Quando as vuvuzelas se calam

seg, 28/06/10
por Zeca Camargo |
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vuvuzela1 Escrevo este post, claro, antes de assistir ao jogo Brasil x Chile. O motivo disso é que estou saindo de férias – na verdade, uma folga de cinco dias. O que significa que não postarei nada na quinta-feira. Mas que postarei – aliás, que estou postando – alguma coisa hoje. Ainda que brevemente. Sobre futebol. E sobre longos textos (mas estou me adiantando…).

Minha relação com o “jogo bonito” – uma tradução apressada da expressão em inglês que eu mais gosto para descrever essa “paixão nacional” (abrindo a contagem de clichês oficiais sobre futebol), “the beautiful game” – é a mesma que eu tenho com vinhos. Eu não entendo nada de vinhos – passo bem longe de poder ser considerado sequer um “sommelier” amador. Mas eu sei o que é um vinho ruim, assim que eu o experimento.

Para deixar clara a analogia, não sou capaz de julgar o que é um grande jogo – se bem que os dois que acabei de ver neste domingo (Inglaterra x Alemanha; México x Argentina) acho que se qualificam como “jogões” mesmo para o mais tosco dos torcedores (como eu!). Mas eu sei o que não é um jogo bom. E Brasil x Portugal, na última sexta-feira, não foi um jogo bom.

O que me fez ter certeza disso foi menos a avaliação dos jogadores em campo nesta última partida (coisa que não tenho gabarito técnico para avaliar), do que um pequeno detalhe que quase me passou despercebido na transmissão daquele último jogo – insisto, escrevo isso antes de assistir a Brasil x Chile nesta segunda. Na verdade, foi um comentário que minha mãe fez, logo no início do segundo tempo daquele “clássico”, que me fez acreditar que eu não estava vendo um grande jogo. Disse ela: “É impressão minha ou ninguém estava tocando vuvuzela?”.

De fato, naquele início do segundo tempo, enquanto o Brasil fazia jus à narração de um grande estudioso do futebol – o sobrinho de uma amiga minha, o Diogo, que tem apenas 8 anos de idade, e que gosta de assistir ao jogo sabiamente dizendo “para trás… para o lado… para trás… para o lado…” –, minha mãe (que viu o jogo lá em casa, junto com um grupo de amigos) observou com muita propriedade que, por alguns instantes, as vuvuzelas se calaram…

Você também reparou nisso? Foi incrível – talvez a primeira vez que eu tenha percebido esse “silêncio” (se bem que eu não consegui acompanhar todos os jogos desta Copa!). Agora, será que isso poderia ser encarado como um “termômetro” do entusiasmo do que o mundo inteiro estava assistindo? Acho discutível… Mas uma coisa é possível afirmar: se não teve vuvuzela, não teve jogo…

vuvuzela3 Eu, como bom torcedor – como bom brasileiro! –, espero que as vuzuzelas ressoem alto hoje à tarde. No momento do jogo, porém, estarei embarcando para as já mencionadas férias – que, embora curtas, são muito bem-vindas! Desejo não só sorte ao Brasil, como um grande jogo – capaz de levar o meu entusiasmo (e o de outros “meros” 189.999.999 brasileiros) para as próximas etapas deste que é, sim, um dos maiores eventos “pop” do mundo!

Não vou assistir, porém – e tampouco vou assistir ao próximo jogo, caso passemos das oitavas de final. Vou para um merecido (ainda que breve) retiro físico e espiritual, num lugar onde, se eu voltar inspirado, vou propor uma foto aqui sob o já conhecido título “onde estou?”… Mas eu divago…

O que queria mesmo, neste breve post, é dedicar o texto de hoje, em especial a você. Sim, você gostou da palavra “breve” na última frase. Você merece. Afinal, foram 360 textos – até agora – pensando tão somente nos dedicados leitores que apreciam posts longos e – quiçá – desafiadores. Creio que eles não vão magoar de eu tê-los abandonados apenas por uma vez… (No meu retorno, segunda-feira que vem, prometo voltar com “carga pesada”, já que estou levando na minha mala de mão, um “assustador” volume de 856 páginas: o livro “2666”, de Roberto Bolaño, editado pela Companhia das Letras).

Por isso mesmo, peço licença para, só hoje, dedicar este post aos que tanto lamentam com relação ao fardo (voluntário, diga-se) de ter de ler um blog que tem a “empáfia” de propor roubar sua atenção por mais de um parágrafo (o que não significa que você, que me acompanha há quase quatro anos, fielmente com sua generosa atenção e vontade de explorar cantos inesperados na nossa cultura pop em textos de mais de 500 caracteres, não está sendo contemplado…).

Para você, leitor passageiro que acaba chegando aqui por um link inesperado (“bocejo”, “palavrão”, “Toy story 3”), e que se assusta com essa quantidade de letras juntas – muitas vezes arranjadas em estranhos conjuntos que soletram esquisitices como “shakespereano”, “perpetua”, “trigonometria”, “abrangente” –, separei um “cartoon” que encontrei recentemente num número especial da revista “The New Yorker” sobre jovens autores de ficção – “20 under 40”, ou “20 com menos de 40”, como a própria publicação colocou. Numa edição especial de verão, eles reuniram oito autores “jovens”, e vão publicar os outros 12 nas próximas edições.

Já li alguns deles – e, como em toda lista, achei que boa parte dos escolhidos tem realmente uma voz original, e o resto… bem, o resto deu sorte! Mas quero deixar essa avaliação para outra hora. O que quero ressaltar desse número é, então, um singelo “cartoon” – que não posso publicar aqui, por questões de direitos autorais, mas posso fornecer o seu link.

A tradução para a legenda, se for realmente necessária, eu forneço na segunda que vem. Por hora, deixo aqui meu abraço e meu agradecimento a você que passa por aqui com a indefectível vontade de não só saber qual o assunto que vou desenvolver a cada post, mas também com a boa vontade de desvendá-lo e, se possível, contribuir com alguma coisa além na discussão proposta. Você certamente vai entender o humor do “cartoon” que eu acabo de indicar. E vai graciosamente conceder essa folga de uma semana a este blogueiro.

Deixo você com o sorriso que o humor da “New Yorker” certamente é capaz de provocar. E com o desejo sincero de que as vuzuzelas não parem de nos atormentar no jogo de hoje. Nem no de sexta (oxalá!). Nem nos da semana que vem (oxalá, oxalá, oxalá!). Até segunda!

Brinquedos de adulto

qui, 24/06/10
por Zeca Camargo |
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Não, este não é um “spam” daqueles que você recebe sem ter solicitado, vendendo “brinquedinhos” para “jogos de adultos”, em noites de muita “imaginação e fantasia” – sobretudo para aqueles que querem “apimentar a relação” (você também se diverte com as “pseudo eróticas” – e quase sempre mal-escritas – mensagens que suplicam para você consumir pornografia na internet? Bem-vindo ao clube!). Hoje quero falar de brinquedos adultos no seu sentido mais puro: esses que são protagonistas do recém-lançado “Toy story 3″.

Para começar, imagine que você (ou seu filho, sua filha) tinha 10 anos em 1995 – o ano de lançamento do primeiro “Toy story”. Sim, quinze anos já se passaram, e você nem percebeu… Enfim, para pegar esse mesmo público que assistiu ao primeiro filme da trilogia, os produtores e roteiristas de “Toy story 3″ tinham que “mirar” no gosto de um público de… 25 anos! É fácil de imaginar que as piadas e ganchos da trama que divertiam um garoto e uma garota pré-adolescente, talvez não agradassem na mesma intensidade uma geração inteira que aprendeu a se “educar” no cinema com o humor “pop” e cheio de referências contemporâneas de um “Shrek”, por exemplo. Era preciso então, rever o próprio conceito da história para uma outra faixa etária.

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E mais: o que era novidade como imagem em 1995 (sei que é difícil, mas será que você consegue imaginar como é ver pela primeira vez uma linguagem visual com a qual seus olhos não estão acostumados? Pense em “Avatar” – para ajudar no exercício), hoje dificilmente surpreende. Pelo contrário: se há 15 anos, ficávamos deslumbrados pela façanha da computação gráfica (que, olhando em retrospecto, hoje parece tão tosca quanto aquelas mensagens com instruções de segurança para passageiros que estão prestes a decolar em qualquer companhia aérea), hoje, nosso “paladar visual” é muito mais sofisticado e exigente. Não vamos nos contentar mais com meros objetos e personagens tridimensionais – e não apenas bidimensionais, como os que aprendemos a gostar dos clássicos do desenho animado. Queremos que eles nos transportem agora para uma outra realidade pictórica – se não um novo “banquete” como “Avatar”, pelo menos, continuando na analogia gustativa, para uma refeição digns de três estrelas! Digamos, como “Ratatouille”…

Com tanta responsabilidade de agradar mais esse público adulto do que o infantil, eu devo anunciar que “Toy story 3″ saiu-se muito bem na missão. Se você – como vários amigos meus – viu-se na quase constrangedora posição de ter de convencer seu filho pequeno a assistir um filme que “parece” que foi feito para ele, quando, na verdade, foi feito para você, não se preocupe: ele nem vai perceber suas “segundas intenções”…

Primeiro, porque essa criança mal vai perceber as nuances que fazer da trama de “Toy story 3″ uma história adulta. Para quem ainda não viu, vale dizer que o filme é uma grande parábola sobre rejeição. Não só por causa da “crise existencial” que os brinquedos de Andy (o garoto que conhecemos pequeno ainda no primeiro filme) estão apavorados com a possibilidade de serem doados (ou mesmo jogados fora) diante de uma mudança radical na vida de seu dono – que, agora com 17 anos, vai sair de casa para uma faculdade. Esse “mote” – que já é bastante “perturbador”, seja para uma criança ou para um adulto -, repete-se de maneira um pouco mais obscura e negativa numa outra história mal resolvida de afeto negado: a de um fofo ursinho de pelúcia chamado “Lotso”!

