Onde as pessoas (ainda) conversam
Onde as pessoas (ainda) conversam
Desde quando ficou decidido que qualquer boteco onde você passa para tomar uma coisa, comer um aperitivo ou até mesmo jantar, tem que ter uma tela de plasma ligada transmitindo não importa o quê – filmes, competições variadas ou ainda aquela caquética forma de expressão artística que os antigos sumérios chamavam de videoclipe?
Não faz muito tempo, me lembro de ter visto algumas reportagens sobre a “febre” dos “sports bars” por aqui – mais uma tentativa constrangedora de reproduzir um hábito norte-americano: você vai num lugar para beber e… na falta de um assunto melhor, você e seu amigo (se você saiu para beber com ele, é um amigo, certo?) se viram para a TV e começam a acompanhar a partida que está passando – qualquer coisa serve, não precisa nem ser um jogo decisivo. Funciona bem lá nos Estados Unidos – já conferi. Mas no Brasil? Não somos famosos justamente por sermos bons conversadores?
Enfim, o que eram pequenos pontos isolados começaram a se espalhar – primeiro porque as TVs de plasma foram ficando mais acessíveis (pelo menos mais acessíveis para o orçamento de um botequim) e, depois, veio a última Copa do Mundo – quando, se você quisesse ter alguma clientela na hora dos jogos do Brasil, era bom ter uma daquelas maiores e mais modernas pendurada em algum canto do seu salão principal. Só que aí a Copa passou – sem comentários… – e, no lugar da tendência diminuir, ela só cresceu. E infestou não só os bares, como também restaurantes (falo, claro, baseado principalmente em São Paulo e Rio, por onde circulo mais, mas já detectei o fenômeno também em outras capitais, e posso apostar que, mesmo fora desse circuito, a TV de plasma “coletiva” chegou para ficar).
Não quero, no entanto, dedicar todo este espaço a essa ranhetice e ficar reclamando de uma tendência que eu não gosto. Já aprendi há tempos que, quando não gosto de uma coisa, deixo de usá-la/ freqüentá-la/ recomendá-la. Deixei de ir, por exemplo, a dois bons restaurantes em São Paulo por causa de uma TV de plasma (uma certa cozinha portuguesa vai me fazer falta…). Mas se as pessoas não se incomodam (pelo número crescente de estabelecimentos que adotam a mania, parece que são poucos os que se incomodam), boa sorte…
As pessoas são mesmo estranhas – não consigo entender como você chama uma turma para sair, olha um para a cara do outro, conclui que vocês não têm muito assunto e… viram-se todos para o plasma! Ainda prefiro a conversa e, por isso, quero celebrar neste post uma outra tendência, mais que bem-vinda: a das aberturas de livrarias cada vez maiores – e melhores! – por todo o Brasil.
São Paulo recebeu recentemente dois bons presentes nessa categoria: uma nova Livraria da Vila, nos Jardins, e uma megalivraria Cultura no Conjunto Nacional – bem na Avenida Paulista. Já falo um pouco mais sobre ela, mas, só para dar mais peso a essa idéia, é bom citar que outras cidades além da capital paulistana também têm o que comemorar. A Livraria Saraiva têm aberto superlojas, por exemplo, em Florianópolis, Ribeirão Preto e – soube há pouco – também em Salvador. As Fnacs, pioneiras, já estão presentes em várias capitais – para não falar da de Campinas! Em Recife, a Livraria Cultura (novamente) é um dos espaços mais bonitos para vender livros que já vi no mundo. No sul, a rede das Livrarias Curitiba marca presença não só nas capitais, mas também em cidades como Londrina e Joinville. E tem o Rio, onde a Livraria da Travessa se impõe como referência principal – especialmente num espaço que geralmente não prestigia esse tipo de estabelecimento… o shopping center!
