Apostas 2007

qua, 27/12/06
por Zeca Camargo |
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10) Vanessa Redgrave interpretando “O ano do pensamento mágico” – uma das atrizes mais importantes do nosso tempo emprestando seu talento para um dos livros mais elogiados da década (de Joan Didion). Estréia em março, na Broadway, dirigida por David Hare. Estava sem uma boa desculpa para ir a Nova York?

9) Algumas respostas na próxima temporada de “Lost”- não precisa resolver todos os mistérios. Só alguns. Uns dois – e eu já ficaria satisfeito.

8) “Paraíso tropical” – uma nova novela de Gilberto Braga é sempre algo para se apostar. Gente linda, bem resolvida (ou, quando não é bem resolvida é boa de maldade). Diálogos afiadíssimos. A sempre sutil referência hollywoodiana. E, no final, o retrato mais moderno do que está acontecendo no Brasil. Que venha!

7) “On beauty”, de Zadie Smith, finalmente traduzida para o português – não pode demorar tanto assim… Tem que sair logo. Ainda mais num país como o nosso, os leitores não podem se privar do mais brilhante painel de um cotidiano multicultural. Nada correto politicamente, diga-se. Mas fascinante.

6) A escalação dos sonhos – não falo de futebol, claro, mas de palco. Qual é o festival que vai ter coragem de juntar The Knife, The Horrors, Tapes ‘n Tapes, Juana Molina, Paul Weller, The Books, Guther, Diane Cluck, Adem, The Fratellis, Nicole Willis, Dungen, 120 Days, Hot Chip, The Legends Regina Spektor, Spank Rock, The Organ, Sufjian Stevens e The Maccabees? E, já que estou pedindo, alguém pode trazer também o The Cramps? É que deu saudades…

5) Saem pingüins, entram suricatos – preparados para o “bicho da hora”? O animal está prestes a sair do seu status “cult” de série no Animal Planet (canal a cabo) para conquistar as grandes telas. Segundo informa o “New York Times”, nada menos que dois documentários de suricatos estão a caminho. “Bye bye happy feet”…

4) “Antonia”, agora definitivo – bom o aperitivo. Aliás, ótimo. Agora que deu certo – São Paulo, pense em periferia de São Paulo! – a série merece um horário definitivo na televisão.

3) Talento de verdade recebendo Oscar – não coloque dinheiro em nenhuma dessas apostas, mas seria legal, só para fazer diferente em 2007, a Academia premiar talentos – e não lobby. Helen Mirren, Forest Whitaker, o roteiro de “Pequena Miss Sunshine”… são tantas as (boas) escolhas. Não é possível que eles vão insistir no mesmo erro.

2) Gilbert & George e Hélio Oiticica na Tate Modern, Londres – provavelmente as duas exposições mais esperadas de 2007 – e no mesmo museu! Gilbert & George em fevereiro, Oiticica em junho. Se a primeira suscita o frisson de que existe uma possibilidade de eles repetirem a performance conhecida como “The living sculpure”, a segunda é a prova definitiva de que os ingleses se renderam aos parangolés. A dominação mundial do gênio Oiticica está completa.

1) 100 anos de Niemeyer – se essa não for uma data que vale a pena comemorar, não sei mais o que vale.

Conhecidos

qui, 21/12/06
por Zeca Camargo |
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Domingo passado, em entrevista ao “Fantástico”, logo depois de o Internacional ter ganho o Mundial de Clubes de 2006 (bravo!), o jogador colorado Alexandre Pato dava o seguinte depoimento sobre a sinistra honra de ter jogado ao lado de Ronaldinho Gaúcho (sinistra, claro, pelo resultado do jogo), tendo assim finalmente chegado perto do seu ídolo: “Só conhecia ele do videogame”.

Apresentando o programa ao vivo, como estava, quase engasguei. Fui tão surpreendido pela frase que mal registrei a continuação dela (na íntegra, ele disse: “só conhecia ele do videogame e da televisão”). Mas o curioso aí é justamente a primeira parte da frase. Já temos uma geração inteira (e futuras virão) em que as pessoas acham que conhecem as outras por um universo totalmente virtual. Pato, com seus 17 anos, é certamente representante dela. E vai tentar explicar que “conhecer” não é um verbo conjugado com personagens virtuais. Ou é?

A rigor, nem quando você vê alguém na TV, poderia dizer que conhece esse alguém. Conhecer, apertar a mão, ver como ela é de perto, poder analisar suas feições, seus tons de voz, seus traços, sua reações e tirar disso algumas conclusões sobre a pessoa para quem você acaba de ser apresentado – isso significa “conhecer”. Mas, vá lá. Diante da inundante (e irreversível) presença das imagens no nosso cotidiano, é possível até aceitar que as pessoas conheçam as outras pela televisão – ou pela imagem transmitida por computador (já que essas coisas vão se fundir daqui a pouco…). Eu mesmo experimento isso ao encontrar pessoas na rua, que me tratam com uma intimidade que já nem é intimidadora. Chega a ser confortável.

Mas “conhecer” uma pessoa pela representação virtual dela? Será essa a nova fronteira das amizades? Não quero nem entrar aqui em discussões mais “profundas”, que envolvam Second Life (www.secondlife.com) ou Habbo Hotel (www.habbo.com.br). Os planos de relacionamento estão cada vez mais imaginários – e as conseqüências disso são imprevisíveis. Faço a reflexão sobre o que o jogador do Inter disse sobre Ronaldinho apenas como um exercício que, de certa forma, resume a experiência do livro que escrevi e lancei este ano. Achei que isso daria um bom fechamento para as atividades deste blog em 2006.

O livro, “De a-ha a U2″ (editora Globo), reúne 53 entrevistas com artistas nacionais e internacionais que fiz ao longo de quase 20 anos de carreira. Além das bandas citadas no título, Radiohead, Cazuza, Madonna, Mick Jagger, The White Stripes, Renato Russo, R.E.M., Mariah Carey, Jennifer Lopez – dezenas delas, num sacudido mix de estilos musicais. Qual foi exatamente o critério para escolher essas entrevistas (entre quase cem que fiz nesses anos todos)? A história por trás desses encontros.

Já citei rapidamente o livro aqui quando escrevi sobre minha entrevista recente com os Beastie Boys. Retomando em linhas rápidas, optei falar sobre os bastidores, porque as próprias entrevistas geralmente são tolas: os artistas quase sempre querem dar só respostas que eles já decoraram sobre assuntos sem graça. Como você pode constatar no livro, quando a entrevista sai desse contexto é que ela fica legal. Mas aonde eu quero chegar é…

Depois de todos esses contatos – pessoais, diga-se – com essas mega-celebridades, será que eu posso falar que as conheço? Que linha é essa que define a intimidade entre duas pessoas? Entre um ídolo e seu fã? Entre um político e seu eleitor? Entre dois amigos – ou dois amantes? Se você já trocou toda a intimidade sexual possível por MSN com alguém que conheceu na internet, é possível ter alguma surpresa quando vocês finalmente se tocarem? É possível se apaixonar (ou, no exemplo que inspirou este texto, idolatrar) um personagem de videogame? Por que rimos de um Borat (ele de novo) que fica obcecado por Pamela Anderson Lee, mas ouvimos a frase de Pato com a maior naturalidade?

