Lição de férias

qui, 27/12/07
por Zeca Camargo |
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Não tem nada que eu queira ver mais em 2008 (ok, na primeira metade de 2008 – ou melhor, nas primeiras semanas de 2008) do que “Cloverfield”. Já viu o trailer? Ah, mas você vai ver. E vai querer assistir também – nem que seja só para entender aquela cena onde a cabeça da estátua da Liberdade rola pelas ruas de Manhattan… Mas vai levar um tempo para você ver esse filme, pois as salas de cinema brasileiras ainda estão apinhadas daquele lixo que os distribuidores empurram para a gente nesta época do ano.

Exagero? Experimente procurar nos cinemas de sua cidade por “Juno”; ou “Onde os fracos não têm vez”; ou “Sweeney Todd”; ou “There will be blood”; ou “4 meses 3 semanas e 2 dias”; ou “Gone baby gone”; ou “O escafandro e a borboleta”, ou “Os selvagens”, ou “Reparação”; ou (para não ficar só nos filmes “cabeça”) quero saber também onde está “Eu sou a lenda”. Nada disso está atualmente em cartaz, mas, em compensação, você tem várias opções se o programa dos seus sonhos for assistir a alguns do mais imbecis lançamentos para crianças – que se são espertas mesmo já baixaram isso no computador de casa -, comédias medíocres (alguém pode me explicar como “Antes só do que mal casado” foi parar, na semana do Natal, em nada menos que 37 salas só na capital paulistana?) ou filmes de ação tipo B – ou C (“Hitman – assassino 47″ estava, nesse mesmo período, em 40 salas em São Paulo!!).

Será que a culpa é dos distribuidores mesmo, ou de um público desinteressado, que joga coisas interessantes como “Leões e cordeiros” para a sala Raposo Shopping 8 (só mais dois outros cinemas exibiam este filme em São Paulo antes do Natal)? Ai ai ai… é fim de ano, e acho que estamos todos cansados demais para puxar uma briga como essa (se bem que eu gostaria de saber sua opinião sobre o assunto…). No lugar disso, então, vou apresentar apenas uma breve lista de coisas que quero fazer nesses dez dias em que este blog vai entrar em recesso.

No meu tempo de escola – e lá se vão mais de trinta anos – existia uma coisa que se chamava “lição de férias”: algo que as professoras passavam com o que a gente achava que era o intuito velado de arruinar nossos dias livres. Será que alguém ainda passa essa tarefa – especialmente em tempos como esse onde praticamente nada é exigido dos “pobres e sobrecarregados” alunos? Duvido… mas, de qualquer maneira, peguei a expressão emprestada para sugerir um outro tipo de lição de férias: uma que eu estou colocando para mim mesmo (claro, com um ligeiro intuito de, quem sabe, inspirar você que me lê, se não a abraçar a mesmíssima empreitada, talvez dedicar esses dias ociosos de final/começo de ano a debruçar-se sobre alguns produtos culturais). Esta é minha lista – e, quando eu voltar a escrever de novo, dentro de 10 dias (o próximo post será em 07 de janeiro de 2008), você pode conferir, aqui mesmo, o que eu consegui emplacar…

1) Ler “Persépolis” de uma só vez – os fãs da autora iraniana Marjane Satrapi já podem comemorar o lançamento da sua “saga” em quadrinhos num volume só. Se você, como eu, esperava ansiosamente por cada lançamento dessa que é uma das mais aclamadas “novelas gráficas” (você também não adora esse eufemismo?) ao longo dos últimos anos, e, com isso, tinha uma ligeira sensação de descontinuidade da história, a boa notícia é que a Companhia das Letras acaba de lançar tudo num livro só. Torço que isso seja indício de que o filme de animação, aparentemente reproduzido fielmente dos quadrinhos, esteja para estrear por aqui…

twinpeaks27122007.jpg2) Matar as saudades de “Twin Peaks” – um pouco de nostalgia aqui… Foi no comecinho dos anos 90 – pré-internet, um período obscuro sobre o qual você pode se informar mais pesquisando aqui mesmo na “rede”… Uma rede de amigos trocava intrincados códigos e mensagens em secretárias eletrônicas (um artefato do século passado – vale a pena pesquisar!), para deixar a turma saber que mais uma fita de VHS (veja a observação anterior), com uma cópia de terceira geração de mais alguns episódios da série de David Lynch, tinha chegado via “parente próximo de passagem pelos EUA/conhecido que trabalhava em companhia aérea/membro da família que era coagido a trazer tal tesouro”. Nos reuníamos em noites frias, regadas a vinho tinto barato, e assistíamos uma primeira vez aos gritos, uma segunda vez concentrados, e uma terceira vez comentando profundamente cada esquisitice daqueles personagens. Quase 20 anos depois, não me lembro de ter visto algo tão ousado em televisão aberta. Talvez “Lost”… mas deixa eu rever “Twin Peaks” na caixa de DVDs recém-lançada para poder comparar.

3) Assistir todos os especiais de dramaturgia de fim de ano – por falar em ousadia na televisão… “Casos e acasos”, “Guerra e paz”, “Faça sua história”, “Dicas de um sedutor”, “Os amadores”… e tudo num período tão curto de tempo, justamente nessa época do ano em que a gente tem que racionar o tempo livre… Não consegui acompanhar tudo – mas consegui gravar tudo. Será que, depois de assistir atentamente a cada um deles, vou ter boas notícias sobre o que vem de novidade por aí em 2008?

benevolentes27122007.jpg4) Terminar a leitura de “As benevolentes”, de Jonathan Littell – desde que voltei de férias, estava ensaiando para encarar o premiado livro desse autor americano – “educado na França”, como informa a orelha da minha edição. Até que um dia, vítima (pela enésima vez) do perene caos aéreo, resolvi comprar o volume para ler no vôo entre Recife e São Paulo. Preciso dizer que as quase três horas de vôo foram poucas para devorar 896 páginas do livro (na sua tradução em português, editora Alfaguara)? Por mim eu poderia estar indo para a Nova Zelândia – só para eu ter tempo de ler aquilo tudo de um fôlego só! Mas aí cheguei em São Paulo e a rotina maluca de fim de ano não permitiu que eu mergulhasse em “As benevolentes” com a dedicação necessária. Afinal, uma história sobre a Segunda Guerra Mundial, cujo personagem principal, lá pela página 76, declara “E foi assim, com o cu ainda cheio de esperma, que resolvi entrar para o Sicherheitsdienst” – onde Sicherheitsdienst, significa o “serviço de segurança” da SS nazista -, merece, no mínimo, pausa para sua consideração, e um tempo que não é esse frenético que vivemos ultimamente para reflexão.

5) Escutar (finalmente) os difíceis “segundos discos” de boas estréias do passado – eu até comprei esses CDs… mas com tantas novidades aparecendo a cada semana, fui adiando, adiando – e acabei não ouvindo com atenção, até agora, coisas como “Neon bible”, do Arcade Fire, ou “Proof of youth”, do The Go! Team. Outro dia achei, numa pilha de CDs ainda fechados, um disco de 2005, “Hey hey my my yo yo”, de uma banda em que eu já apostei todas as fichas há alguns verões: Junior Senior. Absurdo! Acho que está na hora de eu dar uma chance a esses “não-debutantes”…

6) Rever “Jogo de cena” pela segunda, terceira, quem sabe quarta vez – a partir de quantas vezes o último trabalho de Eduardo Coutinho começa a se esgotar? Acho que nunca… Assim como “Edifício Master” te obriga a redescobrir cada morador daquele prédio a cada nova assistida (se DVD “gastasse”, o meu já estaria “em branco”), é impossível não refletir sobre a arte de viver um personagem depois de uma sessão de “Jogo de cena”. Nessa colagem de depoimentos e interpretações de depoimentos, Coutinho mistura realidade e apropriações da realidade num exercício infinito de brincar com a verdade. Mas nada ali é brincadeira, claro. As histórias – das mais comoventes às mais enigmáticas – são desmontadas quando menos se espera e, a certa altura, você não sabe mais se é mais divertido deixar-se levar pelas narrativas ou discutir sobre o ofício de atriz. E essas são apenas duas possibilidades de leitura… Por isso mesmo quero rever – e rever e rever – “Jogo de cena”.

