Agora sim, isso é o que eu chamo de música!

qui, 29/07/10
por Zeca Camargo |
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kelezecaO disco do ano, posso afirmar mesmo a alguns meses de 2010 acabar, é “The boxer”, de Kele. Kele, como talvez você se lembre, é o líder do Bloc Party – uma das poucas bandas britânicas deste início do século 21 que ainda serão ouvidas no século 22 (e alhures!). O som de “The boxer”, porém, não tem nada a ver com o Bloc Party – ou, se tem, é por uma associação muito, digamos, livre. E é o disco do ano. Se você precisar de provas incontestáveis disso, confira o vídeo de “Everything you wanted”, atualmente em cartaz no site oficial do músico (e prepare-se para encarar as lágrimas mais sinceras que você já vou em um clipe desde que Sinéad O’Connor chorou em “Nothing compares 2 U”). Ou a primeira faixa de trabalho do álbum, “Tenderoni” – se bem que eu aconselharia você a só fazer isso se não tiver nada que possa quebrar num raio de 5 metros do seu desktop/laptop/iPad, porque, garanto, você vai dançar…

O segundo melhor disco do ano – se bem que lanço esse palpite com menos convicção que o anterior – é “Body talk pt1″, de Robyn. O novo trabalho dessa cantora sueca – a mais interessante artista a pousar recentemente nas pistas de dança (fora, claro, uma certa Lady…), abre com uma hipnótica faixa dançante – a irresistível “Don’t fucking tell me what to do”. Quando você está se recuperando dela, Robyn vem com “Fembot” – uma covardia. E se você acha que vai respirar depois disso, prepare-se para a música seguinte, “Dancing on my own”. Esse meu entusiasmo com Robyn, confesso, foi fortemente influenciado pela opinião de Sasha Frere-Jones, o crítico de música pop da “The New Yorker”, que é das um dos caras que eu mais respeito “no ramo” (se puder, confira o seu blog) – e que escreveu uma espécie de elegia para a cantora há algumas semanas.

Portanto, esse “segundo lugar” no ranking de “melhores de 2010″ ainda está “sub judice” – falamos disso mais tarde. Até porque, o assunto hoje não é Robyn. Nem mesmo Kele – que fez um disco tão brilhante, que vai ter uma trajetória idem sem a ajuda de um empurrãozinho meu… O título acima não se refere exatamente a nenhum destes dois trabalhos. Ele é uma referência a uma série de compilações lançadas na Inglaterra de músicas pop de muito sucesso – que existe há 27 anos! O nome original é “Now that’s what I call music!” – aqui apresentado em português na minha sempre preguiçosa tradução…

Por que escrever sobre isso agora? Ora, porque na semana passada, além de Lisboa (como contei por aqui), passei rapidamente por Londres – o local da foto que publiquei no mesmo post (mais especificamente, estava no sensacional pavilhão de verão da Serpentine Gallery, em Kensington Gardens, que este ano foi projetado pelo arquiteto Jean Nouvel; mais informações sobre ele, no final do texto de hoje). E, estando em Londres, não resisti a comprar alguns CDs…

robynzecaNão foi uma tarefa fácil, posto que várias das grandes lojas de música que eu frequentei durante décadas já não existem mais… (e não estou falando de lojinhas alternativas não, pois essas até que sobrevivem; mas das “megastores”, que simplesmente desapareceram!). Além disso eu tinha pouquíssimo tempo na cidade. Mesmo assim, bravamente, procurei pelo CD de Kele e, por motivos que só posso justificar por nostalgia, ao encontrar na mesma loja (HMV da Oxford Street) a última compilação “Now” (que já está na sua edição de número 76!), comprei-a também!

Explico a nostalgia: nos idos dos anos 80, quando viajar para Londres não era tão fácil para mim – quando viajar, aliás, para qualquer lugar não era tão fácil para mim -, para ficar atualizado no que estava acontecendo no pop britânico (acredite: houve um tempo em que não existia a internet!), o “sonho de consumo” era encomendar para qualquer pessoa que você conhecesse minimamente (e que você soubesse que iria passar pela Inglaterra) uma compilação dessas.

O primeiro “Now that’s what I call music” foi lançado em 1983 – e foi, claro, um sucesso. Também, pudera! Entre as faixas compiladas estavam: “Love cats”, The Cure; “Red red wine”, UB40; “Let’s stay together”, Tina Turner; “Double dutch”, Malcolm McLaren; “You can’t hurry love”, Phil Collins; “Temptation”, Heaven 17, “Waterfront”, Simple Minds; “Is there something I should know”, Duran Duran; “Karma chameleon”, Culture Club; e “The sun and the rain”, Madness. Tudo bem que a seleção trazia também nada menos que duas faixas do Kajagoogoo – além de uma música de Limahl solo (que era o vocalista do próprio Kajagoogoo!); e mais algumas “babas” da época, como a açucarada “Tonight I celebrate my love”, de Robeta Flack e Peabo Bryson… Mas no geral, a média era muito boa – um panorama diversificado e inspirador do que estava acontecendo na música… em 1983!

No ano seguinte, o sucesso se consolidou. O segundo volume trazia The Smiths (“What difference does it make”); Carmel (“More, more, more”); Thomas Dolby (“Hyperactive”); China Crisis (“Wishful thiking”); Frankie Goes to Hollywood (“Relax”); Eurythmics (“Here comes the rain again”) e Queen (“Radio ga ga”). Como da primeira vez, vinha junto também um melhor do pop mais, digamos, “acessível” – Thompson Twins, Cingy Lauper, Nik Kershaw, Howard Jones. Mas havia ali uma promessa de que a série trouxesse sempre um pouco de cada coisa.

Promessa cumprida ainda em 1984, quando saiu o terceiro volume, com The Style Council (“You’re the best thing”); The Special AKA (“Nelson Mandela”); Bronski Beat (“Small toen boy”); Blancmange (“Don’t tell me”); Wham! (“Wake me up before you gogo”); Orchestral Manouvers in the dark “(Locomotion”); David Sylvian (“Red guitar”); mais Queen (“I want to break free”); e até Bob Marley (“One love”) – e também mais Thompson Twins, mais Nik Kershaw, e… The Weather Girls! E para não restar dúvida de que os discos “Now” traziam credibilidade, o volume 4 (ainda de 1984), conseguiu fisgar até o U2  seu “Pride (in the name of love)” – junto, claro, com mais Queen, Malcolm McLaren, The Style Council, OMD, Eurythmics, e até Elton John, Michael Jackson e Julian Lennon!

nowzecaTenho aqui que resistir à tentação de dissecar cada lançamento da série (se você quiser conferir todos – e até encomendar algum, procure pelo site do “Now”). Quero acrescentar, no entanto, que nos anos seguintes – ainda na década de 80 – vi passar por essas compilações, coisas como Fine Young Cannibals (“Johnny come home”, 1985); Pet Shop Boys, com minha canção favorita deles (“Suburbia”, em 1986); Nina Simone (sim! Nina Simone, com “My baby just cares for me”, no volume 10, de 1986); Morrissey (“Every day is like Sunday”, em 1988), Vanessa Paradis (muito antes de Johnny Depp, claro, com… adivinha… “Joe le taxi”!, em 1988 também); De La Soul (“Say no go”, em 1989); Neneh Cherry (“Manchild”, também de 89); e fechando bem a década, Depeche Mode (com “Enjoy the silence”, em 1990) e Happy Mondays (“He’s gonna step on you again”, no mesmo ano).

E então, algo de muito estranho aconteceu…

O pop começou a ficar chato. Tudo bem, admito que, com os anos 90 começando, e eu já trabalhando na MTV brasileira – que acabara de nascer (não perca, aqui mesmo, em outubro, meu “especial de 20 anos” do canal!) -, meu gosto musical já estava procurando horizontes mais distantes… Mas a maior parte das faixas que passaram a ser compiladas pelo “Now” já não falavam mais comigo. Ou eram “trash” demais, ou simplesmente tão efêmeras que eu nem consegui gravá-las na memória…

Claro que sempre vinha coisa boa em qualquer seleção. Como “Unfinished sympathy”, do Massive Attack (“Now 19″, em 1991, que ainda trazia, “Crazy”, de Seal, e “Disappeaar”, do INXS). O problema é que o mesmo disco também tinha “Wiggle”, de uns caras chamados 2 In a Room – alguém lembra? E “Love waked in”, de uma banda chamada Thunder? E o que dizer da versão de Vanilla Ice para “Play that funky music”?

Claro que tudo que era pop continuava lá – de Ace of Base a Cranberries, passando por Right Said Fred e Suede e Pulp e Boyzone e Spice Girls. Mas, de alguma maneira, todo o conceito do “Now” passou a ter menos sentido para mim. Nos anos 00 – como a gente está chamando esta primeira década do século 21 – abandonei por completo a série. Só fui ter idéia do que eles estavam lançando quando fucei no site do “Now” para escrever este post. Essas compilações simplesmente passaram a não fazer mais parte do meu referencial… Até que a reencontrei semana passada, em Londres. O que esperar de “Now that’s what I call music… 76″?!?!?!