Num questionamento mais pessoal, posso falar que conheço bem todas as pessoas que entrevistei? Pincelo brevemente essa questão em capítulos como o de Alanis Morissette, Pretenders, Green Day – e o próprio U2. Não sei exatamente o quanto vou gastar da minha breve folga de Natal e Ano Novo pensando nisso. Mas posso, outrossim, convidar você a refletir comigo.

Para tanto, ofereço aqui um bônus de fim de ano: um capítulo “perdido” do meu livro. Por uma questão de espaço, vários artistas acabaram ficando de fora na edição final – Peter Gabriel, Jamiroquai, Santana. Ah, e também Celine Dion. E é justamente esse que reproduzo aqui – exatamente como ele estava revisado, pronto para entrar no livro, quando nos deparamos com o número de páginas final da primeira edição – quase 700! Elas “caíram” para 470… O que vou fazer exatamente com esse material que não coube, ainda não sei. Mas mostrar alguma coisa aqui não é uma má idéia…

Assim, aqui está, de presente, um capítulo inédito de “De a-ha a U2″. Este blog volta com novas idéias dia 4 de janeiro de 2007. Num rápido balanço, tem sido divertido trocar essas idéias com você – especialmente você que diz que não me lê, mas surpreendentemente chegou até este parágrafo (e provavelmente vai seguir em frente)! Para o ano que vem, além de votos de tempos um pouco menos turbulentos e conversas um pouco mais esclarecidas, deixo aqui meu compromisso de trazer mais discussões sobre qualquer tesouro ou aberração que possa cair nessa malha nada fina que costumamos chamar de “cultura”.

Agora, com você, uma velha “conhecida” minha: Celine Dion.

“Um disco por segundo. Era isso que se acreditava que Celine Dion vendia lá pelos últimos dias do século 20.

Números sempre foram um conceito meio elástico no pop. Tal banda chegou a 5 milhões de discos (nos Estados Unidos? No mundo?). Outra ganhou um disco de platina (quantas cópias precisam ser vendidas mesmo para se chegar a essa marca? Cada país não tem um limite diferente?). Uma cantora lançou o disco de estréia de maior sucesso da história do rock (quando essa história começou mesmo? E quem conferiu esses lançamentos desde o início?). Fulaninho quebrou todos os recordes de venda (que recordes? Todos?) Meio vago, não?

Refiz as contas para este livro: um disco por segundo, 3.600 por hora, mais de 600 mil em uma semana (604.800, para ser exato). E, num ano, 31 milhões e 536 mil discos. Se Michael Jackson vendeu algo em torno dos 60 milhões de cópias de Thriller no mundo todo até hoje (ou pelo menos este é o número, mais uma vez elástico, encontrado em uma pesquisa rápida na internet) – e Thriller é muito provavelmente o disco mais vendido da história -, se Celine Dion vendesse mesmo um disco por segundo, bem… vamos começar do zero.

Talvez ela vendesse isso mesmo, num período menor. Do jeito que ela fazia sucesso entre 97 e 99, talvez em alguns meses tenha chegado a 2,5 milhões de álbuns, muito perto do número de segundos que um mês de trinta dias tem: 2 milhões e 536 mil. Nessa época, quem ligasse o rádio e conseguisse escapar de ouvir ‘My heart will go on’ (tema do filme ‘Titanic’) pelo menos por um dia poderia ser considerado alguém de sorte.

Assim, quando fui entrevistá-la, no final de 1998, não foi sem uma certa reverência por alguém que dominava tão predatoriamente todas as paradas de sucessos do mundo. Que tipo de ‘monstro’ seria Celine Dion? Que tipo de artista era essa que conseguia emocionar toda noite centenas de pessoas numa platéia ao subir num cenário que lembrava a proa de um navio e cantar como se recriasse a famosa cena do filme que era um dos maiores sucessos de todos os tempos – como se o próprio Leonardo di Caprio estivesse ao seu lado beijando Kate Winslet?

Eu já tinha visto a cena em vídeo e estava prestes a presenciá-la ao vivo. O show ia começar em menos de uma hora, e eu perambulava nos bastidores de um teatro gigantesco em Phoenix, Arizona. Já havia sido informado de que Celine era extremamente pontual em seus compromissos, mas como eu, mineiro, sempre gosto de chegar cedo, tinha um tempo para matar até a hora marcada. À minha volta, dezenas de pessoas atarefadas, rádios enfurecidos transmitindo ordens de última hora, ‘cheque isso’, ‘cheque aquilo’ – nada podia dar errado. Muito menos a entrevista, pensava eu.

Talvez não fosse uma das artistas mais cool, mais legais que entrevistaria na minha vida. Mas e daí? Há momentos em que nossa curiosidade tem que travar uma batalha ferrenha com nosso gosto pessoal – e se você gosta do que faz, como jornalista, sabe que seu gosto pessoal vai perder essa luta. Eu estava ali para fazer uma matéria para o ‘Fantástico’, e tinha certeza de que milhões de pessoas que assistem ao programa tinham interesse pela mulher ‘que cantava o ‘Titanic”, como eu já havia ouvido alguém se referir a Celine Dion. Apesar de admirar sua voz, seu repertório não está entre os meus 574 favoritos – sem falar que nunca gastei um segundo pensando se deveria ter um disco dela (e assumo isso, não com desdém, mas como mero registro). Pensava nisso enquanto passeava por aqueles bastidores, e não demorei a concluir que, para voltar com uma boa entrevista, era melhor eu não me encantar com a agitação à minha volta e me concentrar.

Fazendo justiça à sua fama (de pontual), Celine apareceu no camarim, especialmente decorado com flores e plantas para nossa entrevista, com menos de cinco minutos de atraso – negligenciável pelos parâmetros do show biz. Ao seu lado, René, seu empresário, guru, farol, fixação, todo-poderoso assessor de imprensa, agente, marido – e, alguns anos depois do nosso encontro, pai de seu primeiro filho.

René não apareceu na reportagem (ele quase nunca aparece), mas fez parte da nossa conversa – uma parte tão grande que vale a pena eu começar contando sobre ela. De cabelos cacheados e usando uma maquiagem ligeiramente pesada, Celine parecia cansada. Enquanto falávamos de música e de sua carreira (sucesso, repertório, turnês), ela tinha um ar quase enfadonho, assumia um tom de voz protocolar (ainda que estudadamente entusiasmado) e respondia como se estivesse recitando um press release. Mas quando começou a falar de René, toda a atmosfera mudou.

