim, é dura a vida do artista…

Agora, você acha que algum desses garotos (tinham garotas também, mas como elas eram sempre mais apavoradas, a presença masculina era sempre maciça) saía decepcionado da “jaula de Monga”? Nem um pouco! Monga entregava exatamente o que prometia. Um arrepio? Ok! Uma desculpa para agarrar a namorada tímida? Perfeito! Um susto seguido de risada? Sem problema! Uma chance de liberar a sempre reprimida sexualidade adolescente? Mas claro! Se você quisesse ver um espetáculo de hipnose “a sério”, ou mesmo de magia mais profissional, seu destino teria de ser outro – não aquela cabine esquisita. Mas o que aquele público queria era exatamente o que Monga podia dar. E, pensando assim, o comentário de meu amigo, comparando Amy a Monga não poderia ser mais lúcido.

Se, como sugeri, eu estava sem entender muito se estava gostando ou não da noite, até o momento do bis, depois disso fiquei em completo estado de graça. Amy voltou, ainda mais louca – feliz, talvez! – e cantou “Don’t look back in anger”, “Me and mr. Jones”. Deixou a última música para a banda e… bem, foi isso! Se fiz direito a conta, ela interpretou mesmo um total de dez músicas – incluindo a do ataque de riso! Mas eu estava achando tudo ótimo. No total, o show durou pouco mais de uma hora, mas eu estava achando tudo lindo…

(No verão de 1983, quando você provavelmente ainda não fazia parte deste mundo, um artista chamado Ricthie estourou no Brasil com uma música que entrou para o inconsciente coletivo da tal “geração 80″, “Menina veneno” – facilmente encontrável no youtube. O sucesso foi tão estrondoso que pegou o próprio Ritchie de surpresa, e ele se viu obrigado a fazer uma turnê – para faturar em cima da “febre” – sem sequer ter gravado um álbum. O resultado, que eu vi com esses olhos aqui no velho Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, foi um show de cerca de 40 minutos – contando com o bis que era, de fato, um “bis”: ele repetia, sem o menor constrangimento, a própria “Menina veneno” e o “hit” menor “A vida tem dessas coisas”. Faço questão de dizer que tenho a maior admiração por Ritchie – que, claro, marcou minha educação pop -, a ponto de lamentar ele não ter incluído minha música então favorita no tal bis, que é, claro, “Pelo interfone”. Mas não posso deixar de registrar que um show de 40 minutos nada mais era do que um “caça-níqueis” descarado. Se minha memória não me falha, porém, não me lembro de ninguém saindo decepcionado naquela noite: todo mundo assistiu exatamente pelo que pagou… Mas eu divago – vamos voltar à Monga. Digo, à Amy).

Talvez eu estivesse esperando alguma surpresa na noite da última segunda – um punhado de canções novas talvez, afinal, o hiato de  material novo tem sido longo, e eu, como fã, acho que tenha o direito de ter essa expectativa. Mas o que eu queria mesmo é ver ela de perto – e ver o que ela iria aprontar. Por isso mesmo, três vivas à Amy. Obrigado mesmo! Esse seu retorno rendeu repercussões na imprensa – e não só na especializada em música – no mundo inteiro (muitos inclusive se perguntavam porque ela teria escolhido o Brasil para essa, hum, “retomada” – sem se dar conta de que o cachê, se for mesmo essa fortuna que circula em notinhas na internet, é mais do que motivo para fazer Amy, ou qualquer artista “recluso”, sair feliz de casa). E ainda se desdobrou em milhares (milhões?) de comentários em sites e blogs – inclusive este! Amy é “o” assunto da hora para quem gosta de cultura pop.

Ou seja, como artista – polêmica, provocadora, irreverente, inesperada, e até debochada – Amy Winehouse cumpriu brilhantemente a sua missão. Se eu puder fazer apenas uma crítica  arriscaria até dizer que, para o show ao qual eu assisti ter sido completo, Amy/Monga poderia ter se soltado das correntes e partido para cima do público… Tenho certeza de que ninguém teria coragem de fazer aquelas piadinhas…

O próximo, por favor!

seg, 10/01/11
por Zeca Camargo |
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Entre as coisas que menti para mim mesmo que iria fazer no final de ano estava “dar uma chance ao novo álbum de Kanye West” – um disco tão previamente (e previsivelmente) elogiado, que de antemão já despertava uma forte resistência para eu sequer ouvi-lo… Bem, você, como leitor atento, já concluiu, logo na primeira frase do texto de hoje, que eu não cheguei nem perto de “My beautiful dark twisted fantasy”. O que não significa, claro, que não vou fazer isso – já fui mais que convencido (por você e tantos outros que respeito), de que é necessário escutá-lo com atenção, nem que seja para criticar. Só que não vai ser agora – e a razão disso é muito simples: eu quero ouvir coisas novas!

