O choque no novo
Então você quer saber como foi a entrevista com Alanis Morissette? Tudo bem, mas, antes, posso te fazer uma pergunta? Como você conhece um novo artista, uma banda que está fazendo alguma coisa interessante, um som que você nunca ouviu?
Há muito tempo li um artigo que me impressionou muito sobre nossa capacidade de incorporar novos gostos. Foi na “New Yorker” – só peço desculpas porque, por assumida incompetência mnemônica, não posso dar aqui o link, já que eu mesmo não tenho certeza de quem escreveu nem quando exatamente ele foi publicado (no mínimo há uns dez anos, mas pode ser mais…). Mas a ideia do texto ficou comigo até hoje – não é assim que acontece quando você encontra algo bem escrito e bem exposto? – e constantemente eu o cito em conversas, sem nunca, porém, dar o crédito… Essa ideia é: existe uma idade onde “cristalizamos” o nosso gosto – e isso acontece mais ou menos quando estamos na faixa dos vinte e poucos anos.
Quem escrevia era um cientista (cujo nome, repetindo, não me lembro) de uma área ligada ao comportamento – ou talvez ao estudo dos animais (não seria a mesma coisa?), e sua observação partiu da reação de um assistente seu, mais jovem, que não suportava a música que ele – o cientista – ouvia em seu laboratório. Se não me engano era reggae – ou um outro estilo que floresceu nos anos 70 -, e seu assistente, “educado” no rock alternativo dos anos 90, reclamava constantemente desses que, para ele, eram “flashbacks” (mesmo que o cientista colocasse um artista mais moderno de reggae). Ou talvez fosse o contrário: o cientista não suportava a música que seu assistente ouvia… O fato é que esse “desencontro musical” fez o contista ponderar se existia uma época onde nossa preferência – por música, por uma estética visual, pela moda, por uma tendência gastronômica – “congelasse”, como se a gente dissesse: “é disso que eu gosto mesmo e quero repetir essa experiência pelo resto da minha vida”. Pesquisando, ele concluiu que isso acontece nessa faixa etária – dos vinte e poucos anos.
Qualquer pessoa que já foi a uma “noite do flashback” – anos 60, 70, 80, 90… – sabe do que eu estou falando (nunca foi? tem certeza?). Por que, com tanta música boa sendo feita a cada dia, gostamos de ir a um baile para dançar apenas músicas de um determinado período? Talvez porque elas nos levem à memória de uma “época de ouro” das nossas vidas – 21, 22 anos, talvez? Ponto para o tal cientista!
Mas será que isso também não é uma maldição? Como não deixar de se sentir excitado pelo “choque do novo” (pegando emprestado o título de um livro que fez muito sucesso nos anos 70)? Ao ler o artigo da “New Yorker”, lembro-me comecei a imaginar como seria possível “driblar” esse destino. Assumindo que algumas pessoas – como este que vos escreve – estão sempre interessadas no que está sendo feito de novo, como não ficar escravo do gosto da sua juventude? O que faz esses “curiosos perpétuos” irem sempre em busca de uma novidade? O cientista – pelo menos na minha fraca memória do artigo – não tinha uma resposta para isso. Mas, inspirado no artigo, passei a me checar constantemente para saber se estou aberto às coisas novas. Passei a fazer isso com todas minhas áreas de interesse – mas sobretudo naquela arte que é mais acessível para mim (e, hoje em dia, para qualquer um que tem acesso a internet): a música pop.
Um dos principais instrumentos que me ajudam nessa checagem é o número anual (que sai sempre no início do ano) do “NME” – o “New Musical Express” inglês -, no qual eles indicam as bandas que vão chamar atenção na temporada. As apostas do semanário musical para 2009 foram publicadas recentemente – e corri para conferi-las. Antigamente essa tarefa envolvia anotar as coisas mais interessantes numa lista, esperar uma oportunidade de viagem – ou de algum amigo que vai viajar – para então conseguir os “singles” ou os álbuns daqueles novos artistas. Ou então confiar em importadoras de discos – uma espécie extinta na nossa era. De dois anos para cá, porém – e este ano ainda mais imediatamente -, basta um clique rápido no myspace para você testar as novidades e concordar ou não com o “NME”- lembrando que eles já acertaram em cheio no passado (Franz Ferdinand!), mas também erraram feio…
Foi exatamente o que eu fiz esta semana, com o elenco de estreantes indicado por eles (todas as bandas citadas aqui têm sua página no mysapce – e sugiro que você faça o mesmo). E, para a minha satisfação – sempre com o teste do “gosto cristalizado” em mente – posso informar que ainda sou capaz de me entusiasmar com novidades. Não só pelo frisson do ineditismo, mas porque a maioria desse time que vem por aí tem coisas muito boas para oferecer.
Como a maluca, da foto acima, chamada Florence – cuja banda atende pelo nome de Florence and the Machine. É sensacional! “Dog days are over”, por exemplo, é uma mini-ode anárquica, com um vídeo inacreditavelmente psicodélico. Ela cantando em “A kiss with a fist” mostra mais atitude do que todas as bandas alternativas de 2008 juntas (inclusive as brasileiras). Só pelos títulos das músicas, você já se apaixona: “Girl with one eye” (“Garota de um olho só”), “My boy construct coffins” (“Meu garoto faz caixões”), “Between two lungs” (“Entre dois pulmões”). Acontece que as músicas também são geniais e inesperada – “Lungs” parece que veio do espaço sideral! Desde já, ela é a artista de 2009 – e, em algum lugar do passado, imagino que Karen O deve estar feliz por ter encontrado uma herdeira em Florence.