Era como se estivesse se referindo a uma divindade. Sua voz se transformou,. e o ritmo da conversa parecia ter acelerado. Sem sair da sala, o maridão ouvia cada palavra da cantora com aqueles olhos meio saltitantes de quem ouve pela primeira vez uma cantada (desculpe o trocadilho inevitável…). Mas o que dizia Celine de René? Que ele havia transformado sua vida. Eu tinha algumas informações sobre a história dos dois: que eles se conheceram quando Celine tinha doze anos; que ele ficou encantado com seu canto; que ele construiu sua carreira desde então; que eles um dia se apaixonaram, apesar da diferença de idade de vinte e seis anos; que eles passaram a viver juntos vinte e quatro horas por dia; que carreira e romance se tornaram uma coisa só. Juntando tudo isso ao discurso apaixonado que eu ouvia, fiquei realmente admirado.

Não deveria ser a primeira vez que ela desfilava suas emoções na frente de René, mas o fazia com uma espontaneidade convincente, de quem estava abrindo seu coração. Eu estava quase caindo na armadilha quando lembrei que, mais que uma cantora, Celine Dion era uma ótima atriz! Era com esse poder de atuação que ela fazia seu show todas as noites, que convencia tanta gente de que seu coração iria em frente – traduzindo toscamente o refrão do seu maior sucesso… Ela só estava adaptando sua capacidade de atuação ao que era importante naquele momento: convencer aquele jornalista (e os prováveis milhões de brasileiros que assistiriam à entrevista) de que nada era mais importante que seu amor por René. Não tenho por que duvidar da veracidade desse amor (só para dar um exemplo, a história entre eles sempre foi tão forte que, quando René teve um câncer na garganta, ela cancelou sua farta agenda de shows e encarou um baita prejuízo para ficar a seu lado). Mas, percebendo que ela fazia questão de me convencer disso, fiquei incomodado.

Sem querer partir para uma discussão filosófica sobre minha profissão, naquele instante me senti um pouco usado. Claro que a edição final da matéria seria minha. Eu escolheria depois o que usar ou não de toda a entrevista – nunca me esqueci disso. Mas as coisas ficam sempre confusas nesse universo tão nebuloso das celebridades e do show business. É claro que eu queria falar com a artista que vendia um disco por segundo – quem não queria? Mas não queria ouvir histórias contadas como se ela tivesse ligado a tecla do piloto automático. Não fiquei imediatamente bravo com Celine. Artistas do seu calibre são treinados para falar com a imprensa, porque nem sempre o talento que eles têm para a música se traduz em um dom também para responder a perguntas. Daí o treinamento. Estou acostumado com isso – e até me divirto em encontrar soluções para quebrar essa barreira da ‘entrevista pronta’, oscilando entre histórias de sucesso (Jennifer Lopez) e de total frustração (a própria Celine). Claro que me dá muito prazer conversar com artistas que não têm um protocolo na manga (confira, por exemplo, a entrevista com Chrissie Hynde, dos Pretenders, ou todos os encontros com Alanis Morisette – para citar apenas alguns momentos incluídos neste livro). Mas quando não dá… não dá!

E ali, com Celine Dion, percebi que não ia dar. Continuei a entrevista, claro. Mesmo com grande resistência, tentei descobrir como ela ‘farejava’ um sucesso (um feeling, disse ela, sem explicar muita coisa), se ela acompanhava a venda de seus discos (disse que não, mas sem muita convicção). Sobre o sucesso, ela contou – sem emoção – que antes batia em várias portas pedindo para ser ouvida, e agora eram as pessoas que batiam à sua porta. E, num rasgo de informalidade, pareceu fazer uma confissão sincera quando disse que no dia-a-dia anda pelas ruas sem vaidade – e, quando alguém a reconhece, não tem nenhum constrangimento de admitir que é a própria Celine Dion e ‘pedir desculpas’, dizendo que está num dia de folga…

A matéria, no final, ficou direitinha. Não tinha o direito de deixar pesar sobre ela esses meus questionamentos tão… teóricos! Só que eles me acompanham até hoje. Celine Dion já não vende mais um disco por segundo. Mas até hoje o quarto de hora que passou comigo rendem dezenas de reflexões por minuto.”

Nova Curva das Expectativas Flutuantes:

seg, 18/12/06
por Zeca Camargo |
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texto curto, figuras – e tudo em português!

Quer coisa mais prática para entreter nesta tão atribulada semana de Natal? O “alívio”, claro, não é só para você, que me lê, mas para este que te escreve – ou você pensa que não estou prevendo passar pelas mesmas coisas que você de hoje até domingo que vem: atribulações, correrias, amigos secretos (em São Paulo), outros tantos ocultos (no Rio), presentes de última hora, leituras impossíveis de completar até o final do ano – fora as músicas não ouvidas (ou mal ouvidas) que cruelmente não serão considerada para minha lista pessoal de melhores do ano -, pequenas tensões, cansaço físico generalizado, torpor, encontros forçados com conhecidos distantes, ceias, ceias e mais ceias?

Por isso, este post curto e direto de hoje – que para algo que pretende ser curto e direto, já tem uma considerável cota de vírgulas, parênteses e travessões… À Curva então!

Para quem perdeu a primeira (que você pode consultar aqui), uma explicação rápida: trata-se de um gráfico totalmente lúdico e nada científico sobre as manias culturais da temporada; o que todo mundo está esperando para experimentar, o que está nas graças do gosto popular, o que já está passando um pouquinho desse ponto, o que está sendo crucificado e o que promete voltar da ressaca de exposição. Só lembrando também, esta não é uma idéia original, mas sim tirada da mesma seção da revista americana “New York” – tão boa que achei que valia a pena reproduzi-la numa certa periodicidade, com o foco no nosso não menos sacudido cenário cultural.

O que está pegando – ou não?

O maior consenso da temporada é a exposição concebida por Bia Lessa no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, celebrando os 50 anos do livro “Grande Sertão: Veredas”. O Brasil, que tem poucas chances de acompanhar a tendência das mostras-espetáculos dos museus estrangeiros ganhou agora não apenas um exemplo de como trazer um tema “difícil” ao grande público, mas uma montagem que vai além de muita coisa que se vê lá fora.

Enquanto a onda de almanaques chega de fato ao ponto de saturação (com volumes sobre temas tão específicos como a Jovem Guarda, o Fusca, quadrinhos, um dedicado ao Madame Satã – clube seminal da noite paulista – não pode estar distante…), uma certa banda com uma certa cantora chamada Fergie experimenta também uma onda de superexposição – quem sabe o show da noite de revéillon na praia de Ipanema não vai ser uma chance de redimi-los? Chance aliás que o filme “muito além do trash” “Turistas” jamais terá. “Borat” idem – e se você me perguntar como um filme que nem estreou no Brasil já está nessa categoria… bem, culpe a mídia (este blog inclusive!).

Voltando à música, nada vai bem – ou quase nada. Se o funk carioca experimenta uma espécie de ressurreição nas rádios (e nas pistas!), o pop atinge novos limites de mediocridade, seja na área mais vulgar (como na parceria “social” de Paris Hilton com Britney Spears) ou na mais “respeitada” (My Chemical Romance).