A princípio ele é o simpático mestre de cerimônias de uma creche para onde os brinquedos vão num primeiro momento. Depois de uma recepção calorosa, porém, Lotso deixa transparecer que é – com dizia aquela velha canção – “um pote até aqui de mágoas”… Narrada pelo “palhacinho” Chuckles, mais um dos destaques entre os novos personagens apresentados nesse terceiro filme (um ponto forte de “Toy story 3″ – mais sobre isso daqui a pouco), o “drama” da vida  de Lotso tem a ver com uma menina que o deixou para trás num dia de piquenique ensolarado, depois de “anos” de carinho e paixão. Traumatizado depois de ter descoberto que foi sumariamente substituído, o ursinho transforma sua angústia e punição para todos os novos brinquedos que chegam na creche onde ele manda e desmanda. É chegar lá e – como nosso anti-herói, o caubói Woody e sua turma logo descobrem – “pedir pra sair”!

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Antes fosse fácil… A grande aventura de escapar da creche e reencontrar Andy antes que ele vá para a faculdade ocupa boa parte de “Toy story 3″ – e é ao longo dela que somos apresentados não apenas a Chuckles (que é, inesperadamente hilário, com seu sorriso “bravo”, que faz o contorno de sua boca envergar para baixo), mas também para o sinistro “telefone falante”, para o sutilmente divertido Mr. Picklepantes – um ouriço “de pelúcia”, cheio de afetação, que fala como se fosse um ator “shakespeareano” (apesar de sua origem, como brinquedo, ser alemã, segundo a ficha técnica do filme); a assustadora “boneca bebê”, ou “Bebezão” (“Big Baby”, no original), com um olho meio caído e um chororô que, quando sai da sua boca é capaz de geral qualquer espinha; o macaco que toca pratos – que, mesmo sem falar uma palavra, é responsável por alguns dos momentos mais engraçados do filme; e, claro, Ken…

(Ken, o “famoso” namorado de Barbie, quase que mereceria um post só para ele; já tinha me divertido com ele no trailer de “Toy story 3″, quando, num desabafo ele gritava: “Eu não sou um brinquedo de menina”! Seu personagem, porém, é muito mais engraçado que isso. “Metrossexual” sem convicção – seja lá o que for isso -, ele oferece pouca resistência ao exibicionismo, seu maior inimigo, e, apesar de fazer parte da “facção” de Lotso, não convence como “boneco mau”, e é presa fácil para a apenas aparentemente bobinha Barbie… Se eu puder sugerir um “filhote” desse filme, certamente seria uma “Aventuras de Barbie e Ken”, mas não essa versão açucarada que passa na TV – algo mais sinistro, como se fosse dirigido por Tim Burton. Mas eu divago…).

Isso tudo sem deixar a graça dos personagens que já conhecemos bem – e muitos lembram de eles terem marcado sua infância! -, como o próprio Woody, o atrapalhado dinossauro Rex, os alienígenas de três olhos que conseguem tirar graça todas as vezes que pronunciam apenas uma palavra (você sabe qual é…), e Buzz – que, numa encarnação latina, contribui para as gargalhadas mais genuínas da plateia.

Todos esses personagem – e a história que eles ajudam a contar, são então bastante adultos. Mas, só reforçando, seu filho (ou a criança que você eleger para assistir ao filme) nem vai reparar. O truque de “Toy story 3″ é ter aprimorado à perfeição a equação inversa dos antigos filmes de animação – leia-se, Disney. Se antigamente essas histórias eram basicamente contadas para crianças, e os adultos acabavam gostando delas por pura nostalgia da própria infância, hoje a situação é exatamente a oposto. Tudo ali é feito para agradar aos adultos – e recheado aqui e ali com elementos “fofinhos” que inevitavelmente vão seduzir e embalar as crianças por ritos de passagem tão complicados que elas só vão entender – se tanto – na adolescência.

toy3600 Como bem observou Ramin Setoodeh num artigo recente da “Newsweek”, momentos antes de escapar da incineração geral num depósito de lixo (uma cena com drama suficiente para ser incluída em “A lista de Schindler”!), todos os brinquedos dão suas mãos (e patas) preparando-se para o pior. Nas palavras de Setoodeh, “seus filhos não serão os únicos a se sentirem tentados a cobrir os olhos”… Ele segue: “O momento se apresenta não só como uma ode a uma passagem da infância, mas também como uma meditação adulta sobre a mortalidade”… Uau… e tudo isso num “filme para crianças”?

O fato é que essa distinção já está um pouco nebulosa há um bom tempo. As velhas “lições de moral” que os antigos contos de fadas adaptados para o cinema traziam, hoje em dia parecem ingênuas demais para quem se vê obrigado a crescer num mundo tão complicado quanto o nosso. “Ratatouille” mesmo, como já observei neste espaço, também traz uma mensagem ressonante – mas, assim como “Up – altas aventuras”, e mesmo “Wall-E”, as crianças não são os únicos destinatários dela.

Mesmo dando boas risadas (e há vários momentos engraçadíssimos no filme) saí do cinema na segunda-feira, um pouco mexido com o que havia acabado de assistir. “Toy story 3″ não tem a explícita seriedade de “Wall-E”, mas me convenceu, talvez de maneira definitiva, que um formato que supostamente foi desenvolvido para divertir menores de 12 anos de idade, pode sim emocionar um marmanjo de 47 – ou mais… Chamar o final da história de poético talvez seja um exagero. Mas confesso que saí recompensado do cinema, com a sensação de ter assistido a um filme de animação que queria não apenas mexer com meu humor, mas também com o meu coração.

O problema é que daqui a pouco vem um novo “Shrek” para jogar tudo esse lirismo pelos ares – e com louvor. Resistir, claro, será inútil…

“Unheimlich”

seg, 21/06/10
por Zeca Camargo |
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Sigmund Freud. Os freudianos de plantão certamente saberão explicar melhor esse termo que “o pai da psicanálise” introduziu no nosso imaginário. Para efeito de compreensão das coisas que eu quero discutir hoje, porém, vale dizer apenas que com ele, Freud tentou resumir uma curiosa sensação que todos nós experimentamos: a de familiaridade e estranheza ao mesmo tempo. Em palavras bem simples – mais uma vez, pedindo licença aos psicanalistas profissionais –, essa é a sensação de reconhecer uma coisa, uma característica, uma situação, uma memória, que é bem nossa, mas que simultaneamente insistimos em negá-la, suprimi-la, esquecê-la. Por que fazemos isso? Talvez porque nos vemos diante de circunstâncias que preferiríamos não enfrentar – e nossa mente, sempre misteriosa, faz de tudo para nos poupar (com conseqüências nem sempre positivas, claro).

Meu conhecimento da obra freudiana é pífio. Mas acabei me lembrando dessa expressão – “Unheimlich” – quando comecei a ver que a nossa discussão sobre a tolerância aos palavrões na TV (e este era o grande tema para debater que eu propus no post anterior – e não a palavra “bosta”, como visitantes que só leram o título e os primeiros parágrafos do texto e correram para escrever seus comentários insistiam em discutir…) tomava rumos, digamos, que eu não havia previsto.

Antes de falar sobre eles, porém, tenho a obrigação de agradecer à maioria daqueles (e daquelas) que participaram do debate com opiniões interessantes, argumentos sólidos (prós e contras), e vontade genuína de elevar a questão a um outro patamar. Você não imagina o quão feliz eu fico quando isso acontece – porque, para mim, internet serve para isso: para descobrir, por exemplo, uma senhora de 68 anos que se mostra muito mais aberta a questões polêmicas do que uma adolescente de 16 anos (esta “surpresa” está nos comentários, pode conferir!); para saber como uma questão delicada como essa é tratada em outras partes do mundo (uma vez que chegaram vários comentários de outros países); para fazer as pessoas pensarem num assunto bem depois de elas terem lido sobre ele – e não simplesmente abandoná-lo pela próximo link sobre um “cachorro de 12 patas encontrado no interior da Bratislava” (já reparou como boa parte das “reportagens” nas listas de “mais lidas” tem a ver com bichos? – mas eu divago… e isso num texto como o de hoje pode ser um perigo!).

