Os 12 melhores discos que você não ouviu no ano de 2007

seg, 10/12/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Talvez eu devesse – como dão a entender alguns fãs do Police que escreveram para este blog – ter escolhido uma banda dos anos 80 como o melhor som que jamais tivesse sido feito na Terra e parado de me interessar por coisas novas. Ou, como outros comentários insinuam, eu deveria ter escolhido apenas uma artista (Kim Carnes, talvez?) para me dedicar a acompanhar sua carreira, e só sua carreira, sem me perguntar se o som dela envelheceu… Mas eu sou teimoso: eu gosto de coisas novas – e não apenas porque elas são novas, mas por elas constantemente me proporcionarem o prazer de compará-las com as antigas (os “clássicos”!) e me encantar com a infinita capacidade humana de criar algo novo, diferente e excitante.

É nesse espírito da mais pura teimosia que ofereço aqui um breve guia de alguns discos que “descobri” este ano e que, no tsunami de sons que cruzam nosso cotidiano todos os dias, posso garantir com certeza quase absoluta que você não ouviu. Eu mesmo esbarrei em muitos deles por acaso – por exemplo, quais as chances de eu ter conhecido Fusako Amachi se eu não tivesse ido ao Japão? Por isso, o que quero assinalar aqui não é a exclusividade da descoberta (“eu já ouvi e você não!” – coisa mais antiga…). Mas, sim, dividir com você a incrível sorte que tive de conhecer esses artistas.

Os atenciosos aos detalhes vão perceber que, tecnicamente, nem todos os títulos são de 2007. Alguns são do fim do ano passado – e outros são ainda relançamentos. Mas acho que você entendeu o espírito. Numa última observação, a ordem que eu escolhi aqui não é a de preferência. Como você talvez perceba (se por acaso se animar a procurar esses artistas aqui mesmo na internet), entre um jingle de uma companhia de mudanças cantado em japonês (Amachi) e uma brilhante atualização de uma banda de metais dos Bálcãs (Beirut), é impossível dizer o que é melhor… A eles!

fusako-amachi.jpgFusako Amachi – Como meu japonês ainda está num nível pré-cambriano, não consigo nem saber o nome do álbum olhando apenas para a capa. Mas uma pesquisa aqui na internet com o nome dessa que era a rainha dos jingles para televisão no Japão entre os anos 60 e 70 aponta que o que está escrito na capa significa “O paraíso comercial de Fuko” – seja lá o que isso quer dizer. A compilação foi lançada este ano e eu a encontrei numa seção da Tower Records de Tóquio identificada com uma plaquinha onde se lia “weird stuff” (coisas esquisitas). Quando toquei o disco no carro da produção que trabalhava comigo lá, Tamai, minha produtora (japonesa) imediatamente começou a rir e perguntou onde eu tinha achado aquilo… Ali estão alguns dos arranjos mais brilhantes e inventivos que eu já ouvi – um mix de estilos e maluquices que não é igual a nada que eu já ouvi nesse 44 anos de pop (!). Pedi que Tamai decifrasse para mim o que cada jingle vendia: de serviços de mudanças a balas de café (passando por sabonetes e sakê), Amachi imprime seu estilo único em cada faixa. Um deleite sem fim.

federico-aubele2.jpgFederico Aubele, “Panamericana” – esse argentino fez o disco mais bem-produzido do ano. A cada faixa você tem a sensação de que está ouvindo um artista diferente (e praticamente está mesmo, já que nesse trabalho ele convidou várias vocalistas para participar das diversas faixas), e sempre genial. Reinventando o dub, misturando todos os estilos, Aubele está anos à frente de qualquer compilaçãozinha “lounge” que você for ouvir pela próxima década. “Panamericana” é dos raros discos que conseguem a façanha de te dar a sensação de que você sempre o está ouvindo pela primeira vez – mesmo que seja a centésima.