Mas sempre há uma esperança. A novela “Vidas Opostas”, apesar de não vingar na audiência, está recebendo uma curiosa atenção – e até elogios – dos mais “descolados” (você acha que eu não ia usar meu adjetivo favorito?). E mais boas notícias devem chegar às nossas telas, quando “Dreamgirls” (absolutamente glorificado pela imprensa americana) – uma recepção que, se o pré-bochico em torno do filme de “A Grande Família” for algum sinal, vai se reproduzir também para o cinema nacional.

Pronto! Rapidinho, não? Se você achou curto demais, na quinta-feira, um bônus de final de ano te espera aqui neste blog… Em tempo: como da última vez, vale o alerta de não levar a Curva muito a sério. Melhor ainda: não quer fazer a sua também? Isto é, se você tiver algum tempo livre esta semana…

“El Mundo no Escuchará – El Karaoke de Los Smiths”: o outro Phil Collins

qui, 14/12/06
por Zeca Camargo |
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Quanta injustiça no mundo. O prêmio Turner, o mais importante de artes plásticas na Inglaterra foi anunciado no último dia 4 e, ao contrário do que desejei aqui mesmo neste blog, quem levou este ano não foi Phil Collins. A vencedora foi a pintora Tomma Abts – uma escolha extremamente curiosa, que vale a pena comentar uma outra hora (para mais informações dobre o Turner, vá até www.tate.org.uk/britain/turnerprize/2006). Hoje é dia de escrever de Phil Collins, o outro Phil Collins, não o músico, mas o fotógrafo e vídeo-artista – o grande injustiçado do Turner Prize deste ano.

Claro, Phil Collins não precisa de mim para defendê-lo. Já é um artista para lá do consagrado. Mas estranhas coincidências me colocaram diante de vários de seus trabalhos e, a cada uma delas, fui me tornando cada vez mais um admirador. A ponto de hoje eu achar que ele é simplesmente o artista mais interessante de todo o cenário contemporâneo mundial. Nossa! É isso mesmo? É isso mesmo.

Para alguém cujo trabalho já é interessante desde 2000, conheci Phil Collins tardiamente. Por acaso, numa exposição coletiva montada na Hayward Gallery de Londres, em 2005, que se chamava “Universal Experience”. Me interessei pela mostra, evidentemente, porque era uma reunião de trabalhos que tratavam do deslocamento geográfico – espontâneo (turismo) ou não (refugiados). Era sensacional a exposição. E entre tantas obras geniais, um vídeo exibido em um pequeno monitor me chamou atenção mais que tudo: “how to make a refugee”, por Phil Collins.

O título significa “como fabricar um refugiado” e o trabalho era simplesmente Collins registrando, com uma câmera digital, os bastidores de uma sessão de fotos de uma “revista de estilo” (revista de futilidades?) inglesa não-identificada, que estava com uma equipe na fronteira da Macedônia fazendo uma reportagem sobre uma família de refugiados de Kosovo. Normal. Ou quase. Seria normal, se os produtores da revista não fizessem de tudo para… “produzir” a foto: mostrar mais a cicatriz no torso de um garoto de 15 anos; esgarçar um pouco mais as roupas para ampliar a noção de abandono; desarrumar um pouco o boné dele para acentuar o descaso; juntar a família toda em um sofá apertado para exagerar a pobreza das condições em que eles viviam. E tudo sendo registrado em vídeo pelo artista, inclusive diálogos entre os produtores – constrangedores fragmentos de uma conversa entre pessoas que não ligavam a mínima para o que estava acontecendo com os personagens fotografados e queriam apenas as imagens mais apelativas (e, ironicamente, ao mesmo tempo, glamurosas!).

O vídeo tinha pouco mais de dez minutos. Assisti a ele umas quatro vezes. Era de uma transparência comovente. Estava ali, clara, explícita, a dissociação que o mundo “civilizado” (reforço nas aspas) faz do sofrimento do resto do mundo. Sunsan Sontag, em “Diante da dor dos outros”, só que brutalmente ilustrado. Tenho as imagens desse trabalho gravadas permanentemente na minha memória – e só isso já me bastaria para consagrar Phil Collins (que é inglês) como um artista interessante.

Mas daí vieram outras coincidências – todas as outras este ano. Em 2006 tive a chance de passar várias vezes por Londres (trabalho, sempre trabalho!), e, numa dessas visitas, fui à Tate Britain, simplesmente dar uma olhada no acervo. Passeando pelas galerias, escuto ao longe (mas num volume certamente altíssimo), a música “The boy with the thorn in his side”, dos Smiths. Não preciso dizer que qualquer coisa dos Smiths sempre chama minha atenção. Mas por que essa música estava tocando tão alto num museu? Meus ouvidos me levaram até uma sala cuja placa na porta informava: “they shoot horses” (2004), Phil Collins. Bingo! Avançando por um corredor escuro, encontro dois vídeos projetados nas apredes com imagens de dois grupos de adolescentes palestinos sacolejando ao som de uma bizarra seleção de músicas pop ocidentais: uma maratona de dança de dois dias onde cinco garotos e quatro garotas se moviam em ritmos inconstantes diante das câmeras sem parar… Esqueci a programação que tinha feito para aquele dia e fiquei quatro horas sentado naquela sala. Experiência sublime.

Exemplo de uma seqüência de músicas: “Bizarre love triangle”, New Order; “Rasputin”, Boney M; “YMCA”, Village People; “Cosmic dancer”, T-Rex. E eles dançando – angelicais. O título do trabalho é uma referência ao filme de 1969 com Jane Fonda (no Brasil rebatizado de “A noite dos desesperados”), baseado no livro homônimo (“They shoot horses, don’t they?”), sobre as maratonas de dança nos Estados Unidos que viraram mania na época da grande depressão. A ligação com os jovens palestinos de hoje não era nada sutil. E o resultado era emocionante (voltei algumas vezes na Tate este ano para ver outros trechos do vídeo que tem um total de sete horas).

Na mesma viagem, outra coincidência: na Photographer’s Gallery, no Soho londrino, entre os indicados para o prêmio do ano da instituição estava ele: Phil Collins. Dessa vez, o vídeo era com pessoas que responderam a um anúncio que ele havia colocado nos jornais de Istambul (Turquia) e Bogotá (Colômbia), chamando fãs dos Smiths para cantar sucessos da banda em frente a uma câmera. “El mundo no escuchará – el karaoke de los Smiths”, dizia o texto do anúncio em espanhol… E o resultado estava sendo exibido na sala do fundo da Photographer’s Gallery. E era de chorar.

A candura com que aquelas pessoas se expunham diante da câmera, reproduzindo músicas que não foram feitas dentro do contexto da cultura daqueles países (mas que obviamente tinham um apelo universal) era mais que chocante: era de trazer lágrimas – especialmente para aqueles que, como eu, cantavam (e ainda cantam) “Panic”, “Bigmouth strike again”, “Shakespeare’s sister” e “There is a light that never goes out” a plenos pulmões quando ninguém está olhando. O impacto desse trabalho sobre mim foi devastador demais para descrever aqui.