Bem, as estrelas de sempre, claro, estão lá: Lady Gaga (“Alejandro”); Justin Bieber (“Baby”); Rihanna (“Te amo”); Black Eyed Peas (“Rock that body”); Usher (OMG); Kelis (“Acapella”); Alicia Keys (“Try sleeping with a broken heart”); e até Katy Perry (com sua improbabilíssima colaboração com Snopp Dogg, em “California Gurls”). A pitadinha de nomes alternativos também está presente: Florence and the Machine (numa vibrante versão ao vivo de “You’ve got the love”); a própria Robyn (já citada hoje aqui, justamente com “Dancing on my own”); e Dizzie Rascal (a maior surpresa de todas, não fosse pela escolha da faixa, “Dirtee disco”, um pastiche de anos 70 – que só pode ser uma brincadeira de Rascal). A “música que toca e todo mundo para o que está fazendo e vai dançar do momento” não poderia faltar: “Stereo love”, de Edward Mays (sim, aquela da “sanfoninha”). Mas e o resto?

Não faço a menor idéia, porque, mesmo depois de ter ouvido todo os dois CDs mais de duas vezes (um total de 46 faixas), o que fica – fora os nomes já citados – é um amalgama de sons indistintos e cansativos. Você pode achar até que esse é um comentário de um quarentão que já está um pouco cansado de ouvir tanta “bateção” (boa parte dessas músicas indistinguíveis às quais me refiro agora, são, hum, “dançantes”) – mas dê-me um crédito!

Entre “Gettin’ over you” (David Guetta), “We dance over” (N-Dubz), “One (your name)” (Sweedish House Mafia), “Kickstarts” (Example), “The club is alive” (JLS), e “Commander” (Kelly Rowland) – qual a diferença?

Nada contra essas músicas – que eu chamaria de “indistintas”. Tenho certeza de que muita gente (talvez mais na Inglaterra do que aqui no Brasil) tenha vivido uma “noite inesquecível” ao som de um desses refrões – bem… quando a música tem refrão… Mas o que me chamou a atenção no “Now 76″ é que a proporção de coisas interessantes x coisas descartáveis mudou – para pior. Se, nos anos 80, eu ficava com algo entre 80% e 90% do que a compilação oferecia, eu diria que dessa última “fornada”, eu passei menos de 25% para o meu iPod!

Mais uma vez vem a pergunta… Mudaram os tempos ou mudei eu? Engraçado como há apenas alguns dias, depois de ver o documentário dos Dzi Croquettes (e escrever sobre ele por aqui), eu estava com essas mesmas inquietações na cabeça… Pode até ser que eu esteja divagando um pouco – como é de hábito… Mas olhando só para a música pop – e tomando como referência o que acabo de ouvir -, será que posso perguntar: o que vai ser do “Now 100″? Quanto eu vou poder aproveitar dessa compilação? Vamos voltar a essa questão daqui a alguns anos, prometo…

(Para não ficar devendo, o pavilhão de verão da Serpentine Gallery é uma espécie de instituição há dez anos! Começou em 2000, quando convidaram a arquiteta iraniana Zaha Hadid para projetar o primeiro deles. “Nosso” Oscar Niemeyer foi convidado a fazer o mesmo em 2003 – e esse foi o primeiro que consegui visitar. Depois disso vieram outros – o português Álvaro Siza, o holandes Rem Koolhaas, o americano Frank Gerry, e agora o francês Jean Nouvel, para citar apenas alguns. Todos, sem exceção, são pura poesia em forma de estruturas arrojadas – construídas apenas para uma estação. Eventualmente elas são compradas por colecionadores milionários e remontadas em propriedades particulares. Para saber mais detalhes de cada projeto, visite o site da própria Serpentine Gallery)

Onde eu estou? (Não é em Lisboa…)

dom, 25/07/10
por Zeca Camargo |
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Aparentemente fui visto em Lisboa. Wellvis me “dedou” no comentário que mandou para o post anterior – um dos poucos que não vieram com uma estupenda indicação de um bom começo de livro (mais sobre isso, daqui a pouco). Disse ele que me viu “sentado no meio-fio conversando com uma galera no Bairro Alto”. Pois viu (como se diz aí mesmo “no Portugal”)! Provavelmente estava “batendo o cartão” – com um copo de um Douro mão, certamente – na garrafeira de meu amigo Pedro, a Alfaia, na rua Diário de Notícias.

Passar por ali é uma espécie de ritual, sempre que estou em Lisboa. Vinhos como o Poeira, o Pêra-Grave, o Sombra, o Hexagon, e tantos outros que nunca chegam aqui ao Brasil, podem ser degustados sem pressa, acompanhados de um bom queijo (e a mais suculenta alheira), enquanto passa a vida portuguesa – e eventualmente um carro de polícia reclamando que a rua (que é de pedestres) está cheia demais e pode obstruir a passagem de uma improvável ambulância…

Ou talvez nem tão improvável assim, já que o a população do Bairro Alto divide-se entre a alta geriatria e a mais ébria juventude… O que dá a esse lugar um ritmo único: suas 24 horas começam tão sonolentas quanto às roupas estendidas nos varais improvisados nas janelas pombalinas, quando a única circulação na rua é das senhoras em passos oscilantes a carregar as compras da manhã; à tarde, as lojas abrem aos poucos para os poucos turistas que não entendem bem porque aquela região é tão destacada em todos os guias, mas se sentem imediatamente recompensados ao descobrirem um dos raros restaurantes abertos para almoço (sobretudo se ele for O Caracol); a luz vai indo embora com generosidade no verão português, e os bares começam a justificar a fama do Bairro Alto como alma da noite lisboeta – e esse sim é meu momento favorito do dia, onde eu sento para tomar vinho “ao meio-fio” na Alfaia (as altas horas da noite, onde as ruas ficam apertadas para tanta gente que vai beber nas inúmeras bibocas que se reciclam a cada temporada, infelizmente já não pertencem a mim, mas aos “putos”, como se diz por lá…).

zeca620

Cheguei ao Brasil já com saudades de Lisboa – uma cidade que é capaz de me inspirar como poucas no mundo (como inclusive já contei por aqui). Mas dessa vez tinha um motivo a mais para me emocionar: foi saindo de lá que li as primeiras respostas ao convite que fiz no post anterior – para que você me indicasse alguns bons começos de livros. Fiquei encantado (mais uma vez) ao descobrir que não estou sozinho na minha paixão por livros – e simultaneamente surpreso comigo mesmo, por ter omitido no meu próprio texto algumas introduções que foram tão marcantes para mim, como a de “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino; de “Extremamente alto e incrivelmente perto”, de Jonathan Safran Foer; e a de “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Márquez.

O que me fez lembrar que também deixei de citar no meu último post um dos primeiros parágrafos que mais me emocionaram nessa “carreira” de leitor: a do sensacional “A informação”, de Martin Amis – que aqui traduzo livremente do meu original em inglês:

“Cidades à noite, eu sinto, estão cheias de homens que choram enquanto dormem e então dizem Nada. Não é nada. Apenas sonhos tristes. Ou alguma coisa assim. Deite baixo na sua barca do pranto, com seu radar de lágrimas e detector de gemidos, e você vai percebê-los. As mulheres – e elas podem ser esposas, amantes, musas delgadas, gordas enfermeiras, obsessões, torturadoras, exes, nêmesis – vão se levantar e virar para esses homens e perguntar, com a necessidade-de-saber feminina, ‘O que foi?’ E os homens dirão, ‘Nada. Não, não é nada mesmo. Apenas sonhos tristes’.”

Que emoção lembrar dessas palavras de Amis em Portugal, terra de tantas manhãs tristes, tantas noites menos. Terra que, ainda na semana passada, se desdobrava em homenagens ao seu mais famoso escritor contemporâneo, o recém-falecido José Saramago – a mais especial para mim, uma coletânea de entrevistas e textos publicados pela corrente edição da revista “Ler” (cujo blog faço questão de indicar aqui). Desse material, destaco este trecho de uma conferência que Saramago fez em 1997, na Universidade Goethe, em Frankfurt:
“Que fazemos, em geral, nós que escrevemos? Contamos histórias. Contam histórias os romancistas, contam histórias os dramaturgos, contam histórias os poetas, contam-nas igualmente aqueles que não são, e não virão a ser nunca poetas, dramaturgos ou romancistas. Mesmo o simples pensar e o simples falar cotidianos são já uma história. As palavras proferidas, ou apenas pensadas, desde o levantar da cama, pela manhã, até o regresso a ela, chegada a noite, sem esquecer as do sonho e as que ao sonho tentaram descrever, constituem uma história com coerência própria, contínua ou fragmentada, e poderão, como tal, em qualquer momento, ser organizadas e articuladas em história escrita.”

Palavras – “sem esquecer as do sonho e as que ao sonho tentaram descrever”… Lá estava eu em Lisboa, mais uma vez tentando em vão não sonhar, muito menos ter que descrever meus sonhos com palavras. Outro dia, conversando com alguém muito próximo, confidenciei que andava incomodado com meus sonhos. “Ninguém gosta de pesadelos”, foi a resposta que eu ouvi. “Mas não são pesadelos”, protestei, “são sonhos com coisas que eu não quero sonhar”. Mais ou menos – penso agora – como os sonhos tristes que, como escreveu Martin Amis, fazem os homens chorar.

