Teresina, Ullan Bator, Berlim, Goa, Dubai…
Nunca antes na história deste blog – sem ironia! – os comentários me inspiraram tanto a escrever um novo post. Quando, ao viajar para fazer a série Megacidades (que, numa ação assumida de merchandising, anuncio que começa este domingo no “Fantástico”), pensei na foto que publiquei na última segunda-feira, já imaginei que ela causaria uma certa confusão. Assim, combinei com a produtora da série que viajava comigo – a autora da foto injustamente não creditada no post anterior, Renata Chiara – que misturaríamos vários elementos para despistar o local onde ela foi tirada. Tinha aquele carro meio antigo, um cartaz com conteúdo difícil de identificar (para a maioria dos brasileiros, pelo menos), aquelas construções atrás, uma obra dos grandes grafiteiros brasileiros Os Gêmeos – e para “melhorar” ainda mais, a própria Renata sugeriu que eu convidasse aquele dois caras de uniformes de uma cadeia de “fast food” para a foto. E o resultado foi esse…
Quero dizer, foi essa deliciosa – repito – confusão que deixou boa parte dos leitores que passam por aqui inquietos de curiosidade, arriscando palpites tão deliciosos quanto os que usei no título de hoje – e tantos outros: Paraguai, Londres, Rio e São Paulo, Tailândia, Golfo de Bengala, Nova York, Nova Déli e… Mumbai, que era, claro, a resposta certa! Resposta essa que, para minha surpresa, o Zé Ruela acertou no seu comentário (como ele chegou a uma outra foto do mesmo grafite – postada em janeiro do ano passado no link que ele mandou – eu não faço a menor ideia… mas parabéns!).
De fato, eu estava em Mumbai quando tirei a foto – uma das cidades que não poderiam faltar numa série que fala sobre grandes metrópoles. No mesmo dia em que chegamos a Mumbai, no caminho para o hotel, passando pelo Marine Drive – uma avenida costeira já na ponta da cidade – vi aquele grafite sem querer (certamente não estava procurando algo assim…) e reconheci imediatamente o trabalho dos Gêmeos. E, lógico, fiquei bastante entusiasmado.
Não só pelo fato de que é sempre bom ver a arte brasileira espalhada pelo mundo – quando eles enfeitaram boa parte das paredes externas da Tate Modern, em Londres, em 2008, tive a mesma reação. Mas gostei mais ainda do fato de ter identificado um elemento comum a mais de uma cidade que visitei para esse projeto. São Paulo, como muitos dos habitantes da cidades sabem bem, tem mais de um trabalho deles espalhados pelos seus muros. E Nova York – também contemplada na série – também cedeu espaço a esses artistas. Perceber isso, então, me deixou muito feliz, já que de uma maneira intuitiva isso me ajudava a demonstrar que as cidades grandes são cada vez mais parecidas – e que isso é uma coisa positiva.
Um alerta aos inimigos da globalização antes de continuarmos a discussão: não estou dizendo que as cidades estão cada vez mais uniformizadas. Pelo contrário: todos esses lugares que visitei agora têm uma identidade única e fortíssima – e que eu jamais vou me cansar de celebrar. O que eu acho interessante é que elas são parecidas na sua capacidade de absorver elementos e culturas diferentes – que é, aliás, o segredo de elas serem cidades tão fascinantes.
Comecemos por São Paulo – lugar onde cresci e vivi nos últimos (uau!) 38 anos. Sempre fui um defensor ferrenho da capital paulista, e já arrumei várias “brigas” por conta disso. Muitos dizem que a ausência de belezas naturais – questionável… – não favorece a apreciação de quem a conhece pela primeira vez. Dizem ainda que é uma cidade “fechada”, onde é difícil de conhecer alguém quando se chega… (De fato, sou obrigado a concordar que se você já tem um amigo na cidade tudo fica mais fácil). Mas eu sou um apaixonado por São Paulo, e tenho de admitir que se eu não tivesse tido a chance de morar lá (meus pais resolveram se estabelecer lá só no final de 1969) eu teria tido uma formação totalmente diferente. Tudo bem, talvez eu tivesse desenvolvido o mesmo “espírito curioso”, viajante – que é algo que eu acredito que está dentro de mim desde que nasci. Mas as referências e influências que recebi da cidade foram inegáveis.
Onde mais eu poderia ser estagiário numa Bienal de Artes Plásticas justamente quando a cena artística brasileira estava se renovando? Onde mais eu poderia ter conhecido e me apaixonado por danças étnicas? Onde mais eu poderia sair de uma noite de rock no projeto SP e cair no melhor da “disco” no Papagaio’s? Onde mais eu conheceria pessoas tão estimulantes que me provocariam com suas idéias e intenções? Por essas – e por tantas outras razões – eu tenho que dar esse crédito a São Paulo.
