Uma das boas coisas de não ser mais jovem – e acredite, elas existem – é poder olhar justamente para essa, digamos, faixa etária (ou seria um estado de espírito?) e ver onde foi que você errou. Ou acertou… Empurrados na “marcha inexorável do tempo” (drama!), a tendência do ser humano que já não faz parte desse, hum, grupo, é geralmente ou desistir de entender o que passa pela cabeça dos ditos cujos ou ignorar qualquer que seja uma manifestação vinda deles, com uma desculpa hipócrita na linha “no meu tempo (o de quem já não é tão mais jovem assim) eu me divertia mais”…
Felizmente, há um terceiro grupo (bem menor) que se preocupa em decifrar os sempre mutantes códigos desses que estão entre 13 (às vezes 12!) e 19/20 anos de idade – e não só com objetivos acadêmicos (já parou para dar um Google na quantidade de teses e trabalhos sobre o assunto “adolescência”?), ou terapêuticos (um belo filão desde o tempo em que eu mesmo tive de passar por isso – e até antes… bem antes!). Tem quem olhe para esse pessoal como gente que gosta de se divertir – e eventualmente até se ver representada (de preferência sem estereótipos) num bom filme de entretenimento. Foi por isso, imagino, que o diretor Peter Sollet (que é de 1976 – ou um “trintão”) fez “Nick & Norah’s infinite playlist” com tanto gosto.
Lançado nos Estados Unidos no final do ano passado, esse filme fez um certo barulho – especialmente com a crítica. Liza Schwarzbaum, por exemplo (uma das minhas favoritas, que escreve na Entertainment Weekly, deu nota A- para o filme. Diablo Cody – colunista da própria “EW” e “revelação” de Hollywood com seu roteiro de “Juno” (outro bom filme sobre jovens) – colocou “Nick & Norah” como um dos cinco eventos culturais mais interessantes de 2008. Aqui e ali recolhi boas referências – e esperei pela estreia no Brasil…
Esperei tanto que até me esqueci de conferir se tinha estreado mesmo. Até agora não tenho registro de um lançamento oficial do filme em telas brasileiras. Mas quis o destino que outro dia, numa livraria daquelas “megastores” em Fortaleza – num raro passeio para aproveitar um ainda mais raro tempo livre entre as gravções aqui de “No Limite” (sim, na “reta final”, a ser comentada aqui em breve) –, eu encontrei na sessão de DVDs o título “Nick & Norah: uma noite de amor e música” (uma quase boa adaptação do nome original do filme que eu tanto esperei). Comprei na mesma hora – e conferi há alguns dias. Fiquei encantado.
O filme, claro, não fala diretamente comigo – do alto dos meus 46 anos, posso afirmar que foi-se o tempo em que saía madrugada adentro à procura de uma boa festa (no caso do filme, um bom show, mas já falamos sobre isso). Porém, eu já tive 18 anos e já saí noite adentro procurando alguma coisa legal para fazer (e se no meio dessa noitada rolasse algum “clima”, melhor ainda!). Em algum lugar do meu passado, o filme – sim! – falou comigo. Ainda mais porque a noite em questão se passa em Nova York, e embora eu tivesse já 26 anos quando lá morei, vivi noites em que eu achava que era pelo menos uns oito anos mais jovem, e saía a explorar aquela cidade por altas horas, sem nenhum roteiro planejado, simplesmente deixando a noite (e os amigos) me levar…
Sim, senti um pouco de saudades desse tempo – não porque eu não faço mais parte dessa faixa etária (sem falar que a Nova York de hoje é bem diferente da daquele tempo), mas porque o filme conseguiu um retrato super sincero do que é poder usufruir desse espírito de “vale tudo” que a gente tem tanto quando está perto dos 20 anos e vai perdendo, sem perceber, quando vai ficando longe deles. Ter Michael Cera no papel principal (Nick) ajuda muito – o cara é simplesmente o ator jovem mais carismático (e esquisito) atualmente em Hollywood. Mas o elenco todo é bom, inclusive os dois amigos gays de Nick (interpretados por Aaron Yoo e Rafi Gavron), a própria Norah (Kat Dennings), e sua melhor amiga Caroline (vivida por Ari Graynor, que faz a bêbada mais convincente e divertida que já vi nas telas!).