Divago, eu sei – e dessa vez, talvez, mais do que de costume. Porque o que eu me propus a falar hoje não é o que ando a sonhar. Tudo que eu queria era saber se você adivinhava o lugar onde eu estou nessa foto acima. Que foi tirada sim durante essa última viagem, mas não em Lisboa…

Assim, antes da divagação tornar-se irreversível, aqui vão algumas dicas sobre o tal lugar. Fica, obviamente, a uma distância alcançável de Lisboa, num espaço curto de tempo (fiquei fora do Brasil de segunda à sexta). Lá, já fui muitas vezes – mas nunca vi a mesma coisa. É um espaço efêmero – sempre é –, que não vai durar até o fim do ano, mas que deixa uma marca impossível de apagar na memória. Acho que posso chamá-lo de “um trabalho de artista”, já que é uma estrutura com pretensões bem mais elevadas do que simplesmente abrigar alguns visitantes. E é um lugar verde sim – e não apenas pela palavra (“green”, verde em inglês) que aparece na foto.

Por fim, é um dos poucos lugares que eu gostaria que aparecesse nos meus sonhos – tivesse eu o poder de escolher as histórias que meu inconsciente insiste em me contar. No máximo – e pegando emprestado de Saramago – consigo escolher as palavras para descrevê-los. E mesmo assim…

Enfim, onde estou?

Bons começos

qui, 22/07/10
por Zeca Camargo |
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Serei breve. Primeiro, porque estou em viagem, num lugar que, claro, vou desafiar você a certar onde é – mas não hoje (vamos deixar isso para segunda-feira, quando também terei mais tempo de ampliar a ótima discussão que os comentários sobre o post anterior levaram adiante). Segundo, porque o assunto que queria apresentar hoje é também breve: boas introduções de livros!

A razão pela qual eu escolhi falar disso é, claro, uma leitura fascinante que me pegou nesta viagem – e desde a primeira página. Sim, eu ainda estou lendo “2666” de Bolaño – já na terceira parte dele (seu considerável peso na minha bagagem de mão, um razoável sacrifício a ser superado sem arrependimentos, diante do prazer que continuo a tirar de cada parágrafo que atravesso). Mas ao passar por uma livraria, num aeroporto de conexão, deparei-me com um livro que tem recebido excelentes críticas, de um autor que já li e me tornei um grande admirador – e não resisti. Acabei comprando-0, pensando primeiro em mergulhar nele, assim que Bolaño permitisse. Só que… foi ler a primeira página e… pronto! Eu já havia sido fisgado!

Estou falando de “The thousand autumns of Jacob de Zoet”, de David Mitchell. É provável que a tradução em português, seja literal: “Os mil outonos de Jacob de Zoet” – apostando, claro, que ele não demore a ser lançado no Brasil. Mitchell – um autor inglês que é uma espécie de “escritores de escritores” (uma raridade: um autor admirado por seus próprios colegas contemporâneos como uma unanimidade) é injustamente desconhecido no Brasil. Seu único livro traduzido para nossa língua é “Menino de lugar nenhum” (Companhia das Letras) – que é excelente, mas não é o seu melhor. “Cloud atlas” – considerado por muitos uma obra-prima moderna – ainda permanece “criminosamente” inédito em português… mas vamos deixar para falar disso quando eu escrever mais especificamente sobre Mitchell (assim que eu acabar de ler “os mil outonos”).

O assunto hoje é “introduções” – justamente porque a desse livro é sensacional, daquelas que imediatamente te desafiam: “vai parar de ler?”.  No caso de “Jacob de Zoet”, aceitei o desafio sem pestanejar. Como haveria de resistir? A história começa na “casa da concubina Kawasemi”, em Nagasaki, no Japão, no ano de 1799 (ou, o “décimo-primeiro ano da era Kansei”), onde a parteira Aibagawa foi chamada para um caso complicado: um “prolapso do braço” (a tradução é minha, e apressada – espero que esteja correta!). Trata-se de um parto raro, quando o braço do bebê aparece antes da cabeça – o que traz uma complicação que muitas vezes pode ser fatal tanto para a criança quanto para a mãe (ainda mais no Japão do final do século 18).

A primeira frase em si não chega a ser “magnética”:

“Senhora Kawasemi?”, Orito ajoelha-se num colchão fedido e viscoso. “Está me ouvindo?”

Porém o que se segue é um impressionante relato de como Aibagawa tenta salvar as duas pobres criaturas. Quando terminei as breves seis páginas desse primeiro capítulo, estava tão sem fôlego, tão admirado, e tão hipnotizado, que venci o sono e o fuso horário para atravessar boa parte da noite na leitura de “A thousand autumns”! Ainda não estou nem na metade das suas quase 500 páginas –e, como já esbocei antes, terei o maior prazer de comentar o livro aqui assim que concluir sua leitura. Mas o que me chamou a atenção foi justamente essa capacidade que um bom autor tem de “sequestrar” você logo com suas primeiras palavras. Sabe o que é isso, não sabe?

Raros são os escritores que talvez admitam isso, mas eu desconfio que a busca por essa “introdução perfeita” é uma preocupação constante de um bom autor. Tem de ser! Afinal, ele – bem ou mal – sabe que é ali que vai “ganhar” seu leitor. É nessa introdução que é feito o “contrato” entre quem escreve e quem lê – é nesses primeiros parágrafos que assumimos o compromisso de ir em frente, não importa por quantas centenas de páginas. É ali que nos apaixonamos por um livro.

Por isso – disse que serei breve! – quero hoje simplesmente pedir sua ajuda para que você me indique uma introdução de um livro que tenha te conquistado. Eu tenho cá minha lista pessoal – que é bem eclética… Vai desde da inocente frase de abertura de “Memórias de um sargento de milícias”, de Manuel Antônio de Almeida (“Era no tempo do Rei.”), ao (aqui) impublicável primeiro parágrafo de um livro que mexeu com minha adolescência tardia, um certo “Porcos com asas”, dos italianos Marco L. Radice e Lidia Rivera – impublicável por conta dos “princípios” deste blog, que sempre que possível, evita os palavrões (o tal parágrafo, para te dar uma idéia, consiste apenas na repetição dos nomes dos órgãos genitais masculino e feminino, em versões que dificilmente poderíamos chamar de “científicas”, por mais de uma página).

Na minha lista há também as sublime duas primeiras frases de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos.”). A vírgula que é a primeira coisa que nos recebe em “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector é inesquecível. Assim como o acidente cinematograficamente descrito no primeiro capítulo de “Um homem sem qualidades”, de Robert Musil. Ou a supostamente banal cena doméstica que a abre “O passado”, de Alan Pauls. Ou toda a sequência inicial no cemitério em “O ministério dos casos especiais”, de Nathan Englander. Ou…

Qualquer lista dessas que se preze deve conter também a abertura de “Lolita”, de Nabokov: “Lolita, luz da minha vida…” – tão genial no seu original em inglês, que até hoje desafia tradutores em todas as línguas (para o “fire of my loins”, a frase seguinte, achei nada menos do que três versões diferentes – e isso só na página inicial de pesquisa do Google… e não vamos nem falar do resto dessa introdução, onde ele descreve o caminho que a língua faz na boca para pronunciar Lo-li-ta…). Ou ainda, a profunda (e incômoda) observação de Tolstoi no início de “Ana Karienina”: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Essas duas referencias, estão também em uma das listas das “melhores aberturas de todos os tempos”, compilada pela “American Book Review” – como qualquer lista dessas, incompleta…

Por isso mesmo, ainda que eu me propusesse a fazer aqui a minha lista das melhores aberturas de livros, eu não tenho dúvidas de que cometeria um sem numero de injustiças… E por isso mesmo, quero passar esse “fardo” para você: gostaria que você mandasse um comentário com a sua abertura de livro favorita. Quem sabe assim não compilamos uma lista mais… democrática!

Fico esperando a sua sugestão – e agora, com licença, pois eu vou seguir na leitura de “Jacob de Zoet”…

“Alô? Embaixada de Marte!”

seg, 19/07/10
por Zeca Camargo |
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justin300 Li aqui mesmo no G1: “Justin Bieber desbanca Lady Gaga e se torna número um no YouTube”. Eu mesmo contribuí para esse sucesso, uma vez que fui o internauta de número 249.183.362 a acessar o clipe de “Baby” no mais popular site de vídeos do mundo, e assim ouvir pela primeira vez esse fenomenal hit pop – provavelmente ao mesmo tempo em que fãs em Jacarta (Indonésia), Liubliana (Eslovênia), Pucón (Chile), Paro (Butão), Rostov (Rússia), Puebla (México), Taegu (Coréia do Sul), e Itapipoca (Ceará) também acessavam o clipe, porém, quase que certamente, não pela primeira vez. O que, aliás, me deu muito prazer.

Só posso, dar os parabéns a Bieber. Como disse uma vez Nina Simone (mais sobre ela, daqui a pouco) antes de entoar uma de suas canções mais conhecidas – “Don’t let me be misunderstood” (e, por favor, se você for da minha geração, quarentão, não fique decepcionado: essa música não foi composta pelo grupo Santa Esmeralda para se tornar um sucesso duvidoso nas pistas “disco” dos anos 70; isso foi um acidente de percurso!) –, enfim, como já disse Nina Simone, a missão de qualquer artista musical é “fazer o melhor para agradar vocês (a platéia) – pelo menos pelos próximos quatro minutos”… E Bieber, com seu sucesso (e carisma) faz exatamente isso, uma vez que é impossível resistir à levada de “Baby”.