Tem ainda, na categoria “banda alucinada” (será uma tendência?) um bando chamado Empire of the Sun – e se você achou o nome esquisito procure por eles no youtube para conferir o visual. Com seus mais de cinco milhões de acessos no myspace “Walking on a dream” já é um hit “dance pop” animado. “We are the people” tem uma ótima levada (bem anos 80) e “Swordfish hot kiss nite” é tão esperta que lembra até o Tom Tom Club.
Ainda nos (meus) favoritos, The XX é um achado com seus discretos e efetivos arranjos. “Blood red moon” tem uma batida mínima, cordas idem, e um vocal distante – e é uma modesta obra-prima. Gostei também de “VCR” e não acreditei quando reconheci o clássico “Teardrops”, de Womack & Womack, numa versão. Recomendadíssimos! E tem uns caras chamados The Big Pink que também são excelentes: “Tooyougtolove” é meio hipnótica e lembra a perfeição fria do Section 25; “Dominos” tem um ótimo refrão; e “Abriefstoryoflove” (os títulos pareces que são todos assim, grudados) tem toques orientais e uma levada de “summer of love” do final dos anos 80 (pense em Primal Scream, “Screamadelica”).
A seleção do “NME” para 2009 tem ainda outras coisas interessantes – que, embora não tenham me entusiasmado muito, podem dar um caldo. Como The Virgins (a única banda que eu já conhecia dessa leva), com seu som típico de Nova York (lembra Vampire Weekend); The Soft Pack (lembra Franz Ferdinand); White Lies (lembra Ultravox – quem se recorda? – e às vezes, bem de leve, Joy Division); The Chapman Family (mais pesado, mas com boas melodias, como “Sound of the radio”); Little Boots (vá direto ao remix de “Stuck on repeat”); e Kid CuDi (prova de que ainda é possível inventar algo no hip-hop). Se precisar de mais diversões, de uma lista mais breve (“o melhor do resto”, como está no título do “NME”) ainda pincei Young Fathers (bem dançante), Dinosaur Pile-up (que tem a ousadia de lembrar Nirvana), La Roux (boa promessa pop), e os redentores do pop eletrônico dos anos 80: Delphic.
Só isso já nos dá assunto para o ano inteiro. Sem contar que, em meados de 2009, vamos inevitavelmente esbarrar em mais “sangue novo” – e seremos também inevitavelmente seduzidos por ele… Por isso mesmo, agora eu faço outra pergunta para você: com tanta música nova aparecendo, como ficam os artistas veteranos que você aprendeu a gostar no passado? Devemos rejeitá-los, com medo de “cristalizar” nosso gosto? Ou ouvi-los com a mesma atenção que as novidades? É possível escutar um artista que você conhece há mais de uma década como se fosse pela primeira vez?
Tive a oportunidade de testar essa última hipótese recentemente, quando entrevistei Alanis Morissette em Manaus. Não estava exatamente diante de uma estranha: já havia feito nada menos que cinco entrevistas com ela – mais até do que qualquer artista nacional que já cruzei! A explicação: por uma feliz coincidência, sua carreira deslanchou mais ou menos quando eu estava começando no “Fantástico”. Fiz a primeira entrevista em 1996. Depois dessa, vieram as outras – e sempre calhava de ser comigo. Até que na quarta vez em que nos encontramos ela me reconheceu, achou graça da coincidência e… bem, tudo ficou mais fácil. Não que a gente tivesse criado uma intimidade – isso raramente acontece no “show business” entre artista e jornalista (para ambos os lados, as entrevistas são encontro de trabalho). Mas na quinta – e sobretudo nessa sexta vez, semana passada em Manaus – a conversa inevitavelmente rolou mais solta.
Num fim de tarde à beira do rio Negro, Alanis estava bem feliz de estar no Brasil. Todo artista diz isso quando já está aqui – ou prestes a chegar por aqui -, como estratégia para agradar seus fãs (é um dos maiores clichês dessas entrevistas). Mas Alanis estava genuinamente contente de ter chegado por aqui – e animada com a perspectiva de passar três semana viajando e se apresentando pelo país. Em encontros anteriores, ela sempre foi doce, suave e agradável. Mas desta vez percebi que ela estava também relaxada. Seu último disco, lançado em meados do ano passado, foi bem recebido pela crítica e pelos fãs – e apesar de ter como tema uma separação (“Not as we” é uma das canções mais tristes e bonitas que ouvi recentemente), não faz a linha “baixo astral”. Ela estava num país que já visitou e que sempre quis conhecer melhor. Então, para que se preocupar?
Nesse clima totalmente descontraído falamos de música, de carreira, de amadurecimento, de espiritualidade, de fãs – até de separação. Mas o assunto que pegou mesmo, adivinha qual foi? Viagens! Fã da Índia – como eu -, Alanis contou que sempre quis conhecer outras culturas, e que depois que começou a viajar para lugares cada vez mais distantes (para nós aqui no “ocidente”, pelo menos), agora não quer mais parar. Consegui convencê-la a visitar o Laos imediatamente (por coincidência, o episódio dessa minha volta ao mundo que vai ao ar este domingo passa exatamente por lá, num patrimônio lindíssimo da humanidade chamado Luang Prabang) – e deixamos várias portas abertas para pensarmos em outros destinos. Numa sétima entrevista, talvez?
Mas o melhor do encontro mesmo foi eu ter me sentido tão excitado de estar perto dela novamente. Como já disse, para mim ela não era novidade. Mas o brilho da artista que Alanis é me faz sempre considerá-la como nova (será que algum dia vou achar isso também de Florence?). Nesse sentido – e pegando aquela ideia do cientista que contei acima -, nem ela na sua arte, nem eu no meu gosto, ficamos “cristalizados”. E posso garantir que o dia em que você chegar nesse estágio com alguém que admira, vai estar perto do nirvana (sem trocadinhos, por favor…).