Muito pouca coisa acontece, a não ser esse bando de jovens esbarrando-se uns nos outros – todos à procura do show de uma banda “ultra super mega underground” chamada Fluffy (tão “alternativa” que eles nunca falam onde vão ser seus shows – os fãs que tem que adivinhar…). Mas no meio disso tem encontros e desencontros emocionais típicos (mas não clichês demais) de todo adolescente, e tudo regado com o melhor da música pop – o “infinite playlist”, ou “lista de músicas infinita”, do casal, numa referência aos CDs incríveis que Nick grava para “o amor da sua vida” (se você é da minha geração, é só substituir CD por “fita cassete” para se localizar…). Ou seja, adorei – pode procurar esse DVD sem susto!
E se você, como eu, estiver no embalo do assunto “jovens”, pode se aprofundar no tema com a ajuda de um livro sensacional que acaba de receber uma tradução para o português: “A criação da juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século 20”, de Jon Savage (Rocco). Seu autor é um dos meus ídolos de longa data. Jornalista musical “das antigas” – isto é, do meu tempo… –, é dele uma dos melhores livros sobre o pop inglês de todos os tempos: “England’s dreaming: Sex Pistols and Punk Rock”, de 1991 (ao que me consta, ainda injustamente inédito no Brasil). Mas não só isso: seus textos sobre música (que acompanho desde que comecei a ler o “NME” nos anos 80) sempre foram sensacionais. E é ele também que assina, junto com outro de meus escritores favoritos (Hanif Kureishi) um dos meu livros de cabeceira “The Faber book of pop” (lamentavelmente também sem tradução por aqui). Por tudo isso, sempre digo que se tem alguém que entende de cultura pop, esse cara é Jon Savage.
Assim, quando vi, ainda em 2007, que ele tinha saído com esse livro na Inglaterra, comprei na primeira oportunidade – e desde então o leio aos poucos, até com certo interesse, digamos, profissional, na qualidade de “conhecedor do público jovem” (o fato de eu ter trabalhado no MTV – eu sei, se você tem menos de 20 anos talvez nem se lembre disso, mas eu e o youtube estamos aqui para provar! – sempre me associou a “assuntos jovens”, mesmo com o passar dos anos… o que aliás, me deixa muito orgulhoso, pois é muito bom saber que você ainda consegue se conectar de maneira natural e “harmônica” com um público do qual deixou de pertencer há algum tempo… mas eu divago…).
Quando vi que foi lançado por aqui (encontrei-o também naquela “megastore” de Fortaleza), comprei-o na mesma hora para intercalá-los com minhas outras leituras aqui “No Limite”. A tradução, assinada por Talita M. Rodrigues, é excepcional (e de um respeito enorme com quem conhece cultura pop) – e eu recomendo sua leitura tanto para os que se interessam por assuntos sobre os jovens, como para os próprios! O que Savage oferece é um estudo minucioso de como a sociedade passou a perceber que existia um outro tipo de indivíduo entre a infância e a vida adulta. O que parece tão natural hoje – quem tem 16/17 anos hoje mal consegue imaginar que houve um tempo em que essa sua condição de adolescente sequer era reconhecida (eu mesmo já não podia conceber isso há 30 anos!) –, foi, na verdade, uma grande revolução na sociedade. E Savage, com seu exímio dom da narrativa, nos faz ficar interessado em cada etapa desse processo.