Síndrome de déficit de atenção? Falha de caráter? Mero capricho? Ou algo que você talvez conheça muito bem… aquela vontade de consumir uma novidade? Pode apostar na última opção – até porque esta é a época perfeita do ano para a gente sucumbir a esse impulso. É inevitável: as revistas e sites de música estão cheias de promessas para 2011 – da “nova revelação” da última forma mutante do gênero folk àquela dupla obscura que recicla sons africanos com toques de “zydeco” em Glasgow… Da cantora soul que é uma mistura de Rihanna com Tammy Wynette (sim, Tammy Wynette!), aos rappers de quem Eminem queria ter gravado as canções… Dos novos afilhados da dupla do Daft Punk ao novo projeto daquela metade de uma banda que fez sucesso por mais de uma década simplesmente porque era uma polêmica familiar ambulante (e eventualmente compunha algumas canções perfeitas!).

Naked and Famous

Com exceção desse último exemplo (no qual eu estava me referindo, claro, a Beady Eyes) todos os outros artistas acabaram de ser inventados por mim. Mas poderiam ser verdadeiros – a julgar pelo que vemos anunciados como promessas para esses meses vindouros. Menos do que discutir cada um desses novos artistas (minhas apostas, eu prefiro revelar depois de uma, digamos, apreciação mais profunda), o que me deparei perguntando a mim mesmo é o por que dessa nossa necessidade de saciar nossa fome musical quase que exclusivamente só com o novo?

Calma. Não vou abrir um espaço para filosofia barata. Quero apenas ter com você um ponto de partida para a gente analisar o que vem por aí. E ao mesmo tempo questionar se vamos ter espaço na nossa atenção – ou mesmo tempo! – para poder aproveitar tudo isso…

As propostas são tentadoras – e começa, como sempre, com o número especial do “NME” sobre novas bandas que devem chamar atenção no ano. Esse tema é inclusive recorrente aqui mesmo neste espaço – lembra-se quando, em janeiro de 2009 indiquei aqui a “desconhecida” Florence and the Machine (que depois levou quase o mesmo número de indicações no último VMA do que Lady Gaga?); ou, antes ainda, quando perguntei em abril de 2008 se estávamos ouvindo música demais? Mas desta vez essa inquietação vem aliada com uma oportunidade que tive recentemente: estava em Londres na semana passada, e tinha todas as possibilidades diante de mim para escolher novas músicas. E confesso que fiquei meio paralisado diante da oferta.

(A grande ironia é que justo hoje, quando existe mais acesso do que nunca para a gente escutar novos artistas, as opções para se adquirir esses trabalhos – de uma maneira que não seja digital – estão cada vez mais minguadas… Aquela Londres de “megastores” e bibocas entulhadas de CDs em cada esquina, como você talvez já saiba, não existe mais. São poucas as que sobreviveram à primeira década do século 21 – e conto nos dedos de uma mão só as que ainda oferecem uma chance de acolher este ultrapassado amante de música: a Sister Ray, no Soho; e a Rough Trade, na boa e velha Talbot Street. Mas eu divago…).

Eu mal havia completado minha apreciação das “novas” bandas que surgiram no final de 2010 – aquelas, como Everything Everything, que não tiveram o melhor dos “timings” para aparecer (apesar de apresentarem também um pop de primeira) – e lá estavam mais algumas dezenas de “new acts”, todos tão excitantes quanto outros artistas que eu já havia “acabado de conhecer” em 2010 – gente boa, que eu mal havia conseguido digerir, que gostaria de ouvir mais uma, duas, três vezes, mas que já estavam sendo atropelados por quem acabava de chegar.