Nem todo mundo, claro, optou em participar da proposta com argumentos desse nível. Esses (ou essas) não me preocupam – você acha que vale a pena discorrer sobre aqueles que achavam que estavam fazendo a piada mais original do mundo rebatendo a palavra do título do último post contra o próprio texto? Não… O que me deixou inquieto foram as pessoas que demonstraram um certo… “Unheimlich”! Explicando melhor: aqueles e aquelas que, antes de qualquer coisa, achavam um absurdo eu ter aberto uma discussão dessas, quando tudo que eles e elas queriam era, hum, participar da discussão. E não paravam por aí… Mesmo eu alertando para o fato de que eu não estava propondo o debate para “crucificar”  “Passione” – e muito menos seu genial autor, Sílvio de Abreu –, muitos insistiram em se indignar com a proposta de a novela abrir a discussão para assuntos delicados como o aborto e a pedofilia.

Onde está o “Unheimlich” nisso tudo? Ora, na hipocrisia de não insistir que assuntos que, de maneira extremamente indesejável, entram no nosso cotidiano, mas que, “em nome da decência” (ou sei lá do quê), é melhor não tocar neles… É esse tipo de atitude – esse “escandalizar-se de antemão” – que infelizmente perpetua esses desvios. O “Unheimlich”, no caso, é não reconhecer que essas questões podem estar muito próximas da gente – dentro da nossa casa, eventualmente, e mesmo assim, a gente não querer discuti-las. E o “problema” fica lá, como um bode na sala… e ninguém fala nada…

“Isso não é comigo”, pensa logo a pessoa que vê, diante de si, um assunto que a incomoda. “Mas é sim”, lhe respondem os fatos. Não quer encarar? Escreva indignado para protestar! Corte qualquer pergunta mais “perigosa” vinda de seu filho ou de sua filha adolescente! Chame as “autoridades” para “calar” a discussão! Mas depois aguente as consequências…

Cá do alto dos meus 47 anos, porém, eu acho que esses assuntos devem ser discutidos sim – do palavrão à pedofilia. É muito fácil cair na vulgaridade e na apelação ao propor esse debate? É sim. Mas eu tenho que acreditar numa TV responsável – ou num jornal, numa revista, ou mesmo um blog –, que assuma o compromisso de iluminar a conversa, e não reforçar o preconceito. Alguma dúvida de que “Passione” está fazendo exatamente isso? Você pode até mudar de canal quando Gerson (personagem vivido pelo excelente Marcello Antony) entra nesta mesma internet que você está agora para “fuçar” num site de pornografia infantil, mas isso vai fazer mesmo esse tipo de site… desaparecer? Ou impedir alguém que você conhece de acessá-lo? Talvez você ache que sim… e assim você vai “construindo” um diálogo “franco e aberto” com sua família – ou mesmo seus amigos… Esse mundo de “palavrões e pedofilia” (que não são nem de longe a mesma coisa – não sou tão ingênuo assim, por favor, não simplifique meu pensamento, muito menos sugira que só porque defendo a discussão desses temas eu sou a favor deles, quando sou, justamente, a favor da conversa lúcida), enfim, esse mundo “degenerado”, você pode até achar que não é o mundo em que você vive… Mas é… Você só está passando por uma fase de “Unheimlich” – e eu faço votos de que você se recupere logo! Porque esse mundo vai em frente – e quanto mais discussão saudável a gente tiver sobre ele, melhor!

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O debate continua aberto – você sabe que seu comentário inteligente e articulado é sempre bem-vindo. Contudo, esse não era o assunto que eu mais queria discutir hoje… Nos últimos dias, estive envolvido com várias leituras ao mesmo tempo – típico… E duas delas eu havia separado para sugerir para você hoje. De certa maneira, elas poderiam também se acomodar sem muitos problemas sobre o título “Unheimlich” – uma vez que os personagens principais dessas narrativas passam suas vidas (ou parte delas) ligeiramente deslocados da realidade. Mas, se você me permitir um intertítulo, eu preferia me referir a eles assim:

Jovens com problemas
Em “A solidão dos números primos” (Editora Rocco), o autor italiano Paolo Giordano fez da história de duas crianças incomuns – uma, por causa de um acidente, e outra por um trauma de uma perda na infância – um “bestseller” mundial. Em “Afluentes do rio silencioso” (Companhia das Letras), o americano John Wray causou uma pequena sensação literária com seu terceiro livro, que conta a história de um adolescente esquizofrênico “à solta” pelo metrô de Nova York. Nenhum dos dois livros me deixou propriamente extasiado (por motivos que vou explicar já já) – mas gostaria de recomendá-los pela sensibilidade com que eles encaram seus… “desajustados”!

Quando digo que nenhum dos dois livros me entusiasmou como eu esperava, tenho que explicar que meu patamar de expectativas para um livro que fale de “jovens com problemas” é bem alto. Tenho em mente “O estranho caso do cachorro morto”, de Mark Haddon – não só um dos melhores livro que já li sobre o tema, mas também um dos melhores livros que eu já li, ponto! Não é uma leitura recente (foi lançado em 2004, pela editora Record), mas, mesmo com atraso, essa sim eu recomendo com louvor. Trata-se da história de um adolescente de 15 anos (Christopher Boone) que tem a síndrome de Asperger – uma forma de autismo –, e que decide investigar a morte do cachorro (o Wellington) de uma vizinha. Considerando que o livro é narrado em primeira pessoa – sim, por um autista! – e que a inteligência de Christopher é surpreendente, “O estranho caso” é uma das histórias mais inesperadas deste início de século. Se você ainda não o leu, corra atrás!

Com ele em mente, debrucei-me animado sobre esses outros dois livros. Afinal, eles prometiam. E, de fato, os personagens que são foco das narrativas são fascinantes. Quando somos apresentados a “Lowboy”, como é conhecido o esquizofrênico de “Afluentes” – por sua fixação em andar pela “impossível” malha do metrô de Nova York (“Lowboy”, numa tradução apressada, é “garoto debaixo”, ou “subterrâneo”) –, ele acaba de fugir de uma clínica, onde passa por um tratamento severíssimo, conseqüência de ele ter empurrado nos trilhos do próprio metrô, uma menina mais velha por quem ele (e por quem “Lowboy” era apaixonado, sem saber…). Sua mãe e um policial partem para uma caçada improvável por linhas e estações do sistema de transporte – e Wray, o autor, nos convida a vir junto nessa viagem, revezando capítulos da busca com os pensamentos do protagonista.

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Acompanhamos os personagens de “Solidão” desde uma idade mais “tenra”. Alice ainda é criança quando cai de uma pista de esqui – e tem que passar por uma cirurgia que vai deixá-la mancando para o resto da vida. E Mattia está na terceira série quando recebe o primeiro convite para uma festa de aniversário da classe – e decide abandonar sua irmã gêmea (Michela) no parque para que ela, mentalmente atrasada, não fosse um constrangimento a mais na festa da criançada. Assim comoWray, Giordano vai alternando os capítulos: um para Mattia, outro para Alice – e talvez por isso, eu comecei a achar os dois livros parecidos, não só nos temas, mas também (e não uso isso de maneira muito positiva), na fórmula…

Há ainda, nos dois livros, uma excessiva preocupação com o estilo – o que não seria um problema, se a própria história que está sendo contava não sofresse com isso. Esse “floreamento” do texto não é “privilégio” desses dois bons trabalhos. Eu identifico aí uma distorção muito contemporânea, que vem da proliferação de cursos de “escrita criativa”… Nunca fiz um desses – e não conheço diretamente ninguém que tenha passado por um. Acredito mesmo que há muita gente boa por trás dessas intenções – até mesmo bons escritores e escritoras estimulando essa habilidade em seus alunos. Mas será que não chegamos a um ponto de saturação para tolerar isso? Acompanhe-me nesse trecho de “Afluentes”:

“O homem abriu o saco de papel e começou a comer (…) Seu queixo reluzia como se estivesse amanteigado. Lowboy deu um passo para trás em direção à coluna e deixou o olhar se perder no chão. Seu estômago estava tendo espasmos e girava alucinadamente, mas o homem de capa não estava nem aí. Sua maleta estava a menos de um metro de Lowboy, mais negra e respeitável do que nunca. Vibrava friamente contra o concreto”.

Uma maleta que “vibrava friamente contra o concreto”? “Mais negra e respeitável do que nunca”? Será que isso quer dizer realmente alguma coisa, ou é uma mera brincadeira com as palavras – “vibrando friamente” na página em que eu estava lendo? Agora, um trecho do livro de Giordano:
“O peso das consequências estava sempre ali, como um desconhecido que dormia sobre ela. Que a velava mesmo quando Alice entrava num sono profundo, um sono pesado e saturado de sonhos, que se assemelhava, cada vez mais, a uma dependência (…) Se os seus pés ficavam frios porque se acabara fora das cobertas, ao se revirar, ela se via de novo no fundo do canal, imersa na neve até o pescoço. Mas quase nunca tinha medo. A paralisia lhe permitia mover apenas a língua, que esticava para provar a neve. Era doce e Alice queria comê-la toda, mas não podia virar a cabeça. E então ficava ali, esperando que o frio subisse pelas pernas, chegasse à barriga e, dali, se irradiasse para as veias, gelando-lhe o sangue”.

