A Curva da hora (e outras linhas que definem a nossa vida)
Primeiro, a linha que você já conhece, já espera, admira, picha – e até, eventualmente, palpita: nossa “Curva das expectativas flutuantes”! O ano, mesmo com o Carnaval adiantado, demorou para começar, mas agora, não temos mais do que reclamar… Já estamos sendo bombardeados com inúmeras tentações culturais – e a maneira como reagimos a elas, claro, é o que define essa nossa Curva.
Veja na música pop, por exemplo. Santogold é definitivamente o nome para se apostar (por isso, seu álbum de estréia, também com o nome de “Santogold” e ainda inédito no Brasil, está com um bom bochicho), enquanto Erykah Badu vem consagrada com seu novo trabalho, excentricamente batizado de “New amerykan”. Já Madonna… Como de hábito, mesmo antes do lançamento oficial de seu novo CD, ela está por todo lugar – e, conhecendo seu ciclo normal, de um disco bom seguido de um “meia bomba”, depois do excelente “Confessions on a Dancefloor”, os fãs já esperam pelo pior. Por enquanto, então, “Hard candy” emplaca no “ponto de saturação” (ainda que, minha torcida pessoal seja para que ela quebre essa maldição – aliás, pelo que eu ouvi de “4 minutes”, é isso mesmo que vai acontecer).
No cinema, as expectativas já são altíssimas para o novo filme de Fernando Meirelles, “Ensaio sobre a cegueira” – o que, mesmo sem ninguém ter visto nada, já o coloca na categoria “pré-bochicho”! “Chega de saudade”, de Laís Bodansky é uma unanimidade – mesmo sem ainda tê-lo assistido, já sei que ninguém sai do cinema sem se emocionar. E nas grandes produções “hollywoodianas”, ainda teremos de esperar uns dois meses para revisitar Indiana Jones – quase vinte anos depois de ele ter se “despedido” na sua última cruzada… Mesmo assim, a “blitz de mídia” está um pouco demais, e coloca o filme na “superexposição”.
Um ótimo assunto que ninguém agüenta mais é a comemoração dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil. Explica-se: primeiro, aquela avalanche de livros (quantos sobre o mesmo assunto você consegue ler?); depois todas as reportagens e especiais. O que falta agora? Um musical? Um videogame? “Ressaca” para o tema! E, recuperando-se dela, bem na sua última semana de exibição, a minissérie “Queridos amigos”. Ainda acho que ela tem coisas ótimas e coisas lamentáveis (como já comentei aqui, mas, no balanço final, acho que a vitória é da ousadia do tema e da linguagem (para não falar das excelentes atuações) – e, sendo assim, sobreviverá à própria ressaca!
Com essa Curva resolvida, cuidemos então das outras linhas às quais eu me referi no título lá em cima. Importantes – ainda que totalmente arbitrárias, já que foram desenhadas pelo homem para recortar nosso planeta –, elas definem um subuniverso do qual nem sempre nos damos conta. Aliás, poucos são os que se lembram de que nós mesmos vivemos exatamente no espaço definido por elas – e menos pessoas ainda param para pensar em como existir dentro desse espaço afeta a nossa vida. Estou falando dos Trópicos, o tema de uma das exposições mais interessantes que vi recentemente – em cartaz no CCBB, do Rio de Janeiro, até dia 04 de maio.
O nome oficial da mostra é “Os trópicos – visões a partir do centro do globo”, e ela é composta por mais de duzentas obras entre preciosidades do museu etnológico de Berlim, na Alemanha, e outros trabalhos de artistas contemporâneos – inclusive brasileiros. Já tinha lido algumas reportagens sobre ela, mas me interessei mais ainda quando recebi o caprichadíssimo catálogo da exposição. Fiquei tão entusiasmado que acordei cedo no domingo passado para estar na porta do centro cultural bem na hora que ele abrisse – para que eu pudesse ver tudo com calma… E ainda enfrentar um dia inteiro de trabalho. O esforço – só para registro – foi mais que recompensado!
O principal motivo de eu ter gostado tanto de “Os trópicos” é que ela cumpre exatamente a função que eu acho que uma exposição deve propor hoje em dia: uma reflexão aberta, um conjunto de referências soltas (mas não desencontradas!), que convida o visitante a fazer associações inesperadas – enfim, uma viagem de idéias. Ah! – faltou falar que “Os trópicos” reúne peças lindíssimas, algumas de culturas que raramente visitam o Brasil. Por tudo isso, eu só lamento que a mostra não vá passar por mais cidades do Brasil.