Para não ficar só na celebração das mais grandiosas, ainda no Rio, é um prazer gastar algum tempo na Timbre e mais um pouco de tempo na Argumento (lamentei muito o fechamento da Contra Capa… mas fazer o quê?). Em São Paulo, a Livraria Boa Vista, a antiga (bem antiga) Livraria da Vila. Em Belo Horizonte, o Café com Letras. Em Santos, a …
Conheci boa parte desses lugares em eventos de lançamentos dos meus livros, mas já voltei a várias dessas livrarias por iniciativa própria. Freqüentar livrarias é um hábito antigo – e só fiz questão de escrever sobre isso porque esta semana fui conferir a nova Cultura, do Conjunto Nacional. Fiquei tão encantado com aquele lugar quanto com todos os outros que citei aqui – talvez um pouco mais pela imensidão. É a maior delas? Muito provavelmente. A mais bonita? Acho que ela encontra concorrentes fortes dentro da própria cadeia (vide o que falei sobre a de Recife). Mas não é sobre tamanho que eu quero falar, mas sim sobre a atmosfera que sempre contagia do momento em que você cruza a porta de entrada de uma livraria.
Cito a Cultura recém-inaugurada porque foi lá que, mais uma vez, me senti em casa fora de casa. Você que gosta de livros já passou por experiências assim. Você está andando com um volume na mão, alguém passa e pergunta se aquele autor é bom. Ou faz um elogio à sua escolha. Ou apenas olha com uma certa inveja inofensiva por você ter pego aquele último exemplar da prateleira. Alguém comenta que está procurando o DVD de um livro muito bom (algo cada vez mais comum, uma vez que as livrarias estão expandindo a variedade do seu estoque, vendendo CDs e DVDs). Você observa que um grupo de três senhores parecem estar sentados naquela mesa de café há dias (sim, porque qualquer livraria que se preze hoje em dia tem que ter o seu café) e quase comemora quando vê num pufe no fim do corredor duas crianças lendo o mesmo livro. Uma pessoa que você nunca viu te reconhece – e não é da TV, mas de uma outra livraria.
Pegou o espírito?
Isso pode ser aqui ou em qualquer lugar do mundo. Já vivi cenas assim na imponente Ateneu, em Buenos Aires. Ou na Pêndulo do bairro de Condessa, na Cidade do México. Na Pandora, em Istambul. Na Bertrand, em Lisboa. Na Book Soup, em Los Angeles. Nas imensas Borders de Chicago, nas inúmeras Waterstones de Londres. Na primeira Fnac que visitei (onde sempre faço questão de voltar, nem que seja por nostalgia), aquela do Forum Les Halles, em Paris – onde eu me lembro de ter ficado desorientado com a imensidão daquelas galerias… eu olhava e não conseguia enxergar o fim das prateleiras. Em tantas outras livrarias, grandes e pequenas, em Bangcoc, Tóquio, Hong Kong, Berlim – que eu não consigo lembrar o nome agora, mas certamente me lembro da visita.
Faço questão de citar esses exemplos internacionais justamente para dizer que, bem aqui, neste país onde as pessoas adoram repetir o clichê de que ele é carente de cultura – aqui no Brasil, o universo das livrarias não fica nada a dever para qualquer outro lugar. Os breves encontros que tive na Cultura esta semana (ou na Travessa, no fim de semana, ou na nova da Vila, na semana passada, ou tantos outros) me deixam confiante de que esse é um circuito que nem a mais poderosa livraria virtual será capaz de destruir – a prova de que elas são um precioso oásis, um lugar onde as pessoas (ainda) conversam.
De certa maneira, as livrarias hoje convergem todos os assuntos que eu abordo aqui neste blog – e acho mais do que justo celebrar o excelente momento que elas vivem (se hoje fosse dia de Curva de Expectativas, eu as colocaria certamente antes do “ponto de saturação”…). E, sobretudo, comemorar os diálogos que elas estimulam, a troca entre as pessoas, as possibilidades de descoberta.
Sempre é mais fácil, quando dá aquele silêncio e você se tortura para procurar um assunto com aquele seu amigo que você queria tanto sair, virar-se para a tela de plasma e tomar mais um gole da cerveja já morna… Mas eu não tenho dúvidas de que um café recheado de histórias e “causos” (tem horas que a minha mineirice escapa…), contados sem esforço, numa sala cercada de livros, é bem mais interessante. Para não dizer memorável…