Vamos lá… “Um desconhecido que dormia sobre ela”? Esperar que o frio “se irradiasse pelas veias, gelando-lhe o sangue”? Pode até ser que alguém olhe para essas imagens como “preciosas”, mas para mim elas soam apenas forçadas. E esses são apenas dois exemplos – um de cada livro, e cada livro com dezenas deles. Tantos, que por pouco não cheguei a desistir de ambas as leituras.

Mas fui até o fim – nos dois casos. A originalidade da história venceu o rococó intencional da forma – e acabei gostando, ainda que moderadamente, dos dois livros. “Lowboy”, com todas as suas esquisitices, acaba nos conquistando por uma das suas características mais surpreendentes: a ternura. E mesmo com um final mal resolvido – mas que, pensando bem, justifica o título da obra – “A solidão dos números primos” mexe, e muito com nossos sentimentos – sobretudo com o de quem passou pela infância achando que era de “outro planeta” (e quem nunca achou isso?).

Eu poderia até ter um surto de “Unheimlich” e dizer que nenhuma dessas histórias tem a ver comigo, que eu nunca me senti fora de um grupo, e que não sei por que alguns autores ainda insistem em escrever uma história assim, já que ninguém está interessado nelas… Mas a honestidade não me permite…

Quinta-feira, para dar uma quebrada na seriedade que nos acompanha nos últimos posts, vamos falar de cinema – uma estréia que é puro divertimento… Adivinha o que estou me programando para ver hoje?

‘Presidente Bosta, pra você!’

qui, 17/06/10
por Zeca Camargo |
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crédito: TV GLOBO / Renato Rocha Miranda

Como você sabe muito bem, este blog não endossa palavrões. Porém, para discutir o assunto que eu proponho hoje, acho que vou ter de abrir uma exceção… Isso porque, na terça-feira passada, ao assistir a mais um capítulo da novela “Passione”, deparei-me com uma nova “troca de gentilezas” entre os personagens Mauro Santarém (vivido por Rodrigo Lombardi) e Saulo Gouveia (Werner Schünemann). Para quem não está acompanhando, os dois vivem um atrito que – aparentemente – vem desde a adolescência, quando, criado junto com a poderosa família Gouveia, o filho do chofer da casa (Mauro) foi aos poucos conquistando a simpatia e a confiança do patrão Eugenio Gouveia, até assumir a presidência da metalúrgica da família. Saulo, claro, como filho mais velho do clã, sente que foi passado para trás e, apesar de continuar como diretor da empresa, trava uma batalha incansável para ficar no lugar de Mauro. Batalha essa, que inclui chamar o presidente da empresa de “bosta”.

A frase do título de hoje foi tirada de um desses diálogos entre Mauro e Saulo. Com a matriarca da família, Bete Gouveia (Fernanda Montenegro) ausente por motivos de viagem, Mauro pede para Saulo assinar um documento. Este, por sua vez, coloca obstáculos para a assinatura, e, com isso, uma discussão corriqueira logo fica acalorada – até que Saulo chama Mauro de “bosta”. Ao que ele responde, com ironia: “Presidente Bosta, pra você!”.

Não foi a primeira vez que ouvi um palavrão nesta novela. De alguma maneira, porém, desta vez a linguagem pesada me chamou a atenção. Ela não estava sendo usada de maneira gratuita – pelo menos não me pareceu (e, conhecendo o trabalho de Sílvio de Abreu como conheço, duvido que ele seria capaz de escrever uma cena dessa de maneira inconsequente). Mas admito que fiquei ligeiramente inquieto com a cena.

Ali mesmo, enquanto o resto do capítulo rolava, lembrei-me da primeira vez em que ouvi um palavrão numa novela. Ou pelo menos da primeira vez que eu acho que ouvi um palavrão numa novela. É um registro bem antigo – e, por favor, se você é um “novelólogo” mais dedicado que eu (o que não é difícil, pois apesar de fã incondicional do gênero, não estou nem perto de ser um estudioso dele), corrija-me se eu estiver errado. Na verdade, pelo que me lembro da discussão na época – era o início dos anos 70, tempos de uma enorme repressão em todas as formas de expressão (quanto mais na TV!) -, esse foi o primeiro palavrão dito numa telenovela…

O mais curioso é que lembro muito pouco da trama da própria novela – eu devia ter uns dez anos de idade, mais ou menos, quando a acompanhava. Mas registrei o tal palavrão… O nome da novela é “Vitória Bonelli”, exibida entre o final de 1972 e a primeira metade de 1973 pela extinta TV Tupi. A atriz que vivia o papel principal da novela – o de uma mãe meio desligada do mundo (tenho uma vago registro de ela estar sempre usando preto, como se vivesse num luto permanente), tentando resolver (ou, em muitos casos, complicar) os problemas de seus quatro filhos – era Berta Zemel, um nome do qual eu já havia me esquecido (mas que, graças à wikipédia , eu pude descobrir que ainda está na ativa, fazendo filmes, como “A casa de Alice”, e eventuais novelas).

A cena forte onde foi dito então o palavrão – algo talvez até corriqueiro demais nos dias de hoje (mais sobre isso daqui a pouco), mas que era impensável naqueles tempos de censura – era uma discussão entre Vitória e um de seus filhos (que poderia até, ironicamente, ser Tony Ramos – o Totó de “Passione” -, que interpretava um deles, mas não posso afirmar com certeza…). Nessa briga que acontecia num jardim – que, sempre pedindo desculpas pela memória claudicante -, o tal filho de Vitória havia subido numa enorme escultura de madeira que ficava ao ar livre (se não me engano, o que é provável, essa obra de arte existia mesmo e ficava na frente de uma casa enorme localizada perto do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, sede do governo paulista… mas eu divago…).

A certa altura da discussão, a mãe já desesperada ordenava que o filho descesse de lá, se não… Se não, ela lhe daria um tapa na “bunda”. Isso mesmo, “um tapa na bunda”! Sei que hoje, considerar “bunda” como palavrão – pesado ou não – parece de uma ingenuidade absurda. Mas, insisto, eram o início dos anos 70 – a gente mal falava uma coisa dessas em casa, que dirá ouvir uma “indecência” desse nível em plena televisão?

Não vou ser hipócrita… A gente falava essas coisas em casa sim – e quem não falava? Se não na frente dos pais – pois sabíamos bem o peso das consequências de tal blasfêmia -, com certeza na escola, onde a “grande malandragem” era ser capaz de colocar o maior número de palavrões por frase possível (algo que, desconfio, não mudou muito até hoje, a não ser pela possibilidade de, agora, você poder enviar as mesmas frases, com os mesmo palavrões “malandros” numa mensagem de texto para seu colega do outro lado da sala, durante a aula de trigonometria…). Mas acho que dá para você entender – mesmo que, como vários que frequentam este espaço, você não tenha sequer vivido aquela época – que o abismo entre o frisson de ouvir de um amigo no colégio dizer “bunda” e escutar aquilo numa novela junto com a sua família era enorme!

(Um último aviso antes de continuarmos: pode ser que Vitória Bonelli nunca tenha mesmo dito esse palavrão – e que isso tenha sido um rumor da minha infância que eu estou transformando em fato. Mesmo assim, acho que você vai me perdoar como usar a história para abrir a seguinte discussão…).

Mas e hoje? O que significa estar sentado com a família, numa novela de horário nobre, e ouvir não só “bunda”, como “bosta, “viado” e possivelmente outras dessas que um dia já foram chamadas “palavras de baixo calão” (sempre tentei imaginar qual seria as “de alto calão”…)? A minha desconfortável reação ao ter assistido o capítulo de “Passione” na última terça-feira pegou a mim mesmo de surpresa! Afinal, vivemos num mundo tão “liberal”, onde tudo pode, onde a gente já viu tanta coisa, que um palavrão a mais, um palavrão a menos na televisão… será que faz tanta diferença assim?

É sobre isso que gostaria de ouvir sua opinião hoje – e ao longo do fim-de-semana. Veja bem: a intenção aqui não é condenar a novela, muito menos seu autor – que, mesmo sem ter conversado com ele a respeito disso, tenho certeza, tem menos a intenção de chocar o telespectador, do que a de aproximar a história do cotidiano do seu público. O que queria propor, como sempre, é um debate um pouco mais elevado – ainda que a gente vá discutir “palavrões”…

Não vai ser fácil – já antecipo! A relação de boa parte da audiência com o que ela assiste, é sempre tortuosa e complicada – ainda mais quando se trata de TV aberta. E isso não é só no Brasil… Você se lembra, por exemplo, quando, numa performance ao vivo, em 2004, durante o intervalo do “Super Bowl” americano (um dos eventos de maior audiência na televisão nos Estados Unidos), Justin Timberlake arrancava uma parte da roupa de Janet Jackson e mostrava, por magros segundos, alguns centímetros do seio esquerdo da cantora? Lembra-se? E lembra-se também do “escândalo” veio em seguida? (Por conta disso, vários eventos televisivos da TV de lá passaram a ser exibidos “ao vivo”, com um pequeno “atraso” de alguns segundos, para evitar novos “escândalos”…).