Infelizmente, porém, na cidade onde eu moro, e que se orgulha da sua ebuliente cultura, o filme de Edurado Coutinho, pelo menos nesta última semana do ano, só está “levando” (como dizia minha avó, com a reverência que a geração dela reservava ao acontecimento que era uma ida ao cinema) em uma sala. Isso mesmo: “Jogo de cena”, hoje, está em cartaz em São Paulo, em apenas uma sala.

Mas calma: isso não é um libelo contra o imperialismo do cinema americano – ainda que eu fique ligeiramente desconcertado com o fato de “Encantada” estar disponível em 67 (!) salas da cidade… Lá em cima, no começo do texto, eu já adiantei que não tem nada que eu queira ver mais no início de 2008 que “Cloverfield” (ok, talvez eu esteja também muito curioso para assistir “Meu nome não é Johnny” – mas isso é outra discussão). Não tenho nenhum problema com Hollywood – pelo contrário (aliás, fui ver ontem “Conduta de risco” e adorei!). Mas “Jogo de cena” em uma sala apenas? “Tem” dó…

Contudo, não quero terminar o ano com uma nota amarga… Se eu tenho esperança em alguma coisa, ela se traduz na minha fé de que tudo sempre vai melhorar – especialmente na nossa cultura. É também por isso que eu escrevo aqui – é por isso que eu leio tudo que você escreve aqui. Pegando emprestado de Gilberto Gil, na sua sábia tradução do verso eterno de Bob Marley, “tudo tudo tudo vai dar pé”. E em 2008, tenho que acreditar mais ainda nisso.

Assim, como diz um amigo meu… “bom feliz ano novo”!

Fãs

qui, 20/12/07
por Zeca Camargo |
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Quando Sandy perguntou, já quase no final do último show (último mesmo) que fez com seu irmão, terça passada em São Paulo, “tem gente do Peru aí?”, e um grupo de pelo menos umas 20 pessoas se manifestaram com entusiasmo de um Coliseu recepcionando um gladiador vitorioso, eu achei que era um bom momento para refletir: “O que aquelas pessoas todas estavam fazendo lá?”.

A primeira resposta é fácil. Eles estavam participando, junto com milhares de fãs brasileiros, de uma experiência única: a oportunidade de poder contar, para toda a eternidade, que presenciaram a despedida de uma das duplas de maior sucesso (se não a de maior sucesso) do pop brasileiro (como essa turma que eu fotografei toscamente durante um dos inúmeros momentos delirantes do show). Mas isso é o que qualquer um dos garotos ou garotas que estavam usando aquela camiseta verde – que serviu inclusive como “passe livre” para que eles cantassem um dos números no palco com Sandy e Junior (uma espécie de agradecimento que os irmãos fizeram para todos seus fãs) – poderia te responder sem pensar.

O que estava acontecendo ali era algo bem mais complexo: uma comunhão entre uma legião de seguidores e seus ídolos máximos – numa troca praticamente inexplicável e sem regras, um intercâmbio velado e honesto, de respeito mútuo e provavelmente infinito. Um pacto espontâneo de fidelidade, que deixa perplexo quem não faz parte dessa relação.

Onde eu me encaixo nisso? Bem, dizer que eu sou fã de Sandy e Junior seria esticar a definição do que é um fã (aliás, um dia ainda vou usar esse espaço para explicar exatamente porque eu tenho dificuldade em ser fã de alguma banda…). Durante anos, meu contato com a dupla foi menos que periférico. Quando eu trabalhei na MTV, eles ainda estavam numa órbita distante do pop que eles viriam a desenvolver – e que poderia se encaixar (como encaixou brilhantemente algum tempo depois) na linguagem da emissora. Talvez por causa dessa distorção, deixei o trabalho dos irmãos fora da amplitude do meu radar musical durante os anos 90, e vim inevitavelmente encontrá-los já quando trabalhava no “Fantástico”. Fui pego de surpresa.

Como eu – justo eu, que gosto de ter os ouvidos bem abertos – deixei escapar a metamorfose de Sandy e Junior? Descontando algumas músicas românticas demais (“pecados menores” de qualquer bom artista), fui praticamente obrigado a perceber que eles tinham se transformado numa usina de canções pop incrivelmente poderosa.

(Tenho certeza de que algumas pessoas vão parar de ler este texto por aqui e começar a me chamar de “mascarado” – para usar apenas uma expressão que as regras de pudor do G1 não vão transformar em asterisco… Antes de alguém jogar a primeira pedra, porém, quero deixar claro, mais uma vez, que eu não tenho nenhum tipo de preconceito musical. E se houver ainda alguma dúvida sobre isso, por favor consulte meu livro “De a-ha a U2”, especialmente o trecho em que eu falo dos Backstreet Boys. Ou, melhor ainda, já que estamos falando em preconceito, teste o seu: experimente cantar o refrão de “Vamos pular”, do próprio Sandy e Junior, substituindo o título da música por um verso em inglês, tipo “c’mon get up” – cabe direitinho! Cantarolou baixinho na sua cabeça? Será que você teria menos obstáculos para gostar deles se essa música viesse cantada em inglês, por uma dupla de irmãos loirinhos com sobrenome de uma cadeia internacional de hotéis? Bem, vamos continuar…).

Não quero usar este espaço hoje para falar dos méritos musicais de Sandy ou de Junior – aliás, como já coloquei naquela “retro” musical aqui mesmo no G1, acho que a separação da carreira dos dois só vai trazer benefícios para todo mundo. Se você não gosta deles, vou falar ao vento. E se você é fã, nem precisa ouvir (mais uma vez) elogios. Só dei essa explicação para chegar então ao tal show de despedida, onde presenciei um dos mais emocionantes encontros entre ídolos e seus admiradores.

Quando escrevi lá em cima que tenho dificuldade em ser fã de alguma banda não estava sendo esnobe com ninguém. Nesses 44 anos, várias foram as vezes em que presenciei o poder de um artista no palco. Por exemplo, quando o Nirvana se apresentou no Brasil – eu ali nas coxias daquele palco imenso, quase não acreditando que Kurt Cobain ser capaz de abrir a calça para a câmera de TV que estava, numa transmissão ao vivo, a menos de dois metros dele, até que ele finalmente abriu. Quando eu cobria, lá no início dos anos 90, um evento chamado Video Music Awards (não confunda com o VMB!), quase não consegui acreditar que estava mesmo vendo a performance de Prince cantando “Get off”. A primeira vez que Björk tocou no Rio foi uma experiência transformadora para mim. No ano passado, quando apresentei, na mesma semana, os shows dos Rolling Stones (Copacabana) e do U2 (Morumbi) tive outra prova da idolatria que um público é capaz de demonstrar para venerar seus ídolos. E mesmo recentemente, quando encarei um show do Arctic Monkeys em Chicago senti toda a força que só o palco é capaz de provocar.

Dei exemplos variados, de artistas que gosto em diferentes escalas, só para reforçar que o que eu estava observando ali na noite da despedida de Sandy e Junior não tinha nada a ver com a intensidade da minha admiração por eles. O que era bom de ver era o transe que tinha contagiado aquela multidão por quase duas horas – um transe do qual eu não fazia parte (afinal de contas, eu estava lá para trabalhar, com a missão de fazer a última entrevista deles, como uma dupla, para ir ao ar no “Fantástico” desse domingo), mas que eu podia perfeitamente entender, e até me divertir com ele.