Por esse estranho caminho por onde vai nossa curiosidade, de repente o novo disco do The XX – uma das coisas mais originais que apareceram nos últimos anos – parece menos importante do que uns neozeolandeses chamados The Naked and Famous. O próprio trabalho de Kanye West fica facilmente em segundo lugar (não estou falando de qualidade, mas de curiosidade, repito) quando você tem uns moleques de Los Angeles chamado Odd Future fazendo um hip-hop para lá de surreal (e violento). E quem é capaz de levantar uma sobrancelha para o provável novo álbum do Kasabian quando a expectativa maior é se uma das bandas mais misteriosas de todos os tempos, WU LYF, vai ou não sequer lançar alguma coisa? E que tipo de som será que nomes como Outer Limits Recordings, The Vaccines, Daughter, Savage Nomads, Ikonika, ou mesmo oOoOO (isso não é um erro de digitação!)? WOW!

Relendo rapidamente que escrevi, percebo que você pode interpretar o post de hoje como um desabafo de alguém que simplesmente não tem mais tempo e/ou paciência para ouvir tanta coisa. Mas deixe-me defender: é justamente o contrário! Eu queria ter esse tempo de ver e ouvir todas essas coisas – e aproveitar todas elas. O que estou fazendo, escrevendo este texto, é uma tentativa de me convencer de que isso é possível – e quase um pedido de desculpas para os “nomes consagrados” que eu devo acabar deixando em segundo plano…

Odd Future

Meu fascínio com o novo – e que, dsconfio, não é só meu, é constante! Por exemplo, ao digitar estas palavras, estou escutando um dos CDs que trouxe agora de Londres, de uma banda chamada Kisses (o álbum tem o mesmo nome) – um dos melhores dessa “safra”. Mas a pilha de coisas novas está grande – e eu quero mais. Por isso, vou pedir sua ajuda. Tem alguma coisa nova para me sugerir?

Queria montar, com o post de hoje, um grande “painel de novidades” – e com sua colaboração. É provável que você venha até com nomes que eu já tenho aqui na minha lista (só os do “NME” são 20, hein!), mas não deixe de tentar… Nem deixe de incluir algumas bandas nacionais que você acha que eu tenho absolutamente que ouvir – mas que sejam novas, por favor… Tenho o maior respeito pelos artistas que conseguem (não sei como, só pode ser talento) arrastar seus fãs dos anos 80 até seus shows de hoje em dia e ainda conquistar novas audiências. Mas esse já estão consagrados. Quero coisas novas – e nossas também.

Ou, se você souber de algum novo rapper cingalês, uma nova diva colombiana, um excitante duo novo do País Basco, ou um DJ bombando na Malásia, também agradeço. Ajude o meu ano musical a começar bem – que eu prometo que vou retribuir ao longo de 2011.

Aguardo sugestões.

O outro filme sobre o Facebook

qui, 06/01/11
por Zeca Camargo |
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Estou em Londres – no que você pode chamar de um “aquecimento” para assistir Amy Winehouse daqui a alguns dias no Brasil (não, não vai haver nenhuma entrevista, ou, pelo menos, nada foi confirmado até agora; mas como se trata de Amy, tudo é possível…). Do ponto de vista cultural, não é exatamente a melhor época para visitar a cidade. Como em qualquer lugar do mundo, o comecinho do ano é geralmente fraco culturalmente – as melhores exposições nos grandes museus já fecharam, alguns teatros estão rodando a sua programação, e os artistas mais interessantes ainda estão se recuperando da ressaca de fim-de-ano para arriscar um show ao vivo… Mas era essa a oportunidade que eu tinha para tirar uma folga, então, não posso reclamar! Até porque, isto aqui é Londres: a gente sempre descobre alguma coisa legal para ver e fazer. Por exemplo, assistir a este outro filme sobre o Facebook, que eu mencionei no título do post de hoje.

Nessa temporada de prêmios para o cinema americano, você já deve estar cansado de ouvir qualquer coisa relacinada ao filme “A rede social” – e com razão! Ainda faltam mais de duas semanas para o mundo saber quem são os indicados para o Oscar desta vez – mas o mais novo trabalho de David Fincher não só aparace em todas as previsões dos críticos especializados – incllusive na deste que vos escreve, que nem é crítico nem especializado! – como também já vem colecionando outros prêmios e indicações. E não só na categoria de melhor filme… Tudo mais que merecido, é claro. Como já escrevi aqui mesmo neste espaço, o filme é um “apurado tratado sobre o que está acontecendo com a gente – como estamos achando que estamos ficando cada vez mais próximos quando, na verdade, estamos ficando cada vez mais sós”. E eu ainda acrescentei: “Raras vezes um filme tem o poder de trazer essa presciência imediata, essa capacidade de falar do momento atual provocando incômodas conclusões sobre o nosso futuro como seres humanos”.