Mas se vocês estiver no Rio, não deixe de visitar – é emocionante (e se você não estiver, use a própria internet para descobrir mais sobre a exposição). Para mim, a experiência foi especialmente reveladora, pois o que via ali, diante de mim, era a ilustração de algumas coisas que eu acredito – que até já defendi aqui várias vezes – e que acho que ajudam a definir quem somos nesse mundo. “Os trópicos” pega o surrado conceito de que “geografia é destino” e joga na cara do visitante a pergunta: “Já parou para pensar que se você tivesse nascido aqui mesmo nos trópicos, mas num meridiano diferente, sua referência cultural seria totalmente outra?”. Ah… o arrepio de pensar nessas possibilidades…
Nós em geral somos muito mal informados (ou seria melhor dizer “mal educados”) com relação à arte étnica – tão bem representada nessa mostra com as peças do museu alemão. Nossa primeira reação é sempre classificar uma escultura africana, um totem da polinésia, um tecido artesanal ou um objeto ritual, na categoria “coisas exóticas” – e deixar por isso mesmo. Olhamos, pensamos: “que esquisito” – e pronto! O grande mérito de “Os trópicos” é justamente inverter esse jogo e deixar claro o seguinte: “isso aqui tem a ver com você!”.
Aquelas bizarras facas da República Democrática do Congo, com suas formas sinuosas? Têm a ver com você. A elegante cabeça de Buda, da Tailândia? Também. A estranhíssima máscara de um espírito da floresta, da Melanésia, Nova Guiné? Tem também, claro. Os bordados coloridos do Panamá? Idem. Assim como a arte plumária Mundurucu (daqui mesmo, do Brasil), o alaúde de Chieng Mai (Tailândia), a figura ancestral de Camarões, a estatueta Uli (Papua Nova Guiné) o prendedor de cabelo da Guatemala – e tantas outras coisas em exibição?
E se você ainda tiver dificuldade de fazer a ponte entre essas culturas e a sua, o time de artistas contemporâneos convocados para “Os trópicos” dá o toque final. As fotos são de peso (tem do alemão Thomas Struth ao brasileiro Caio Reisewitz) e os vídeos, um achado ainda maior. É fácil ser hipnotizado pelo close de um par de seios femininos sacudindo ao som de um ritmo latino numa justa camiseta vermelha como em “Furor”, da espanhola Pilar Albarracín. Mas mais divertido ainda é perceber-se olhando por longos minutos para o curioso jogo entre máscara e expressão facial proposto pelo carioca Marcos Chaves. Ou mergulhar no transe alucinado captado pelo peruano David Zink Yi, em “Abakuã”. Ou inexplicavelmente quase chegar às lágrimas com as imagens sobrepostas de “Em águas calmas, crocodilos aguardam a presa”, na vídeo-instalação do alemão Marcel Odembach.
Tudo isso – e muito mais – é apresentado de uma maneira não-linear, justamente para deixar as conexões por conta do visitante. E o resultado é uma experiência única, da qual eu saí especialmente comovido por tê-la vivido justamente aqui, no meu país.
“Os trópicos” me tocariam em qualquer lugar do mundo, mas o fato de a exposição estar aqui tão próxima da gente, nos faz sentir ao mesmo tempo mais brasileiros, mais tropicais, e mais ainda cidadãos do mundo. Ah, se aquela menina que de vez em quando deixa seu comentário aqui e que adora bater um tamborzinho da cultura nacional pudesse dar uma passada por lá…
(Em tempo: muito obrigado pelas respostas à ajuda que pedi no post anterior. Em breve, aqui, vamos entrar a fundo em Suely & Os Kantikus – e aí você vai entender tudo melhor…)
4 maio, 2008 as 11:37 am
Meu Deus!
2 maio, 2008 as 3:01 pm
Olá, Zeca.
Bem, eu descobri seu blog hoje, e venho comentar do post de 6 de setembro de 2007. Eu sei que é velho, mas eu não pude deixar de comentar aqui, pois se eu comentasse no post em questão, você nunca iria ler.
O post diz sobre o ‘Deus, um Delirio’ do Richard Dawkins.
No momento em que vi que você tinha comentado sobre esse livro, eu fiquei estusiasmado, pois é dificil ver na midia, alguém que comenta favoravelmente ao ‘Deus, um Delirio’.
Eu o li, e adorei. Tudo o que eu pensava, está naquele livro, e todas as minhas dúvidas foram respondidas.
Fico muito feliz vendo que você teve essa ‘coragem’ de comentar a favor do livro, porque hoje em dia, ainda é muito dificil não acreditar em deus sem ser olhado com maus olhos, e fico muito feliz quando eu vejo uma pessoa ‘da midia’ falando tudo o que você disse.
Agora entrarei freqüentemente nesse blog.
Abraço,
Andrei.