E se eu sentia isso, imagine o objeto de tanta adoração – a própria Sandy, o próprio Junior. Como, aliás, eles contaram na entrevista, mais de uma vez eles ficaram tão emocionados que foi difícil se concentrar na apresentação. Os fãs, claro, não faziam isso de propósito, para “desvirtuar” a performance deles. Mas é que eles não poderiam reagir de outra maneira. Vou chutar a estatística, mas pelo que vi lá naquela noite, 80% daquele público de fato cresceu ouvindo Sandy e Junior – a enorme maioria da platéia tinha a mesma faixa etária da dupla. Dessa maneira, ficava fácil entender que a separação dos dois (artística, que fique bem claro!) era de fato ligeiramente traumática para muitos: o que fazer quando a trilha sonora da sua vida chega ao fim?

Sem querer fazer muitas previsões, eu acho que tanto Sandy como Junior devem seguir caminhos bem diferentes – ainda que, como eles fazem questão de dizer eles nunca vão estar totalmente distantes (nem poderiam, numa família tão unida como a deles!) – e igualmente de sucesso. Os fãs, como afirmavam sem parar, vão seguir a carreira de ambos com a mesma devoção quase religiosa. Ou não? Pouco importa. O que contava para eles naquela noite era a catarse de uma longa relação apaixonada. E eu espero, de coração, que você saiba bem o que é isso, pois passar por essa vida sem ter tido um ídolo é deixar de aproveitar a fascinação que uma música, um filme – enfim, uma performance – pode exercer sobre você. Essa sim, é a vida besta…

(Ao contrário do que esbocei no post anterior, este post não tem exatamente um tom natalino. Ia escrever sobre boas músicas de Natal – já sabendo que esse é um tema complicado… São poucos os artistas que se saíram bem dessa roubada, e eu queria justamente assinalar alguns bom exemplos – e também alguns “desastres”. Mas Sandy e Junior cruzaram meu caminho e, como sempre, o acaso me levou para outro assunto. Porém, Natal de 2008 está logo ali… ano que vem eu vou tentar me dedicar a esse tema. Mas, só para você passar as festas vindouras num astral um pouco melhor do que aquelas surradas canções natalinas são capazes de te induzir, deixo aqui minha sugestão da música perfeita para a temporada: “Just like Christmas”, de uma banda chamada Low. Um pouco triste, um pouco alegre, um pouco ingênua e um pouco cínica, “Just like Christmas” tem tudo na medida certa (até o som de sininhos!). Experimente – e seu Natal também pode ser legal! Ah, e como esse blog se orgulha de ser interativo, se você tiver outras sugestões de uma boa música para essas festas, ou mesmo alguma que você não suporta ouvir entre os dias 24 e 25 de dezembro, fique à vontade – os comentários estão aí para isso. Nos encontramos aqui novamente só na quinta-feira, 27 de dezembro, com uma pequena lista de “lição de férias”… Bom Natal – mesmo!)

Arte para as massas

seg, 17/12/07
por Zeca Camargo |
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Antes de prosseguir na leitura deste post, visite este site: www.haltadefinizione.com.

Já voltou? A razão pela qual eu pedi pra você passar por lá é simples: eu queria que você tivesse o mesmo prazer que eu tive ao ver a “Última ceia”, de Leonardo da Vinci, de tão perto. Isso mesmo: daí mesmo, do seu computador, você fez algo que nem os turistas mais dedicados que passam pelo convento Santa Maria delle Grazie, em Milão, conseguem (nem mesmo depois terem entrado no convento, e isso, claro, após inúmeras tentativas e frustrações, já que as visitas precisam ser com hora marcada, e com antecedência às vezes de semanas, conforme a temporada – o que impede muitos visitantes desavisados de sequer sonhar em chegar perto da obra).

Li sobre essa reprodução num artigo recente da revista do “The New York Times”, escrito por Virginia Heffernan, sobre a incrível oportunidade de visitar acervos riquíssimos de bons museus pelo mundo, usando apenas o seu mouse. Além da “Santa ceia”, milhares de obras estão disponíveis na internet (ainda que nem todas com o grau absurdamente detalhista de definição da obra de Da Vinci – mais sobre isso daqui a pouco). O grande portal para isso é www.museumlink.com – onde você pode encontrar endereços virtuais que vão desde o Louvre, em Paris, à coleção Peggy Guggenheim, em Veneza, Itália. Antes que você levante a questão, já vou dizendo que não tem sequer uma presença brasileira na lista – apesar de lá podermos explorar museus de países “bem mais desenvolvidos” que o nosso (especialmente no quesito “cultura”), como a Hungria, a Colômbia, a Ucrânia e até Taiwan!

Mas falar de museus no Brasil é mexer numa história triste de abandono e falta de interesse (e não estou falando apenas do abandono do Estado ou das instituições privadas, que muitas vezes bancam a sobrevivência deles, mas, sobretudo, do público que nunca teve – e, pelo menos até minha geração passar por essa vida, nunca terá – o hábito de freqüentar um espaço como esse…). Mas, para continuar no meu raciocínio, vamos deixar isso de lado e explorar o que a generosidade de curadores internacionais estão colocando à disposição do público no espaço virtual.

Quer ver uma amostra das 4.000 peças disponíveis online no British Museum? www.britishmuseum.org ! Quer explorar o museu Picasso, de Barcelona? www.museupicasso.bcn.es/index.htm ! Quer mergulhar em Van Gogh em Amsterdã? www.vangoghmuseum.nl – com direito a minuciosos detalhes das pinceladas de um dos pintores mais famosos do mundo, graças à altíssima definição das imagens oferecidas.

As possibilidades de visitas no museumlink são várias – excluindo-se, claro, o Brasil (não vou adiante nesse assunto, como já prometi; mas vale a pena assinalar que, numa pesquisa independente, descobri que aquele que é um dos museus mais conhecidos do país, o Museu de Arte de São Paulo, o Masp, traz em seu site uma boa amostra da sua coleção – ainda que com reproduções sem muita qualidade; e o MAM, Museu de Arte Moderna de São Paulo, também disponibiliza, ainda que em baixíssima definição, uma fração de seu acervo no seu endereço virtual www.mam.org.br – mas é apenas uma fração, quase sempre mais contemporânea, e mesmo assim, artistas como Nelson Leirner, que selecionei aleatoriamente, tem menos da metade das suas obras listadas ilustradas.

Retomando, a possibilidade de visitar virtualmente museus do mundo todo (seja por esse ou por outros site) é uma ótima notícia. Há meros 15 anos, vasculhar o acervo do Louvre, por exemplo, significava, quando muito, ter acesso a uma boa biblioteca que guardasse um ou mais livros sobre o assunto (e todos sabemos como as nossas bibliotecas são bem servidas, de uma maneira geral, no quesito artes plásticas). Ver uma obra de perto, então, implicava você ter a possibilidade de viajar e visitar o próprio museu – algo que está longe da perspectiva de uma grande fatia dos brasileiros, mesmo dos brasileiros interessados em arte.

Agora, você tem a “Santa ceia” em detalhes jamais imaginados: a imagem fotografada com tamanha precisão (mais de 16 bilhões de pixels), que é possível ver não apenas a “pincelada” que Da Vinci usou para finalizar o cabelo de Mateus, mas os fragmentos do pigmento originalmente usado pelo mestre. Navegar a fundo nessa reprodução é enxergar quase dentro da orelha de Pedro; perceber o acabamento do indicador da mão esquerda de Simão; e descobrir que o que dá a serenidade ao olhar de Jesus é o fato de que parte da íris do seu olho direito é composta não de pigmentos, mas da própria parede de onde a pintura se soltou já há alguns séculos. Quem diria que a gente teria um dia uma intimidade tão grande com uma obra tão frágil…

Isso só foi possível porque a “Santa ceia” foi fotografada em 1.677 fragmentos diferentes, por uma câmera poderosa (e cada um desses fragmentos era feito de 12 milhões de pixels). Uma vez unidos, esses “retalhos” deram origem a um retrato mais fiel do que a própria pintura – ou melhor, mais fiel do que a pintura que seus cansados olhos são capazes de ver, mesmo “in loco”. Com isso, você pode não só visitar a obra de Da Vinci sem precisar ir a Milão, mas também estudá-la com um nível de precisão jamais sonhado por um especialista!

