Fã de “Malhação”? Então eu tenho um filme para te indicar…
E não é o último do Ashton Kutcher, “Jogo de amor em Las Vegas”. Tampouco vou recomendar “Hanna Montana & Miley Cyrus: o melhor dos dois mundos”, só porque a novela para o público jovem está na fase musical de toda sua existência – não recomendo, veja bem, por preconceito, mas simplesmente porque eu ainda não assisti. O filme que eu quero comentar aqui hoje tem tudo que o público de “Malhação” gosta: namoros, ciúmes, paqueras, cantadas (das boas e das baratas), sedução, traição, dúvidas emocionais, inseguranças com a aparência, incertezas do coração – e até mesmo (para falar de alguns assuntos mais pesados que, de vez em quando, freqüentam a trama da novela), sexo, masturbação, baixa auto-estima, depressão, rejeição, “pé na bunda”, manipulação e conflito de gerações. Quer ver esse filme? Então torça para “Chega de saudade” estar em cartaz na sua cidade!
Isso mesmo: “Chega de saudade”, o belíssimo trabalho de Laís Bodanzky – que já estreou há algumas semanas, mas que eu só assisti (tardiamente) na última sexta-feira. É sensacional – e, digo isso com o mesmo entusiasmo com que eu constatei, à certa altura, que os conflitos e paixões daqueles nobres personagens que deslizavam pelo salão da União Fraterna (uma casa de bailes que existe mesmo, ali na Água Branca, em São Paulo), não eram muitos diferentes daqueles vividos pelos protagonistas de “Malhação”. A não ser pelo fato de os dois grupos estarem separados por duas (e às vezes três) gerações… mas isso é um detalhe…
Feito o paralelo, vamos mergulhar no filme – porque o seriado, eu tenho certeza que você conhece bem (se não como público cativo, pelo menos como referência televisiva). O problema é… por onde começar a falar de “Chega de saudade”? Pelo elenco? Pelas músicas? Pelo lugar? Pelas histórias? Tudo é tão bem encaixado, tão bem pensado, tão bem escrito – coisas que uma boa diretora como Laís (lembra de “Bicho de sete cabeças”?) – que não é simples fechar o foco num só aspecto do trabalho…
Vamos começar então pelo elenco – a “moçada” que chega naquele salão para dançar. Mais fácil falar primeiro dos dois jovens “de fato”, Paulo Vilhena e Maria Flor, já que eles são a minoria – minoria, diga-se, na faixa etária, mas não no talento. Quem descartava Vilhena sob o rótulo fácil de “ator bonitinho de novela” não pode mais usar essa desculpa para criticá-lo depois desse filme. O cara é bom, e tenho que me segurar aqui para não premiá-lo com um outro rótulo fácil (ainda que mais elogioso): o de “melhor ator da sua geração”. E Maria Flor é o elo perfeito (o talvez o mais convincente e encantador) entre a geração “Malhação” e as outras faixas etárias que circulam pela pista de dança. E para falar delas…
Que gente mais nobre – mesmo na sua aparente decadência! Quantas atrizes são capazes de passar pela humilhação que a personagem de Betty Faria vive no filme – ou melhor, quantas atrizes, hoje tão jovens e viçosas, serão capazes de, daqui a algumas décadas, abraçar num papel como esse? Ao seu lado, “encalhada” na mesa, Miriam Mehler, numa rara e preciosa aparição. Clarice Abujamra é a “madame depravada” que vai ali alimentar suas fantasias naquele baile. Stepan Nercesssian inconseqüentemente usa Maria Flor para torturar Cassia Kiss. A fantástica (e, para mim, até então desconhecida) Conceição Senna é o retrato da mulher madura – e safada, e segura. As melhores risadas que dei no filme foram com ela. E seria impossível fazer justiça aqui a todo o elenco de apoio que, ainda que em papéis menores, conduzem a história com o mesmo brilho dos nomes mais conhecidos? Aliás, por falar neles, o que é a relação reprimida entre Tônia Carreiro e Leonardo Vilar – e seu desfecho emocionante, numa cena descrita por um amigo meu como “a saída de cena mais bonita de toda a história do cinema brasileiro”?