Como fã de Lady Gaga (algo que já deixei bem claro, mais de uma vez, aqui neste espaço), fico com uma ponta de inveja dos fãs de Bieber, por terem passado os da minha “ídola!”. Ainda: digamos que, por questões de, hum, “formação”, fico também ligeiramente descompensado por ter que reconhecer a “vitória” de um refrão que diz apenas “baby, baby, baby” sobre versos um pouco mais subversivos como os de “Bad romance” (“Quero seu amor, e quero sua vingança / Quero seu amor, não quero ser amiga”).

(Aviso importante aos fãs de Bieber que chegaram até aqui no texto: não me entendam mal! Já fiz aqui meus elogios ao ídolo pop mais venerado do momento. E mal posso esperar pelo próximo convite para ser DJ para poder testar a eficácia de “Baby” mas pistas de dança. A preferência que descrevi acima é meramente ilustrativa! Ave Justin Bieber: o mundo pop te espera de braços abertos!).

Mas o que eu queria mesmo ressaltar aqui não é uma competição entre “o talento de Gaga x o talento de Bieber” – um disputa sem vencedores, já que estamos falando de dois gigantes do pop. Abri o texto com a manchete que li recentemente aqui mesmo no G1 porque ela tem tudo a ver com a discussão que propus no último post – sobre a falta de ousadia no nosso cenário cultural.

O que me inspirou a lançar essa discussão, foi ter assistido ao ótimo documentário “Dzi Croquettes” – e ter saído do cinema com a desconfortável sensação de que nada que se aproxime da transgressão que o grupo trouxe para o cenário cultural brasileiro dos anos 70 está sendo feito hoje em dia. Convidei você para o debate – e tive, como sempre, ótimas respostas. “É incrível isso de a gente olhar pra trás e constatar que já tivemos algumas revoluções e que quanto mais o tempo avança, mais parece que vamos encaretando”, escreveu o James. O Cláudio Martins reforçou escrevendo que hoje, na nossa cultura, “não existe nada que se pareça com ousadia”. A Cristiane ampliou a provocação: nosso “palco cultural” sofre ainda de “excesso de baixaria”. O Filipe fez uma curiosa menção aos Mamonas Assassinas, com talvez o último suspiro transgressor no nosso pop – será? (em breve aqui, Filipe, meu comentário sobre “Glee”). O Bruno – que, aparentemente, estava na mesma sessão de cinema que eu – mandou bem: “resta apenas recolher o confete no chão”… E o Misael (que, infelizmente não tenho o poder para ajudar na sua luta para encontrar o Green Day – quem dera eu tivesse esse poder, Misael!), tocou mais ou menos no ponto onde queria chegar hoje, sugerindo que Lady Gaga é um “elo (com o Dzi Croquettes) que já está quebrado, mas necessita ser entendido e compreendido”. (A discussão, claro, continua – sinta-se à vontade para participar!).

Talvez Gaga seja mesmo esse “elo perdido”. Imprevisível, criativa, e poderosa, ela – usando as ferramentas mais contemporâneas do pop –, em sua rápida ascensão, parece que veio para “dar um grande sacode”! Mas aí chega “Baby” e a desbanca – como que para provar que o que conta hoje é menos a transgressão do que o bom comportamento…

Mais um vez – e digo isso com todo o respeito aos fãs – Bieber merece todo esse sucesso. O problema do pop atual não é a presença – ou mesmo o excesso – de artistas como ele, mas a ausência – ou ainda, a escassez – de mais artistas como Lady Gaga. Ou Mamonas Assassinas. Ou Dzi Croquettes… Como peguntava o poeta, “mudaram os tempos ou mudei eu (e os artistas à minha volta)”?

Há pouco mais de um ano, já dividi com você essa inquietação, quando fui conferir uma remontagem do icônico musical dos anos 60, “Hair” – ainda em cartaz na Broadway nova-iorquina. E essa é, claro, uma questão que sempre me incomoda – e a todos (imagino) que consomem o pop com a mesma avidez que eu. Por vezes, pode parecer um grande clichê – aquele ramerrão na linha “nunca acontece nada de novo”… Mas percebi uma nova brecha para discutir isso depois de ver “Dzi Croquettes”…

Saindo do filme, bateu-me uma saudade de algo que nem vivi direito – de uma época em que era possível alguém atender o telefone de sua casa dizendo: “Alô? Embaixada de Marte”, como Wagner Ribeiro (o louco genial e criador do grupo) fazia. E não ser ridicularizado por um bando de gente desocupada que, de uma maneira “neo-facista”, saísse “twitando” contra a livre expressão criativa…

Sim, é triste admitir isso, mas vivemos uma época onde o incomum, a transgressão, e o inesperado estão constantemente sob vigília, onde as patrulhas das redes sociais ficam só esperando alguém sair da massa com sua cabeça para fora e apontar – tal como um “radar tantã” (uma expressão que paulistanos da minha faixa etária certamente vão reconhecer, mas eu divago…) – para uma direção que não é a que todo mundo está esperando, para que ele ou ela seja alvo de algo que já foi praticamente banido no mundo real, mas que ameaça crescer no virtual: o apedrejamento público. Como se um grande coro coletivo estivesse constantemente a desafiar: quer ser diferente? Então… toma!

Você consegue imaginar um espetáculo como o dos Dzi Croquettes sendo levado a sério hoje em dia? Consegue? Então por que não vemos nada a assim em cartaz atualmente em nossos palcos – atualmente infestados de variações sobre um tema que poucos de fato dominam com maestria e originalidade, a comédia “stand-up”? Quer algo que mais pareça “transgressor” quando na verdade é mais “conservador” do que isso?

A mesma cutucada vale para a música: nossos intérpretes e compositores do início dos anos 70 (época em que o Dzi surgiu) tinham – e até eram obrigados a ter, por conta da repressão política que reinava então – uma ousadia e uma criatividade que o “bom mocismo” da nossa MPB de hoje (hipnoticamente girando em torno refrões em cima de balbucios infantis e “pseudo corajosas” confissões íntimas de nossas vozes mais populares) não pode nem pretender alcançar…

nina300 Tive essa decepção geral com nosso acomodado cenário musical (onde, para fazer justiça, aqui e ali lampejam alguns sinais de esperança, porém nunca fortes o suficiente para capturar o gosto – e os anseios – do grande público) reforçada ainda pela leitura de um artigo recente na revista “The Believer” (que todo ano faz uma edição especial sobre música – algo que já foi assunto aqui há exatos dois anos). Nele, o brilhante jornalista Joe Hagan mergulha num raro achado: um diário que a cantora Nina Simone manteve durante os anos 60 – seu período mais turbulento, no que diz respeito à criatividade e vida pessoal.

Nina Simone – que morreu em 2003, aos 70 anos – era “uma boa de uma louca”. Uma louca, claro, genial. Adorada por muitos – e muitas vezes temida (por platéias que ela não tinha a menor cerimônia em insultar na maioria das suas apresentações) –, Nina era um daqueles gênios perenemente insatisfeitos. Questões raciais e sexuais estavam sempre entre suas preocupações – e transpareciam não só no seu trabalho como na sua vida íntima (assinalada por um turbulento casamento). E o resultado disso: uma expressão artística única, totalmente original – e, sim, transgressora.

Para quem não a conhece, sugiro uma surfada rápida no youtube – que pode começar, por exemplo por este registro de Nina interpretando (na voz e no piano) “Love me or leave me”. Nele, Nina canta esse clássico romântico (e desesperado), com um “non chalance”, um distanciamento, que desafia até o mais apaixonado dos corações. E mais: no longo interlúdio instrumental, seus dedos precisos atacam o teclado numa combinação quase impossível, juntando precisão, rapidez, e fúria – com um resultado nada menos que extasiante. Ainda seríssima, como se estivesse lendo um texto técnico pendurado na parede dos bastidores do palco, ela segue para a estrofe final, sempre esmurrando o impassível piano, para terminar como se a canção fosse a conclusão de um inédito (e furioso) concerto para piano de Beethoven. Eventualmente, ela sorri ao final da performance – mas deve ter sido sem querer…

Para outra evidência da sua genialidade, confira ainda essa outra apresentação de Nina Simone – já citada acima – cantando “Don’t let me be misunderstood”.  Provavelmente tirada de um especial da TV francesa dos anos 60 (a imagem traz legendas em francês), ela vem com uma “carinhosa” introdução, na qual Nina fala da tal “obrigação” do artista de entreter seu público (com falsa humildade – a raiva pode ser sentida escorrendo entre os dentes de Nina), e ainda ironiza: “vocês sabem que o The Animals (banda dos anos 60) fez muito sucesso com essa canção… na Inglaterra” – antes de fazer um enorme bico e olhar para a platéia, que já está hipnotizada pelo piano de Nina e o arranjo da música, que parece ter usado como base um grave lamento tribal africano… O que vemos a seguir é uma das mais belas rendições de um dos mais sinceros (e belos) pedidos de desculpas da história do pop. E tudo isso – como o diário explorado no artigo de Joe Hagan mostra bem –, fruto de uma “mente perturbada”…

E onde estão essas “mentes perturbadas” hoje? Certamente em algum lugar, maquinando a próxima revolução… Como eterno otimista, eu sempre acho que, de algum celular, alguém está, agora mesmo, respondendo: “Alô? Embaixada de Marte!”. Alguém, em algum galpão, está ensaiando um show em que a platéia vai ser surpreendida e insultada (para o delírio da mesma!). Alguém já está inspirando um novo ultraje de Lady Gaga – ou, melhor ainda, alguém está se preparando para ser a próxima Lady Gaga. Alguma coisa sempre tem que estar para acontecer! Porque, mesmo diante do marasmo que eu (e talvez você) reclamo (reclame), é preciso acreditar que as coisas vão mudar. Sempre.

