“Mi robot bajo el agua querido”
Meus cumprimentos aos onze (se eu contei direito) visitantes que acertaram, quase sempre em cheio, onde eu tirei, na semana retrasada, a foto do post anterior: estava diante do Malba – Museu de Arte Latino Americano, em Buenos Aires, Argentina -, que abriga, entre tantas obras preciosas, o “nosso” “Abaporu”, pintado por Tarsila do Amaral (mas também peças importantes, não só de brasileiros, como de outros artista do continente, de Helio Oiticica a Frida Kahlo, Lygia Clark ou Guillermo Kuitca – a lista é longa). Bravo! Alguém até chegou a arriscar (corretamente) o nome do artista responsável pelo trabalho que aparece na imagem, em exposição na frente do belíssimo museu: Sergio Avello. Bravíssimo!
Mas deixaria aqui a menção honrosa a todas as tentativas – que prazer ver que tantas pessoas estão antenadas com as possibilidades de espaços contemporâneos no mundo todo. Aliás, gostei até de quem sugeriu que eu estava mesmo é no Brasil… por que não? Agora que todos os comentários estão liberados (alguns antigos com a resposta certa, por um problema de edição, foram aprovados no fim-de-semana, mas eu achei que dava para disfarçar e “sustentar” o suspense), é possível avaliar as outras pistas sobre o lugar onde eu estava.
Buenos Aires, cidade elegante? Confere. Povo hospitaleiro? Confere? Ruas movimentadas? Confere. Come-se e bebe-se bem? Alguma dúvida? E dança-se sem culpa? Claro! Tenho tanta coisa pra falar de Buenos Aires, que já fico até pensando se vai sobrar espaço para falar especificamente de música… Afinal, é nessa cidade, no bairro de Palermo Viejo, que fica uma de minhas lojas de disco favoritas do universo, a Miles – endereço onde encontrei verdadeiros tesouros, quase sempre ajudado pelos peculiares atendentes da loja (não achei um endereço virtual da loja, mas se quiser encomendar alguma coisa por email, aqui vai: [email protected]).
Antes das canções, porém, uma geral das várias razões que você tem para descobrir a cultura pop argentina (ou, quem sabe, redescobrir). Para começar, a literatura. Não vamos nem falar de Borges, para não cair no óbvio… Que tal partir de algo mais contemporâneo, como Juan José Saer – que tem alguns de seus melhores livros lançados no Brasil, como o genial “A ocasião” (Companhia das Letras) ou “O enteado” (Iluminuras)? Ambos são livros pequenos, mas de uma dimensão labiríntica, de uma prosa absurdamente sofisticada, e com recompensas altamente prazerosas. Não muito diferente, a não ser pelo tamanho, do trabalho de um outro autor Alan Pauls – de quem estou atualmente lendo o denso e hipnótico (e não menos labiríntico) “O passado”, recém-lançado pela CosacNaify. Talvez seu nome tenha chamado sua atenção recentemente pelas notícias de que o diretor Hector Babenco adaptou esse trabalho para o cinema. Mas, para que esperar o filme quando o livro já está nas lojas – e as férias de julho se aproximam?
Falando em Babenco, o nome de Manuel Puig lhe seja mais familiar? Afinal de contas, “O beijo da mulher-aranha” foi um sucesso mundial (há algumas décadas, é verdade – você está desculpado/desculpada se tem menos de 20 anos…). Porém, antes mesmo do lançamento do filme, em 1985, eu já havia me apaixonado pelas narrativas de Puig (o primeiro que li foi “Boquitas pintadas” – e logo fui buscar o resto), cuja obra está sendo relançada agora pela José Olympio. Mas voltando rapidamente a Pauls (que, diga-se, é convidado da Flip agora no mês que vem), como não ficar obcecado por um autor que, para descrever o caminho dos olhos de seu protagonista num salão de um restaurante de estrada, onde ele é obrigado a descer no meio de uma viagem, usa a seguinte frase:
“Passou pelo balcão de alfajores, pelos livros, onde um romancezinho de capa sanguinolenta debruçava-se temerariamente em sua pequena sacada de metal, pelo revisteiro onde enlanguesciam os jornais do dia anterior; sobrevoou os contornos das cabeças dos companheiros de viagem, e quando voltava à própria mesa seguindo o piso em tabuleiro, justo quando a Vera do sonho, que se esquecera de algo fundamental, subia novamente a escada que tinha acabado de descer e um velho telefone começava a tocar em alguma parte do castelo, seus olhos toparam com uma cara enorme, muito séria, que ocupava todo seu campo visual.”