A repetição das palavras que já usei aqui não é gratuita. Fiz questão de citar minhas próprias aspas, porque eu poderia muito bem usá-las para descrever este outro filme sobre o Facebook ao qual eu assisti ontem mesmo. Um documentário (pelo menos eu saí do cinema acreditando que aquilo era um documentário, embora uma rápida pesquisa na internet já levante dúvidas sobre as intenções do filme…) que mesmo este “virgem” na “rede social mais popular do mundo” – como já expliquei no tal post, não estou oficialmente no Facebook – foi capaz de desfrutar e sair discutindo o que viu noite afora, com pessoas que são relativamente mais espertas no Facebook do que eu…

O filme fez um modesto sucesso no circuito alternativo americano quando foi lançado em setembro – graças a um excelente “boca a boca” no último festival de Sundance, em janeiro do ano passado. Sua bilheteria não foi um estrondo – arrecadou menos de 4 milhões de dólares até o final de 2010 (uma fração de “A rede social”), o que deve tornar duvidosas suas chances de ser lançado oficialmente no Brasil. Se esse for o caso, só posso lamentar pelo público brasileiro, que será privado de um dos filmes mais importantes para entender o que está acontecendo com nossa comunicação – na verdade, um complemento perfeito para a moderna fábula mefistofélica contada em “A rede social”, que é a chegada do Facebook na nossa vida (sem lançamento oicial nas telas nacionais, as opções para quem quer assistir a essa pequena obra-prima estrão limitadas a um calendário de festivais – ou, claro e infelizmente, ao recurso desesperado pirataria…).

Se estou fazendo tanto mistério sobre que filme é esse – o texto de hoje já está avançado e eu sequer falei o nome dele – é porque tenho que admitir que é difícil mencioanr qualquer coisa sobre ele sem estragar o prazer de assisti-lo. Mesmo o título da produção – um enigma que só se desvenda nos minutos finais do filme (e se encaixa com perfeição em tudo que acabamos de ver) – inspira segredo, algo como uma senha, que só deve ser verbalizada por quem já o assistiu…

Mas vamos acabar com o suspense – ou, pelo menos, parte dele. Para quem ainda não adivinhou (os mais ligados em filmes independentes, tenho certeza, já descobriram), trata-se de “Catfish”, o documentário feito por Henry Joost e Ariel Schulman, sobre a estranha interação do irmão de um deles – Yaniv, irmão de Ariel – com uma menina pintora prodígio. Os dois entram em contato pelo Facebook: Abby, uma menina apaixonada por balé, vê um trabalho de Nev (Yaniv), que é um fotógrafo de 24 anos, publicado em um jornal e decide procurá-lo (pelo Facebook) para mandar uma quadro seu baseado justamente nessa imagem.

A rigor eu deveria parar por aqui – não deveria falar mais nada. Mas assistindo ao próprio trailer oficial do filme, acho que posso ir um pouco além na história sem entregar demais: Abby tem uma meia irmã chamada Megan, que imediatamente se interessa por Nev – e os dois começam uma intensa relação, hum, virtual. Megan tem mais ou menos a idade de Nev e – traduzindo a expressão que eles usam para descrevê-la no filme (“She’s hot!”) – ela é gostosa! Por que não?

A, hum, relação toma tamanha proporção que, atiçado pelos diretores (que começaram a registrar tudo quando Abby não parava de mandar quadros e mais quadros), Nev vai atrás de Megan – e de toda a família de Abby. De Nova York (onde os diretores vivem, assim como Nev) ao estado de Michigan (onde fica “a outra ponta” desse diálogo de Facebook) é uma longa viagem – e mais não conto. Só preciso dizer, para justificar até o porquê de eu estar escrevendo hoje sobre este filme, é que este é um dos melhores filmes de suspense que você jamais vai ver – e pode colocar todo o catálogo de Hitchcock nesta lista!