26 abril, 2008 as 12:37 pm
Oi, assisti ontem vc no Happy Hours e resolvi dar uma olhada no seu blog. Adorei! Eu também vi a exposição “Trópicos” fiquei encantada. Engraçado que temos a mesma foto, eu tirei depois de muito tempo que fiquei deitada naquele puft gigante e viajando naquela árvore flutuante. A exposição toda estava linda. A criatividade é tudo no ser humano.
Ah! Aproveitei e fui na casa França-Brasil e vi a exposição “Debret”, sai do mundo da imaginação e criatividade e entrei num passado real, que também foi muito interessante.
Beijos
8 abril, 2008 as 11:33 am
Oi, Zeca
Tudo o que é diferente é classificado como exótico, desconhecido ou, no pior das hipóteses, como não muito interessante.
Isso em todos os sentidos e não apenas no campo das artes. No de viagens, por exemplo:se se faz um roteiro desconhecido é loucura. Se nos dedicamos a algo que pouca gente conhece e tentamos difundir, as pessoas olham com descaso.
Conclusão: devemos mesmo é viver e ser feliz. Independente do pon to de vista alheio(não que eu não me preocupe com o próximo mas se eu olhar o mundo com os olhos IGUAIS A TODOS, NÃO SEREI ÚNICA) devemos ir em frente e batalhar por sonhos que acreditamos.
Dias felizes
31 março, 2008 as 8:44 am
Zeca, faço jornalismo e estou enviando esse comentário pela 2° vez.
Gostariamos que você fizesse uma palestra na nossa Universidade no mês de maio, e queremos saber quais as suas condições.
Por favor, aguardamos retorno pelo e-mail [email protected]
Grata desde já.
31 março, 2008 as 12:02 am
Olá Zeca, vc tem e-mail?
Esse é meu blog… abração…
https://cronicasdanielleonardo.blogspot.com/
27 março, 2008 as 10:13 pm
Pois é… Santogold é uma delicinha de escutar mesmo.
Les artistes dá muita vontade de sair andando pela chuva.
A exposição, bem, Vitória é uma capital esquecida no tempo das províncias, não chegaria aqui em 100 anos. Mas se o intento era despertar a vontade, be happy, procurarei sobre na internet.
E aguardo o “Ensaio sobre a cegueira” ansiosamente.
E se você tem tempo de ler toooodos os comentários.
Adorei ter me deparado com esse espaço, gratíssima surpresa!
Até!
27 março, 2008 as 9:51 pm
Caro Zeca
Esse dois meses até a estréia das novas aventuras do INDIANA JONES, será uma eternidade, sou fã nº 1 do Harrison Ford, serei o primeiro da fila na estreia no cinema.
infelizmente ainda precisamos de herois para fantasiar a nossa realidade.
Um abraço.
27 março, 2008 as 2:24 pm
Nossa, eh a primeira vez que leio sua coluna, e AMEI!!
Bom, nao posso ir er a exposicao pk moro em Mocambique, mx adoraria, vou ver o que consigo captar pela net…
Beijao, e continue com o seu trabalho eh nota 10
27 março, 2008 as 8:44 am
Oi Zeca!!!!
“Trópicos” no CCBB ainda não fui conferir…
Mas, achei muito legal o que encontrei na internet!
Os temas parecem que se misturam dentro da própria mostra e, essa mistura, tão somente, já me interessaria e valeria a minha visita.
Bem, mas sei que tem mais, muito mais… São tantas as realidades tropicais, de tempos remotos e atuais, entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, que o que vi “online”, uma mistura de arte antiga e contemporânea, funcionou como um aperitivo, um pré-show!
Gostei especialmente de um globo, que parecia gigante na foto!!!!!!!!!!
Quanto a sempre ótima “Curva”… Eu aposto no novo CD da
Madonna!!!
Sobre “4 Minutes”, li aqui na internet que “(…) o título é uma justaposição de idéias e doçura… do tipo: eu vou te dar um chute na bunda, mas isso fará você sentir-se bem. E, é claro, eu adoro doces.” Então, é só esperar pra conferir.
Valeu e até… JÁ!!!!!
Beijão.
26 março, 2008 as 5:52 pm
Leio tardiamente a coluna, por causa das inúmeras confusões no trânsito de São Paulo… Mas isso é outra história.
Fiquei assanhada para ver os Trópicos… é o tipo de coisa que aguça e melhora a nossa visão sobre nós mesmos.
Se a expo não vier a Sampa, vou dar um jeito de ir ao Rio.
Parabéns, mais uma vez, pelo efeito intigrante que você provoca.
Boa Semana
26 março, 2008 as 5:12 pm
Ei zeca,
acho no mínimo estranho que nós classifiquemos essas outras culturas como exóticas, sendo que nós mesmos somos considerados os exóticos em outros lugares do mundo. Ainda mais se usamos essa classificação com uma conotação pejorativa, como se falássemos de uma cultura inferior. Minha sensação, depois de passar por museus e exposições de diferentes lugares do mundo, é do quanto somos parecidos na verdade, guardadas as proporções de nossas singularidades.
