Agora sim, isso é o que eu chamo de música!
O disco do ano, posso afirmar mesmo a alguns meses de 2010 acabar, é “The boxer”, de Kele. Kele, como talvez você se lembre, é o líder do Bloc Party – uma das poucas bandas britânicas deste início do século 21 que ainda serão ouvidas no século 22 (e alhures!). O som de “The boxer”, porém, não tem nada a ver com o Bloc Party – ou, se tem, é por uma associação muito, digamos, livre. E é o disco do ano. Se você precisar de provas incontestáveis disso, confira o vídeo de “Everything you wanted”, atualmente em cartaz no site oficial do músico (e prepare-se para encarar as lágrimas mais sinceras que você já vou em um clipe desde que Sinéad O’Connor chorou em “Nothing compares 2 U”). Ou a primeira faixa de trabalho do álbum, “Tenderoni” – se bem que eu aconselharia você a só fazer isso se não tiver nada que possa quebrar num raio de 5 metros do seu desktop/laptop/iPad, porque, garanto, você vai dançar…
O segundo melhor disco do ano – se bem que lanço esse palpite com menos convicção que o anterior – é “Body talk pt1″, de Robyn. O novo trabalho dessa cantora sueca – a mais interessante artista a pousar recentemente nas pistas de dança (fora, claro, uma certa Lady…), abre com uma hipnótica faixa dançante – a irresistível “Don’t fucking tell me what to do”. Quando você está se recuperando dela, Robyn vem com “Fembot” – uma covardia. E se você acha que vai respirar depois disso, prepare-se para a música seguinte, “Dancing on my own”. Esse meu entusiasmo com Robyn, confesso, foi fortemente influenciado pela opinião de Sasha Frere-Jones, o crítico de música pop da “The New Yorker”, que é das um dos caras que eu mais respeito “no ramo” (se puder, confira o seu blog) – e que escreveu uma espécie de elegia para a cantora há algumas semanas.
Portanto, esse “segundo lugar” no ranking de “melhores de 2010″ ainda está “sub judice” – falamos disso mais tarde. Até porque, o assunto hoje não é Robyn. Nem mesmo Kele – que fez um disco tão brilhante, que vai ter uma trajetória idem sem a ajuda de um empurrãozinho meu… O título acima não se refere exatamente a nenhum destes dois trabalhos. Ele é uma referência a uma série de compilações lançadas na Inglaterra de músicas pop de muito sucesso – que existe há 27 anos! O nome original é “Now that’s what I call music!” – aqui apresentado em português na minha sempre preguiçosa tradução…
Por que escrever sobre isso agora? Ora, porque na semana passada, além de Lisboa (como contei por aqui), passei rapidamente por Londres – o local da foto que publiquei no mesmo post (mais especificamente, estava no sensacional pavilhão de verão da Serpentine Gallery, em Kensington Gardens, que este ano foi projetado pelo arquiteto Jean Nouvel; mais informações sobre ele, no final do texto de hoje). E, estando em Londres, não resisti a comprar alguns CDs…
Não foi uma tarefa fácil, posto que várias das grandes lojas de música que eu frequentei durante décadas já não existem mais… (e não estou falando de lojinhas alternativas não, pois essas até que sobrevivem; mas das “megastores”, que simplesmente desapareceram!). Além disso eu tinha pouquíssimo tempo na cidade. Mesmo assim, bravamente, procurei pelo CD de Kele e, por motivos que só posso justificar por nostalgia, ao encontrar na mesma loja (HMV da Oxford Street) a última compilação “Now” (que já está na sua edição de número 76!), comprei-a também!
Explico a nostalgia: nos idos dos anos 80, quando viajar para Londres não era tão fácil para mim – quando viajar, aliás, para qualquer lugar não era tão fácil para mim -, para ficar atualizado no que estava acontecendo no pop britânico (acredite: houve um tempo em que não existia a internet!), o “sonho de consumo” era encomendar para qualquer pessoa que você conhecesse minimamente (e que você soubesse que iria passar pela Inglaterra) uma compilação dessas.