A carreira de ambos ficou levemente abalada – e eles tiveram que sair com a “desculpa oficial” de que houve uma “disfunção de guarda-roupa” (traduzindo literalmente a expressão que eles usaram, “wardrobe malfunction”) para que eles não fossem queimados em praça pública pelo público médio americano, sempre tão “puritano” – o mesmo público que tem, entre seus sites favoritos no seu desktop (ou mesmo no seu iPhone) uma boa meia-dúzia de sites de pornografia… E que, nos canais de TV a cabo (que, como são pagos, está implícito que a pessoa optou em aceitar qualquer coisa que deles vier), assiste a qualquer “baixaria”, sem pestanejar…

Ainda falando da TV americana, simples palavrões – que equivalem ao “bosta” de “Passione” – não são admitidos em TV aberta, mas liberados à vontade no cabo… Será que essa distinção deveria mesmo existir – sobretudo num país onde o acesso à TV por assinatura está muito próximo dos 100%? E no Brasil, quais os limites que a TV pode chegar? A questão, como já adiantei, é complexa. Mas quero ouvir sua opinião!

Porém – e peço isso mais em atenção àqueles que querem participar de uma discussão sem preconceitos -, se o máximo que você puder contribuir é com aquele discurso moralista na linha “a TV nunca mostrou tanta baixaria”, ou “não se faz mais TV como antigamente”, pode economizar seus dedos na digitação de um comentário… Estou partindo do princípio que podemos ter aqui um debate mais interessante do que isso – adulto talvez (e isso, como você sabe bem, não tem a ver com a idade de quem escreve…).

Estou interessado em saber qual o limite da sua flexibilidade para encarar autores ousados e contemporâneos como Sílvio de Abreu – e sua novelas que, para o bem do futuro do gênero, sempre tentam dar um passo além. Fico curioso para saber sobre o quanto você se sente ofendido (ou ofendida) – ou não – com a inclusão de um palavrão num diálogo cotidiano de novela. Especialmente numa que propõe a discussão de temas tão modernos como – entre tantos, vou puxar um desta semana – o aborto.

Para dar um modesto pontapé inicial, apesar de já ter assinalado minha inquietação quando ouvi a discussão entre Mauro e Saulo, acho que enquanto os palavrões forem dirigidos entre os personagens (e esses palavrões não desviarem muito daquele que se ouve hoje numa mesa de jantar da família brasileira, sem grandes chiliques), tudo fica dentro de uma certa tolerância. A partir do momento em que os palavrões passam a ser dirigidos para o telespectador, aí acho que a reação pode ser diferente. E, claro, não estou falando apenas da suposta ofensa verbal: existem vários outros “insultos indiretos” – como a nudez fácil (para não dizer misógina) como atração apelativa para oferecer uma válvula de escape à libido reprimida de parte do público.

Mas antes que eu divague demais (como é de hábito…), deixe-me lançar logo a pergunta: até onde vai sua tolerância com o palavrão na TV aberta?

Minha “tese” de mestrado

seg, 14/06/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Foram anos na sua elaboração – uma tarefa árdua, na qual me envolvi com muita dedicação e suor, mas que finalmente foi concluída. E que hoje quero apresentar aqui para você. O tema que escolhi não é fácil, mas tenho certeza de que, ao longo das 20 mil e poucas palavras que acabei usando para desenvolver essa minha tese, tenho certeza que você vai digerir tudo sem maiores complicações. Apesar de aparentemente árido, o assunto sobre o qual me debrucei nesse “trabalho de toda uma vida”, vai ser absorvido por seu pensamento com grande naturalidade, prometo. Preparado? Preparada? Então vamos lá…

Não tenho nenhuma “tese” de mestrado para apresentar – é, claro… Mas não resisti à tentação de pegar a expressão emprestada de um dos (até o momento que escrevo) 1.028 comentários enviados sobre meu último post para usar no título de hoje (você já vai entender). Sobre o que ele versava? Uma sensação da era mesozóica do twitter (uma semana atrás!): meu bocejo ao vivo em rede nacional. Um assunto que, certamente, nem vale mais a pena ser discutido – e tenho dito. O que queria colocar hoje para você – antes de falar de “Alejandro” (o mais novo vídeo de Lady Gaga), conforme o combinado na semana passada – não tem a ver com o bocejo, mas com a natureza desse universo tão imprevisível e fascinante que é a chamada “blogosfera” (e a própria internet, se você quiser).

Muitas coisas me divertiram – e muito – nos comentários que chegaram. Mas o que mais me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas que simplesmente deram sua opinião – não sobre o fato em si, mas sobre o texto – sem ter lido todo o post. Por que ainda me surpreendo com isso? – você tem o direito de me perguntar, ainda mais depois de quase quatro anos neste ofício de blogueiro. Pois é… Acho que ainda me surpreendo com isso porque nunca deixo de ter fé na boa vontade das pessoas em estender um pouco mais o seu intervalo de atenção e deixarem se envolver por uma leitura que ofereça um desafio maior do que o de um parágrafo.

Os indícios dessa “não-leitura” que observei estavam por toda parte. Desde ferinas insinuações de que eu estava “irritado” com o episódio – quando, não apenas eu ofereci algumas fotos de outros bocejos meus (se isso não significa “rir de si mesmo”, não sei o que quer dizer então essa expressão), mas também, mais de uma vez no texto, deixei claro que havia decidido me divertir com o acontecido (“Eu mesmo, junto com as pessoas da equipe, ao mesmo tempo em que lamentávamos os problemas técnicos que nos levaram até aquilo, estávamos comentando com certo humor o acontecido”, escrevi a certa altura – só para ficar em apenas um exemplo); até o insistente clamor para que eu pedisse desculpas – coisa que fiz no próprio texto, no décimo-terceiro parágrafo (esse pedido insistente, aliás, demonstra que seus autores não apenas não leram o texto, como também sequer viram os poucos segundos do “flagrante” no youtube até o fim, já que, logo depois de perceber que estava no ar, pedi desculpas, também em rede nacional).

Isso sem contar as inúmeras referências ao meu texto como “longo”… Com pequenas variações, algumas pessoas colocaram algo como: “não precisava ter escrito um livro sobre o assunto” – numa clara sugestão de que eram marinheiros de primeira viagem neste espaço, já que eu escrevo textos “daquele tamanho” (ou até maiores) sobre os mais variados temas (e não apenas para “me explicar”). E entre as colocações desse naipe, a que mais me encantou foi essa: a de que eu havia escrito uma “tese” de mestrado para me justificar. “Tese” de mestrado??? Adorei! Quando li isso, imediatamente pensei que seria o gancho perfeito para evitar que essas mesmas pessoas com forte resistência à leitura mais consistente voltassem a se sentir aborrecidas por terem entrado sem aviso neste espaço. Uso isso no meu próximo título, pensei, e assim ninguém corre o risco de cair “sem querer” por aqui e se sentir ofendido – ou ter uma crise de “chatice induzida” – por encontrar num texto palavras como “perenemente”, “ponderados”, ou mesmo “ágora” (que, tenho certeza, alguns acharam que foi uma gafe minha de acentuação…).

Ah, onde está minha humildade? – perguntarão novamente aqueles cujo tom amargo da crítica revelava justamente a ausência da própria humildade na sua ânsia de julgar um texto meu sem tê-lo lido… (E não vamos nem falar de arrogância, uma crítica fácil que certos internautas lançam sem mesmo se dar contar que estão abusando dela no tom da própria mensagem que enviam). Ora, prefiro sempre acreditar que aqueles e aquelas que passam por aqui estão em pé de igualdade com este que escreve – e, portanto, esse jogo infame de acusações sobre eu querer colocar me colocar acima de quem me lê, simplesmente não cola… Aos que insistirem nesse ponto, recomendo uma leitura de alguns dos outros posts deste blog (são 357, contando com este aqui), antes de acenar com tão pouca – não resisto! – humildade para comigo… (sobe som de violinos…).

Quem encarar tal desafio talvez perceba, enfim, que o verdadeiro tema deste blog é maior do que um ou outro item cultural discutido aqui: o que proponho é um olhar mais abrangente sobre como percebemos (eu, você, nós) toda essa cultura pop. Nesse sentido, meu post anterior era menos sobre o bocejo em si do que sobre as implicações dele num mundo histericamente mediático como o que nos cerca hoje em dia (os violinos agora são engolidos pelo som da orquestra inteira – com destaque para a percussão!).

