O novo álbum de Kanye West é genial pelo simples fato de que ele quer que você o ache genial
O título acima é meio grande, eu sei. Mas esse é um texto de grandes proporções – então, tem tudo a ver. Afinal, vou falar de “My beautiful dark twisted fantasy”, o álbum que abriu a segunda década do século 21 já como um status de obra-prima, mesmo antes de ser lançado. Depois de resistir por semanas a ouvi-lo com atenção, finalmente “arregacei as orelhas” e escutei tudo – tudinho! E o que eu achei? Genial! Claro! E põe exclamação nisso!!!
Afinal, se eu achasse “Fantasy” algo menos que genial – e se um dia Kanye West passasse os olhos por este modesto espaço de discussão sobre cultura pop (e tivesse aprendido português) – eu sei que seria punido. Severamente. Porque não tem como discordar do artista – Kanye não deixa espaço para isso. Então é melhor eu me juntar ao coro de aprovação – várias vozes que o compõem inclusive passaram por aqui para deixar seu protesto quando eu não o inclui na minha lista de melhores disco de 2010 que você não ouviu.
“My beautiful dark twisted fantasy” é genial sim, tenho que “confessar”… E seria ainda melhor se as canções compostas por Kanye se esforçassem um pouquinho mais para apresentarem um bom refrão, se cada faixa não passasse a sensação de ser um amontoados de sons (e colaborações) que raramente somam alguma coisa, se o trabalho todo tivesse um mínimo de foco, e se a maioria das músicas não durasse mais de cinco minutos, sem a menor necessidade.
Pronto, falei!
Em nome da transparência, devo admitir que só me entusiasmei em finalmente ouvir (e escrever sobre) “Fantasy” – que eu já havia comprado desde o final do ano passado e cheguei a me comprometer a escutar logo no início de 2011 – depois que li um artigo no “The New York Times” que eu tinha guardado desde novembro (e tinha, claro, esquecido de ler). O texto, assinado por um dos melhores críticos de música do jornal, Jon Caramanica – só superado por Jon Pareles, mas mais sobre ele daqui a pouco – é parte “vingancinha” (aparentemente porque o rapper não concedeu uma entrevista ao caderno de artes e cultura do “NYT”), e parte uma apreciação distanciada do quinto álbum do artista. Pode ser até que o fato de ele não ter falado ao jornal tenha contribuído para esse, hum, distanciamento, mas o fato é que esse foi a única crítica mais sensata e equilibrada que eu li de “Fantasy”. Todas as outras com as quais eu havia me deparado até então, eram, no mínimo, laudatórias – era até divertido ver os jornalistas se desdobrando para encontrar adjetivos para elogiar o álbum: “cubista”, “sinfônico”, “visionário”, “trabalho de uma vida toda”, “definitivo”, além do duvidoso “impossível de descrever”… Teve de tudo!
Caramanica preferiu ir pelo caminho do questionamento. “Sua música é enfeitada, ostentatória, curiosa e vivaz. Mas arriscada?”, pergunta ele, para responder em seguida: “Não”. Ao mesmo tempo que explica que “Mr. West” é incapaz de fazer um disco ruim, o crítico declara que o álbum é “incrível” (“terrific”, no original), mas muito menos relevante do que deveria ser, “ao menos, em parte, por causa da insistência de West na sua própria grandiosidade”. E foi desse lúcido raciocínio – o título do post de hoje é inspirado nele – que eu parti para a minha apreciação de “My beautiful dark fantasy”. Só para citar Caramanica mais uma vez, a postura de Kanye de não permitir respostas ao seu trabalho que não sejam de reverência, diminui o valor do seu próprio produto: “(O disco) transforma-se em objeto de admiração, e não de estudo”.
Quando li finalmente esse artigo, percebi que minhas suspeitas não eram infundadas. Como já dizia nosso “filósofo maior”, Nélson Rodrigues, “toda unanimidade é burra” (pensamento ainda tem uma segunda parte que também vem bem a calhar, mas quase ninguém lembra: “Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar” – mas deixa para lá…). Se eu resistia a ouvir o disco de Kanye, era justamente por causa da adoração histérica que o álbum vinha provocando – sobretudo na internet. Encorajado pelo texto do “New York Times” porém, lá fui eu mergulhar na (nem tanto) linda e (bastante) distorcida fantasia (semi) obscura do rapper. E o veredicto foi esse: é um disco competente, mas longe, bem longe de ser o que Kanye gostaria que a gente achasse que ele fosse – um trabalho de gênio…
Deixe-me começar pela melhor música de todas – a sensacional (e escrevo isso sem nenhuma pitada de ironia) “Runaway”. O piano que abre a faixa é ao mesmo tempo convidativo e assustador. Um “sample” que lembra um rádio fora de estação só agrava o clima. A aflição, porém, não dura muito: logo entra um vocal tão embalador que quase parece um refrão. A impressão é que a música começa no meio – e é brilhante, como se você já estivesse cantando-a antes de saber a letra. Mas aí ainda vem o melhor: o próprio refrão, que convoca para um brinde à escória do mundo – e ainda assina tudo com um verso precioso, quase um mantra… “Runaway as fast as you can”!