Esse elenco incrível é reunido num roteiro feito de fragmentos narrativos, unidos por uma costura frouxa, mas que, ao contrário de jogar contra o filme, é seu maior trunfo: é o espectador que vai dando o arremate final, escolhendo a história de quem quer acompanhar. E foi ao perceber isso, que me lembrei de “Malhação”! Uma das críticas mais comuns que ouço com relação à novela – obviamente, feita por pessoas que estão bem fora da faixa etária para quem o programa é direcionado – tem a ver com a “banalidade” dos conflitos vividos por seus personagens. Ora ora… Não é que aqueles cinqüentões, sessentões, setentões e até oitentões estavam ali passando por “tormentos” parecidos com o de gerações bem mais jovens, criando climas entre as pessoas não tão diferentes do que as artimanhas elaboradas por qualquer adolescente?
Ah, a maturidade… Não foi Woody Allen que disse uma vez à revista “Vanity Fair” que, às vésperas de completar 70 anos, ele não tinha aprendido nada, e que repetiria os mesmos erros de antes, da juventude? Ter mais sabedoria na “idade de ouro”? Tudo bobagem, afirmou o diretor. Pois o filme de Laís só comprova que, quando se trata do coração, estamos condenados a ser eternamente adolescentes. Eu escrevi “coração”? Bem… pode substituir por “sexo”…
Sim, porque “Chega de saudade” é também sensual. Não no sentido que você está pensando: se o seu universo erótico está congelado entre os 18 e os 24 anos, eu só lamento… Dançando ali naquele salão, aquela turma “de idade avançada”, esbanja tesão – e se agarram, e se beijam, e passam a mão, e se roçam, e se galanteiam. E, mais de uma vez, você tem a confortável sensação de que nem tudo vai estar perdido lá na frente, quando cruzar a marca dos cinqüenta anos…
Mas o baile corre solto não apenas por conta dessa libido toda. A música ali é fundamental: uma seleção digna de uma bela festa! Entre apresentações ao vivo (viva Elza Soares!) e a seleção do DJ (Paulo Vilhena), a mistura é não só de estilos como também de décadas – quando não das duas coisas ao mesmo tempo. Que maravilha ouvir “Como uma onda”, de Lulu Santos, logo depois de “Carinhoso”, de Pixinguinha! Entre “hits” manjados e músicas que eu ouvi pela primeira vez (apesar de elas obviamente já terem sido compostas há anos), o melhor momento musical para mim veio no final, quando os créditos vêm acompanhados de uma versão “jovem guarda” de “Chega de saudade”. Seria um encerramento quase perfeito, se “Mon amour meu bem ma femme” (clássico de Odair José) não chegasse para se impregnar na sua memória, segundos antes de você deixar a sala de cinema.
Sou presa fácil para uma boa seleção musical, você me conhece. Mas o filme de Laís Bodansky me fisgou duplamente: pela trilha e pelo cenário. Em nome da transparência, admito que tenho uma ligação especial com o União Fraterna – um lugar onde já me apresentei dançando várias vezes (e se o fato de eu ter dançado chega como uma novidade e/ou ainda é capaz de chocar sua fina sensibilidade, dê uma olhadinha neste post. A atmosfera de um ambiente suspenso no tempo foi perfeitamente capturada em “Chega de saudade” e o prazer de dançar naquele espaço tão acolhedor – posso garantir – está estampado em cada cena.
No final, toda a experiência do filme, ao contrário (talvez) do último filme de Ashton Kutcher, fica com você por um bom tempo – um feito nada desprezível em tempos onde a oferta de filmes em cartaz é bem pouco memorável. Como já mencionei antes, tenho a consciência de que estou chegando atrasado no assunto – pode ser até que o filme, apesar de seu sucesso relativo de bilheteria, ele já esteja saindo do circuito principal de exibição esta semana (o que seria uma pena, pois muita gente ainda poderia se inspirar com ele no feriadão…). Mas, assim como teve gente que (como eu) correu atrás de “Jogos de cena”, quem sabe você não aceita essa contradança? Se não… tem sempre “Malhação”…
(Por falar em feriadão, sabe como é… primeiro de maio… vamos descansar? Vou aproveitar a “folga” para investir em Zuenir Ventura: revisitar “1968 – O ano que não terminou” e descobrir “1968 – O que fizemos de nós”, ambos recém-lançados. Adivinha sobre o que vou escrever na segunda que vem…)