vashti-bunyan.jpgVashti Bunyan, “Some things just stick in your mind” – uma fita perdida há mais de 40 anos, com 12 músicas gravadas de um fôlego só (com a cantora ainda anunciando o nome de cada faixa antes de começar a tocar), acompanhadas apenas por um violão. E isso é só o disco dois desse relançamento sensacional. Bunyan foi descoberta, em 1965, por Andrew Oldham (experimente dar um google no nome dele junto com o dos Rolling Stones – só para você ter idéia da importância do cara), mas… não aconteceu. Seu primeiro single (que abre o disco um e dá nome ao CD) é uma faixa da própria dupla Jagger/Richards – e é estupenda! Mas numa Londres inundada por talentos femininos como Sandy Shaw, Dusty Springfield e Marianne Faithfull, digamos que o timing de Vashti não foi dos melhores. Ela mesma desencanou da carreira alguns anos depois – felizmente não para sempre: quando descobriu que seu irmão não havia jogado fora sua fita demo de 1964 resolveu reeditar tudo. E o paraíso novamente desceu à Terra.

dungen.jpgDungen, “Tio bitar” – já era fãs desses suecos desde “Dungen 2”, de 2002. Acontece que eles ficam mais estranhos a cada novo disco, como não deixar de apreciá-los? “Tio bitar” (“Dez peças”, em português) é o último manifesto desses neo-psicodélicos (e olha que para eu selecionar alguma coisa que possa ser encaixada nessa categoria numa lista “seleta” como essa, é porque eles são realmente bons…) e, como nos trabalhos anteriores, a cada faixa você tem a sensação de que está no topo de uma montanha-russa, sem saber aonde aquele carrinho vai te levar. Os rumos de cada música do Dungen são imprevisíveis – bem como as recompensam em acompanhá-los em suas viagens (drogas opcionais).

of-montreal.jpgOf Montreal, “Hissing fauna, are you the destroyer?” – falando em drogas… fazia tempo que eu não ouvia um hino a favor delas tão enlouquecido como “Heimdalsgate like a promethean curse”. Cheguei a citar essa música uma vez aqui no blog, logo no começo do ano, mas acho que não o fiz com o devido entusiasmo. Deixe-me retomar: essa banda de Athens (cidade do estado americano da Georgia, que certamente tem alguma coisa de especial na água que a população bebe, já que de lá saíram bandas tão interessantes como R.E.M., The B-52’s, Indigo Girls, e Danger Mouse, entre outros) é das mais inventivas deste nosso século tão monocórdio (especialmente no que se refere à música aletrnativa).

orquestra.jpgOrquestra Imperial, “Carnaval só ano que vem” – você soube que esse disco foi lançado; você viu as fotos dos shows nas revistas de celebridade; você viu mini-entrevistas em TVs a cabo; você ouviu um monte de gente dizer que eles são legais; com um pouco de sorte, você até leu uma crítica (e foram muitas) elogiosa; mas você realmente ouviu “Carnaval só ano que vem”? Esse disco é mais uma vítima de um fenômeno tão contemporâneo, onde a máquina de vender alguma coisa (assessores de imprensa e afins) encontra uma infinidade de mídias ansiosas (e ociosas) por “entrevistas exclusivas” com figuras ainda que levemente carimbadas – e essa avalanche de pseudo-informação “glamurosa” acaba ofuscando o que a originou: o próprio trabalho do artista. Esse disco é um dos meus favoritos de 2007 e não só pela tal “reinvenção da big band” que eles trouxeram (as aspas são porque alguém escreveu isso pela primeira vez e centenas de outras resenhas e notinhas foram atrás), mas simplesmente porque por trás dessa orquestra tem gente que adora música! Tá na cara!

gutto.jpgGutto, “Corpo e alma” – sim, este é um disco em português… mas de Portugal! De maneira corajosa (e certamente sem medo de ser criticado) esse cantor nascido em Luanda (Angola), mas radicado em Portugal, investe num gênero que parece impossível: um “rhythm & blues” numa língua que não seja o inglês (quantos já o tentaram por aqui… sem sucesso…). Deu-se bem, como diriam lá na “terrinha”. Esse não é nem seu primeiro disco (é o terceiro), mas foi o que eu descobri este ano. Confesso que o comprei, a princípio, por mera curiosidade – aliás, uma curiosidade quase “sacana”, tipo “vamos ver o que dá um português se atrevendo a fazer R&B”. Mas depois de ouvir “Corpo e alma”, o sorriso no meu rosto não era de ironia. Era de prazer.