Mas… espere um pouco… Acabo de perceber que caí numa contradição… Se minha estratégia deu certo, tais leitores desinteressados já se sentiram repelidos pelo título do post de hoje (sem falar no primeiro parágrafo) – e, por isso mesmo, sequer chegaram ao último parágrafo! Então, que sentido faz pedir deles um esforço de interpretação de texto? Nenhum claro. Eles já foram para outra página há muito tempo… Ainda bem que percebi isso agora, pois nem preciso continuar com aquele que seria meu esforço seguinte: pedir desse leitor (ou leitora) um pouco daquilo que ele mesmo (ou ela mesma) não conseguiu reconhecer no meu trabalho – humor… Melhor eu deixar essa argumentação de lado e me dedicar a você, que, tenho certeza, só de ter me acompanhado até este ponto, trouxe consigo justamente uma boa dose desse humor – e ainda, aquela cada vez mais rara capacidade de interpretação um texto. É com você, munido (ou munida) dessas poderosas ferramentas, que eu quero discutir agora mais um aspecto fascinante do pop. No caso, Lady Gaga e seu “Alejandro”!

Ou, se você preferir, “La isla bonita redux”!

lady-gaga-alejandro

Sim, vou – inevitavelmente – falar de Madonna para discutir o novo vídeo da mais interessante artista pop deste século. Mas talvez não do jeito que você está pensando – não da maneira negativa como muitos já ensaiaram blogs afora. Vejamos: em “Alejandro”, as referências de Gaga ao trabalho de sua precursora (e musa semi-assumida) são tantas que merecem uma rápida listagem:

- os bailarinos de peito nu banhados por uma luz azulada, vêm direto do vídeo de “Express yourself”

- em vários momentos, os movimentos das mãos dos bailarinos formando ângulos em torno de suas cabeças têm a ver diretamente com “Vogue”

- o top que Gaga usa, com cones que terminam em réplicas de metralhadoras, lembra um que Madonna usa também em “Vogue”, além de ser uma clara “homenagem” ao sutiã icônico da turnê “Blonde ambition”.

- a roupa “religiosa” usada por Gaga tem uma sutil (sutil?) conexão com “Like a prayer” (reforçada por imagens de labaredas que aparecem às vezes ao fundo)

- as sugestões sado-masoquistas (com chicote e tudo), alguma dúvida? Foram tiradas de “Erotica”, claro!

- embora não seja uma referência explícita, aqueles homens de salto-agulha nos remetem a alguma cena que acabou não sendo editada para o vídeo de “Justify my love”.

Por tudo isso – e por mais alguma coisa que talvez tenha me escapado – eu diria que são no mínimo tolas as acusações na internet de que Gaga teria “chupado” ideias demais de Madonna, numa insinuação de que a primeira já estaria ficando sem ideias, e precisando beber na fonte da segunda para alguma inspiração… Quanta bobagem…

Alguém acha mesmo que essas referências todas são uma usurpação – e não uma homenagem? Pense comigo: se Lady Gaga precisasse mesmo se “escorar” em Madonna para chamar a atenção, ela não ia esperar sua carreira já estar consolidada para fazer isso. Com alguns vídeos de linguagem própria e original que já estão entre os mais vistos da história da internet, a última coisa que Gaga precisava era uma “muleta” dessas. O que esses críticos parecem não entender é que todo o vídeo de “Alejandro” é um grande tributo a Madonna em forma de pastiche – e um pastiche muito bem feito (não digo isso para diminuir em nada o clipe!).

E, por falar em pastiche, o mesmo vale para a própria música – pelo menos nessa versão apresentada no clipe. Não a rebatizei de “La isla bonita redux” à toa… O “sotaque” latino da faixa tem tudo a ver com o sucesso mais “espanholado” de Madonna. Mas há ainda outras curiosas referências sonoras em “Alejandro”, desde uma piscadela para “Fernando” (do ABBA), até o balanço irresistível da base da música, que não esconde sua admiração por um antigo “hit” internacional chamado “All that she wants” (do injustamente esquecido Ace of Base) – e eu percebo até uma velada homenagem a uma antiga diva da “eurodisco” dos anos 80, Sandra, com sua impagável “(I’ll never be) Maria Magdalena”! Alguém vai criticar Gaga por isso?

Meu caro, minha cara – o pop é feito disso! De gente genial que pega tudo, mistura e vem com uma coisa ainda mais genial. E quer discutir se “Alejandro” é mesmo um momento genial do pop? Então antes me responda: quantas vezes você já se viu repetindo mentalmente seu hipnótico refrão – “Ale-alejandro!” – depois de ter ouvido apenas uma vez a música? Aliás, será que você ouviu a música apenas uma vez? Mesmo que não tenha sido uma ação voluntária – a de dar um “replay” no seu iPod logo depois de a canção terminar –, você sabe bem que é só dar um giro pelo dial de qualquer rádio para esbarrar nela (ainda não tive o prazer de ouvi-la na noite, mas mal posso esperar o próximo convite para ser DJ por uma noite para me certificar que “Alejandro” é sim um ímã para a pista de dança!).

Por tudo isso, como diria o Sex Pistols, “Deus salve a rainha”! Aos que achavam que o facho de Lady Gaga já estava sossegando, ela acaba de mandar mais um recado, como quem diz: “Pode guardar sua torcida contra, porque eu vou em frente, sem deixar de acreditar na minha loucura, na minha inspiração, e no meu trabalho”. E faço, das suas, as minhas palavras…

(Em tempo: aqui vão as “legendas” das fotos do post anterior – de cima para baixo: Exterior do Louvre, em Paris; Covent Garden, em Londres; Copenhagen; Museu de Pérgamo, Berlim; e o jardim das esculturas do Museu de Arte Moderna, em Nova York. Obrigado pelas tentativas!)

Onde eu estou (bocejando)?

qui, 10/06/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

bocejo-1No domingo passado – o que em “anos-twitter” equivale a dizer “há mais ou menos dois séculos e meio” – eu apareci bocejando na televisão. É provável que você tenha visto tal ato tão fora do comum – afinal, foi a enorme curiosidade, misturada ao mais puro provincianismo, que provocou uma caça furiosa a essa imagem nos dias subsequentes. O que me trouxe alguns louros que eu nunca imaginei que pudesse conquistar. Por exemplo, a honrosa posição de número 16 no mais apurado ranking de celebridades do Brasil – imagine, eu lá, pertinho de Júlio César (às vésperas da nossa estreia na Copa da África do Sul!), colado no próprio Ronaldo, e separado apenas por algumas posições das perenemente bem colocadas Ivete e Cláudia Leitte (sem contar que cheguei a ficar até na frente da Sandy!!).

Ou ainda, a honorável marca de um milhão de acessos (combinados) no youtube – “meros” sete milhões a menos do que o novo vídeo de Lady Gaga, “Alejandro” (sobre o qual comento aqui na segunda-feira); e isso na mesma semana em que ele estava sendo lançado! E não vamos nem computar as mensagens de twitter que rolaram – e ainda rolam – freneticamente, quase sempre com um comentário cujo autor deve ter achado o mais original do mundo, mas que percebeu, acompanhando o próprio twitter por mais alguns minutos, que outras dezenas de milhares de usuários tiveram a mesma “sacada engraçadíssima” que ele…

Confesso que essa incrível performance superou todas as minhas expectativas, que comecei a projetar assim que o episódio aconteceu no ar. O “Fantástico”, como você sabe bem, é um programa transmitido ao vivo. E por isso, assim que a cena do bocejo chegava a lares por todo o Brasil, eu mesmo estava mais do que ciente do que havia acontecido. Conhecendo as armadilhas desse adorável universo pop como bem conheço (assunto sobre o qual já escrevi aqui algumas vezes, como por exemplo, na estreia deste blog, ou na época do “escândalo” envolvendo Ronaldo e travestis), logo imaginei a repercussão estrondosa do fato.

Afinal, o mundo anda bem sem-graça – não tem um campeonato mundial acontecendo nos próximos dias; não tem nenhuma modelo famosa fazendo sua “rentrée” nas passarelas paulistanas nessa temporada de moda; não tem uma decisão importante para os eleitores brasileiros dentro de alguns meses; não tem nenhum astro de rock internacional cancelando turnê – nada, incrível… não tem nada acontecendo de mais importante. Assim, o que resta ao internauta ligeiramente entediado? Acessar mais e mais a imagem do célebre bocejo… E transformar um fato corriqueiro na “sensação” da semana!

bocejo-2-editadaTem sido divertido – não posso esconder. Conferir as reações das pessoas na internet – de anônimos e de pessoas que conheço (pelo menos virtualmente, através de comentários aqui mesmo no blog ou no meu email pessoal) – tem sido um passatempo que vai me fazer falta quando o próximo “escândalo” roubar as atenções dos internautas (o que deve acontecer, segundo as previsões mais apuradas, por volta das 10h23 da manhã desta sexta-feira…). De certa maneira, as respostas a esse “fenômeno” de mídia – acho que já estou perto de esgotar minha cota de aspas por post, mas é impossível discorrer sobre esse assunto sem recorrer à ironia, que, num texto escrito, não tem melhor maneira de ser expressada do que as usando -, enfim, as respostas a esse “fenômeno” de mídia vieram reforçar minha crença de que a relação do grande público com as celebridades se divide em dois grandes blocos.