O desenrolar da história de Megan e Abby é labiríntico – e o desfecho é surpreendente. Como se ouvia no café do cinema Curzon, aqui do Soho londrino, depois da sessão, é também muito triste. Numa análise mais profunda, é também o retrato mais perfeito de uma das possibilidades para qual estamos caminhando – uma sociedade, ironicamente, mais desconectada do que uma rede social poderia sonhar…

“Catfish” tem também momento engraçados. O detalhe na “conversa” entre Nev e Megan que faz todo mundo começar a desconfiar que existe alguma coisa estranha na história  faz você rir junto com o próprio Nev e os diretores (que estão mais ou menos presentes também o tempo todo). E a cena em que Nev lê em voz alta as mensagens “eróticas” de texto que trocou com Megan (“sexting”, certo?) é das coisas mais hilárias que vi recentemente nas telas (ganhando inclusive da melhor sequência de “Um jantar para idiotas” – que vi no avião vindo para cá -, aquela em que a vidente que lê a mente de animais reproduz a agonia de uma lagosta sendo fervida; sério!): a troca de, hum, carícias virtuais entre eles é não apenas engraçadíssima, mas também constrangedora para qualquer um que já fez a mesma coisa com quem está muito apaixonado ou apaixonada (sim, estou falando com você…).

Por tudo isso – e, agora, mais não conto mesmo! – eu declaro “Catfish” um dos filmes mais brilhantes que vi nos últimos tempos. Você provavelmente não vai detectá-lo em nenhuma lista de premiação da temporada – e depois de 27 de fevereiro (dia da cerimônia do Oscar), quando “A rede social” colecionar então suas últimas estatuetas, as chances de você cruzar com esse documentário só tendem a diminuir. No entanto, você que gosta de um bom filme, de uma boa provocação, de um bom ponto de partida para uma conversa instigante – vá atrás de “Catfish”. E depois discutimos um pouco mais a tal “necessidade” de se estar conectado no Facebook…

Não foram poucos os que me crucificaram por optar estar fora desse tipo de, hum, comunicação quando escrevi sobre “A rede social”… Mas acho que agora eu divago – e Londres está me esperando lá fora. Penso que vou começar o dia vendo o que Ai Weiwei está aprontando na Tate Modern. Detalhes, em breve…

Fogos

seg, 03/01/11
por Zeca Camargo |
categoria Todas


A certa altura do sensacional novo livro de Gary Shteyngart, “Super sad true love story” (a ser comentado aqui, tão logo ganhe uma tradução para o português), o personagem principal, o não menos que delirante Lenny, ao descrever a traidora promessa de um dia ensolarado em uma Nova York de meados do século 21, desabafa: “O verão está mentindo para si mesmo”.

Nada contra dias bonitos nem contra a alegria de uma tarde ensolarada. O que Lenny lamenta de maneira tão breve e precisa, é que nós sempre ficamos tão encantados com o espetáculo de um momento perfeito, que invariavelmente nos esquecemos de que ele é passageiro – e não definitivo. A “mentira” que o verão conta a si mesmo, segundo o personagem criado por Shteyngart, é a de que outros dias como aquele virão. E o desmentido vem logo em seguida, primeiro sob a forma de um outono, e, depois, como um “longo e tenebroso inverno”… Mas quem não quer acreditar naquela promessa?

Por obra do acaso, li este trecho de “Super sad” exatamente no último dia de 2010, algumas horas antes de ir até a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para celebrar, com mais uns dois milhões de pessoas, a chegada de 2011. Diante daquela noite tão bonita (várias pessoas que encontrei, veteranas, como eu, de muitos réveillons cariocas, me confirmaram o que eu já desconfiava – que há muito tempo não se via uma queima de fogos tão acertada e original), fiz a inevitável conexão: a promessa de que a felicidade e a esperança de uma noite tão incrível como aquela se repetiria pelos próximos 365 dias era não menos traidora do que a da tarde de verão presenciada por Lenny. Por analogia, era como se o “ano novo estivesse mentindo para si mesmo”.

Mas assistindo àquela sucessão de fogos de artifícios, quem ousa duvidar da promessa de um novo ano? Há algo de inexplicável no fascínio que eles exercem nas multidões concentradas para qualquer celebração – e, em especial, neste quase cinquentão que vos escreve, e que se sente ligeiramente sem graça em usar um clichê para descrever como ele se comportou diante daquelas cores luminosas borrando o céu escuro… (Se você pensou em “como uma criança”, acertou!).