E não pára por aí. Como já citei, no site do museu Van Gogh, todo o nervosismo dos gestos do pintor pode ser apreciado em minúcias. Com apenas alguns cliques, os famosos girassóis amarelos, por exemplo, deixam de ser uma imagem quase icônica para se tornarem um emaranhado de pinceladas e tintas, como uma tradução vagamente familiar de uma mensagem genial de beleza.

Ainda inspirado pelo artigo do “New York Times”, fui ao site do Museum of Fine Arts, de Boston, que disponibilizou 339.125 (o número está lá!) reproduções impecáveis de trabalhos sua da coleção para o grande público. Ah se eu tivesse tempo… Numa passada rápida por lá, vibrei com cada traço de giz que Joseph Beuys deixou no quadro-negro de “Untitled (Blackboard)” e com cada folhinha das árvores furiosas pintadas por Corot que estão no acervo do Fine Arts (especialmente as escuras que compõem “Dante e Virgílio”). Entrei de cabeça em “Number 10”, de Jackson Pollock, vi cada nuance confusa do rosto da mulher em “Sonho de uma noite de verão (a voz)”, de Edvard Munch, e pesquisei cada centímetro do sensacional “ O estupro das Sabinas”, de Picasso (um trabalho do qual eu nunca tinha ouvido falar). E tudo isso, aqui mesmo, nesse computador de onde vos escrevo!

matisse_zeca.JPGSe eu consigo ver isso aqui do meu local de trabalho, qualquer pessoa que chegar perto de um computador também pode! Até você! Essa é a verdadeira arte para as massas – assumindo, claro, que as massas estão cada vez mais perto de um computador (e não estão?). Em breve, qualquer pessoa vai poder visitar qualquer museu do mundo (até os do Brasil! – sou um otimista) e ver de perto – de muito perto – obras que por séculos foram privilégio de poucos. E é isso que eu quero celebrar aqui (além de ter uma boa desculpa para ilustrar esse post próximo do Natal com uma imagem sacra sem parecer oportunista…).

matisse2_zeca.jpgNão que eu esteja diminuindo a excitação de uma visita física aos museus… Eu sei bem o que é estar numa sala com as duas telas de Matisse com o nome “La danse” finalmente reunidas depois de ano – como aconteceu na última grande retrospectiva do artista no MoMA de Nova York em 1992. Uma faz parte do acervo desse museu, e a outra está guardada no Hermitage, em São Petersburgo, Rússia. Por ocasião dessa mostra especial, porém, lá estavam elas no mesmo espaço, trocando uma sinfonia surda de cores e movimentos para quem passasse por lá. Não é fácil chorar na frente de um quadro (comigo, pelo menos, conto nos dedos de uma mão as vezes em que isso aconteceu), mas quem disse que eu conseguia me controlar naquela tarde no museu?

Poderia até dizer que não existe uma experiência como essa (tentei repetir a cena baixando as duas telas no meu computador e… bem, as lágrimas não vieram…), mas você poderia me acusar de estar esnobando quem não pode viajar (ai, as patrulhas…). Mas essa não é a questão: eu bem que gostaria de celebrar também que um dia as viagens pelo mundo fossem tão acessíveis que todos que quisessem poderiam ver a obra que fosse ao vivo! Ou então que o Brasil entrasse de fato numa rota de exposições internacionais, de maneira que trabalhos de primeiríssimo nível pudessem agraciar nossos olhos por aqui mesmo.

Mas, enquanto isso não acontece, só posso desejar um bom passeio virtual pelos museus do mundo (desejo também um bom Natal, mas quinta-feira a gente fala disso).

O popular e o erudito

qui, 13/12/07
por Zeca Camargo |
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Não é só você que implica com a frase “alta e baixa, não importa”, que vem logo depois da introdução a este blog, naquela página inicial dos colunistas e blogueiros daqui do G1. Eu mesmo me arrependi de ter sugerido tal aposto menos de uma semana depois do meu post de estréia (e já se vão 15 meses!). Poderia usar este espaço de hoje para discorrer sobre os motivos desse meu arrependimento, mas tenho outras coisas a propor. Apenas para levar adiante o que eu queria discutir com você hoje, vou só revelar que o principal motivo de tal arrependimento é minha crença, cada vez maior, de que essa linha – que divide a baixa cultura da alta – simplesmente não existe mais. Ou será que ela existe?

(Então – você pode me perguntar – por que eu não troco de cabeçalho? Bem, está difícil focar nisso como prioridade… Quer me ajudar? Você quer mandar uma sugestão de como definir o que passa por esse espaço? Fique à vontade…)

O que me inspirou a pensar novamente nessa divisão foi um livro lançado esta semana: “Cinco mais cinco”, de Cacá Diegues, Luiz Carlos Merten e Rodrigo Fonseca (Legere Editora). Ainda não o li – e o que você vai ver a seguir não é (nem pode ser) uma resenha desse livro. Porém, já fiquei estimulado apenas com a premissa da obra. Organizado pelo Festival de Cinema Internacional do Rio, “Cinco mais cinco” discute dez dos melhores filmes produzidos no Brasil entre 1995 e 2006. A “pegadinha” do título, contudo, está no fato de ele se referir, na verdade, a duas listas: uma dos cinco melhores filmes escolhidos pela crítica e outra dos cinco melhores filmes escolhidos pelo público.

Confira o gosto erudito (isto é, o da crítica): “Cidade de Deus”, “Edifício Master”, “O invasor”, “Lavoura arcaica”, e “Terra estrangeira”. Agora, o gosto popular (do público): “2 filhos de Francisco”, “Carandiru”, “Se eu fosse você”, “Cidade de Deus”, e “Lisbela e o prisioneiro”. Dá o que pensar, não dá? E não só pela única coincidência entre as duas listas, “Cidade de Deus”. O que faz com que críticos esnobem (se esse é o termo preciso) “2 filhos de Francisco” e o público ignore “Terra estrangeira”? Por que o povão seria incapaz de abraçar “Edifício Master”, e, os críticos, “Se eu fosse você”? Quem sabe, preconceito de ambos os lados… As possibilidades de reflexões como essa são tantas (sem falar na muito pertinente divagação sobre o que aconteceria com ambas as listas se o ano de 2007 tivesse sido incluído… “Tropa de elite” seria outra coincidência entre os dois gostos?) que resolvi abrir a discussão – com você, é claro.

Só preciso antes fazer uma pequena confissão: não vi dois filmes dentre os escolhidos. Porém, como um que me falta é da lista do público (“Se eu fosse você”) e o outro está na lista dos críticos (“Lavoura arcaica”), achei que, mesmo com essas “lacunas”, a conversa poderia ficar equilibrada. Então, em frente!

O fato que mais chama a atenção, num primeiro momento, é a presença de “Cidade de Deus” nas duas seleções. Resultado óbvio – a gente pensa de imediato. Mas o curioso é imaginar os motivos que levaram cada grupo a eleger o trabalho de Fernando Meirelles. Foram as incríveis inovações que o olhar do diretor trouxe para a tela que encantou o grande público? Não há dúvidas de que o estilo visual do filme é um apelo fortíssimo para agradar qualquer tipo de platéia. Os críticos (e, dentre eles, até os relativamente exigentes membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em Hollywood, que colocaram Meirelles como finalista ao Oscar de melhor diretor em 2004) se deliciaram e viram ali um grande talento. Já o público talvez tenha se sentido simplesmente seduzido por aquela pirotecnia a continuar a prestar atenção a uma história que tinha a ver com eles. Não é curioso ver que tudo tem mais de uma interpretação?