Porque o pop é feito disso – e de um Justin Bieber, de vez em quando, para nos lembrar que é justamente o previsível que inspira… o imprevisível!

A lei dos retornos decrescentes

qui, 15/07/10
por diego.assis |
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Você provavelmente não a conhece – mas ela certamente faz parte da sua vida. Mais especificamente, ela tem a ver com tudo que você experimenta e gosta. E aí repete. E gosta também – mas gosta menos do que da primeira vez. Repete mais uma vez, ainda na esperança de resgatar as sensações daquela primeira experiência – em vão. Essa terceira tentativa quase te desanima, mas você gostou tanto daquela coisa no primeiro contato, que mal acredita que você não seja capaz de reviver aquilo. E tenta uma quarta vez – que também não é ruim, mas… nada se compara à lembrança daquela “estreia”! Não lembra de ter vivido uma sensação dessas? Então vá ver “Shrek para sempre”.

shrek

É bem provável que você saia da sessão com o mesmo pensamento que eu – uma opinião que eu ouvi ecoar da boca de vários amigos meus que também já o tinham assistido: “é bom, mas… não como os outros!”. “Shrek para sempre” é ótimo – entenda-me bem! As boas piadas estão todas lá. Seus personagens favoritos também – ainda que, ligeiramente diferentes (Puss, por exemplo, está um tanto fora de forma…). A trama toda – que gira em torno de um pacto que Shrek fez com um “feiticeiro”: um dia de ogro como nos velhos tempos, assustando todo mundo, em troca de um dia da sua vida (o “feiticeiro”, claro, escolhe o dia em que Shrek nasceu, e aproveita para suprimir sua existência da história do reino de Far Far Away; assim, Fiona, o Burro, o próprio Puss, nunca “conheceram” Shrek) –, enfim, a trama é interessante, e bem pouco óbvia. As interpretações, impecáveis como sempre (este é um filme de animação que eu faço questão de ver na versão legendada!). Mas o impacto desse quarto filme – que, dizem, vai ser o último da série – não pode nunca ser comparado ao do primeiro.

Mas será mesmo que o filme não tem nada tão engraçado quanto a cena do passarinho que explode (singelamente lembrada em “Para sempre”)? Claro que tem! Toda a sequência do aniversário de um ano dos trigêmeos de Shrek e Fiona é das coisas mais delirantes – e hilárias – que vi nos últimos tempos (com uma menção honrosa para uma criança que insistentemente pede para o ogro dar um de seus urros famosos!). Qualquer aparição do flautista (de Hamelin?) é de tirar você da cadeira de tanto rir. O Burro nunca esteve tão ensandecido – sem contar que o susto de Puss ao encontrá-lo pela primeira vez é antológico. E a tentativa do próprio Burro de (re)conquistar aquela que foi era sua esposa na história “normal” de Shrek, é quase previsível – mas mesmo assim me tirou do sério. Então, qual o problema? Por que “Shrek para sempre” não é tão divertido quanto você esperava?

Porque você está encontrando essa turma toda pela quarta vez!

Sabe aquele restaurante onde você comeu um risoto estupendo – e quis repetir dois meses depois com um casal de amigos? Aposto que o tal casal gostou mais do risoto (que eles experimentavam pela primeira vez) do que você (que comia pela segunda). Ou aquela música que fez você dar um show na pista de dança, da primeira vez que você a ouviu – não importa quantas vezes você colocá-la em “loop” no seu iPod, nunca vai ser tão divertido escutá-la como daquela vez. E não vamos nem  falar do primeiro beijo…

Agora, o que fazer? Desistir do risoto? Nunca mais ouvir a música? Deixar os beijos para trás? Nunca! Por isso, recomendo: vá assistir “Shrek para sempre”, divirta-se com as piadas, e pronto. Se você procura uma grande mensagem a exemplo de “Toy story 3”, esqueça. O personagem ainda conserva aquela característica única de ser um monstro adorável – e, com um certo esforço, talvez ainda convença algumas crianças que “é legal ser diferente”. Mas o que você deve realmente esperar, é uma hora e meia de pura diversão.

Aliás, por falar em “é legal ser diferente”, se é uma dose de lucidez nesse sentido que você está precisando, eu tenho um outro filme para te indicar – na verdade, um documentário: “Dzi Croquettes”. Se você tem mais ou menos minha idade (47 anos), deve ter uma vaga memória desse nome. Eu tinha exatos dez anos quando eles apareceram na cena teatral nacional – e talvez fosse jovem demais para lembrar. Mas mais para o final dos anos 70, quando o grupo já tinha deixado para trás sua fase áurea, mas ainda sobrevivia em alguns cartazes espalhados pela cidade de São Paulo (e Rio), eu me lembro de ter registrado esse nome – que, convenhamos, é um tanto peculiar.

dzi

Como descobrimos no documentário – assinado por Tatiana Issa (que é filha de um cenógrafo talentoso que trabalhou com a trupe) e Raphael Alvarez – o nome é uma brincadeira, uma adaptação do nome de um grupo estrangeiro (The Coquettes), com uma boa dose de escracho – “Dzi” é mais ou menos o som de “the”, em inglês, e os “croquettes” ficam por conta do que os criadores do grupo estavam comendo numa mesa de bar quando tiveram a idéia de se formar…

Mas o que era o Dzi? Como o próprio documentário elegantemente insiste, um bando de… gente!

Imagine um Brasil em plena ditadura militar – onde músicas com letras inocentes (e, às vezes, nem tanto) eram censuradas sem a menor satisfação, roteiros inteiros de filmes eram proibidos de serem executados, e peças de teatro tinham suas temporadas canceladas (quando o elenco não ia todo para a cadeia…). Nesse cenário que dificilmente pode ser classificado como “liberal”, surge um grupo de homens, vestidos de mulheres (quando não apareciam no palco em sungas sumárias, com o corpo coberto de purpururina), cantando em falsete, dublando vozes femininas e insinuantes, e dançando cheios de, hum, “simpatia pelo diabo”…

Não vivi essa época cultural, mas eu tenho a impressão de que a aparição dos Dzi Croquettes era tão absurda, tão sem registro, tão “non sense”, que as pessoas nem sabiam direito como reagir a que assistiam. Do início em palcos alternativos e bares pequenos, eles logo conquistaram, no início dos anos 70, um público maior – se tornaram, no Brasil da repressão, um fenômeno cultural.

O sexo – ou melhor, a sensualidade – era, claro, uma das ferramentas mais poderosas do grupo (a censura, eventualmente, conseguiu tirar o espetáculo de cartaz, mas apenas por algumas semanas). E com que prazer eles a usavam. A família Dzi esbanjava erotismo – e confundia todos os estereótipos de quem os assistia. Eram homens vestidos de mulher sim, maquiados até as orelhas – mas muitos rostos eram barbados e os corpos, hirsutos. Os movimentos eram bem andróginos, mas os passos eram fortes e firmes – másculos. A linguagem era a do humor, mas a mensagem que eles queriam passar – de liberação – era seríssima.

Como acompanhamos nos depoimentos do documentário – Gilberto Gil, Cláudia Raia, Ney Matogrosso, Miéle, Elke Maravilha, entre outros (além dos integrantes do grupo que ainda estão vivos), em saborosas entrevistas – o Dzi Croquettes mexeram com a cabeça das pessoas por aqui – e depois saíram para uma carreira internacional… que mexeu com a cabeça deles. Como qualquer bom documentário, “Dzi Croquettes” faz um trajeto do ciclo de vida desse movimento cultural – das suas origens até a desintegração do grupo e da (delirante) filosofia que eles representavam. E com que prazer – e muita emoção – a gente acompanha esse processo.

O final é triste – alguns integrantes morreram por complicações ligadas à Aids; outros tiveram um fim trágico, assassinados. Mas o que me deixou mais comovido não foi exatamente esse punhado de desventuras individuais (ou mesmo a coletiva, quando a gente pensa no grupo), mas uma reflexão que veio depois disso, quando saí da pré-estréia na última terça-feira (o documentário deve entrar em cartaz nesta sexta-feira), e conversei sobre o “fenômeno Dzi” com amigos durante o jantar.

A tristeza que me bateu foi a de reconhecer que hoje, no nosso cenário cultural, não existe nada, absolutamente nada, com a ousadia dos Dzi Croquettes.

Será que eu divago? Tente ver esse ótimo documentário neste fim-de-semana, e a gente continua a discussão na segunda-feira.

“Shuffle”: prós e contras

seg, 12/07/10
por Zeca Camargo |
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Eu sei. Talvez você estivesse esperando um título hoje na linha “Viva España!”. Mas, confesso, eu não consigo comemorar a vitória de nossos “hermanos latinos” na Copa do Mundo. Comemorar o quê? O fato de que fomos eliminados (dói escrever essa palavra) nas quartas de final? E que estamos nos preparando para ganhar em 2014? Fala sério! Agora que Dunga está definitivamente demitido e pode jogar a culpa que quiser em cima da imprensa (ou alhures) pelas críticas à seleção que escalou, pois ninguém vai ouvir, eu me junto ao coro que chora nossa saída prematura da competição – mas que, ao mesmo tempo, tem mais com o que se preocupar do que com um time que, honestamente, desde a escalação, não merecia uma gota do nosso suor de preocupação.