Seu foco, claro, é como isso se desenrolou principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra (França e Alemanha são referências parciais). Mas, como todos nós sabemos – mesmo você aí de 15 anos que está me lendo (espero!) –, por mais que a gente ache, durante essa fase, que nossos “problemas & questionamentos” são únicos… bem, desculpe se eu quebrar seu coração, mas todo mundo passa pela mesma coisa! Cada um do seu jeito, claro. Mas é a mesma coisa… Assim como a reação dos, hum, adultos a tudo que fazem esses “transviados” (numa referência ao título no Brasil do icônico filme de James Dean – você sabe qual é…). Veja, por exemplo, a chamada de um texto, citado por Savage logo no início de “A criação da juventude”, publicado originalmente na revista “Current opinion”:
“Soou a hora do sexo na América: uma onda de histeria sexual e discussões sobre o sexo parece ter invadido este país.”
Sabe de quando ele é? 1913! O “perigo” ali debatido era o dos salões de dança nas grandes cidades – e das manias das “danças de bichos” (que quem é fã de Woody Allen e de seu filme “Zelig” vai logo se lembrar do “Camaleão”) que os tais salões espalhavam. Homens e mulheres que não eram casais dançando “enlouquecidamente”? Uma verdadeira ameaça aos bons costumes! Savage conta o episódio sem ironia alguma – uma vez que quase todas as reações “dos mais velhos” às ditas loucuras “dos mais jovens”, em qualquer época, parece sempre cômica (pelo menos do ponto de vista dos mais jovens…).
Sua análise, porém, começa ainda mais cedo, com dois fascinantes personagens do final do século 19: Marie Bashkirteff (autora, aos 17 anos, de um diário de suas desventuras – porres e orgias incluídos –, que se tornou uma sensação na França daquela época); e Jesse Pomeroy (preso aos 15 anos depois de ter mutilado aquela que era sua décima vítima, uma criança de quatro anos de idade). Quer falar então de “juventude transviada”? Então é melhor se preparar para viajar mais no tempo do que você pensava…
Até porque, como o autor diz logo na introdução, o livro “termina com um começo”, por volta de 1945, quando a adolescência (ou os anos “teen” – da palavra em inglês para números que vão dos 13, “thriteen”, aos 19, “nineteen”) já é oficialmente reconhecida, ainda que com temeridade, pela sociedade americana. Para você ter uma idéia, como conta Savage, foi em 1945 que a revista do jornal “The New York Times” publicou uma lista (parte ingênua, parte sincera, e parte hilária) dos “direitos” desses adolescentes. Entre eles, o de “deixar a infância ser esquecida”; “ter regras explicadas e não impostas”; “o direito de estar na idade romântica”; e de “lutar pela sua própria filosofia de vida”!
O “negócio” então tinha virado sério. Hollywood, claro, teve parte nisso – e o relato de Savage do impacto de “Inimigo público número 1”, com James Cagney, e seus desdobramentos foi para mim revelador, assim como “pequenos movimentos”, como o “Bright Young People” (“jovens pessoas brilhantes”), da Inglaterra dos anos 20. Para explicar melhor o que aconteceu, Savage abre um leque que vai de Oscar Wilde à Juventude Hitlerista. Pode ser que, mesmo depois de ter lido “A criação da juventude”, nem metade das perguntas que você tem sobre esse períodos das nossas vidas tenham sido respondidas. Mas eu duvido que você não vai ficar fascinado com essa história – que a gente nem sabia que era uma história…
Só um conselho: se a certa altura do livro de Savage (que é um considerável “tijolo” de mais de 500 páginas) você quiser relaxar sem ficar muito distante do espírito adolescente, pare para ouvir (quem sabe mais uma vez) a música da temporada (pelo menos aqui no meu retiro cearense!), que é de um certo gênio musical que eu admiro muito, Mika, e que se chama “We are golden”. Para cantar junto esse lindo resumo poético do que Savage levou um livro inteiro para contar, aqui vão os primeiros versos – com a tradução (sempre apressada) logo a seguir:
“Teenage dreams in a teenage circus
Running around like a clown on purpose
Who gives a damn about the family you come from?
No giving up when you’re young and you want some”
(“Sonhos adolescentes num circo adolescente / Correndo por aí como um palhaço com uma missão / Quem se importa de que família você vem? / Nada de desistir quando você é jovem e “tá a fim”)
E quem disse que as coisas não estão todas conectadas?