E à medida em que fui conhecendo outras partes do mundo, fui vendo que o meu barato mesmo é conhecer e explorar cidades – mais do que a natureza… Como você talvez já tenha lido aqui, ter morado em Nova York foi uma experiência transformadora para mim. A primeira vez que estive em Tóquio praticamente não dormi nas poucas 48 horas que passei por lá. Todo o susto da minha chegada em 1986 a Nova Déli foi aos poucos sendo substituído por uma enorme paixão pela cidade. Quando alguém me pergunta qual a cidade mais divertida do mundo, eu respondo sem hesitar: Bangcoc. E não vamos nem começar a falar de Istambul – que já recebeu mais de uma declaração de amor minha, aqui mesmo neste espaço. (Talvez eu esteja me repetindo, mas só para ilustrar o que quero dizer, muitos amigos se assustam com o fato de eu nunca ter ido à Capadócia, na Turquia… Eu até já fiz planos de conhecer aquela paisagem maravilhosa – fora aquele passeio estupendo de balão! Mas aí, eu chego a Istambul – e quem disse que eu quero sair?).
Meus mais recentes “casos de amor” foram com duas cidades que eu ainda não conhecia e que visitei para a série: Xangai (quero falar dela na semana que vem) e Mumbai. Difícil comparar esses dois lugares – e até o próximo post você vai entender as razões pelas quais eu me encantei por cada uma delas e tirar suas próprias conclusões. Então vamos falar primeiro de Mumbai…
Não era a minha primeira vez na Índia. Fui para lá já em 1986, numa escala demorada antes de chegar a Bali – que era o destino final de uma longa viagem. Como esbocei acima, o impacto inicial foi assustador. Mas quem coordenava a excursão – o diretor do grupo onde eu dançava – já era “velho de guerra”: conhecia não só bem a Índia, como essa reação dos visitantes iniciantes… E ao longo da semana fez de tudo para nos seduzir e finalmente nos apaixonar por aquele lugar.
Voltei ainda mais quatro vezes a Déli – sempre renovando minha admiração pela cidade. E fui ainda a outras partes desse país infinito de encantos: Goa, Rajastão, Madras… Mas nunca havia ido a Mumbai. E agora tenho de admitir que me arrependo de ter levado tanto tempo para conhecê-la.
Se um adjetivo apenas pudesse conter tudo que ela transmite, eu diria que Mumbai é vibrante. Tem gente – muita gente – sempre na rua – o que não é exatamente mérito em nenhuma cidade indiana… Mas a energia ali é outra. Há um desprendimento e uma vontade de engajar, de se divertir, que é explícita nas pessoas circulando por lá. Bares e cafés estão sempre lotados – foi especialmente interessante ter tomado uma cerveja no famoso Café Leopold, um dos alvos dos terroristas em 2008. As lojas são fontes de cores e formas exuberantes. O tráfego – infernal – define o fluxo da cidade, mas logo aprendemos a balançar a cabeça para o lado como eles e dizer: “fine, fine, fine” (“tudo bem, tudo bem, tudo bem”). Parques, praias, templos, novas e antigas construções, grandes shopping centers, bibocas, restaurantes internacionais, comidas de rua, feiras livres, riquixás, cartazes de cinemas, loja e antiguidades (a foto que ilustra o post de hoje – também da Renata Chiara – foi tirada num lugar que é um misto dessas duas coisas: uma lojinha que vende pôsteres antigos de filmes de Bollywood, e é “administrada” por essas crianças que aparecem comigo, sério!). Tudo ali é, como disse, vibrante e me fez sentir – ao final dos menos de quatro dias que passamos por lá – que esse é um lugar que eu preciso voltar muitas outras vezes, para conhecer tão bem quanto Bangcoc ou Istambul…
É numa paisagem cultural com a de Mumbai que eu me sinto em casa – cheia de estímulos, cheia de mistérios, cheia de pessoas cheias de mistérios.
Por uma feliz coincidência, muitos acham que eu tenho feições que lembram as indianas. Mais de uma vez – nessa última viagem e nas anteriores também – muitas pessoas se dirigiam a mim diretamente em híndi, e não em inglês, por achar que eu era um “local” (e você não pode imaginar que prazer isso me dava!). Talvez por isso, eu tenha um “viés positivo” ao falar de tudo que se refere à Índia… Independente dessa “ancestralidade”, porém, tudo que encontro por lá – e essa passagem por Mumbai não foi diferente – só reforça ainda mais isso: me faz gostar mais e mais daquele lugar.
E desejar que mais lugares no mundo sejam assim… Quem sabe Os Gêmeos não estão nesse momento deixando sua marca genial em mais uma parede por aí?