Recuperou sua respiração? O livro é construído por passagens assim, uma atrás da outra, que ao mesmo tempo que te tiram o ar, fazem com que você não pare de ler até quase perder os sentidos. Ainda não estou nem perto de terminar “O passado” (esse trecho é da página 159 da edição brasileira, a menos da metade do volume), mas já sei que esse é daqueles que não quero acabar logo – quem sabe um dia eu escreva mais sobre isso aqui, quem sabe quando o filme for lançado…
O que me faz lembrar que um dos cinco melhores roteiros que eu já vi nas telas é o de um filme argentino: “Nove rainhas”. Dirigido por Fabián Bielinsky (que morreu há um ano, quando estava em São Paulo, fazendo um “casting”), e brilhantemente interpretado por Ricardo Darín (queridinho inclusive de platéias brasileiras, que mantiveram “O filho da noiva” quase um ano em cartaz por aqui) e Gastón Pauls, “Nove rainhas” conta a história de dois tranbiqueiros envolvidos num golpe mirabolante. Não posso falar nada além disso sem tirar seu prazer de assistir ao desenrolar da história (se você ainda não viu… corra atrás!). Só quero acrescentar que alguns roteiristas de Hollywood (de filmes como “Zodíaco” e “O bom pastor”, por exemplo) poderiam aprender alguma coisa com esse filme sobre como desenvolver uma trama complicada de maneira simples em menos de duas horas…
Quer continuar nos filmes? Ah… Novamente me vejo diante do dilema do espaço… Já estou adiantado nos parágrafos, e ainda nem comecei a falar de música… Nem passei por fotografia (Buenos Aires tem um time vibrante de fotógrafos contemporâneos – entre eles Gustavo di Mario e Diego Levy, para citar dois que me vêm rapidamente à cabeça. Nem pelas artes – pois nem tudo começa (ou termina) no Malba… São dezenas de galerias espalhadas pela cidade (sem contar os inúmeros espaços alternativos em Palermo, ou mesmo Belgrano), além de outros centros culturais incríveis, como a Fundación Proa (que ressuscitou o bairro de La Boca, resgatando-o do seu destino de armadilha para turistas).
Queria falar de moda, já que duas das minhas grifes favoritas do planeta estão na cidade – Felix e Hermanos Estebecorena, que tem o sucinto slogan “ropa de hombre”. E quria falar de comida – Restó, El Diamante, Casa Cruz, Freud & Fahler (sim, lá existe um restaurante com esse nome!) e tantos outros. Só que eu ainda nem comecei a falar de música… Pior, nem expliquei a que se refere o título deste post…
Já viu, né? Vai sobrar para quinta-feira… Gustavo Cerati, Rubin, Juana Molina, La Portuária, Miranda, Sebastián Escofet, Jaime Sin Tierra, Leo García – todos esperem! Daqui a três dias voltarei a vocês. Mas hoje, para encerrar – e para deixar um gostinho do que é o pop portenho – só vou dizer que El Robot Bajo el Agua (sim, este é o nome da banda!) é uma das coisas mais geniais que já ouvi. Encontrei-os, por acaso, como sempre, na Miles (claro!). E pouco sei sobre eles. Parece que é um projeto paralelo de Nicolás Kramer, que é o vocalista do Jaime Sin Tierra. Mas nem fui atrás de muita informação, porque, com uma música como essa…
O site da, hum, banda (?) não dá muitas pistas – pode conferir. Mas o negócio é a música. Tudo que eu tenho deles é um EP, um CD com cinco faixas, que são praticamente uma só: uma canção se funde na outra como se não pudesse existir sozinha, ou melhor, como se não fosse possível vir uma sem antes você ter experimentado a outra. A atmosfera é onírica (e “onírica” é um adjetivo que uso com muita parcimônia…) e ao se esforçar para entender as letras, sempre em tom de sussurro, você começa a perceber que está embarcando num discurso infinito, embalado por verdadeiros mantras, como o que fecha “Ich liebe dich” (sim, eles têm uma música, em bom castelhano, com esse título!), que, com o perdão da minha fraca habilidade nessa língua, reproduzo aqui (se cometer uma grande gafe, me corrija, pois não consegui encontrar o originais na internet):
“Dentro de / tus ojos / de almendra / florescen / estrellas que titilan / de alegria / en mis pupilas”
Nunca parei para contar quantas vezes isso é repetido na canção, mas a sensação é a de que é para sempre. Esse estado atemporal já vem da música anterior também, e está na que vem depois também… El Robot Bajo el Agua caiu na minha frente totalmente de surpresa e me transformou.