Comemoro, talvez modestamente, a vitória da Espanha como a conquista de um time que provou que basta ter vontade (e integração, e confiança, e bom futebol) para ganhar. Mas não como uma “conquista latina”, comemorando essa taça “by default”. Desculpe, mas isso realmente não me emociona – e se emociona você… bem, vamos mudar de assunto…

Quero falar de outra coisa hoje, de música. Especialmente porque há poucos dias, um amigo e grande colega daqui do “Fantástico” veio me contar uma história curiosa – que inspirou este post. A história é bem simples, como você vai ver, mas bastante reveladora para aqueles que, como eu e o Renato (esse meu colega), adoram música. Tem a ver com a tecla “shuffle”, como já indiquei no título de hoje. Tem a ver com uma dia – na verdade, uma noite – em que ele saía aqui da redação do “Fant”, já tarde (o que não é raro), e no seu iPod, casualmente, ele começou a ouvir a música “Corporal clegg” – uma não muito óbvia faixa do segundo disco do Pink Floyd (que, para muitos, é o melhor deles), “A saurceful of secrets”.

Nada demais nisso, claro. Mas o que me chamou a atenção, foi o relato do Renato (desculpe pela rima) de que ele – “compadre” meu no gosto musical –, naquela noite, teve a sensação de que ele era o único ser humano na Terra que estava ouvindo aquela música, naquele momento, graças ao acaso. E talvez fosse mesmo (argumentei com ele que, depois da leitura de “Juliet, nua e crua”, de Nick Hornby – já comentado aqui –, provavelmente deveria ter pelo menos mais uma pessoa no universo ouvindo a mesma faixa, mas eu divago…). Mas o que me chamou a atenção é que uma situação como essa só foi possível por conta dessa invenção maravilhosa chamada tecla “shuffle” – ou, se o seu iPod está no “modo português”, tecla “aleatório”…

Desde que adotei o tal acaso como uma religião – você que é seguidor deste blog conhece minhas posições “religio-filosóficas” nesse sentido –, tenho um apreço especial pela tecla “shuffle”. Foi ela que, por exemplo (como contei na introdução do meu livro “De a-ha a U2”), provocou uma epifania ao sugerir que depois de “King Street”, das sensacionais Soulettes, eu deveria ouvir aquela que se tornou uma de minhas músicas preferidas de todos os tempos: “No me castigues”, da panamenha Catherine. As consequências dessa bizarra combinação estão bem descritas no livro – e vou poupar você de repetir o que já escrevi. Mas cito essa passagem apenas como ilustração de que o “shuffle” – ou, a capacidade do nosso “tocador de música” escolher aleatoriamente o que vamos ouvir – pode sim ser nosso amigo. Funcionou nessa e em inúmeras outras vezes para mim – e certamente funcionou para o Renato naquela noite…

Porém…

Porém, nem sempre o “shuffle” é seu amigo. E o motivo desse modesto manifesto que lanço agora contra o uso desenfreado dessa ferramenta é que acabo de gravar o que eu acho que são dois CDs perfeitos!

Lembra de CDs? Aqueles discos prateados, que podem conter mais ou menos 20 músicas, e que vieram substituir um objeto da era mesozóica da música chamado “fita cassete” (pergunte ao seu bisavô!). Neles, até pouco menos de cinco anos, era possível gravar algumas de suas músicas favoritas – e com um pouco mais de dedicação, éramos capazes até de almejar registra neles aquilo que poderíamos chamar de “a sequência perfeita” de músicas.

Para os que nunca leram Nick Hornby, acho que devo explicar que essa “sequência perfeita de músicas” era algo que qualquer amante de música sempre desejou criar. Em “Alta fidelidade”, o livro que apresentou Hornby para o mundo, o autor colocou em palavras aquilo que eu (e milhões de pessoas pelo mundo) buscavam desde que foram apresentados para a tecla “rec” do seu aparelho de som: a busca de uma combinação ideal, uma seleção de músicas que se integravam organicamente, resultando assim, na mais “imexível” combinação possível de faixas!

Nós, os amantes de música pop, sempre buscamos esse ideal – para selar qualquer relação, desde uma grande amizade, até um amor verdadeiro (em “Alta fidelidade”, a busca do personagem principal criado por Hornby é a de uma seleção musical que descrevesse com perfeição suas relações amorosas). E, nesse sentido, a tecla “shuffle” é nossa inimiga. Pois eu não posso imaginar que um CD (uma fita cassete até meados dos anos 90), cuidadosamente compilado (ou compilada, no caso da fita) para agradar alguém especial, pudesse ser desmembrado e dividido em faixas soltas, como se elas não tivessem nenhuma relação entre si…

Esse pensamento veio ainda mais forte na última semana, quando, ao reencontrar um amigo que eu não via havia um tempo, preparei para ele dois CDs especias, com o melhor dos artistas que eu estava ouvindo ultimamente. Fui jantar com ele (e outros amigos) na última quarta-feira, e ofertei os CDs já com a recomendação de que ele não os colocasse no seu iPod e apertasse a tecla “shuffle”. Eles eram para ser ouvidos do começo ao fim, exatamente na sequência em que eu os havia concebido. Seria pedir demais?

Eu queria ouvir a sua opinião sobre isso: será que existe mesmo algo como uma seleção perfeita? Para ajudar na reflexão, divido aqui com você a sequência de músicas que selecionei. 90% delas são bem atuais – mas você vai identificar algumas faixas, aqui e ali, que não são exatamente contemporâneas, mas que se encaixavam perfeitamente na seleção – e na evolução dela – que eu queria compor.

Tenho certeza de que, com duas ou três exceções, você não vai ter problemas para encontrar essas canções aqui mesmo na internet. E, por isso mesmo, quero que diga o que achou da minha seleção. Cada CD foi “batizado” com o título da última faixa de cada seleção. Mas isso é o de menos! O que importa mesmo são as músicas – e a maneira como uma leva à outra. Você concorda com minha idéia de que é uma seleção ideal? Ou será que você quer sugerir uma sequência ainda mais perfeita de músicas (estou esperando – mas ela não pode ser mais longa do que 20 faixas, combinado)?

Na “pior” das hipóteses, espero que você descubra aqui, alguns sons que você ainda não tenha ouvido – e que tenha com eles o mesmo prazer que eu tive! É tudo música… E é tudo bom… Aproveite!

Difference is time
“The turn (a pagan lament)” – Fredo Viola
“Da da da” – Martina Topley-Bird
“Dog days are over” – Florence and the Machine
“Quien” – Migue Garcia
“Khala my friend” – Amanaz
“Don’t do sadness/Blue Wind” – John Gallagher Jr. & Lauren Pritchard
“Touches you” – Mika
“Ami jare booki valo” – DJ Rakat (com Sumi)
“Baby Said” – Hot Chip
“Leave!” – V.V.Brown
“No surprise (for Wendela) / Midnight surprise” – Lightspeed Champion
“Too afraid to love you” – The Black Keys
“Cottonflower” – Moriarty
“Velvet” – The Big Pink
“New year’s Kiss” – Casiotone For The Painfully Alone.
“Xanadu” – Lightspeed Champion
“Sheila” – Atlas Sound
“Difference is time” – Conor Oberst & The Mystic Valley Band

Beautiful songs you should know
“Generator, first floor” – Freelance Whales
“Don’t be a jerk, Johnny” – The Drums
“Between two lungs” – Florence and the Machine
“The sad song” – Fred Viola
“Pretty eve in the tub” – God Help the Girl
“Who’s gonna save my soul” – Gnarls Barkley
“Tall tall Grass” – Tilly & the Wall
“Ordinary life” – Pacovolume
“We’re from Barcelona” – I’m From Barcelona
“Wild young hearts” – The Noisettes
“There’s nothing underwater” – Lightseepd Champion
“El amigo de mi padre” – Gabo
“Telegraph” – Orchestral Manoeuvres In The Dark
“You say the stupidest things” – Wave Machines
“Van occupanther” – Midlake
“Apples and pairs” – Slow Club
“Fool’s gold” – Lhasa de Sela
“The rip” – Portishead
“Beautiful songs you should know” – No-Man

(Este post é carinhosamente dedicado ao cara que primeiro me inspirou a escrever sobre música, e que, por uma incrível coincidência, nos deixou esta semana, exatamente no mesmo dia em que seu grande “muso”, Cazuza, morreu, há 20 anos: o jornalista Ezequiel Neves – meu ídolo, que tinha o mesmo apelido que eu, e que, com  descobri já depois de muito tempo na carreira de jornalista musical, me considerava um de seus “netos”. Obrigado por toda a inspiração, Zeca! Vamos em frente. Sempre!)

