Interatividade é isso?
Arrisco aqui um novo exemplo dessa forma de colaboração que foi uma das bandeiras da internet desde o início: a interatividade! Inspirado, claro, pelas fotos que você mandou – isto é… se você conseguiu mandar… – pensei em fazer essa galeria, digamos, surreal de imagens. Mas, para isso não virar um mero “flog”, resolvi acrescentar duas coisas a cada colaboração: uma música e um texto curto.
A idéia de acrescentar a música veio da minha meticulosa compilação das 1000 músicas que marcaram este blogueiro (e que você começa a acompanhar aqui, em várias partes, a partir de 15 de setembro): remexendo no meu respeitável acervo, achei que seria legal sugerir uma trilha sonora para acompanhar cada imagem. Ainda que as referências sejam, por vezes, obscuras, tenho certeza de que você será capaz de encontrá-las na internet – e poder assim desfrutar do prazer de unir som e imagem.
Já a idéia de acrescentar um texto surgiu por mais uma coincidência: o lançamento de um novo livro sobre fotografia, justamente quando eu escrevi sobre o assunto. Trata-se de “8 x fotografia”, uma coleção de artigos sobre essa arte, que saiu agora pela Companhia das Letras. A editora reuniu um time de autores fascinantes – alguns deles até inesperadamente conectados com o tema –, que me inspirou a fazer curiosas conexões.
As referências do livro são quase sempre em torno de fotos e fotógrafos consagrados (Cartier-Bresson, André Kertész, Sebastião Salgado), mas há também referências inusitadas, como a foto de família do jornalista Eugênio Bucci – que imediatamente me remeteu às imagens que estavam chegando aqui no blog (bem como às imagens que eu coleciono da tal loja francesa citada no post da semana passada).
Assim, pegando cá e lá, aqui vai um post realmente diferente, feito com a sua imagem, uma música cujo autor nem sonha que ela hoje acompanha uma foto, e um texto que obviamente não foi feito para se juntar a esse grupo, mas que, por associações inusitadas, acabou encaixando-se na proposta (só lembrando, essas frases desses autores foram “emprestadas” de artigos bem mais ricos e elaborados do que sua simples citação pode sugerir – artigos esses que, sugiro, especialmente a você que também gosta de fotografia, sejam lidos por inteiro).
Eu aqui ofereço apenas as peças soltas. Quem monta o quebra-cabeças é você…
Foto: Juliano Dallarmi
Música: “She’s so out of touch”, Slaughter
“Há entrecruzamentos sem fim. E as formas que as semelhanças assumem também são variadas: entre pessoas e coisas, entre imagens e pessoas, formas especulares, formas repetidas; a lista é, de novo, quase interminável. Importa mais, talvez, assinalar o jogo de estranheza e familiaridade que promovem.” (Alberto Tassinari, sobre Henri Cartier-Bresson, em “O instante radiante”, de “8 x fotografia”)
Foto: Érima
Música: “Deep deep down”, Christy
“Quando tudo na vida de uma pessoa livre é orientado por uma única causa final, isto é, quando tudo tende a um único ponto, então todas as demais coisas são encaradas como meros meios ou caminhos para esse ponto. À medida que, em vez de facilitar o avanço dela rumo a esse ponto final, as coisas têm uma espessura e opacidade próprias, à medida que exigem atenção para si mesmas, deixam de funcionar como caminhos e viram obstáculos para a chegada. (Antônio Cícero, sobre David Hockney, em “Sobre Pearlblossom Hwy.”, de “8 x fotografia”)
Foto: Daniel Ferraz Monte Liguori
Música: “You spin me round (like a record)”, Dead or Alive