Logo na primeira vez que ouve você já grava “Runaway”. E quando ela parece que acaba, aos cinco minutos e quarenta e sete segundos, seu primeiro impulso é apertar o “rewind” para ouvir tudo de novo. Mas quem disse que aquilo é mesmo o final da música? Não, não! A partir dali a faixa se prolonga por mais quase quatro minutos, repetindo o tema do piano em variações bem tolas – para não dizer sem sentido. E aí você se sente enganado. “Runaway” poderia ser um clássico instantâneo, mas eu desafio você a ouvir os nove minutos e oito segundo inteiros da música por repetidas vezes seguidas… Essa é a faixa nove do disco – e ela só vem comprovar a hipótese de que Kanye não sabe a hora de parar…
Essas “esticadas” das faixas são insuportáveis – e, como já coloquei desnecessárias. A única delas que funciona – para você não falar que eu estou implicando – é a de “Blame game”, onde novamente somos embalados por um piano (cortesia de um “sample” de ninguém menos que Aphex Twin!!), mais uma produção sofisticada; recebemos um esboço de refrão graciosamente; somos enrolados com o que parece ser uma canção de amor (mas está mais recheada de palavrões que uma entrevista da saudosa Dercy Gonçalves!); e ainda ganhamos uma extensão no mínimo curiosa: uma espécie de acareação entre dois amantes, ele perguntando de maneira nunca menos que humilhante onde ela aprendeu isso ou aquilo, ela respondendo sempre como uma robô “Yeezy taught me” (“Yeezy me ensinou”). O efeito final é hipnótico e sublime – mas depois de ter tentado isso em tantas músicas, com pouco sucesso, a tendência é você achar que “Blame game” (que é a décima-primeira faixa do disco) acertou por acaso.
E é isso… Ao transferir “My beautiful dark twisted fantasy” para meu iPod, essas são as duas únicas faixas que passaram a fazer parte do meu “playlist” permanente. E o resto? Digamos que estou meio sem tempo para a pretensão descabida de composições como “Monster” – que mesmo depois de escutada várias vezes, não deixa sequer um resíduo na sua memória; ou para o falso ouvido para a “world music” de “Power” (que mais parece uma desculpa para poder montar um mini videoclipe realmente incrível; ou para o tedioso exercício “sinfônico” de “All of the lights”; ou para a tentativa de credibilidade como rapper em “So appalled” (ele precisa mesmo disso a essa altura da carreira?); nem mesmo para o coro supostamente exuberante (que sequer passa como um bom refrão) da faixa de abertura, “Dark fantasy”…
Tenho profunda admiração por Kanye West, desde seu disco de estréia, “The college dropout”, que cheguei a cantarolar “de cor”! “Graduation”, talvez seu segundo melhor trabalho, também me fez dobrar de joelhos ao seu talento. Mas, traduzindo para um bom português o que Jon Caramanica colocou brilhantemente, dessa vez “o cara pirou”!
Se a intenção era fazer uma obra “para a eternidade”, bem, duvido que esse álbum seja mais lembrado (ou mesmo escutado) no futuro do que o próprio “College dropout”. Se, por outro lado, a idéia era colocar junto um bom punhado de canções pop… Bem, de pop “Dark fantasy” tem muito pouco – muito pouco mesmo. Por que? Bem, só para ficar em uma explicação simples, para uma canção ser pop ela tem que ter pelo menos uma parte dela com a qual o pública se identifica imediatamente – e sai logo cantando junto! Parafraseando a frase criada na então campanha para a presidência de Bill Clinton, o que funciona “é o refrão, estúpido!” (a frase original era “it’s the economy, stupid”, mas eu divago…).
Kanye West juntou tanta coisa – e tanta gente – boa no seu último álbum, que só esqueceu de uma coisa: compor belos refrões. E o pop – como o próprio Kanye já soube um dia – é feito disso. E quem defendeu isso de maneira brilhante recentemente foi o outro crítico de música do “New York Times”, Jon Pareles. E é sobre isso que eu quero falar na quinta-feira – se não for “atropelado” por nenhum filme da temporada de Oscar que me faça mudar de rumo…
Ah! E, só para terminar, se alguém quiser entrar numa discussão com você sobre a genialidade de “My beautiful dark twisted fantasy”, faça como Kanye manda em “Runaway”: “corra o mais rápido que você puder”!