Dois inesperados livros de autoajuda

qui, 08/07/10
por Zeca Camargo |
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sentadonocanion Desta vez acho que consegui! Pelo que li dos comentários aprovados do post anterior, ninguém acertou exatamente onde eu estava! Que incrível! Quase quatro anos depois de ter começado este blog, e dezenas de tentativas de desafiar você a descobrir em que canto do mundo eu estou, finalmente posso me orgulhar de ter indo a um lugar que não foi reconhecido! Das profundezas das cavernas Batu, guardadas por Lorde Murugan, na Malásia, às “stupas” do templo de Borobodur, em Djojakarta (Indonésia) – parecia que não havia lugar neste planeta onde eu pudesse me “esconder” dos olhos dos meus leitores (ou, mais provável, da incrível capacidade de busca do Google!). Foi preciso então eu ir para o Secret Canyon para que eu pudesse, então, descansar em paz…

Para fazer justiça a muitos que arriscaram seus palpites, eu estava sim no estado do Arizona, nos Estados Unidos (oficialmente, diga-se, eu estava hospedado em Utah, e circulando ali nessa belíssima área da fronteira entre esses dois estados americanos). Ainda, estava sim visitando um cânion numa reserva navajo – mas não era o Antelope Canyon, como várias pessoas arriscaram. Procurando um lugar que estivesse mais em sintonia com o espírito de isolamento dessa viagem, saí perguntando por um lugar mais tranquilo, onde eu pudesse fugir dos turistas (o Antelope Canyon, talvez até porque foi mostrado no imensamente popular vídeo de Britney Spears para a ótima balada “I’m not a girl, not yeat a woman”, vive infestado de visitantes, ainda mais nesta época do ano, próxima de um dos mais importantes feriados americanos, o de 4 de julho). Assim, indicaram-me esse Secret Canyon (traduzindo literalmente, um “cânion secreto”), onde tive o prazer de desfrutar de uma paisagem incrível, sem a “loucura das massas”!

Todo mundo que deu um palpite naquela região tem direito a meio ponto. Mas a resposta correta mesmo… Bem, só para variar esse placar… 1 x 0 para mim! Várias pessoas, para minha (boa) surpresa, sugeriram que eu estava na região de Petra, na Jordânia – um lugar que eu ainda não conheço (mas que está na minha lista!) -, e ecoaram o comentário de um amigo meu americano, para quem enviei a mesma foto que publiquei aqui, e que me escreveu de volta: “engraçado como eu nunca acho que vou receber notícias suas dos Estados Unidos, mas sim de um lugar distante e mais inesperado”… Ah, caro amigo – e caros leitores e leitoras… Não existe país que não nos possa surpreender!

Como sempre, fui para Utah (e Arizona), movido pela curiosidade de conhecer algo diferente – e posso garantir que as paisagens que vi por lá, não conheci tão belas em nenhum outro lugar no mundo! Como turista, não tenho nenhuma restrição para visitar algum lugar – a não ser, como acho que já disse aqui em um post mais antigo, que eu evito viajar (por prazer, mas não por trabalho) para países onde seus habitantes não têm um mínimo de liberdade de expressão, mas eu divago… E foi justamente nesse cenário estupendo, driblando um calor de 35°C – e uma umidade de 25%! – que descobri dois inesperados livros de autoajuda.

Veja bem: uso o adjetivo “inesperado” em mais de um sentido. Primeiro porque essa não era a leitura que eu havia programado para essas mini-férias: como quem já passou pelos dois últimos post, minha idéia era mergulhar de cabeça em “2666″, de Roberto Bolaño – que ainda estou desbravando aos poucos. Depois, porque eles não são, claro, propriamente livros de auto-ajuda. Só os nomes de seus autores já deixam isso bem claro: Bret Easton Ellis e Dale Peck. Ambos são escritores contemporâneos americanos, respeitadíssimos nas suas literaturas. Eu mesmo sou fã de quase todos os trabalhos dos dois autores. Mas, ao ler as duas últimas obras de cada um deles, além de me encantar novamente com o talento de Ellis e Peck, percebi que eles poderiam ser abordados de uma maneira, digamos, alternativa – como disfarçados manuais de autoajuda: um para um aprendiz de misógino à beira da terceira idade; e outro para um adolescente assumidamente gay que mora numa cidade do interior.

Nenhum dos dois livros foi lançado ainda no Brasil – o de Ellis, que é um autor já bem difundido por aqui, certamente deve aparecer até o final do ano nas nossas prateleiras; o de Peck, que só ganhou uma tradução para o português de um de seus livros para o público infanto-juvenil (“A casa flutuante”, editora Planeta do Brasil), apesar de ser aclamadíssimo pela crítica literária americana (se quiser conferir, aqui está o que a venerada Michiko Kakutani, do jornal “The New York Times”, disse sobre aquele que eu considero seu melhor livro, “Now it’s time to say goodbye”), provavelmente vai demorar para sair por aqui – se sair… Comprei-os no aeroporto de Houston, numa escala a caminho de Utah! Mas vamos às razões pelas quais eu fiz essa curiosa associação entre esses trabalhos e a “literatura” de autoajuda.

Primeiro, Bret Easton Ellis. Seu “Imperial bedrooms” revisita o mesmo cenário da novela que lançou seu autor para o estrelato, há exatos 25 anos, “Abaixo de zero” (editado aqui pela Rocco) – uma tradução com a qual eu sempre impliquei, pois eu acho que aquilo que o original (“Less than zero”) queria dizer era “Menos que zero”, mas eu divago, e já pela segunda vez… Tenho de dizer ainda, que “Abaixo de zero” mexeu muito com este que vos escreve, na época em que o li – justamente por volta de 1985. Ellis é apenas um ano mais novo do que eu, e na época, eu já com ligeiras ambições literárias, fiquei encantado de encontrar um autor da minha idade que já havia conseguido a façanha de escrever um retrato da sua geração – e ganhar, aos 21 anos, reconhecimento mundial. Mas não foi só por isso, claro, que esse livro me marcou.

Parte do sucesso de “Menos de zero” tem a ver com a brutalidade com que Ellis descrevia uma juventude de Los Angeles, cheia de dinheiro e vazia de idéias. Muitas drogas, muito sexo, e relativamente pouco “rock’n'roll”, faziam parte do cotidiano de seus personagens – tudo combinando de maneira estranha e destrutiva. Nas festas – e mesmo à luz do dia – a cocaína era consumida como água, que aliás, nunca era tomada, já que havia sempre uma garrafa de vodca por perto. O sexo era mais assistido do que praticado – fosse em filmes “snuff” (onde supostamente as pessoas são estupradas e até assassinadas de verdade) em sessões caseiras de VHS (anos 80!), ou num bizarro ritual onde uma menina de 12 anos era violentada diante de uma platéia indiferente. E, no final, ninguém ficava com ninguém, ninguém gostava de ninguém – aliás, amor parecia algo impossível num cenário como aquele.

Pouca coisa mudou em 2010. “Imperial bedrooms” – um inspirado título tirado de um álbum clássico de Elvis Costello, também dos anos 80 (“Quartos imperiais”, numa tradução literal) – revisita quase todos os personagens de “Abaixo de zero”, e nenhum deles, previsivelmente, está muito bem… O livro abre com Clay, hoje um roteirista de sucesso em Hollywood, chegando em Los Angeles para acompanhar os testes de elenco de seu novo filme – aparentemente sobre cultos de sacrifícios humanos também nos anos 80. É ele que nos dá uma introdução em forma de “flashback”, do que aconteceu em “Abaixo de zero”. Com essa apresentação resolvida, então, Ellis passa a descrever a rotina vazia de Clay – e o que encontramos é, sim, mais sexo, mais drogas, e mais um pouco de “rock’n'roll”…

O problema é que todos os personagens agora estão já na faixa dos 50 anos, e a insistência deles em levar um estilo de vida de uma geração que não é mais a deles beira a melancolia. Para compensar a juventude que não está mais lá para ajudá-los, Clay e seus amigos bebem ainda mais (tequila e vodca parece ser a combinação “da hora”), jogam jogos sociais ainda mais perigosos, e se divertem com um ingrediente que, nos idos dos anos 80, nenhum deles ainda tinha em mãos: o poder.

Clay em especial, como figura importante da indústria cinematográfica numa cidade que vive em função dela, abusa bem dessa sua nova “arma”. Apenas por diversão, envolve-se com uma aspirante a atriz que quer um papel no seu novo filme. Abusa sexualmente dela a seu bel prazer, sem desconfiar que ela também é a amante de amigos seus de outrora, Rip (desfigurado de tanta plástica) e Julian (que é o suposto líder de um círculo de prostituição, que envolve justamente atores e atrizes aspirante a uma carreira hollywoodiana).

Depois de várias ameaças, algumas mortes, e uma indescritível cena de sexo que envolve um casal que Clay pagou para transar, muita bebida, droga, e até laxantes – que me fez lembrar das cenas escabrosas que Ellis descreve em sua obra-prima, “O psicopata americano” (Rocco) -, nosso “herói” chega à conclusão de que sua vida não tem sentido e que ele não gosta de ninguém – e, embora não reconheça abertamente, tem prazer em maltratar as mulheres. O desfecho não é muito diferente daquele de “Abaixo de zero”. O que deixa tudo um pouco mais chocante, porém, é a constatação de que, 25 anos depois, esses caras não aprenderam nada – e mesmo assim vão em frente. Assim, para quem está mais ou menos nessa faixa de idade, e achando que sua existência é um fracasso – sem contar sua capacidade de se relacionar com os outros – “Imperial bedrooms” serve mesmo como um manual de autoajuda. E pode levar até a uma certa elevação espiritual.

As duas últimas frases, claro, foram escritas com ironia (uma ferramenta perigosa na internet, eu sei). Ninguém merece ter uma vida como a de Clay – muito menos descobrir um “manual” de como levá-la da melhor maneira. Mas a analogia da autoajuda é genuína no que diz respeito ao outro livro que li em Utah: “Sprout”, de Dale Peck. Qualquer adolescente gay acuado numa cidade do interior – dos Estados Unidos, e de qualquer outro país – tem muitas lições para tirar da irreverência (e da inteligência) desse personagem que já diz no primeiro parágrafo:

“Eu tenho um segredo. E todo mundo sabe qual é”.