Primeiro – que, suspeito (com certo pesar), é o maior deles – o dos cínicos, que adoram rir, ou mesmo alimentar o escárnio de pessoas públicas por coisas que eles mesmos fariam (ou por situações que eles mesmos passariam). Vai um pouco por aí o provincianismo ao qual me referi no início deste texto – mas vai também um pouco mais além. Sabe quando você visita uma cidade pequena e, como “forasteiro”, qualquer coisa que faz vira um grande comentário entre a população fofoqueira? É mais ou menos disso que estou falando.

“A roupa dele está amassada”… “Ela está com a blusa muito justa”… “Isso é batom que se passe para sair de dia?”… “Que beijo mais escandaloso foi aquele no meio da praça?”… “Você viu ele bocejando?”… Futricas como essas são o dia-a-dia de uma comunidade. A diferença entre uma conversa entre duas comadres andando na calçada no fim de tarde e uma troca de gracinhas pelo twitter é simplesmente uma ferramenta tecnológica. A intenção de cutucar o comportamento alheio como se a própria pessoa que dá o cutucão não fosse passível de viver uma situação similar é a mesmíssima, seja na praça com o coreto ou nessa ágora moderna que é a internet.

bocejo-3-editada(Há ainda a ironia extra de que o assunto que virou frisson envolve – veja só que absurdo! – um bocejo! Um bocejo! Não estamos falando de um pequeno pecado sexual, uma indiscrição pública, um flagrante de corrupção, ou uma explosão de temperamento – mas de um bocejo! “O horror! O horror!”, como diria o Coronel Kurtz, personagem de Marlon Brando no filme genial de Coppola, “Apocalypse now”… Ampliar a proporção de um acontecimento tão comum da vida cotidiana, me faz lembrar daquela turma “esperta” na minha classe de ensino primário, que adorava colocar uma almofada de “pum” nas cadeiras das meninas para ficar rindo do fundão da sua “malandragem”… mas eu divago…).

Com isso, não quero diminuir o fato – é mesmo engraçado assistir a um apresentador de um dos programas mais importantes da televisão brasileira pego num momento desprevenido (existe uma explicação técnica para esse deslize, mas não vale a pena “alugar” você com isso agora – e nem a descrição mais detalhada do processo que fez com que aquilo fosse ao ar pode servir de “desculpas” para o que aconteceu). Eu mesmo, junto com as pessoas da equipe, ao mesmo tempo em que lamentávamos os problemas técnicos que nos levaram até aquilo, estávamos comentando com certo humor o acontecido – e se você sempre se pergunta o que os apresentadores ficam conversando no final do programa quando sobem os créditos do jornal, pode ter uma idéia de qual era o assunto em discussão no domingo passado… É curioso sim, admito. Mas condenável?

O que nos leva ao outro segundo grande bloco: o dos ponderados – aquelas pessoas que assistem a um episódio como o do bocejo e pensam, “bem, poderia ter acontecido comigo”. Ou, pelo menos, conseguem entender aquilo não como um fato extraordinário, mas uma cena muito cotidiana, que só vem humanizar, de certa maneira, a figura de um apresentador de TV. Até hoje me espanto quando alguém me pergunta se o “Fantástico” é ao vivo… É um jornal, oras, e por isso, claro que deve ser sempre ao vivo. Mas às vezes a relação do público com o telejornal – e com a própria TV – é de tanta reverência, que a impressão é a de que tudo que se passa por lá é ensaiado à exaustão – e pré-gravado! Isso é verdade, até um certo ponto: gostamos de ensaiar as coisas para você receber a informação da melhor maneira na sua casa. Mas gostamos também de deixar pelo menos uma parcela do que fazemos ao sabor da espontaneidade.

Um bocejo, claro, talvez seja um pouco além da conta nesse sentido – mas eu recebi mais de um comentário na linha “tá vendo, eles bocejam também!”, que me fizeram sentir bem mais à vontade e mais próximo desse público. Essa proximidade – que, posso afirmar, é tudo que a TV moderna quer alcançar – significa uma mudança meio radical na própria maneira que as pessoas assistem aos programas de televisão, e boa parte da audiência responde bem a essa transformação. No entanto, uma outra parte, (inconscientemente ou não) mais conservadora, prefere que sua TV não mude nem um tiquinho… É aquele pessoa que reclama que não tem nada de novo para assistir, mas basta você apresentar algo de diferente, que ela fala: “já não se faz mais televisão como antigamente”…

bocejo-4-editadaEssa discussão, porém, vai ficar para um outra hora – ela merece ser mais longa e mais profunda. Rapidamente, eu acredito que a TV vai em frente, evoluindo sempre, tornando-se mais acessível e mais informal – mais interativa, se você preferir usar um termo “da moda”. E, apesar das críticas e do provincianismo velado, a missão de “jogar a lanterna lá para frente para mostrar onde tem luz” (uma expressão que cito, emprestando de uma amiga e colega de televisão que tem o pensamento bastante alinhado com o meu) não vai ser abortada. Vamos em frente – com ou sem bocejos…

E antes que isso vire um mini-simpósio sobre o futuro da TV, deixe-me voltar para o episódio que inspirou originalmente este post. Já estou terminando, não se preocupe… Mas antes gostaria, primeiro, de pedir eventuais desculpas a quem se ofendeu com o gesto involuntário (e que bocejo não é um gesto involuntário?). Desconfio, porém, que tais pessoas jamais acessariam este espaço para ler sobre isso – e se acessaram, provavelmente não chegaram a essa altura do texto… Assim – desculpas pedidas -, vou me concentrar em você, caro leitor, que navega na mesma frequência que eu – a da percepção divertida e bem-humorada desse curioso universo que atende pelo nome de “show business”…

Para você, conto uma pequena passagem recente de bastidor do “Fantástico”, que acabou funcionando como uma espécie de oráculo para o que aconteceu no último domingo. Há algumas semanas, eu fiz uma chamada ao vivo para o programa do domingo seguinte junto com a ótima atriz Ingrid Guimarães. Eventualmente ela participa do “Fantástico” com sua personagem hilária, Leandra Borges – uma caricatura perfeita (e muito engraçada) das “top models”. Nessa chamada, a gente anunciava a “volta” de seu personagem ao programa – depois de uma gravidez que, ironicamente, coincidiu com a de Gisele Bündchen (coincidiu mesmo, pois a atriz também ficou grávida “na vida real” mais ou menos na mesma época que a modelo).

bocejo-5-editadaComo Ingrid nunca havia feito uma chamada assim, ela estava um pouco preocupada – com toda razão – em fazê-la “bem feita”. Fizemos, ficou ótima, e ao final, num tom descontraído, ela perguntou ao diretor se havia gaguejado. De maneira também irônica, ele respondeu, olhando para mim com um sinal, que ela tinha ido muito bem, mas que eu – Zeca – é que tinha gaguejado. “Mesmo?”, perguntou Ingrid, meio que acreditando na história – e eu respondi, ainda no espírito de brincadeira, que de vez em quando a gente faz alguma coisa errada, para entrar de propósito no youtube, e fazer um “barulho” na internet. Ela então percebeu a brincadeira, rimos todos, e Ingrid ainda falou que ia usar isso para a Leandra Borges – talvez num esquete em que a modelo, querendo chamar atenção, usa uma “escorregada” sua para virar celebridade virtual…

Bem, não preciso falar que o que era brincadeira acabou se tornando uma profecia, preciso? No final das contas, a melhor lição que a gente tira disso tudo é que vivemos num tempo muito curioso, onde pequenas coisas viram grandes factóides – que, previsivelmente, são esquecidos com a mesma rapidez com que surgiram (no momento em que escrevo isto, já “despenquei” para o número 40 no tal ranking de celebridades, o que me deixa na “preocupante” posição de estar apenas um degrau acima de Gretchen!). Nesses tempos onde tudo vale – fofoca tem peso de notícia, e mexericos desbancam fatos verdadeiros nesse espaço diáfano da internet -, melhor do que mostrar um falso puritanismo condenando isso ou aquilo, a atitude ideal é sempre admitir o impasse, reconhecer o acontecido, e tentar se divertir um pouco com ele.