mani-neumeier.jpgMani Neumeier & Peter Hollinger, “Meet the demons of Bali” – como não aceitar um convite que diz: “conheça os demônios de Bali”? Nesse inesperado encontro entre a música ocidental (especialmente eletrônica) e o gamelão balinês, encontrei um dos mais vibrantes choques musicais da década (ou talvez da década passada, já que esse foi um relançamento de 1997). Se você não reconheceu a palavra “gamelão” na última sentença, não se preocupe: você não está sozinho ou sozinha. Meu corretor ortográfico também não admite que isso exista… Trata-se, porém, de um instrumento bem real (e barulhento), que produz uma percussão de metais enlouquecida que desafia qualquer contagem musical ocidental (em certas situações, especialmente danças rituais de Java e Bali, é uma porta de entrada para outras freqüências mentais). Como ninguém pensou em fazer essa mistura antes? Ponto para Mani Nuemeier, o músico alemão veterano (dê um google em Guru Guru), que reinventou o gamelão numa versão “heavy techno”. Experimente – e seu transe nunca mais será o mesmo.

good-shoes.jpgGood Shoes, “Think before you speak” – recentemente, durante minhas férias, todas as vezes que eu gostava de uma música que eu não conhecia direito e que era selecionada pelo “shuffle” do meu iPod, quando eu ia ver o que estava tocando, lá estava esse nomezinho: Good Shoes. Comprei esse CD numa leva grande e confesso que não dei a atenção merecida na época. Só que, justamente graças ao “shuffle”, eles acabaram sendo uma surpresa maior que os Fratellis no ano passado. Estamos falando, claro, do rock alternativo inglês, e, num ano em que nomes como Kasabian e Kaiser Chiefs lançaram insignificantes contribuições às paradas inglesas, Good Shoes foi – para usar uma expressão naquela língua – “the best kept secret” (ou, o segredo mais bem guardado) daquele cenário musical.

imagined-village2.jpgThe Imagined Village, “The imagined village” – a receita parecia para lá de pretensiosa: juntar músicos de várias origens para revitalizar a canção inglesa tradicional. Adicione aí o endosso do selo de “world music” de Peter Gabriel, Real World, e você tem um potencial enorme para o desastre: um bando de gente talentosa envolvida num projeto metido. Mas não… Usando o riquíssimo universo do folk britânico, gente como Paul Weller, Billy Bragg, Sheila Chandra, Trans-Global Underground e The Copper Family (mais um punhado de nomes que eu não conhecia, mas que são também fabulosos, como Eliza Carthy, Tiger Moth e The Gloworms) criou uma inventiva e bem contemporânea coleção de belas músicas que evocam ao mesmo tempo uma nostalgia bucólica e uma pista de dança do século 21. Aproxime-se sem temor.

alela-diane.jpgAlela Diane, “The pirate gospel” – você tem todos os motivos para ter cansando do recente revival folk. Quando Devendra Banhart lança discos mais rápido do que a banda Calypso consegue gravar DVDs, a culpa não é sua. Se quiser aceitar uma sugestão realmente original desse mar de clones, experimente a indecifrável voz de Alela Diane. Aliás, a voz não é a única coisa misteriosa que envolve essa cantora: os arranjos são sutis e poderosos, as imagens, evasivas. E até seu site oficial sequer menciona o seu CD, prometendo-o para “algum momento de 2008”. Felizmente, “The pirates gospel” já está disponível na Europa, e me conquistou logo na primeira faixa, “Tired feet”.

beirut.jpgBeirut, “The flying club cup” – longe de ser um novato, Zach Condon já é figura celebrada da cena musical nova-iorquina. Curiosamente, porém, ao contrário de bandas como Clap Your Hands Say Yeah ou mesmo The Rapture, ele raramente aparece fora do circuito underground. Pode até ser uma opção do próprio Condon (que é o nome maior atrás do nome da banda), mas, depois do lançamento de “The flying club cup” é melhor ele estar preparado para um reconhecimento maior – que, espero, começa neste humilde post. É ele que faz a tal “atualização dos sons dos Bálcãs” que eu citei lá em cima. Para os principiantes, o termo se refere à sonoridade de uma banda de metais – meio cigana, meio polca lenta – que lembra aquelas bandinhas que tocam (se ainda tocam) em coretos de cidades pequenas. Meio melancólico, é verdade. Mas que beleza de melancolia…



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