Por isso, passo adiante para a obra que o colocou na seleção do prêmio Turner deste ano: “the return of the real”. Dessa vez, ex-participantes de “reality shows” da TV turca, estavam diante da câmera para contar como tiveram suas vidas transformadas (geralmente para pior) depois da “celebridade” que os programas lhes trouxeram. Histórias extraordinárias, sempre. Do homem que se passou por refugiado para chegar à Alemanha, à mulher que foi abusada sexualmente na pré-adolescência por seu padrasto no interior da Turquia, os relatos são assustadores. Aborrecidos, muitas vezes, já que os depoimentos duram uma hora e não tem qualquer edição – e são em turco (com legendas em inglês). Mas a mensagem devastadora de Collins está lá: as pessoas adoram as câmeras e, diante delas, mal se dão conta do absurdo do cotidiano em que vivemos que elas quase sempre se prestam a revelar.

Collins não ganhou nenhum prêmio este ano. Como já disse, o Turner, ele perdeu para Tomma Abts. E o da Photographer’s Gallery, para Robert Adams. Injustiças, injustiças – se bem que bem diferentes daquelas que ele insiste em mostrar em sua obra. No lugar de reclamar de um mundo tão injusto, faça você mesmo seu julgamento: aqui mesmo na internet você pode fazer a festa procurando por trabalhos seus na internet (existem até gravações piratas do trabalho sobre o karaoke dos smiths no YouTube – se você quiser arriscar… bem ruins, mas dá para ter uma idéia do que se trata). Se quiser pedir um livro de seus trabalhos em alguma loja virtual, os melhores são “I only want you to love me” e “yeah… you, baby you”. Você pode até participar de um de seus trabalhos – um “filhote” do projeto “the return of the real”, contando sua experiência de ter aparecido num programa de televisão no site www.shadylaneproductions.co.uk – que tal?

Mas sobretudo olhe além de seus trabalhos. Para o estranho mundo das imagens. Para todas as maneiras como elas nos enganam. E nos tornam mais ridículos – se nós permitirmos. Pode ser que você chegue a uma conclusão meio triste (aconteceu comigo…). Mas não fique chateado! Segunda-feira, você vai encontrar aqui bons motivos para se animar com uma nova Curva de Expectativas Flutuantes!

Onde Phil Collins – o fotógrafo! – se encaixaria nela? Bem, tem coisas que não são do plano terreno, mas do divino…

Quando todo mundo convivia em paz

seg, 11/12/06
por Zeca Camargo |
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Sim, já houve um tempo em que todo mundo convivia em paz. Pelo menos no mundo da música. Da música pop. Eram os anos 80, e o manual da boa vizinhança chamava-se “Smash Hits”. Como se fosse preciso uma outrav prova de que a década dos excessos está em alta, as livrarias britânicas (às quais você pode ter acesso com um clique no seu mouse) já receberam o volume “The best of Smash Hits – the 80’s”: quase duzentas páginas (mais um pôster do Wham! posando numa praia, provavelmente de estúdio…) com tudo que você nunca admitiu mas sempre quis saber dos astros do período mais divertido (e constrangedor) da música pop, incluindo 15 capas da revista com o Duran Duran (recordista), sete com o a-ha, seis com Madonna, cinco com o Culture Club, quatro com o Depeche Mode, três com o Haircut 100 (quem?), duas com o The Cure e uma verdadeiramente histórica: com Morrissey (The Smiths) e Pete Burns (Dead or Alive). Se você acha que a única música que vale a pena ser feita é a do vídeo incluído no meu post anterior, prepare-se para o pior…

Por outro lado, se você acha que o mesmo vídeo é o último degrau da expressão humana, a discussão aqui talvez não seja para você… Isso porque o espírito da “Smash Hits”, pelo menos nessa época, era o mais eclético possível. A revista inglesa foi fundada 1978 e sobreviveu, moribunda, até este ano – mas só foi relevante mesmo ali, entre 1980 e o comecinho dos anos 90. Foi entre esses anos que o pop inglês fugiu do controle do bom gosto e criou músicas e bandas (e figurinos) tão bizarros (e tão sensacionais) como Haysi Fantayzee (que fez, na minha opinião, um dos discos mais divertidos e brilhantes da década, “Battle hymns for children singing”), Adam and the Ants (nobreza pop), Sigue Sigue Sputnik (que eu acho, até hoje, que vale a pena ouvir), Strawberry Switchblabe (inacreditável!), Bow Wow Wow (do mesmo mentor dos Sex Pistols, Malcolm McLaren), Doctor and the Medics (esqueça) e The Cure. The Cure? The Cure, sim. Só porque a música deles sobrevive (sobrevive?), eles não merecem entrar nessa relação de artistas com roupas ridículas e maquiagem exagerada? Vamos aparando esse preconceito aí, e seguindo em frente.

Era como se o punk nunca tivesse acontecido. A expressão, perfeita para descrever o pop dos anos 80, não é minha, mas de Dave Rimmer, autor do livro “Like punk never happened”, de 1986. Pegou o espírito? Rimmer argumentava que, depois de toda a liberdade, a explosão, a falta de regras, a ironia, o descompromisso que o punk ensinou ao mundo, era como se uma borracha tivesse sido passada – e tudo que os músicos queriam então era se fantasiar e cantar músicas ultra-produzidas. Cito o livro aqui de memória, pois só o li uma vez, há vinte anos. Mas me lembro do vago tom de decepção e, ao mesmo tempo, de celebração de uma nova fase da música. Era uma bobagem só, mas uma bobagem muito divertida, com milhares de fãs, com um visual novo (era a década do nascimento do videoclipe, lembra?), com boa música e até certa credibilidade – até que veio o grunge e acabou com a festa toda (mas não vamos falar disso agora…).

E que festa que foi! Boy George se fantasiava de gueixa e o Wham! visitava a China. Frankie Goes to Hollywood tinha um sucesso estrondoso com a faixa mais pornográfica a dominar as paradas mundiais (“Relax”) e os Beastie Boys passeavam de carrinho de trombada entre os shows da sua turnê inglesa. Um bando de artistas (na verdade, um mega elenco) se juntava para acabar com a fome da África (Band Aid, “Do they know it’s Christmas?”) e Morrissey posava para uma foto com um gatinho no colo e uma placa que dizia “meat is murder” (“carne é assassinato”, na tosca tradução do slogan vegetariano). E o próprio Morrissey posava para uma foto ao lado de Pete Burns. Por que eu insisto nesse encontro? Porque ele é a essência da falta de preconceito musical daquela época.