Por isso mesmo, ofereço aqui hoje cinco momentos sonolentos meus em viagens que fiz pelo mundo. Será que você consegue adivinhar em que lugares eu estava quando fui surpreendido por uma vontade incontrolável de bocejar? São lugares fascinantes, como você pode conferir na semana que vem quando eu der as respostas (e falar de “Alejandro”, juro!). O que só prova que tal resposta do corpo, nunca tem a ver com que está acontecendo, seja uma visita a um museu incrível (ôpa, já dei uma dica!) ou seja a apresentação de um programa que me faz vibrar tanto quanto o próprio “Fant” – para os íntimos…

Dobras e contornos

seg, 07/06/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Quando às vezes me perguntam numa entrevista sobre como fui parar no jornalismo cultural, eu sempre digo que foi por causa da dança. No final dos anos 80, quando eu já dançava há um bom tempo, comecei a fazer “freelas” para o jornal “Folha de S.Paulo” – era num caderno de fim-de-semana, e minhas primeiras matérias eram reportagens de serviço. Mas então aconteceu uma coisa mágica – e olha que você que me acompanha aqui sabe que uso essa palavra com muita parcimônia…

Uma louca visionária chamada Monique Gardenberg – de quem me orgulho de ser amigo até hoje – resolveu ampliar seu leque de atividades: além de colocar de pé, já havia alguns anos, um evento chamado Free Jazz Festival (que, tempos depois, virou o Tim Festival – que hoje virou… bem, deixa para lá… esse é o estado das coisas com a cultura ultimamente, mas eu divago… e logo no segundo parágrafo!), enfim, Monique resolveu criar algo chamado Carlton Dance Festival. Quando escrevo me referindo à Monique como “louca”, como fiz agora há pouco, estou, claro, fazendo o maior dos elogios. Porque só mesmo uma louca muito visionária – e do bem – poderia ter a iniciativa (até então inédita) de trazer para cá nomes da dança moderna e contemporânea que o público brasileiro nunca tinha tido a oportunidade de ver.

(Você que passou por aqui na quinta-feira passada por aqui deve estar se perguntando se eu vou explicar aquela foto que postei então. A resposta é sim. Vou chegar lá sim, mas daqui a pouco… continue comigo!)

De Merce Cunningham a Karole Armitage; de Martha Graham a David Parsons; de Pina Bausch a Michael Clarke. O que havia de melhor na referência mundial passou por aqui no final daquela década – e eu, posso dizer com certo orgulho, tive o prazer de registrar cada passagem dessas. Foi esse então o momento “mágico”, minha estreia num caderno cultural – justamente a “Ilustrada”, da “Folha”. Era tanta informação nova para explorar, que, para dar um reforço na cobertura, como eu era envolvido com dança (não só como dançarino, mas também como professor, além de acompanhar o que era escrito sobre o assunto, inclusive na imprensa internacional), fui chamado para fazer algumas reportagens – e também críticas de algumas performances.

Hoje, mais de 20 anos depois, admiro ainda com mais entusiasmo essas oportunidades que tive. Participei de conversas interessantíssimas, com artistas brilhantes – entre elas, me lembro especialmente da entrevista com Merce Cunningham, e de um bate-papo com Karole Armitage (que me impressionou tanto que, ao final do nosso encontro, fiquei na dúvida se a chamava de coreógrafa ou de filósofa ao escrever a matéria para o jornal do dia seguinte). Mas onde eu acabei me expressando melhor, foi nas resenhas que fazia dos espetáculos.

Era também minha primeira experiência nessa área – sem contar um ou outro texto solto sobre um lançamento de música. E como o assunto era dança, eu tinha quase um passaporte livre para um texto bem solto, intuitivo e – por que não? – subjetivo. Fotos de dança sempre eram visualmente fortes – e lembro-me bem de várias páginas maravilhosamente diagramadas com elas. E achei, logo de cara, que um texto sobre uma coreografia tinha a obrigação de ser mais do que meramente descritivo. Imagine: “a perna da bailarina passa na altura do ombro de seu parceiro, que com firmeza captura sua coxa para fazê-la virar sobre o eixo”… (Estou exagerando, claro, mas o que eu achava quer deveria fazer era evitar qualquer coisa que pudesse se aproximar disso).

Sem medo de errar a mão para o outro lado – o da poesia – soltei o verbo, sempre inspirado por trabalhos extremamente originais. Escrevi (tenho quase certeza) sobre quase todos os artistas que passaram pelo festival entre 1988 e 1990, caprichando cada vez mais no texto, a cada versão do evento. Mas acho que, olhando os textos daquela época, raras vezes escrevi algo tão interessante quanto as resenhas de dois espetáculos de um gênero de dança japonesa praticamente desconhecido dos brasileiros até o Carlton: o butô. E os artistas que tanto mexeram comigo eram, primeiro, um grupo sensacional chamado Sankai Juku. E depois, um elegante senhor de 80 anos, que se apresentava sozinho e se chamava Kazuo Ohno.

kazuo ohnoPode parecer cabotino eu falar assim de textos que eu mesmo escrevi – especialmente porque você não tem muita chance de conferir essas resenhas (dei uma procurada na internet, até nos próprios arquivos digitais do jornal, e não encontrei nada… se você tiver mais sorte que eu, me avise). Mas acredite, se eu for um dia fazer uma seleção das coisas que escrevi e que mais gostei, esses dois – sobre Sankai Juku e Kazuo Ohno –, vão estar entre eles. Por que resolvi me lembrar deles agora? Bem, talvez você nem tenha reparado, mas no último dia, aos 103 anos de idade, morreu Kazuo Ohno.

Sim, esse é mais um obituário disfarçado – mais um que se soma aos outros cinco que escrevi aqui no último ano; ou melhor, aos seis, já que naquela contagem deixei de incluir uma modesta elegia que fiz à cantora Lhasa. Sim, esse é mais um artista que foi uma referência importantíssima para mim (que citei uma vez aqui, por conta de Antony and the Johnsons), e que eu quis homenagear neste blog. E desta vez, resolvi fazer uma homenagem indireta, com a tal imagem que publiquei no último post. Que conexão é essa? Já chegamos lá…

Eu já dançava há quase oito anos, quando comecei a escrever sobre o assunto. Desde minhas primeiras aulas, como uma conseqüência inevitável de quem tardiamente começa a se mexer, passei a perceber meu corpo de uma maneira diferente – e fui desenvolvendo essa percepção a cada nova experiência, a cada novo espetáculo. Foi um aprendizado muito solitário e introspectivo – acho que sempre é assim para todo mundo que se envolve com a dança. Mas precioso. Porém, foi só quando eu tive de observar com um certo olhar diferenciado um espetáculo de dança (justamente para escrever as resenhas do festival) que eu passei a reparar de outra maneira no corpo dos outros, nas incríveis possibilidades visuais que eles oferecem aos olhos.

Como fui reparando aos poucos, praticamente todos os artistas que se apresentavam no festival traziam uma sedutora proposta nesse sentido. David Parsons era talvez o mais lúdico deles – mas não exatamente o mais original, uma vez que lembrava bem de perto os trabalhos do Pilobolus. Michael Clark tinha a incrível capacidade de alterar a sensação de gravidade de todo um teatro – mas sua linguagem inevitavelmente girava (e gira até hoje) em cima do balé clássico. A companhia de Martha Graham criou imagens que até hoje são clássicas – mas tão clássicas, que se tornariam familiares demais para surpreender como novas. Eu poderia fazer um comentário sobre cada um dos artistas que passaram por aqui nas várias edições do evento. Mas ninguém reapresentou o corpo humano para mim como aqueles artistas de butô.

Não é fácil explicar um espetáculo desses para quem nunca o assistiu. Como uma coreografia que prima pela lentidão – em alguns momentos, quase uma imobilidade – pode ser capaz de nos engajar tanto? Acho que exatamente porque ela é capaz de cativar seus olhos com formas e contornos inesperados. Sankai Juku, como é um grupo de dançarinos, talvez tivesse mais recursos para criar esses mosaicos. Mas Kazuo, que sempre se apresentava sozinho – e mesmo assim era capaz de preencher um palco gigantesco –, conseguia mais do que isso: transportar quem estava assistindo a uma outra dimensão corporal.

Foi por isso que, por uma estranha associação de idéias, escolhi aquela imagem de pescoços para ilustrar o post anterior. Pescoços que, como mais de uma pessoa que mandou seu comentário observou bem, facilmente pode sugerir outra coisa aos nossos olhos. Minha intenção, ao lhe apresentar aqueles pescoços, não era exatamente maliciosa – até porque, a ambiguidade dessa parte nada íntima do corpo lembrar uma outra muito íntima (do corpo masculino, claro) não é exatamente uma novidade. Muita gente se lembrou da capa do livro de Fernanda Young – lembrança bastante oportuna, mas que tampouco marca a primeira vez que alguém explorou essa imagem de duplo sentido.

O que eu queria mesmo era fazer uma homenagem sutil a Kazuo Ohno. Achei que se contasse isso logo de cara – que iria fazer um texto sobre um bailarino e coreógrafo japonês de mais de cem anos –, talvez eu não tivesse conquistado sua atenção até aqui… Será que usar uma imagem tão “provocante” para falar de um assunto tão específico é um “golpe muito baixo”? Talvez, mas a causa era justa – acho que você vai compreender…

PescoçosEm tempo, a foto foi tirada em janeiro deste ano, quando passei por Paris e descobri esse mural ao lado de uma das minhas lojas favoritas por lá– a Photographie (também já comentada aqui). Tirei mais de uma foto – inclusive essa que fecha o texto de hoje – sem imaginar que um dia usaria essa imagem para falar de um grande bailarino…

E de como nós olhamos para o nosso próprio corpo… Mas se quiser ir ao espelho agora para redescobrir seu próprio corpo, quem sou eu para impedir?

Diga-me o que seus olhos querem enxergar…

qui, 03/06/10
por Zeca Camargo |
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