Podemos pegar um outro exemplo, como a incrível escalação do elenco de “Cidade de Deus”. Novamente os críticos aplaudem mais esse ponto positivo do filme, pela quebra do modelo “da novela para a tela”, que – ainda que com menos intensidade – continua a predominar nas nossas produções. Já para o grande público, o que funcionou ali foi a enorme identificação que eles tiveram com aqueles rostos tão cotidianos (e tão “não TV”) que viviam aqueles personagens. “Cidade de Deus é um trabalho tão único (e tão brilhante), que a gente poderia continuar esse exercício de dupla interpretação indefinidamente.

Esse fenômeno, porém, parece não acontecer com os outros filmes da lista. Por que, por exemplo, “Carandiru”, que tem como pedigree um diretor consagrado como Hector Babenco e uma história original assinada por ninguém menos que Drauzio Varela (sem falar nas performances memoráveis de, entre outros, Wagner Moura e Rodrigo Santoro), não passou pelo crivo dos críticos? Não é engraçado que um filme que tinha tudo para ser o queridinho da crítica acabou sendo abraçado não por ela, mas pelas “massas”?

Do outro lado da discussão, o que “Se eu fosse você” tem que provoca tamanha repulsa na crítica? Ou, ampliando ainda mais a questão, qual o problema dessa turma com comédia? Não estou aqui querendo bancar o cínico. Eu mesmo – como assumi acima – não priorizei esse trabalho de Daniel Filho para ver na temporada em que ele estava em cartaz e acabei perdendo a oportunidade de assisti-lo. Mesmo assim, pelo que li, achei fascinante esse filme ter sido escolhido pelo “povo” (tudo bem, sei que essa foi uma das maiores bilheterias nacionais dos últimos tempos, mas mesmo assim…). Mas os caminhos do gosto – e aí é tanto do popular quanto do erudito – são misteriosos.

Por que – pergunto ainda nessa linha – “Lisbela e o prisioneiro” entrou nos cinco mais do público, mas não “O auto da compadecida”? Não te parece meio óbvio que o filme – que já havia sido um sucesso como minissérie de TV – figurasse entre os “favoritos da galera”? Ou será que ele não foi incluído na votação original justamente porque nasceu na tela pequena – e não na grande?

Ou olhemos então para “Edifício Master”. As narrativas ali talvez fossem tão soltas quanto as de “Carandiru”. Será que as pessoas não se aproximaram por se tratar de um documentário – ou ainda, será que o filme não teve a distribuição que merecia exatamente por essa razão, porque se tratava de um documentário? Todos os personagens registrados pelo diretor Eduardo Coutinho têm um apelo para lá de popular – não só pelas suas histórias pessoais, mas também pela maneira extremamente simples como se apresentam. Os críticos, claro, admiraram a capacidade de Coutinho fazer esses instantâneos tão precisos. Será que o grande público os rejeitaria se tivesse a oportunidade de conhecê-los melhor?

Eu sei, eu sei… até agora só estou jogando perguntas – e o texto já está daquele tamanho que começa a provocar a paciência de alguns leitores. Mas, antes de algumas conclusões, quero colocar ainda algumas dúvidas. Vamos pegar “O invasor”. O filme de Beto Brant é, sem dúvida, um dos mais surpreendentes dessa última década. Com seu tempo peculiar, interpretações fortes (especialmente a que revelou Paulo Miklos como ator) e roteiro de construção sutil, fica fácil de entender porque ele não está na escolha popular: cai na categoria “ligeiramente difícil”. Mas, mais precisamente, o que o fez configurar na lista dos críticos? O próprio Miklos? A subversão da história? A contemporaneidade do argumento? Por que não “Como nascem os anjos”, de Murilo Salles, no lugar de “O invasor”?

Vou encerrar com as perguntas (mesmo que meus dedos estejam coçando para eu escrever alguma coisa sobre “2 filhos de Francisco” e “Terra estrangeira”…). Se você me acompanhou até aqui, já colecionou um número suficiente delas para se divertir no fim-de-semana. Ou não… Meu objetivo aqui é menos discutir cada um dos filmes de ambas as listas – algo que, com certeza, os autores de “Cinco mais cinco” (que quero ler em breve) já fizeram com bem mais competência do que eu jamais possa fazer – do que mostrar que, no final das contas, alta e baixa cultura são, no cenário em que vivemos, dois conceitos totalmente irrelevantes. De fato, uma bobagem. Ainda duvida? Então me responda: qual das duas listas é “a melhor”? Seria mesmo possível reduzir questão da produção nacional de cinema a isso: um punhado de filmes que pessoas que pensam sobre eles acham legais versus um punhado de filmes que pessoas que só querem se divertir acham legais?

Muito pobre, não acha?

O que mais me interessa – e é isso que eu venho tentando passar desde que comecei este blog – é que a cultura exista; que a oferta de produtos culturais (filmes, livros, músicas, programas de TV, exposições – o que for) seja abundante; e que eu – e você, e você, e você – possamos sempre pensar sobre o que nos é oferecido e poder sempre tirar daí uma inspiração? É pedir demais?

Os 12 melhores discos que você não ouviu no ano de 2007

seg, 10/12/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Talvez eu devesse – como dão a entender alguns fãs do Police que escreveram para este blog – ter escolhido uma banda dos anos 80 como o melhor som que jamais tivesse sido feito na Terra e parado de me interessar por coisas novas. Ou, como outros comentários insinuam, eu deveria ter escolhido apenas uma artista (Kim Carnes, talvez?) para me dedicar a acompanhar sua carreira, e só sua carreira, sem me perguntar se o som dela envelheceu… Mas eu sou teimoso: eu gosto de coisas novas – e não apenas porque elas são novas, mas por elas constantemente me proporcionarem o prazer de compará-las com as antigas (os “clássicos”!) e me encantar com a infinita capacidade humana de criar algo novo, diferente e excitante.

É nesse espírito da mais pura teimosia que ofereço aqui um breve guia de alguns discos que “descobri” este ano e que, no tsunami de sons que cruzam nosso cotidiano todos os dias, posso garantir com certeza quase absoluta que você não ouviu. Eu mesmo esbarrei em muitos deles por acaso – por exemplo, quais as chances de eu ter conhecido Fusako Amachi se eu não tivesse ido ao Japão? Por isso, o que quero assinalar aqui não é a exclusividade da descoberta (“eu já ouvi e você não!” – coisa mais antiga…). Mas, sim, dividir com você a incrível sorte que tive de conhecer esses artistas.

Os atenciosos aos detalhes vão perceber que, tecnicamente, nem todos os títulos são de 2007. Alguns são do fim do ano passado – e outros são ainda relançamentos. Mas acho que você entendeu o espírito. Numa última observação, a ordem que eu escolhi aqui não é a de preferência. Como você talvez perceba (se por acaso se animar a procurar esses artistas aqui mesmo na internet), entre um jingle de uma companhia de mudanças cantado em japonês (Amachi) e uma brilhante atualização de uma banda de metais dos Bálcãs (Beirut), é impossível dizer o que é melhor… A eles!

fusako-amachi.jpgFusako Amachi – Como meu japonês ainda está num nível pré-cambriano, não consigo nem saber o nome do álbum olhando apenas para a capa. Mas uma pesquisa aqui na internet com o nome dessa que era a rainha dos jingles para televisão no Japão entre os anos 60 e 70 aponta que o que está escrito na capa significa “O paraíso comercial de Fuko” – seja lá o que isso quer dizer. A compilação foi lançada este ano e eu a encontrei numa seção da Tower Records de Tóquio identificada com uma plaquinha onde se lia “weird stuff” (coisas esquisitas). Quando toquei o disco no carro da produção que trabalhava comigo lá, Tamai, minha produtora (japonesa) imediatamente começou a rir e perguntou onde eu tinha achado aquilo… Ali estão alguns dos arranjos mais brilhantes e inventivos que eu já ouvi – um mix de estilos e maluquices que não é igual a nada que eu já ouvi nesse 44 anos de pop (!). Pedi que Tamai decifrasse para mim o que cada jingle vendia: de serviços de mudanças a balas de café (passando por sabonetes e sakê), Amachi imprime seu estilo único em cada faixa. Um deleite sem fim.