Há anos, quando eu ainda era adolescente, me lembro de ter lido em uma revista popular de ciências um artigo justamente sobre “a ciência por trás dos fogos de artifício”. Ou melhor, eu me lembro de ter começado a ler este artigo, pois logo no início do texto, percebi que a possibilidade de um “desencantamento” com o que eu achava – e acho até hoje – uma das coisas mais lindas do mundo era maior do que a minha curiosidade em saber como aquilo funcionava – e como os cientistas faziam para inventar novas maneiras de fazer aqueles raios brilhantes riscarem o céu.

Lembrei-me também desse episódio na noite do último dia 31, pois a inventividade dos fogos que eu vi era impressionante. De formas que evocavam flores (e até aquela carinho de “smile”)  a “chuvas de faíscas” que lembravam águas-vivas coreografadas, cada nova sequência de fogos que estourava surpreendia mais que a outra, e eu entrei num estado ligeiramente lisérgico, que me remeteu a uma outra noite de estouro de fogos de artifício, que vi no país que inventou essa “brincadeira”: a China.

Eu estava em Macau – quando lá ainda era, tecnicamente “território português” -, exausto de uma viagem para o outro lado do mundo (o que, nesse caso, não é uma figura de linguagem), quando vi pela janela do meu quarto, que dava bem para a ponte que ligava a ilha onde eu estava hospedado (Taipa) ao continente, um clarão inesperado. Aparentemente era uma feriado naquele dia – e os macauenses estavam a fim de honrar a tradição chinesa…

A memória que tenho é de uma “apresentação” longa – certamente mais duradoura que os 17 minutos que encantaram quem estava este ano em Copacabana para o réveillon. Mas os fogos que eu via eram de tamanha beleza, que a certa altura eu nem estava mais contando o tempo: só agradecia aquela “recepção” na minha chegada, como se fosse mesmo algo programado exclusivamente para mim… E que serviu, ainda, como uma excelente introdução à uma cultura que eu estava conhecendo pela primeira vez.

E pensando em culturas que conheço pela primeira vez, ainda enquanto os fogos espocavam em Copacabana, voltei rapidamente ao lago Titicaca, onde estive no Natal. (Acho que não há dúvidas de que a foto que usei no post anterior era de lá, certo? A imensa maioria dos que arriscaram um palpite mandaram bem… Mas, se eu quiser ser preciosista, devo acrescentar que ninguém – absolutamente ninguém – acertou onde eu estava na segunda foto. A resposta, claro, é no cemitério pré-inca em Sillustani, perto de Puno).

Eu já havia visitado o Peru em 2008, quando fiz uma série de reportagens sobre Patrimônios da Humanidade. Estive então em Chan Chan – um sítio arqueológico em restauração na cidade de Trujillo. Mas foi tudo tão corrido, que eu nem fiquei um dia em Lima (passei pela cidade apenas para pegar a conexão). E, apesar de ter tipo meu primeiro contato com essa cultura fascinante, não podia nem imaginar as outras surpresas que a paisagem cultural peruana – ou melhor, “andina-peruana” – ainda escondiam…

Ao decidir onde passaria o Natal com minha família e um grupo de amigos, Machu Pichu foi a primeira opção. Afinal, eu achava que estava devendo a mim mesmo uma visita a esse lugar que é uma referência mundial para um viajante – e que eu ainda não conheço… Ocorre que – e quem já foi até lá pode me confirmar isso – Machu Pichu não é um lugar simples de conhecer, ainda mais quando se está acompanhado de um grupo de 10 pessoas (que inclui sua mãe!). O espírito da viagem, como todos haviam concordado, era mais de descanso do que de aventura. Assim, para ficarmos no mesmo país, a opção do lago Titicaca nos pareceu mais viável. E quando chegamos lá, percebemos que ela foi bem mais que isso.

Como disse no post anterior, eu estaria mentindo se não admitisse que eu voltei de lá transformado. Não só pela paisagem – que é única. Nem apenas pela alegre harmonia do grupo que eu tive a sorte de juntar. Mas também pelo respeito que aquele povo tem pela sua cultura. Quando brinquei, no meu último texto, que não via um jeans (muito menos um iPod) num raio de quilômetros, não era um exagero. As pessoas ali, mesmo os mais jovens, vestem-se espontaneamente de maneiras tradicionais – talvez as mulheres mais que os homens, com suas saias volumosas e coloridas (sem falar no chapeuzinho!), mas mesmo o time masculino muitas vezes não parecia acanhado em honrar o seu passado, como aqueles senhores e meninos que vimos na ilha de Taquile, ali, no meio do lago (onde, aliás, a roupa de costume não honra exatamente um passado inca, mas uma tradição espanhola, da época em que “la corona” tomou conta de tudo, inclusive desse disputado território).