O primeiro “Now that’s what I call music” foi lançado em 1983 – e foi, claro, um sucesso. Também, pudera! Entre as faixas compiladas estavam: “Love cats”, The Cure; “Red red wine”, UB40; “Let’s stay together”, Tina Turner; “Double dutch”, Malcolm McLaren; “You can’t hurry love”, Phil Collins; “Temptation”, Heaven 17, “Waterfront”, Simple Minds; “Is there something I should know”, Duran Duran; “Karma chameleon”, Culture Club; e “The sun and the rain”, Madness. Tudo bem que a seleção trazia também nada menos que duas faixas do Kajagoogoo – além de uma música de Limahl solo (que era o vocalista do próprio Kajagoogoo!); e mais algumas “babas” da época, como a açucarada “Tonight I celebrate my love”, de Robeta Flack e Peabo Bryson… Mas no geral, a média era muito boa – um panorama diversificado e inspirador do que estava acontecendo na música… em 1983!
No ano seguinte, o sucesso se consolidou. O segundo volume trazia The Smiths (“What difference does it make”); Carmel (“More, more, more”); Thomas Dolby (“Hyperactive”); China Crisis (“Wishful thiking”); Frankie Goes to Hollywood (“Relax”); Eurythmics (“Here comes the rain again”) e Queen (“Radio ga ga”). Como da primeira vez, vinha junto também um melhor do pop mais, digamos, “acessível” – Thompson Twins, Cingy Lauper, Nik Kershaw, Howard Jones. Mas havia ali uma promessa de que a série trouxesse sempre um pouco de cada coisa.
Promessa cumprida ainda em 1984, quando saiu o terceiro volume, com The Style Council (“You’re the best thing”); The Special AKA (“Nelson Mandela”); Bronski Beat (“Small toen boy”); Blancmange (“Don’t tell me”); Wham! (“Wake me up before you gogo”); Orchestral Manouvers in the dark “(Locomotion”); David Sylvian (“Red guitar”); mais Queen (“I want to break free”); e até Bob Marley (“One love”) – e também mais Thompson Twins, mais Nik Kershaw, e… The Weather Girls! E para não restar dúvida de que os discos “Now” traziam credibilidade, o volume 4 (ainda de 1984), conseguiu fisgar até o U2 seu “Pride (in the name of love)” – junto, claro, com mais Queen, Malcolm McLaren, The Style Council, OMD, Eurythmics, e até Elton John, Michael Jackson e Julian Lennon!
Tenho aqui que resistir à tentação de dissecar cada lançamento da série (se você quiser conferir todos – e até encomendar algum, procure pelo site do “Now”). Quero acrescentar, no entanto, que nos anos seguintes – ainda na década de 80 – vi passar por essas compilações, coisas como Fine Young Cannibals (“Johnny come home”, 1985); Pet Shop Boys, com minha canção favorita deles (“Suburbia”, em 1986); Nina Simone (sim! Nina Simone, com “My baby just cares for me”, no volume 10, de 1986); Morrissey (“Every day is like Sunday”, em 1988), Vanessa Paradis (muito antes de Johnny Depp, claro, com… adivinha… “Joe le taxi”!, em 1988 também); De La Soul (“Say no go”, em 1989); Neneh Cherry (“Manchild”, também de 89); e fechando bem a década, Depeche Mode (com “Enjoy the silence”, em 1990) e Happy Mondays (“He’s gonna step on you again”, no mesmo ano).
E então, algo de muito estranho aconteceu…
O pop começou a ficar chato. Tudo bem, admito que, com os anos 90 começando, e eu já trabalhando na MTV brasileira – que acabara de nascer (não perca, aqui mesmo, em outubro, meu “especial de 20 anos” do canal!) -, meu gosto musical já estava procurando horizontes mais distantes… Mas a maior parte das faixas que passaram a ser compiladas pelo “Now” já não falavam mais comigo. Ou eram “trash” demais, ou simplesmente tão efêmeras que eu nem consegui gravá-las na memória…
Claro que sempre vinha coisa boa em qualquer seleção. Como “Unfinished sympathy”, do Massive Attack (“Now 19″, em 1991, que ainda trazia, “Crazy”, de Seal, e “Disappeaar”, do INXS). O problema é que o mesmo disco também tinha “Wiggle”, de uns caras chamados 2 In a Room – alguém lembra? E “Love waked in”, de uma banda chamada Thunder? E o que dizer da versão de Vanilla Ice para “Play that funky music”?