federico-aubele2.jpgFederico Aubele, “Panamericana” – esse argentino fez o disco mais bem-produzido do ano. A cada faixa você tem a sensação de que está ouvindo um artista diferente (e praticamente está mesmo, já que nesse trabalho ele convidou várias vocalistas para participar das diversas faixas), e sempre genial. Reinventando o dub, misturando todos os estilos, Aubele está anos à frente de qualquer compilaçãozinha “lounge” que você for ouvir pela próxima década. “Panamericana” é dos raros discos que conseguem a façanha de te dar a sensação de que você sempre o está ouvindo pela primeira vez – mesmo que seja a centésima.

vashti-bunyan.jpgVashti Bunyan, “Some things just stick in your mind” – uma fita perdida há mais de 40 anos, com 12 músicas gravadas de um fôlego só (com a cantora ainda anunciando o nome de cada faixa antes de começar a tocar), acompanhadas apenas por um violão. E isso é só o disco dois desse relançamento sensacional. Bunyan foi descoberta, em 1965, por Andrew Oldham (experimente dar um google no nome dele junto com o dos Rolling Stones – só para você ter idéia da importância do cara), mas… não aconteceu. Seu primeiro single (que abre o disco um e dá nome ao CD) é uma faixa da própria dupla Jagger/Richards – e é estupenda! Mas numa Londres inundada por talentos femininos como Sandy Shaw, Dusty Springfield e Marianne Faithfull, digamos que o timing de Vashti não foi dos melhores. Ela mesma desencanou da carreira alguns anos depois – felizmente não para sempre: quando descobriu que seu irmão não havia jogado fora sua fita demo de 1964 resolveu reeditar tudo. E o paraíso novamente desceu à Terra.

dungen.jpgDungen, “Tio bitar” – já era fãs desses suecos desde “Dungen 2”, de 2002. Acontece que eles ficam mais estranhos a cada novo disco, como não deixar de apreciá-los? “Tio bitar” (“Dez peças”, em português) é o último manifesto desses neo-psicodélicos (e olha que para eu selecionar alguma coisa que possa ser encaixada nessa categoria numa lista “seleta” como essa, é porque eles são realmente bons…) e, como nos trabalhos anteriores, a cada faixa você tem a sensação de que está no topo de uma montanha-russa, sem saber aonde aquele carrinho vai te levar. Os rumos de cada música do Dungen são imprevisíveis – bem como as recompensam em acompanhá-los em suas viagens (drogas opcionais).

of-montreal.jpgOf Montreal, “Hissing fauna, are you the destroyer?” – falando em drogas… fazia tempo que eu não ouvia um hino a favor delas tão enlouquecido como “Heimdalsgate like a promethean curse”. Cheguei a citar essa música uma vez aqui no blog, logo no começo do ano, mas acho que não o fiz com o devido entusiasmo. Deixe-me retomar: essa banda de Athens (cidade do estado americano da Georgia, que certamente tem alguma coisa de especial na água que a população bebe, já que de lá saíram bandas tão interessantes como R.E.M., The B-52’s, Indigo Girls, e Danger Mouse, entre outros) é das mais inventivas deste nosso século tão monocórdio (especialmente no que se refere à música aletrnativa).

orquestra.jpgOrquestra Imperial, “Carnaval só ano que vem” – você soube que esse disco foi lançado; você viu as fotos dos shows nas revistas de celebridade; você viu mini-entrevistas em TVs a cabo; você ouviu um monte de gente dizer que eles são legais; com um pouco de sorte, você até leu uma crítica (e foram muitas) elogiosa; mas você realmente ouviu “Carnaval só ano que vem”? Esse disco é mais uma vítima de um fenômeno tão contemporâneo, onde a máquina de vender alguma coisa (assessores de imprensa e afins) encontra uma infinidade de mídias ansiosas (e ociosas) por “entrevistas exclusivas” com figuras ainda que levemente carimbadas – e essa avalanche de pseudo-informação “glamurosa” acaba ofuscando o que a originou: o próprio trabalho do artista. Esse disco é um dos meus favoritos de 2007 e não só pela tal “reinvenção da big band” que eles trouxeram (as aspas são porque alguém escreveu isso pela primeira vez e centenas de outras resenhas e notinhas foram atrás), mas simplesmente porque por trás dessa orquestra tem gente que adora música! Tá na cara!

gutto.jpgGutto, “Corpo e alma” – sim, este é um disco em português… mas de Portugal! De maneira corajosa (e certamente sem medo de ser criticado) esse cantor nascido em Luanda (Angola), mas radicado em Portugal, investe num gênero que parece impossível: um “rhythm & blues” numa língua que não seja o inglês (quantos já o tentaram por aqui… sem sucesso…). Deu-se bem, como diriam lá na “terrinha”. Esse não é nem seu primeiro disco (é o terceiro), mas foi o que eu descobri este ano. Confesso que o comprei, a princípio, por mera curiosidade – aliás, uma curiosidade quase “sacana”, tipo “vamos ver o que dá um português se atrevendo a fazer R&B”. Mas depois de ouvir “Corpo e alma”, o sorriso no meu rosto não era de ironia. Era de prazer.

mani-neumeier.jpgMani Neumeier & Peter Hollinger, “Meet the demons of Bali” – como não aceitar um convite que diz: “conheça os demônios de Bali”? Nesse inesperado encontro entre a música ocidental (especialmente eletrônica) e o gamelão balinês, encontrei um dos mais vibrantes choques musicais da década (ou talvez da década passada, já que esse foi um relançamento de 1997). Se você não reconheceu a palavra “gamelão” na última sentença, não se preocupe: você não está sozinho ou sozinha. Meu corretor ortográfico também não admite que isso exista… Trata-se, porém, de um instrumento bem real (e barulhento), que produz uma percussão de metais enlouquecida que desafia qualquer contagem musical ocidental (em certas situações, especialmente danças rituais de Java e Bali, é uma porta de entrada para outras freqüências mentais). Como ninguém pensou em fazer essa mistura antes? Ponto para Mani Nuemeier, o músico alemão veterano (dê um google em Guru Guru), que reinventou o gamelão numa versão “heavy techno”. Experimente – e seu transe nunca mais será o mesmo.

good-shoes.jpgGood Shoes, “Think before you speak” – recentemente, durante minhas férias, todas as vezes que eu gostava de uma música que eu não conhecia direito e que era selecionada pelo “shuffle” do meu iPod, quando eu ia ver o que estava tocando, lá estava esse nomezinho: Good Shoes. Comprei esse CD numa leva grande e confesso que não dei a atenção merecida na época. Só que, justamente graças ao “shuffle”, eles acabaram sendo uma surpresa maior que os Fratellis no ano passado. Estamos falando, claro, do rock alternativo inglês, e, num ano em que nomes como Kasabian e Kaiser Chiefs lançaram insignificantes contribuições às paradas inglesas, Good Shoes foi – para usar uma expressão naquela língua – “the best kept secret” (ou, o segredo mais bem guardado) daquele cenário musical.

imagined-village2.jpgThe Imagined Village, “The imagined village” – a receita parecia para lá de pretensiosa: juntar músicos de várias origens para revitalizar a canção inglesa tradicional. Adicione aí o endosso do selo de “world music” de Peter Gabriel, Real World, e você tem um potencial enorme para o desastre: um bando de gente talentosa envolvida num projeto metido. Mas não… Usando o riquíssimo universo do folk britânico, gente como Paul Weller, Billy Bragg, Sheila Chandra, Trans-Global Underground e The Copper Family (mais um punhado de nomes que eu não conhecia, mas que são também fabulosos, como Eliza Carthy, Tiger Moth e The Gloworms) criou uma inventiva e bem contemporânea coleção de belas músicas que evocam ao mesmo tempo uma nostalgia bucólica e uma pista de dança do século 21. Aproxime-se sem temor.