Já havia citado essas músicas no meu livro “De a-ha a U2″ e agora divido esse pequeno segredo aqui com você. Com um pouco de sorte, você consegue ouvir alguma coisa dessa, hum, banda (?) até quinta. Aí, então continuaremos a conversar sobre Buenos Aires…
10 janeiro, 2008 as 9:29 am
El robot bajo el agua, tem 4 CDs:
La optica espacial desde el corazon (2004)
Destrabando la palanca (2004)
Solo resta sumar (2006)
Lo nuevo de ataque (2007)
O projeto naum é paralelo a Jaime sin tierra. Nicolas Kramer ta somente trabalhando com El robot…
Ele ta morando em Barcelona e vem para Argentina uma vez por ano a grabar ou fazer apresentaçðes.
8 dezembro, 2007 as 10:53 am
Zeca Camargo escrevendo. Enfim, o holocausto está próximo.
29 junho, 2007 as 10:54 am
Zeca,
Cansei de só ter notícias suas pelo seu blog. Me manda seu telefone pra eu poder te ligar: faz + de 10 anos (!!!) que a gente não se vê e eu sonhei c/ você 2x nos últimos dias; acho que é 1 sinal!
Daqui a pouco Stéphanie de Mônaco (quem???) vai ser avó e a gente nem se ligou…(só uma referência retrô em nome dos velhos tempos).
Bjs,
Cris
27 junho, 2007 as 12:47 am
Sabe aquela pergunta: quem você gostaria de ser se…? Se adolescente eu já era sua fã (Capricho…emprestada), hoje com certeza eu gostaria de ser voc|ê quando “crescer”
19 junho, 2007 as 9:34 am
Zeca,
Você poderia me dar o endereço do restaurante
Freud & Fahler. Estou indo para B.A. agora em julho
e não consigo encontrar o endereço. Os outros que vc mencionou já conheço e são muito bons. Ah, voltei no mesmo avião que vc de Lisboa dia 16/06.
Abraços
Amaury
13 junho, 2007 as 7:34 pm
ZEEEEEECA…
Ano passado fui no lançamento do seu livro no shopping de Campinas, e você passou esse blog pra gente. Estou precisando de uma ajuda sua, vou fazer um trabalho sobre sua biografia na faculdade, você pode me ajudar????
Meu e-mail é [email protected]
OBRIGADAAAAAAA!!!
Beijos
13 junho, 2007 as 6:10 pm
Vc Zeca sempre irreverente e com uma foto mais loca q a outra.
abraço
13 junho, 2007 as 1:40 pm
Eu entrei no site do El Robot … bem ruim em termos de informação, e a foto para um nome tão sugestivo não é das melhores … Mas a música … pelo menos o pouco que ouvi é muito boa. Vou ver se consigo ouvir mais … Acabei de ouvir Te quiero … interessante. rsrs Bjos
13 junho, 2007 as 8:48 am
Dae Zeca, blz?! Bom, como já de praxe nas minhas visitas ao seu blog, 80% das coisas mencionadas não são de meu conhecimento, o que não é ruim, visto que assim sempre tenho alternativas ótimas para procurar e conferir, se realmente é tudo o que diz. Recentemente vi um filme argentino que se tornou um dos melhores que vi este ano, “Machuca”, é excelente, pena que não lembro a diretora do filme, mas vale a pena. Darei uma olhada nesta banda, pois fiquei curioso por demais, principalmente neste EP. Mas voltarei quinta para conferir outras “dicas” de música, que é o que realmente gosto. abs!!!