Grande beijo!
26 março, 2008 as 4:33 pm
Cara, eu acho que esse Hard Candy da Madonna vai ser muito bom, pelo menos pra mim, que adoro Madonna, Justin e Timbaland, imagina os três juntos num CD só? Perfeito…
26 março, 2008 as 1:41 pm
Muito bom todos os comentários. Ultimamente estou lendo sempre o blog do Zeca, e tenho o maior prazer de dizer, que aprendo muito com tudo que é colocado, digamos que seria quase uma revista de pensamentos e reflexões de um sabio.
Parabéns Zeca pelo blog, que além de dinâmico, repassa aos internautas muita cultura e experiência.
E quem quiser saber um pouco mais da exposição “Os Trópicos” visite: https://www.vitruvius.com.br/noticia/noticia_detalhe.asp?id=1246
https://www.designgrafico.art.br/site/2008/03/13/exposicao-os-tropicos-visoes-a-partir-do-centro-do-globo/
Não conferi pessoalmente pois sou de Jlle/SC, mais segui a dica e procurei em alguns sites.
Abraços
26 março, 2008 as 10:34 am
Procurava uma coisa e achei outra bem interessante. Adorei conhecer esse blog. Bjs no coração. Rosi Cheque, São Paulo – capital.
26 março, 2008 as 9:22 am
com seu post hoje me senti fora do ar, moro em Chapecó-SC, aqui exposições são raras, mas ainda há algumas (guerreiras) pessoas que eventualmente organizam, a medida em que li seu texto senti uma vontade imensa de poder prestigiar “Os tropicos”, ainda que existe internet, pois isso naõ será possivel.
abraços Zeca
25 março, 2008 as 10:57 pm
OLÁ
Detesto fazer isso, mas..
Zeca 1 x 0 eu
Acabei de chegar da CCBB, a exposição é mesmo fascinante, os tecidos da Guatemala me deixaram deslumbrada, a germinãção no escritório, a exuberância da vegetação, os cristais de adubo crescendo devagar no local de trabalho e entre os computadores mostrou muito bem a fragilidade das fronteiras, mas mesmo com tudo isso continuo adorando bater meu tamborzinho para a cultura nacional.
Só para registrar:
No inicio deste mês fui na pinacoteca ( sabe onde é? ) ver a exposição Tarcila Viajante da Tarcila do Amaral ( sabe quem é?), saí de lá emocionada por ter visto tanta sensibilidade em um ser 100% nacional.
PS: quando mandar recado pra mim via blog, não use o termo “aquela menina” é pejorativo, escreva meu nome ELLEM.
25 março, 2008 as 10:05 pm
Desde ontem que tento mandar meu comentário, mas não sei por quê não está sendo enviado…vamos lá:
Zeca,
enfim uma curva de expectativas…Já estava com saudade!
Estou louca para ver “Chega de saudade”… Um filme inteiro passado num baile… Que delícia deve ser!
Acho que já deixei claro em alguns comentários que Madonna, para mim, está sempre no ponto de saturação, mas enfim…
Indiana Jones, 200 anos da família real e “Queridos Amigos”, a meu ver, já nem fariam mais parte da curva…
Em compensação, a exposição “Os Trópicos” vem me deixando cada vez mais curiosa…Devo dar um pulo no Rio mês que vem e, com certeza, vou conferir!
Beijo!
25 março, 2008 as 5:43 pm
Eeeei! Como assim a Madonna tem um disco bom seguido de um “meia-bomba”? Lembrando que Music veio em seqüência do Ray Of Light, que, na minha humilde opinião, são bons. Só teve o American Life (antes do Confessions) que foi mais fraquinho, mas relevemos…
Erykah Badu realmente é ótima e o album novo dela também.
E obrigado pela indicação da Santogold. Não conhecia mas no myspace tem umas músicas(bem boas, por sinal) dela. Takk.
*Aguardando ansiosamente Blindness.
*Quanto à exposição, eu que moro no cu do mundo, nunca que vou poder ir.
25 março, 2008 as 11:06 am
Já combinei com uma amiga de irmos ao CCBB hj, depois do trabalho – q é aqui do ladinho -, conferir a exposição mas, pelo q vc falou, precisarei de tempo e calma para refletir e apreciar “Os trópicos”. Logo, acho q tentarei resistir a essa tentação – transferindo-a para quem sabe sábado – e me redenrei a outra, no lugar de ver “Os trópicos” acho vou tomar um chocolate naquela casa de chá lindinha q tem lá. Quem sabe não tem alguém tocando piano como da última vez?