alela-diane.jpgAlela Diane, “The pirate gospel” – você tem todos os motivos para ter cansando do recente revival folk. Quando Devendra Banhart lança discos mais rápido do que a banda Calypso consegue gravar DVDs, a culpa não é sua. Se quiser aceitar uma sugestão realmente original desse mar de clones, experimente a indecifrável voz de Alela Diane. Aliás, a voz não é a única coisa misteriosa que envolve essa cantora: os arranjos são sutis e poderosos, as imagens, evasivas. E até seu site oficial sequer menciona o seu CD, prometendo-o para “algum momento de 2008”. Felizmente, “The pirates gospel” já está disponível na Europa, e me conquistou logo na primeira faixa, “Tired feet”.

beirut.jpgBeirut, “The flying club cup” – longe de ser um novato, Zach Condon já é figura celebrada da cena musical nova-iorquina. Curiosamente, porém, ao contrário de bandas como Clap Your Hands Say Yeah ou mesmo The Rapture, ele raramente aparece fora do circuito underground. Pode até ser uma opção do próprio Condon (que é o nome maior atrás do nome da banda), mas, depois do lançamento de “The flying club cup” é melhor ele estar preparado para um reconhecimento maior – que, espero, começa neste humilde post. É ele que faz a tal “atualização dos sons dos Bálcãs” que eu citei lá em cima. Para os principiantes, o termo se refere à sonoridade de uma banda de metais – meio cigana, meio polca lenta – que lembra aquelas bandinhas que tocam (se ainda tocam) em coretos de cidades pequenas. Meio melancólico, é verdade. Mas que beleza de melancolia…

Herói? Vilão? Três exemplos onde a confusão funcionou

qui, 06/12/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

zeca_outrosvale_20071206.jpg

Como eu nunca entendo a loteria que as distribuidoras de cinema fazem com seus lançamentos, já tinha desistido de esperar a estréia do trabalho do diretor alemão Florian Henckel, que ganhou o mais recente Oscar de filme estrangeiro. Chama-se “A vida dos outros” e é uma obra-prima. Mas nem esse predicado – e nem o próprio Oscar – foram suficientes para acelerar o lançamento do trabalho no Brasil. Mas, finalmente, ele acaba de estrear – e isso é o que importa.

Já o havia assistido há algum tempo – em julho passado, em Londres (quis garantir ver no cinema antes de ter o possível desgosto de perceber que o filme só apareceria por aqui direto no DVD). E fiquei bastante transtornado – de maneira positiva (se isso é possível). Eu já gosto de histórias tristes – como você que me acompanha aqui no blog sabe bem. Mas antes “A vida dos outros” fosse apenas triste. O filme é também perverso. E cruel. E completamente verdadeiro.

Como qualquer bom filme alemão, ele demora para “pegar”. Você entende rapidinho o que está acontecendo. Em uma frase (esta, tirada do imdb): “Na Berlim Oriental de 1984, um agente da polícia secreta, vigiando um escritor e sua amante, descobre-se cada vez mais absorvido por suas vidas.” Simples, não? Atraente? Talvez. Mas, como com qualquer sinopse (ainda mais uma “relâmpago” como essa), é impossível imaginar, apenas a partir dela, todas as coisas que o filme vai despertar em você durante a experiência de vê-lo.

Mas essa introdução “lenta” acaba sendo uma qualidade. Justamente porque você vai se envolvendo com o casal que está sendo vigiado praticamente ao mesmo tempo que o vigia. E aí as coisas começam a ficar realmente interessantes – os papéis começam a ficar ligeiramente confusos. Sem contar muito (não é meu estilo…), o que o vigia (Hauptmann Gerd Wiesler, interpretado pelo excelente Ulrich Mühe) faz é um trabalho sujo. Mas, ao longo da história, ele vai ficando (humm… como fazer para não contar?)… bem… menos sujo. Mas ele continua espionando – até que o filme chega a um desfecho surpreendente – e muito emocionante (a fala derradeira do roteiro, então, é de chorar). Você fica tão abalado com o desenvolvimento final que mal percebe que, nesses últimos minutos, estava torcendo para alguém que não era exatamente do bem – e quando percebe, já é tarde demais: o “A vida dos outros” já tomou conta de você.

zeca_gangster20071206.jpgO mesmo truque, porém com uma sutileza bem melhor (como convém a um produto tipicamente hollywoodiano), é aplicado em outro filme que vi recentemente (e que deve estrear muito em breve no Brasil, pois é dos fortes candidatos a não apenas uma mas a várias estatuetas do Oscar): “American gangster”. É o trabalho mais recente de Ridley Scott, com Denzel Washington e Russel Crowe – uma bem contada biografia de Frank Lucas que “revolucionou” o mercado de heroína nas ruas de Nova York, entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 (as datas coincidem com a guerra o Vietnã, não é por acaso – ela foi, digamos, o canal para que o império de Lucas florescesse).

Reparou as aspas no parágrafo anterior? É que “revolucionar” algo tão sórdido quanto o mercado de drogas não é exatamente algo a ser celebrado… Mas o estranho de “American gangster” é que toda a história de Frank Lucas parece uma celebração. Sim, ele era um herói. Sim, ele ajudava muitas pessoas. Sim, ele era um homem de fortes princípios morais e religiosos. Sim, ele era um filho dedicado, irmão atencioso, e marido apaixonado. O único problema era que ele exercia todos os papéis junto com sua atividade principal: vender heroína de qualidade melhor do que a que estava disponível nas ruas de Nova York naquele tempo por um precinho muito mais camarada do que o concorrente – como descreve o filme, pela metade do que a máfia (italiana) oferecia. Era o caos – mas um caos do qual Lucas sabia se aproveitar como ninguém.

E Russell Crowe? Bem, ele faz o papel do detetive Ritchie Roberts, um policial de princípios. Lembrou do Capitão Nascimento? Bem, digamos que os princípios de Ritchie eram um pouco mais rígidos que os do personagem de Wagner Moura em “Tropa de elite”. Quase que por acaso (quando um policial que era seu parceiro morre de overdose) ele começa a ficar obcecado em capturar Lucas – e embarca numa série de estratégias furadas, até conseguir o feito de maneira espetacular (veja bem, não estou revelando nada demais: a história do gangster é verdadeira, e o roteiro do filme foi baseado numa reportagem sobre ele publicada na “New York” em 2000.

E foi justamente na seqüência (muito bem editada) da captura (dele e de toda a gangue) que eu me incomodei de estar torcendo contra – contra a lei.

Como disse antes, o truque de fazer o público simpatizar com o bandido é bem mais descarado em “American gangster” do que em “A vida dos outros”. Desde o início, Lucas, com seus modos impecáveis, suas roupas elegantérrimas e sua voz suave, tem tudo para te conquistar. O estrago que ele e seu “negócio” fazem é mostrado em cenas fortes (basicamente pessoas injetando a heroína em cenários que vão de um banheiro sujo até um quarto imundo onde um bebê chora ao lado da mãe à beira da overdose), mas breves. E o efeito geral é que você acaba querendo que o bandido escape.

Quando você sai desse transe – alguns momentos depois de sair da sala de cinema -, seu primeiro impulso é ficar com raiva – raiva de ter sido ludibriado. Mas o filme é tão bom, entretém tanto, que não dá para condenar Ridley Scott.

zeca_cassandra20071206.jpgMuito menos Woody Allen. No seu novo filme, “Cassandra’s dream”, você não chega exatamente a torcer pelos criminosos – pelo menos não quanto você torcia para Jonathan Rhys-Meyer em “Match point”. Até porque, desde o início, você sabe que tudo vai terminar mal, já que, desta vez, ele se propôs a filmar a versão mais contemporânea possível de uma tragédia grega. Mas Colin Ferrell e Ewan McGregor (que vivem, respectvamente, os irmãos Terry e Ian na trama) esbanjam charme suficiente para te distrair da possibilidade do crime hediondo que paira por toda a história.