13 junho, 2007 as 1:38 am
Ao anônimo que me corrigiu… valeu!!! Eu tinha percebido e troquei as siglas! (falta de atenção da minha parte, sorry)… Mas acho que de uma coisa eu me lembro, rs… o prédio tem a arquitetura de Oscar Niemeyer !!!
[]s
12 junho, 2007 as 11:26 pm
Zeca,
Buenos Aires é realmente incrível! A Miles então…Dispensa comentários!
Palermo tem, sim, lugares maravilhosos. Já La Boca, bom, continua sendo uma grande furada! Programa só para turistas mesmo!
Não conhecia esse lado musical portenho, mas você, como sempre, buscando música em todos os cantos do mundo!
Beijo!
12 junho, 2007 as 8:40 pm
oi Zeca
você é maravilhoso!!!!!!!!!!!!!!!!!!
É um verdadeiro conjunto: ótimo jornalista, super inteligente, contagiante, entre outras caracteristicas, ah não posso esquecer ,vc é lindo.
Se tiveres a oportunidade de me responder ficaria muito feliz.
Eu acompanho seu trabalho há muito tempo
que por sinal é maravilhoso.
Eu queria poder ter a chance de conhecer todos os lugares do mundo, todos os cantinhos, igualzinho vc faz
Seria maravilhoso
beijos da sua fã camila
tchau!!
12 junho, 2007 as 2:33 pm
Zeca, adoro todos os seus textos….e todas as suas viagens, queria te sugerir tb falar um pouco sobre Montevidéu a capital uruguaia que tem charme de vila.
Um cheiro
12 junho, 2007 as 11:26 am
Hum, Zeca Camargo você é o cara…Bem, eu trabalhava numa agencia de intercâmbio aqui em Brasília e pude verificar que o povo tá doido mesmo pela Argentina, mais convém ressaltar que o custo de vida lá é alto, muito alto…Bem, espero que possa dar um pulinho em Cordóba, cidade universitária que só tem gente branca…afff
12 junho, 2007 as 11:14 am
Mel… em Niterói é
MAC | Museu de Arte Contemporânea de Niterói.
12 junho, 2007 as 10:59 am
a MILES é ótima! estive lá mês passado e a atendente fez confusão com o valor da compra na hora de passar o cartão. a fofa ficou tão sem graça que ME DEU outro disco, de graça e se recusou a receber por ele. gentileza e luxo total!
12 junho, 2007 as 10:45 am
Zeca,
Há 2 semanas descobri seu blog….q tdo de bom.com.br…rsrsrs
Seu emprego dos sonhos q viaja o mundo. Parabens!!!!
Sucesso!!!
Escreva a quantidade de linhas necessárias para vc…pq quem gosta de ler….lê até o final…rs
12 junho, 2007 as 10:42 am
Nossa, só vi hoje o post com a foto em frente ao Malba! tenho saudades de BsAs! Aquelas bolinhas marcam o barulho da rua em frente ao museu ne? O filme Nueve Reinas é muito bom mesmo! aquele ator ricardo darín tá em todas lá! haha
adorei o texto!
voltarei pra ler mais!
saludos!
12 junho, 2007 as 9:53 am
Oi Zeca, super oportuno o seu blog com comentários sobre a Argentina, estou tentando embarcar ( se o tráfego áereo, permitir) a trabalho e lendo o seu blog sei onde vou respirar cultura e arte com nossos hermanos.
Um beijo
12 junho, 2007 as 8:15 am
Oi Zeca vc é sempre brilhante, leio seu blog todos os dias, vc sempre tem dicas maravilhosas, mais é a primeira vez que comento, pois vc escreveu bem no dia do meu aniversário…. adoreiiiiiiiiii.
Um super beijo pra vc.