O segredo de Sprout – que se chama Daniel Bradford, mas prefere esse apelido, que é uma referência a seus cabelos pintados de verde (“sprout” pode ser traduzido como “broto”) – não é sua homossexualidade. Nem a morte da sua mãe de câncer, quando ela ainda era uma criança. Nem o alcoolismo de seu pai – que só piorou depois que eles se mudaram de Long Island para uma pequena cidade no estado do Kansas. O segredo de Sprout é… bem o próprio livro que ele escreve – mas isso pouco importa.

A história toda serve como uma excelente moldura para alguns dos personagens mais originais (e engraçados) que encontrei nos livros desde David Sedaris. Fora o próprio Sprout, somos apresentados a Mrs. Miller – uma hilária professora de inglês e de redação, que “adota” Sprout como aluno particular no momento em que reconhece seu talento absurdo para a escrita, e que nas aulas privadas na sua casa (decorada com uma placa bem na entrada que diz “Deus abençoe os sinônimos, as metáforas, e os eufemismos também!”), oferece “drinques” para Sprout a partir das 11 horas da manhã! E ainda tem o próprio pai de Sprout; Ian Abernathy, que é o atleta machão da escola, mas que transa com Sprout numa sala secreta entre as aulas (a cena do primeiro beijo entre eles, quando os dois estão de castigo, é absurdamente tragicômica); a melhor amiga de Sprout, Ruth Wilcox (Ruthie), cujo rosto lembrava “uma jarra de vidro cheia de leite”; e, o personagem mais fascinante de todos, Ty – um garoto caipira que entra de surpresa na escola, e, apesar de ser achincalhado por todos os colegas, não leva nenhum desaforo para casa. Ah, ele é também o primeiro amor de Sprout…

Ty tem um pai católico fundamentalista, que ameaça qualquer pessoas que se aproxime do seu sítio (prováveis “enviados de Satanás”) com uma espingarda. Ele espanca Ty sem o menor motivo – o que só torna o garoto cada vez mais forte. E, apesar da intimidade crescente entre ele e Sprout, Ty recebe cada aproximação física do amigo, mesmo involuntária, com um decisivo protesto na linha “eu não sou gay”! Nem por isso, Sprout desiste desse seu sentimento que para ele ainda é um mistério – e todo mundo que já teve 16 anos, independente de sua orientação sexual, sabe como é misterioso (e sofrido) se apaixonar pela primeira vez (será que só da primeira? sim, eu divago, de novo…).

Mrs. Miller acaba se juntando ao pai de Sprout. Ruthie conquista Ian Abernathy – num namoro que diverte o próprio Sprout mais que todo mundo. E Ty e Sprout… Bem, você se lembra o que aconteceu com sua paixão dos 16 anos? Esses desfechos – mesmo este duvidoso entre os personagens principais -, eu entrego aqui sem o menor receio de estragar a sua possível leitura de “Sprout”. Se você quiser arriscar o original em inglês, tem desde já todo meu apoio (não é um livro “difícil” – Peck é um autor sofisticado, mas sabe para quem está escrevendo: um leitor jovem e contemporâneo, que sobrevive de Facebooks e referências de cultura pop; e para palavras mais difícies, Sprout tem sempre um dicionário por perto!). Para quem não quiser encarar o desaafio, faço votos de que alguém se anime a traduzi-lo por aqui. Posso imaginar um grande público – gerações inteiras de adolescentes com dúvidas sobre o que é o amor e o sexo – que tiraria dele algumas lições…

De minha parte, sigo na incessantemente recompensadora leitura de “2666″ – que será, inevitavelmente interrompida por uma sessão de “Shrek para sempre”… Até segunda!

Onde eu estou (enlouquecendo com Bolaño)?

ter, 06/07/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

zeca300 Como havia antecipado, foi, de fato, um bom retiro físico e espiritual. Também, com essa paisagem… Consegui, de fato, ficar longe até da decepção da saída da nossa seleção da Copa! Acredite: estava em um lugar tão distante de tudo, que quando entrei num avião na sexta-feira (o primeiro vôo de uma sequencia de quatro que faria até retornar à pátria mãe!), tudo que eu sabia era o resultado do primeiro tempo entre Brasil e Holanda – quando, como todos se lembram, vencíamos de 1 x 0. Foi só ao desembarcar, dezoito horas depois, em São Paulo, que descobri que… bem, vamos falar de outra coisa?

O post de hoje é daqueles relativamente curtos (que talvez até seduzam o personagem do “cartoon” que indiquei no texto anterior, cuja legenda pode ser traduzida apressadamente por “Êpa! Eu não sou muito de ler esses livros metidos”). Primeiro, porque estou em ritmo de “descompressão”, depois de 5 dias de intenso relaxamento. Depois, porque o que quero, mais uma vez, saber por enquanto é apenas se você é capaz de me dizer onde a foto que reproduzo aqui foi tirada (um lembrete: cuidado com as respostas fáceis…). E ainda, porque o livro sobre o qual eu achei que ia escrever aqui hoje, “2666”, de Roberto Bolaño – o mesmo que eu achei que leria por inteiro nesse meu retiro –, bem… Não estou ainda nem no primeiro terço dele…

Seria fácil justificar esse meu “atraso” pelo desafio “físico” da tarefa – afinal, são mais de 850 páginas, que não estão sequer divididas em capítulos (mas apenas em cinco grandes “partes”). Ou pelo fato de minha atenção ter sido inesperadamente sequestrada por dois livros que comprei a caminho do lugar onde a foto de hoje foi tirada – dois volumes que resolvi classificar como de “auto-ajuda” (embora eles não tenham sido escritos para se encaixar nessa categoria, mas sim como dignos representantes da literatura americana contemporânea), e que li avidamente também por lá.

Mas a verdadeira razão para eu não ter terminado “2666” é que o livro está me deixando louco. É uma das leituras mais delirantes que encontrei desde (talvez) “Tudo se ilumina”, de Jonathan Safran Foer; das mais labirínticas desde “O passado”, de Alan Pauls; das mais panorâmicas desde “Um delicado equilíbrio”, de Rohinton Mistry; e das mais inesperadas desde… bem… desde “Os detetives selvagens”, do próprio Bolaño! Você já se pegou lendo um texto e, sem perceber, parando de respirar? Pois então você sabe qual é a sensação de ler “2666”… Aqui e ali, eu sinto uma ligeira tonteira depois de um longo trecho (uma frase das primeiras trinta páginas, por exemplo, segue direto, sem ponto – claro – por quatro páginas e meia, maior do que qualquer post que já fiz; o que me faz pensar, com piedade, nos visitantes deste espaço que reclamam de textos longos… mas eu divago…). E quando percebo isso, logo concluo que é porque estou sem respirar, uma vez que essa função tão básica do corpo humano foi simplesmente suprimida pelo prazer maior de absorver o texto de Bolaño! Por isso, estou abordando “2666” com cautela – não por ausência de prazer na sua leitura, mas justamente por excesso! Saber aproveitar coisas boas assim aos poucos é um aprendizado…

O que não significa que não quero escrever sobre ele – pelo contrário. Só não vai ser agora… Na quinta-feira, prometo dividir com você a descoberta dos tais dois livros de auto-ajuda “involuntários”. Além de contar, claro, que lugar é esse onde eu estive. E para você não achar que estou exagerando com relação a “2666”, reproduzo aqui um pequeno trecho dessa parte que eu já li. É a descrição de uma conversa telefônica entre dois amigos – Pelletier e Espinoza, dois acadêmicos que moram, respectivamente, em Paris e em Madri, e que são apaixonados por um fictício escritor alemão do século 20, chamado Benno Von Archimboldi – que têm um caso amoroso com a mesma mulher, Liz Norton (também ela admiradora fervorosa de Archimboldi). Não é uma amostra do estilo de Bolaño (uma fração tão pequena de uma narrativa não deve pretender espelhar sozinha uma obra tão ambiciosa, claro). Nem o melhor dos parágrafos que li. Apenas uma amostra daquilo que tem me feito esquecer de respirar ultimamente. Leia com cautela – e até quinta:

“A primeira chamada telefônica, a que fez Pelletier, começou de maneira difícil, muito embora Espinoza esperasse essa ligação, como se a ambos custasse um ao outro o que mais cedo ou mais tarde iam ter de dizer. Os vinte minutos iniciais tiveram um tom trágico em que a palavra destino foi empregada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome de Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madri, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma cada um. A palavra horror foi pronunciada em seis ocasiões e a palavra felicidade em uma (Espinoza empregou-a). A palavra solução foi dita em doze ocasiões. A palavra solipsismo em sete. A palavra eufemismo em dez. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove. A palavra estruturalismo em uma (Pelletier). O termo literatura norte-americana em três. As palavras jantar e jantamos e café da manhã e sanduíche em dezenove. A palavra olhos e mãos e cabelos em catorze. Depois a conversa se fez mais fluida. Pelletier contou uma piada em alemão a Espinoza e este riu. Na verdade, ambos riam envoltos nas ondas ou seja lá o que fosse que unia suas vozes e seus ouvidos através dos campos escuros e do vento e das neves pirenaicas e rios e estradas solitárias e respectivos e intermináveis subúrbios que rodeavam Paris e Madri”.



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