Explico. Nos anos 80, talvez só o New Order despertasse mais devoção e respeito do que os Smiths (cujo líder era, claro, Morrissey). Ao mesmo tempo, poucas pessoas tinham a coragem de ser tão debochadas quanto Pete Burns, cantor do Dead or Alive. Não se lembra? É dele aquela música que é sucesso nas pistas até hoje, mas que muitas pessoas têm vergonha de dançar, a não ser que elas tenham bebido um pouco além da conta e já tenham jogado longe suas inibições, como acontece nessas sempre constrangedoras festas de fim de ano com o pessoal do escritório – e você sabe do que eu estou falando… Qual é a música? “You spin me round (like a record)”. Ah… lembrou…

Enfim, você precisa ter muita coragem para juntar esses dois artistas. Na entrevista (impagável), publicada no final de 85, o tom da conversa era… era… era… Bem, a certa altura, Morrissey dizia que o maior talento de Pete era ser “incansavelmente excitante” em todos os sentidos, e Pete respondia: “ele não é adorável?”. Preciso ir adiante?

Rock “sério”, discoteca “trash” – não importava. Para chegar à “Smash Hits”, só precisava fazer sucesso. Está na parada? Entrou! Assim, além de tantas bandas que os mais esnobes consideravam (e consideram ainda) “um lixo” (Kajagoogoo, Bros., Thompson Twins, The Human League, Bananarama – Bananarama! Meu Deus! Uma banda com esse nome!!), na galeria de capas da revista você encontra nomes “respeitados” como Echo & the Bunnymen, Teardrop Explodes, Simple Minds, Depeche Mode, The Clash (!), Bauhaus (!!), John Lydon (!!!) e Jesus and Mary Chain (!!!!). Sem contar aquelas bandas que ficavam justamente na área cinzenta do pop, entre a respeitabilidade e o descartável: Eurythmics, Tears for Fears, Sade, ABC, Madness, Neneh Cherry, Pet Shop Boys (Neil Tennant, que trabalhou na revista até 1985, faz a introdução do livro “The best of Smash Hits”, exaltando, aliás, a época de ouro do pop britânico), The Style Council… e Haircut 100 – que bem merece a pergunta que eu fiz acima: quem?

Eu poderia fazer um post inteiro sobre Haircut 100. Mas este já está mais uma vez ficando longo – e eu ainda nem cheguei onde eu quero chegar evocando a “Smash Hits”, que é num pequeno incidente numa loja de discos no mês passado em Londres. Mas, para não deixar passar em branco, além de serem protagonistas de uma das 5 capas mais legais da “The Face” (outra revista que vale a pena ser comentada aqui um dia), o Haircut 100 fazia o pop mais leve que já se teve notícia. Suas canções parece que vinham com um certificado de alegria instantânea, e muitas delas faziam o Duran Duran soar como “heavy metal”. Sem contar que é a única banda no mundo que eu desculpo por ter usado e abusado do saxofone (desculpe o pleonasmo; eu sei: qualquer uso do saxofone é um abuso…). Acabei de visitar o site deles (haircut100.net) e fiquei um pouco abalado ao ver como eles estão hoje, numa foto de um show recente de reunião da banda… Mas a memória do prazer de escutar “Pelican west” (o disco de estréia da banda, e o único com Nick Hayward) não se apaga.

Fechando esse parênteses… Eu poderia ir muito adiante aqui descrevendo as maravilhas do “Best of Smash Hits”: dos pôsteres de página inteira dos nem sempre superstars (confesso que tive de ir à internet para me lembrar de quem era Clare Grogan) à seleção das letras de música mais absurdas que a revista publicou – algumas favoritas: “I eat cannibals”, de Toto Coelo, “21st century boy”, do Sigue Sigue Sputnik, e “Close (to the edit)”, do The Art of Noise (uma letra que é basicamente a repetição de dois sons, “dum-dum” e “tra-la-lá”; juro). Ou poderia comentar sobre as coisas mais estranhas que estamparam suas páginas, da mais obscuras (a capa com uma artista que eu achava que só eu conhecia, Mari Wilson – não confundir com a ex-Supreme quase homônima!) à mais “conceituada” (acredite, a “Smash Hits” entrevistou Margareth Tatcher!).

Mas eu tenho que fazer uma ponte com os dias de hoje – nem que seja só para você não achar que os elogios à revista é um mero exercício saudosista. Desde o tempo em que eu lia a “Smash Hits” me condicionei a ir atrás de qualquer recomendação musical, desde que viesse de uma fonte que eu confiasse. Não era só a “Smash Hits”, mas também a já citada “The Face”, “NME”, “Trouser Press” (nossa!), “The New York Times”, “Wallpaper” – qualquer publicação que eu gostasse de ler, eu pegava as indicações e tentava comprar depois, mesmo sem ter ouvido antes. Acabei tendo a mesma atitude quando entro numa loja de CDs e vejo as sugestões dos funcionários: compro na mesma hora, também sem ouvir. E sempre me preparo para surpresas – boas ou ruins.

A internet ajudou um pouco nisso: quando pego uma dica num site, quase sempre é possível ouvir pelo menos um trecho da música e saber se eu gosto ou não para comprar. Mas nas lojas de disco, não é toda vez que dá para ouvir tudo. Assim, mês passado, lá estava eu na Sister Ray, no bairro londrino do soho, quando me vejo de frente de uma parede de recomendações. The Killers, Guillemots, The Maccabees, “Get Cape. Wear Cape. Fly, The Draytones, CSS. Inevitavelmente, levei todos. E ouvi todos logo ao chegar no hotel. Você que é mais esperto já deve ter adivinhado minha surpresa quando eu descobri que CSS é… Cansei de Ser Sexy, a banda brasileira mais levada a sério Inglaterra desde… bem, vamos admitir logo que essa é a primeira banda brasileira levada a sério na Inglaterra!

O sucesso, claro, não vem sem uma ressaca (vide a minha definição de ressaca na primeira Curva das Expectativas Flutuantes, publicada aqui mesmo neste blog; e aguarde: a nova versão sai na semana que vem). Inserções insistentes nas listas dos melhores e piores do ano na música dos colaboradores aqui do G1 geraram aprovações e críticas nos comentários… Meu veredito? Bem, eles merecem. Nem que seja pelo simples fato de terem me dado um 180 graus e terem me feito comprar às cegas um “single” tão recomendado…

Tenho certeza de que, se a “Smash Hits” ainda existisse, o CSS sairia em alguma capa em 2007 – e não teria a menor vergonha disso…

Devem os vocalistas escrever sobre comida? Alex Kapranos: estudo de caso

qui, 07/12/06
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Devem os vocalistas escrever sobre comida? Alex Kapranos: estudo de caso

Nunca achei que fosse viver esse dia: os CDs em Londres hoje custam menos do que no Brasil. Na cadeia de lojas semi-alternativas (“cadeia de lojas” e “alternativa” soa como improvável para você? Não em Londres…) Fopp, recém inaugurada na Tottemham Court Road, centenas de títulos trazem o preço claramente marcado na frente: cinco libras esterlinas. Digamos que, num câmbio ruim, isso dá pouco mais de R$ 20. E, como qualquer garoto ou garota que passeia pelos corredores abastados das megalojas de disco daqui percebe logo, a média de preços de um CD nacional está acima dos R$ 30. E depois dizem que Londres é a cidade mais cara do mundo…