“Posso dizer o que vejo, mas certamente o que vejo não é tudo o que sei e que essas fotos expressam. Fato que, aliás, é bem típico delas – quanto mais sabemos sobre o contexto em que foram captadas, mais elas podem expressar. Não que elas nada digam a um espectador que tudo desconhece sobre a cultura e a sociedade Bororo. Imagino que possam dizer muitas coisas e certamente evocam outras tantas, dependendo da experiência prévia de cada um que estas imagens possam resgatar da memória.” (Sylvia Caiuby Novaes, sobre fotos de sua autoria, em “Imagem e memória”, de “8 x fotografia”)
Foto: Rafael e Sheila
Música: “Gamma ray”, Beck
“Tenho a convicção de que a discussão sobre as influências entre a fotografia e o impressionismo – que de fato existem – perde muito de sua relevância se a situarmos num outro plano. Em outras palavras: a meu ver foi a emancipação do olhar criada pelo impressionismo que tornou possível uma quase universalização da atitude estética diante do mundo, e isso constitui um dos traços fundamentais da expansão da fotografia, com todos os equívocos e problemas que ela pôde acarretar.” (Rodrigo Naves, sobre André Kertész, em “O silêncio do mundo”, de “8 x fotografia”)
Foto: Jaqueline Sena
Música: “Come together”, Primal Scream
“Nesse percurso rico e variado, gostaria de fazer um recorte em meados do século XX, quando uma geração de fotógrafos ligados à imprensa surpreendeu a todos ao estabelecer novos paradigmas para a fotografia, ao deixar de se posicionar diante dos acontecimentos como simples espectadores dos fatos, como era comum então, para se tornar protagonistas da trama, invadindo o centro da cena e construindo imagens carregadas de subjetividade.” (Cristiano Mascaro, sobre Robert Frank, em “Bar, New York City, 1955-6”, de “8 x fotografia”)
Foto: Marcela Loureiro da Motta
Música: “Relax (take it easy)”, Mika
“A fotografia, ainda que presa à realidade, quer também mostrar que essa mesma realidade, que a fotografia, ou uma representação qualquer, não esgota a realidade.” (Marcelo Coelho, sobre Walker Evans, em “Isto é um cachimbo”, de “8 x fotografia”)
Foto: Micheline Petersen
Música: “Galaxy of the lost”, Lightspeed Champion
“Em quase todas as fotos, de quase todos os álbuns de quase todas as famílias, os fotografados encaram a câmera. Esse olhar tenta invadir o futuro, é um sintoma da expansão do presente de que tanto falei aqui, e também esconde uma súplica emudecida, dirigida aos que virão depois: ‘Não me esqueçam quando eu já não estiver aqui’. Fotos de álbuns de família são inventários das faces dos mortos tentando adivinhar o próprio reflexo nos olhos de seus descendentes.” (Eugênio Bucci, sobre a foto de Angelo Bucci, em “Meu pai, meus irmãos e o tempo”, de “8 x fotografia”)
Foto: Owen Phillips
Música: “Heimdalsgate like a Promethean curse”, Of Montreal
“Para isso, o fotógrafo se prepara, se posiciona, arma a tocaia da imagem e espera. Ele sabe o que pode acontecer, mas não sabe exatamente o que vai fotografar porque isso não é importante. O que é importante é o que ele imagina para construir sua fotografia. O casual é, portanto, componente necessário da tese do momento decisivo, mas não é em si mesmo o momento decisivo da fotografia.” (José de Souza Martins, sobre Sebastião Salgado, em “A epifania dos pobres da terra”, de “8 x fotografia”)
Foto: da minha própria lavra (por sugestão da Aline Caju, coloquei uma foto tirada por mim mesmo na selação!)
Música: “Night of the living dead”, Tilly & the Wall
Texto: “As fotografias voam por aí não mais como registros factuais, mas como migalhas de lembranças (agora, lembranças sem raízes), figuras sem paternidade, que só se articulam em narrativas por força de um olhar afetivo. Ou são vestígios sentimentais, ou não são nada.” (Eugênio Bucci, sobre Angelo Bucci, em “Meu pai, meus irmãos e o tempo”, de “8 x fotografia”)