E mais: preservam suas línguas antigas – o quéchua e o aimará – a ponto de muitas vezes o espanhol ter de ser obrigatório nas escolas. E eles ainda têm um profundo respeito pela espiritualidade dos antepassados. Já ouviu falar em Pacha Mama? Lá você está constantemente  na companhia dela – uma espécie de “Terra Mãe”, que está sempre a nos proteger. O xamanismo está por toda a região, e se você tem dificuldade de acreditar nessas forças, tudo ao seu redor demanda, no mínimo, respeito.

Os discursos do guia que nos acompanhava – invariavelmente pontuados por inúmeros “entonces”! – eram regados de reverência. Julio Cesar (seu nome) era didático sem ser pedante, e conseguiu hipnotizar a todos nós com suas histórias. E tenho certeza de que ele foi o grande responsável por eu ter voltado tão fascinado com a cultura que encontramos por lá – um fascínio que superou inclusive o cansaço físico, que alturas de mais de 3.800 metros nos impunha (“ocsírreno” era a palavra que mais se ouvia no hotel, entre nós, pobres hóspedes, clamando por um tubo de oxigênio para poder respirar melhor…).

E foi dessa cultura que despertei novamente para os fogos da praia de Copacabana (ironicamente, o lago Titicaca também tem sua “Copacabana”, mas do lado boliviano, que não visitei dessa vez). Feliz com o que via e com o que lembrava. Feliz por ter certeza de que, mesmo nesse mundo tão globalizado, alguma coisa original ainda se preserva. E a julgar pela perseverança do povo peruano, ainda vai se preservar por muito tempo, contrariando com louvor a previsão onírica de escritores como Gary Shteyngart, que citei no início do post de hoje.

Não estou, de maneira alguma, negando o talento desse russo, que aos sete anos mudou-se para os Estados Unidos e – como um Nabokov do século 21 – brinca com o inglês como se fosse sua língua materna (Quer um exemplo? Olha como ele descreve os pais de Lenny, também imigrantes russos, a certa altura, na minha tradução sempre apressada: “Tépidos criadores de um filho único, proprietários de corpos difíceis e desleais, monarcas da ansiedade”… Qualquer um que escreve assim, tem meu respeito infinito!). Mas, mesmo sabendo que trata-se de um delírio fictício, não posso acreditar que o que o futuro próximo nos espera é uma globalização tão apocalíptica quanto a que se abate sobre a Nova York descrita por Shteyngart…

Eu quero acreditar – e aqui vão (oficialmente) meus votos para 2011 – que nós vamos ficar cada vez mais conectados sim, mas que cada vez mais vamos preservar nossas identidades e agregar outras sem que elas se transformem num grande amálgama sem graça e sem gosto. Pelo contrário, tenho fé de que cada distinção entre nós será, não apagada, mas presente, contribuindo para que o mundo seja, finalmente, um grande mosaico de diversidade – tão colorido como os fogos que me convidaram para entrar neste ano novo.

E, finalmente, que as associações, as conexões, sejam infinitas.     Que de Macau eu possa ir para Titicaca, de Shteyngart eu possa ir para (Orhan) Pamuk, de Daniela Mercury (que cantava na festa da qual eu participava) eu possa ir para Antony and the Johnsons (que me esperava no meu iPod com “Thank you for loving me”, logo no dia primeiro de janeiro). E que daqueles mesmo fogos na praia, eu possa ir para os “Fogos” de Marguerite Yourcenar (uma autora belgo-francesa, que fez um sucesso enorme na década de 80, e hoje é, injustamente, esquecida). Pois foi desse seu livro que, no meio da alegria que a noite de réveillon me inspirava, ecoou uma de suas frases memoráveis – que tem a ver com álcool e com esquecimento, mas que não acho que é caso de dividir agora com você..

Eu divago, e 2011 está ali na esquina me esperado… Não tenho tempo para isso – vamos em frente!



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