Já havia juntado um punhado dessas “ofertas” (na verdade, o preço normal…) na minha cesta de compras quando resolvi descer no subsolo da Fopp para checar a seção de livros. E foi lá que encontrei “Sound bites”, de Alex Kapranos. Para os mais desavisados que ainda não reconheceram o nome do título acima, ele é o vocalista da banda Franz Ferdinad – que até hoje eu tenho dificuldade de assimilar…

Talvez tenha sido pela famosa capa do semanário musical inglês NME (“New Musical Express”) que trazia sobre a foto dos então desconhecidos escoceses a manchete: “Essa banda vai mudar sua vida”. Mesmo que venha de uma autoridade como o NME, eu prefiro quando eu descubro as bandas que vão mudar a minha vida (Young Marble Giants, Violent Femmes, Puffy, The Books – para citar apenas algumas que me ocorrem agora, fora as escolhas mais óbvias como Smiths, De La Soul, Talking Heads…). Talvez por isso, imediatamente registrei a banda como petulante, e, quem sabe, essa é a razão de eu nunca ter lhe dado o valor devido.

Não que seus discos não sejam bons. São ótimos! Para não falar do único show deles que assisti, na abertura do show do U2, este ano, no estádio do Morumbi, em São Paulo – que foi sensacional! (Notou os pontos de exclamação?) Ainda assim, coloco o Franz Ferdinand na categoria de “gostos adquiridos”, bandas que eu tenho que me esforçar para gostar. Assim, foi com uma certa relutância que tirei “Sound bites” da prateleira para ver do que se tratava. O subtítulo dava mais uma pista: “Comendo em turnê com o Franz Ferdinand”. Curioso. Será que tinha uma passagem pelo Brasil? Claro que tinha! Li rapidamente o capítulo – de apenas duas páginas – que descrevia uma tarde de abusos carnais numa famosa churrascaria de rodízio no Rio, com destaque para a plaquinha (tão familiar para nós e naquelas páginas reproduzida num desenho tosco) vermelha de um lado e verde do outro, que sinalizava qual deveria ser o fluxo da comida para os comensais. Interessante.

O capítulo seguinte era sobre Buenos Aires e tinha também um relato de refeição numa churrascaria, onde Kapranos experimentou testículos de búfalo. “Antes de o prato chegar, eu tentei imaginar como eles seriam. Achei que eram do tamanho de um limão. Fiquei surpreso quando vi que não eram muito maiores do que os meus”. Ainda interessante. Abri em um outro capítulo aleatoriamente – página 52, escala da turnê em Milão, Itália. Comendo pelas ruas da cidade: “Quando voltávamos, o carro foi tomado pelo cheiro de gordura quente, jornal e vinagre misturados com o aroma de vinil dos bancos bege”. Nada mal. Mais uma chance? Por que não? Página 96, em Toronto (Canadá), tentando descobrir qual a etnia de um restaurante onde a banda parou para comer: “Tinha iogurte, salsinha, lentilhas e limões no cardápio, mas junto tinha uma lista de vodcas. Talvez ucraniano? Georgiano? Lá dentro, um casal coçava a barriga como gatos de desenho animado que acabaram de lanchar um ratinho”. Bingo! Comprei o livro.

Li em menos de uma manhã. E já reli alguns capítulos. Escreve direitinho esse Alex Kapranos. A descrição de uma ostra sendo degustada pela primeira vez pelo baterista do Franz, Paul Thomson, tem tons nabokovianos: “A pequena criatura cinza reluz sob a luz de velas. Ele a empurra pelos lábios. Ele mastiga. Uma careta. Ele mastiga mais um pouco, rolando-a para os molares do outro lado. Um franzir desesperado das sobrancelhas e uma engolida”. E o humor se mistura com o trágico ao narrar o atropelamento de um pombo em Paris, enquanto eles pediam “salade niçoise” em um bistrô: “Engasgamos coletivamente. Ele olha para nós com uma pasmada expressão de ‘o que eu fiz de errado?’, cambaleia na nossa direção e sob as rodas de um Renault”. Se pelo menos eu tivesse lido alguma coisa de Kapranos antes de ouvir um disco do Franz Ferdinand…

O vocalista, quando jovem, trabalhou como assistente de cozinha e, acidentalmente, até passou por chef. Nota-se uma mordacidade nos seus comentários culinários e, mais de uma vez, suspeita-se de má conduta nos bastidores de um restaurante (“a lá” cuspir no prato do freguês antes dele ser servido). Ficção e biografia se misturam numa leitura divertida que eu torço para ter logo uma tradução por aqui (o livro é, na verdade, uma coletânea de artigos que ele escreveu a pedido do jornal inglês “The Guardian”). Posso apostar que vai agradar não só aos fãs da banda…

E se o vocalista de uma banda que me entusiasma “médio” pode escrever algo tão interessante, estou com as expectativas nas alturas para ver algum texto – se é que ele um dia vai existir – de Faris “Rotter” Badwan sobre o que ele come depois de seus shows. Não conhece? Não tem problema: eu também não conhecia até algumas semanas atrás. Ele é o vocalista do The Horrors, a banda mais podre que surgiu desde o Cramps (pensando melhor, talvez eu não queira muito saber o que o Horrors comem depois dos shows…). Basta um minuto e quarenta e dois segundos para você constatar essa “podrêra”.


Está no YouTube, claro, o vídeo de “Sheena is a parasite” que o excêntrico diretor Chris Cunningham (vide “All is full of love”, de Bjork, ou “Windowlicker”, de Aphex Twin) fez para a banda – e que foi aparentemente banido da MTV. Por que? Será que foi por causa da “criatura” que aparece quando a menina que está dançando levanta saia? Julgue você mesmo.

Nem álbum direito eles têm (um está prometido para 2007, se eles consguirem juntar mais do que dez canções). Tudo que consegui foi um EP (“extended play”), com cinco faixas: – a quase perfeita “Sheena” (102 segundos), a frenética “Death at the Chapel” (com seu enxutos 112 segundos), a estranhíssima “Jack the ripper” e a impossível de descrever “Crawdaddy Simone”. Ah, tem também “Excellent Choice”, mas as palavras me fogem… Para quem gosta de referências, além do Cramps, jogue um pouco de Ramones, The Clash, Black Sabbath, e até uma pitada de Velvet Underground.

Pareço entusiasmado? Você deveria ter me visto escutanddo esse EP pela primeira vez… Agora já estou meio acostumado… a surpresa já passou. Mas o entusiasmo, obviamente não… E tudo isso, quem diria, por menos do que eu pagaria por um CD prensado no Brasil nas melhores casas do ramo…

“Odd”

seg, 04/12/06
por Zeca Camargo |
categoria Todas

A melhor revista que já existiu chamava-se “Spy”. Durou pouco (1986 a 1991, na sua melhor encarnação), como as coisas boas. Americana, criada e escrita quase que inteiramente em Nova York, ela era uma revista – resumindo injustamente seu conteúdo em uma frase só – que satirizava dois universos ainda emergentes na época: o dos yuppies e o das celebridades. Digo emergentes, claro, porque hoje – quem não sabe? – todo mundo é yuppie e celebridade. Mas, mais sobre a “Spy” assim que um casal amigo meu que prometeu me trazer de Natal dos Estados Unidos depositar o recém-lançado livro com as melhores reportagens da revista em minhas mãos.