Claro que tudo que era pop continuava lá – de Ace of Base a Cranberries, passando por Right Said Fred e Suede e Pulp e Boyzone e Spice Girls. Mas, de alguma maneira, todo o conceito do “Now” passou a ter menos sentido para mim. Nos anos 00 – como a gente está chamando esta primeira década do século 21 – abandonei por completo a série. Só fui ter idéia do que eles estavam lançando quando fucei no site do “Now” para escrever este post. Essas compilações simplesmente passaram a não fazer mais parte do meu referencial… Até que a reencontrei semana passada, em Londres. O que esperar de “Now that’s what I call music… 76″?!?!?!
Bem, as estrelas de sempre, claro, estão lá: Lady Gaga (“Alejandro”); Justin Bieber (“Baby”); Rihanna (“Te amo”); Black Eyed Peas (“Rock that body”); Usher (OMG); Kelis (“Acapella”); Alicia Keys (“Try sleeping with a broken heart”); e até Katy Perry (com sua improbabilíssima colaboração com Snopp Dogg, em “California Gurls”). A pitadinha de nomes alternativos também está presente: Florence and the Machine (numa vibrante versão ao vivo de “You’ve got the love”); a própria Robyn (já citada hoje aqui, justamente com “Dancing on my own”); e Dizzie Rascal (a maior surpresa de todas, não fosse pela escolha da faixa, “Dirtee disco”, um pastiche de anos 70 – que só pode ser uma brincadeira de Rascal). A “música que toca e todo mundo para o que está fazendo e vai dançar do momento” não poderia faltar: “Stereo love”, de Edward Mays (sim, aquela da “sanfoninha”). Mas e o resto?
Não faço a menor idéia, porque, mesmo depois de ter ouvido todo os dois CDs mais de duas vezes (um total de 46 faixas), o que fica – fora os nomes já citados – é um amalgama de sons indistintos e cansativos. Você pode achar até que esse é um comentário de um quarentão que já está um pouco cansado de ouvir tanta “bateção” (boa parte dessas músicas indistinguíveis às quais me refiro agora, são, hum, “dançantes”) – mas dê-me um crédito!
Entre “Gettin’ over you” (David Guetta), “We dance over” (N-Dubz), “One (your name)” (Sweedish House Mafia), “Kickstarts” (Example), “The club is alive” (JLS), e “Commander” (Kelly Rowland) – qual a diferença?
Nada contra essas músicas – que eu chamaria de “indistintas”. Tenho certeza de que muita gente (talvez mais na Inglaterra do que aqui no Brasil) tenha vivido uma “noite inesquecível” ao som de um desses refrões – bem… quando a música tem refrão… Mas o que me chamou a atenção no “Now 76″ é que a proporção de coisas interessantes x coisas descartáveis mudou – para pior. Se, nos anos 80, eu ficava com algo entre 80% e 90% do que a compilação oferecia, eu diria que dessa última “fornada”, eu passei menos de 25% para o meu iPod!
Mais uma vez vem a pergunta… Mudaram os tempos ou mudei eu? Engraçado como há apenas alguns dias, depois de ver o documentário dos Dzi Croquettes (e escrever sobre ele por aqui), eu estava com essas mesmas inquietações na cabeça… Pode até ser que eu esteja divagando um pouco – como é de hábito… Mas olhando só para a música pop – e tomando como referência o que acabo de ouvir -, será que posso perguntar: o que vai ser do “Now 100″? Quanto eu vou poder aproveitar dessa compilação? Vamos voltar a essa questão daqui a alguns anos, prometo…
(Para não ficar devendo, o pavilhão de verão da Serpentine Gallery é uma espécie de instituição há dez anos! Começou em 2000, quando convidaram a arquiteta iraniana Zaha Hadid para projetar o primeiro deles. “Nosso” Oscar Niemeyer foi convidado a fazer o mesmo em 2003 – e esse foi o primeiro que consegui visitar. Depois disso vieram outros – o português Álvaro Siza, o holandes Rem Koolhaas, o americano Frank Gerry, e agora o francês Jean Nouvel, para citar apenas alguns. Todos, sem exceção, são pura poesia em forma de estruturas arrojadas – construídas apenas para uma estação. Eventualmente elas são compradas por colecionadores milionários e remontadas em propriedades particulares. Para saber mais detalhes de cada projeto, visite o site da própria Serpentine Gallery)