Já disse alguma vez, desde que este blog existe, que eu sou fã incondicional de Woody Allen? Que sou capaz de defender até mesmo “O escorpião de jade” e “Melinda & Melinda”? Não vai ser justamente “Cassandra’s dream” que vai me tirar desse culto. Até porque este último trabalho é bem melhor que os dois exemplos que eu acabei de dar – e bem mais envolvente que “Scoop – o grande furo”.

Se essa tragédia grega não é mais uma obra-prima de Allen (num conjunto que não é pequeno), é porque o diretor precisava exorcizar o Sófocles que existia dentro dele (e o fez com certo brilho). Tenho certeza de que você também vai gostar do filme – no dia (sabe-se lá quando) em que as distribuidoras brasileiras resolverem lançar ele por aqui.

Police para quem precisa

seg, 03/12/07
por Zeca Camargo |
categoria Todas

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Sim, o trocadilho é infame. Duvido até que eu tenha sido o primeiro a usar nessa temporada de expectativa para o “show da década”! Mas que aspecto dessa vinda do Police ao Brasil não é infame?

Como eu sempre costumo suplicar, calma. Quem escreve é um antigo fã do próprio The Police, que, em fevereiro de 1982, quando ainda gozava da tenra idade de 18 anos, pegou ônibus em São Paulo e veio até o Rio para assistir ao que também era anunciado como o “show da década”, no Maracanãzinho. O mesmo cara que quase bateu o carro uma vez por ter entrado em transe ouvindo “Every breath you take”. Que, na época em que achava que ia seguir carreira de  DJ, tocava “Canary in the coalmine”, para a perplexidade da pista. Que até o comecinho dos anos 90 ainda tinha “Demoliton man” na lista das 20 músicas mais supreendentes da história do pop (se bem que na versão de Grace Jones…). E que teve certeza de que era um bom entrevistador quando ouviu, nos primórdios da MTV, um elogio do próprio Sting (como eu conto em detalhes do livro “De a-ha a U2”), depois de um encontro aqui mesmo no Brasil.

Por que então eu estou chamando a apresentação do Police esta semana no Brasil de infame? Bem talvez porque com isso eles me fazem lembrar de quantos e quantos discos eu já ouvi nessa minha busca do pop perfeito – e quantos anos já se passaram nessa missão… Sério! Não estou desdenhando de forma alguma a passagem deles por aqui (claro, poderia me juntar ao coro de chatos que “chegaram à conclusão” de que essa turnê não tem valor artístico algum e é apenas um caça-níquel – já dei minha opinião sobre esse fenômeno de bandas de veteranos que resolvem voltar à estrada num post anterior. Só estou usando isso como desculpa para ponderar sobre nosso (meu e seu – não se esconda!) volátil entusiasmo com o novo no pop.

Não é incrível pensar que o som do Police – hoje, tão datado quanto aquela introdução cafona de “Bette Davis eyes”, de Kim Carnes (!) – já foi considerado o que havia de mais moderno em termos de música? Será que era isso mesmo? Resolvi pesquisar o que era sucesso em 1981 – o ano em que o Police lançou aquele que é, para mim, sua obra-prima, “Ghost in the machine” – para ver se o contraste era mesmo tão grande.

Segundo o Wikipedia, alguns dos mais notáveis “singles” de 81 foram: “Endless love” (Diana Ross & Lionel Ritchie); “Physical” (Olivia Newton-John), “Tema do filme ‘Arthur, o milionário’ ” (Chistopher Cross – vixe!); “9 to 5” (Dolly Parton); “Begin the beguine” (Julio Iglesias!); “For your eyes only” (Sheena Easton). Olhando assim, claro, qualquer faixa de “Ghost” parecia catapultar o Police para o século 21. Mas a seleção acima tem um viés: escolhi propositalmente o pior das paradas daquele ano (com ênfase, inclusive, na sempre sofrível parada americana).

Vejamos por um outro ângulo, o inglês: 1981 também foi o ano de “Tainted love” (Soft Cell); “Don’t you want me” (Human League); “Ghost town” (The Specials); “Prince charming” (Adam & the Ants); e, numa colaboração que hoje pode parecer corriqueira, mas que foi bastante inovadora, “Under pressure”, que juntou o Queen com David Bowie. E isso só na lista dos “singles” que chegaram ao topo da parada britânica – a relação de outras músicas interessantes do ano, ainda segundo o Wikipedia, inclui: “Ceremony” e “Procession/Everything’s gone green” (New Order); “Planet earth” (Duran Duran); “Papa’s got a brand new pigbag” (Pigbag); “Aie a Mwana” (Bananarama); “The lunatics have taken over the asylum” (Fun Boy Three); “Penthouse and pavement” (Heaven 17); “It’s gonna happen” (The Undertones); “Once in a lifetime” (Talking Heads); “Viena” (Ultravox); “Quiet life” (Japan); “Rapture” (Blondie); e “Controversy” (Prince). Nesse contexto, onde ficava o Police? Certamente na vanguarda – mas não exatamente no “alternativo”.

“Ghost in the machine”, quando você ouve pela primeira vez (se eu me lembro bem…), pode mesmo ser um susto. Mas é preciso contabilizar que esse já era o quarto disco da banda – e o que eles estavam realmente oferecendo de novo? “Spirits in the material world”? Seria essa uma decolada radical se comparada com “Message in a bottle”, lançada dois anos antes, em  “Regatta de blanc”?

Claro que faço essa análise da confortável posição de quem está vivendo em 2007 e olhando para trás. Em 1981, a capa do meu vinil de “Ghost in the machine” estava “machucada” em todas as bordas, o fundo preto todo gasto e com marcas brancas, de tanto que eu o levava para lá e para cá, para ouvir na casa de amigos – um hábito ancestral que as últimas gerações têm certamente dificuldade em sequer imaginar… “Every little thing she does is magic” era descontruída em longas conversas regadas a vinho barato (pense em um “queijo & vinho” onde ninguém comia queijo). E uma simples discussão sobre a possibilidade de a versão do Police (na verdade, o original) para a música “Demolition man” ser melhor do que a de Grace Jones – minha favorita, como já disse – podia tomar proporções acadêmicas (o que era o verso “I’m a walking disaster”?). Mas olhado “friamente”, “Ghost in the machine” não passou no teste do tempo. E não vamos nem discutir “Synchronicity”…

Contudo, para justificar o título deste post (obviamente emprestado dos Titãs), eu preciso de Police. Por que então eu estou interessado em ver o show deles no Brasil? Certamente para fazer uma perversa comparação com a lembrança que eu tenho do Police de mais de vinte anos atrás – ainda que eu nem precise juntar muitas evidências para provar que vai ser um espetáculo ligeiramente constrangedor (talvez até mais constrangedor para mim do que para eles). Sim, eu ainda tenho vontade de escutar (algumas) canções quer foram sucesso. Mas duvido que qualquer coisa que eu possa presenciar no próximo sábado provoque em mim a mesma reação que eu tive quando ouvi, na semana passada, um dos CDs que trouxe das férias: “Untrue”, do Burial. Trouxe outras coisas interessantes – Yeasayer, Vampire Weekend, Ours, Trentemoller, entre outros (até, ironicamente, um relançamento de 1980 que está sendo aplaudidíssimo pelos mais alternativos, “Gyrate”, do Pylon. Mas nada como “Untrue”).

Mas já estou um pouco avançado no texto para começar a falar desse disco (aliás, vários deles merecem um post exclusivo). Assim, junto com uma forte recomendação para que você corra atrás de Burial o mais rápido possível, vou só esclarecer que desde que ouvi “Maxinquaye”, do Tricky, não ficava tão impressionado com alguma coisa que saísse de uma caixa de som. Aliás, impressionado não é nem a melhor descrição: quando, depois de uma seqüência de murmúrios enigmáticos, a primeira música finalmente começa, o registro é de pavor. A sensação de que você está ouvindo uma coisa realmente nova é – eu quase já tinha esquecido – devastadora. Como uma música é capaz de fazer a gente se sentir assim?

Bem, quem sabe eu, se tiver a chance, pergunto isso ao Sting…



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