Citei a “Spy” agora apenas para justificar o título deste post (ou quem sabe, intuitivamente, pensando que os dois artistas de quem vou falar poderiam muito bem ser personagens da revista se ela ainda existisse). A justificativa é a seguinte: em uma de suas colunas mais memoráveis – ou “boxes”, como a gente chama em imprensa – eles faziam uma lista de produtos encontrados em supermercados pelo mundo com nomes que soavam engraçados em inglês. Como “odd”, por exemplo. Para a maioria dos brasileiros consumidores, o título acima remete mais à prateleira de detergentes de um supermercado. Mas “odd” é bem mais que isso.

O primeiro dicionário online que consultei me deu quatro significados (e nenhum deles combina muito com um detergente!): ímpar, desemparelhado, ocasional (ou casual), e estranho (ou bizarro). E é justamente o último deles que eu queria usar para descrever duas experiências recentes em Londres: a exposição “In the darkest hour there may be light”, na Serpentine Gallery (mais estranha que bizarra) e o filme “Borat: cultural learnings of America for make benefit glorious nation of Kazakhstan” (mais bizarro que estranho). Primeiro, a exposição.

Pequena como é, a Serpentine Gallery (situada nos jardins de Kensington, no Hyde Park londrino) é uma das instituições artísticas mais influentes da cena contemporânea. De Gabriel Orozco a Cindy Sherman, de Takashi Murakami a Oscar Niemeyer, de Thomas Demand a Ellsworth Kelly – todas as exposições montadas por lá são provocantes e pertinentes. Essa que inaugurou no sábado retrasado (25 de novembro) para o público não é diferente. “In the darkest hour…” é uma amostra da coleção pessoal do artista britânico contemporâneo mais notório (e atrevido?), Damien Hirst.

Você pode não conhecê-lo, mas se tem um mínimo de interesse em artes plásticas certamente já esbarrou os olhos em sua obra mais famosa: um gigantesco tubarão de verdade conservado num enorme tanque líquido. Lembrou? (se não lembrou, aproveita que você está na internet e dá uma busca rápida no seu nome; satisfação garantida…). Pois a última provocação de Damien é mostrar, não trabalhos seus inéditos, mas sua coleção de obras de outros artistas contemporâneos (e do século 20) que ele nada modestamente – como se vê em suas constantes aparições na imprensa – se orgulha em adquirir avidamente. Um Francis Bacon aqui, um (ou dois) Andy Warhol acolá… Mas a maioria dos trabalhos que ele selecionou para a exposição é de artistas que têm menos de 20 anos de carreira: Sarah Lucas, Tracey Emin, Gavin Turk, Angus Fainhurst, Bansky – a lista é enorme…

O que eles têm em comum: a evocação da morte. A explicação é do próprio Damien que sempre se refere a isso nas entrevistas recentes (exemplo de um pensamento seu: “arte é a coisa mais próxima da imortalidade que conseguimos produzir”). Se existe uma coisa que esse cara gosta mais de falar do que morte é sobre o valor que ele paga pelos seus quadros – cifras nos milhões de libras esterlinas, evidentemente. Morte e dinheiro, repetidos à exaustão, martelados na consciência da legião de fãs do artista (que, pelo menos na Inglaterra, é tratado como um “pop star”). Tanto que é inevitável ver nessa insistência um jogo mental do próprio artista para distrair o observador. Se você aceitar o convite, o risco é todo seu.

Eu, por exemplo, não me arrependi. Nas apertadas salas da Serpentine, fiz questão de me espantar/deliciar com o caixão de néon de Sarah Lucas (“New religion”), a estupenda imagem de um olho (humano? animal?) de John Isaacs (“The incomplete history of unkown discovery”), as caveiras de Steven Gregory, o enorme pássaro preto sobre um pedestal de espelho de Jim Lambie (“The byrds – black parrot”), o quadro antigo com uma interferência moderna de Bansky (“Modification of oil painting no.7″), a foto de um frango depenado de pernas abertas colocado no ventre de uma dolescente por Sarah Lucas (sim, de novo, ela é genial), e, já que é para repetir, um outro trabalho de John Isaacs: a impressionante perna (só a perna) mutilada de um cowboy gordo (os detalhes do fêmur exposto são particularmente repugnantes). Foi agradável/terrível até reencontrar, neste novo contexto, uma daquelas cadeiras elétricas de Andy Warhol.

Impossível não sair um pouco perturbado da visita à coleção de Damien Hirst – mais perturbado até do que saí de outras exposições dedicadas exclusivamente aos seus trabalhos. Quando você acha que vai respirar, encontra, do lado de fora de Serpentine, mais algumas esculturas enigmáticas (como o gorila sem braço, de Angus Fairhurst e o cavalo puxando uma carroça de legumes gigantes de… Sarah Lucas, mais uma vez). De repente, é como se você percebesse que a perversidade de Hisrt (descontada a ironia) não é privilégio só dele… Tem mais de onde ele veio – e eles estão se reproduzindo! O nome da coleção é “murderme” (junto assim mesmo, como se traduzisse “mateme”). E essa pequena expressão te acompanha em cada passo que você der depois dessa visita – mesmo que você esteja andando sobre a relva do Hyde Park…

(nota curiosa: Damien Hirst foi o vencedor de 1995 do Turner Prize, o mais prestigioso de toda a Inglaterra – cujo anúncio é manchete de todos os jornais do dia, inclusive na TV… Você pode imaginar isso por aqui?… Bem, a coincidência curiosa é que o deste ano será anunciado hoje. Escrevo isso antes de saber o resultado, mas vamos torcer para o meu candidato ganhar: Phil Collins – não aquele que você está pensando, mas um homônimo dele. E assim eu posso fazer um post inteiro dedicado ao seu trabalho – que é sensacional)

Como disse lá em cima, a coleção de Damien Hirst era “odd” – mais estranha do que bizarra. E o filme “Borat” que assisti também nessa passagem por Londres não é menos “odd” – ainda que mais bizarro do que estranho.

Explicar exatamente quem é Borat Sagdiyev daria um trabalho enorme (se você quiser, tem até uma biografia – de ficção – dele na wikipedia). Para simplificar vamos dizer apenas que ele é o personagem cômico mais hilário que apareceu recentemente na televisão mundial. Seu criador é o ator inglês Sacha Baron Cohen – que é também o “pai” do bem menos engraçado Ali G. Borat conseguiu um sucesso moderado no circuito “cult” nos últimos cinco anos. Mas foi agora, com o lançamento do filme nos cinemas americanos e europeus que ele estourou.

O título da versão de suas aventuras para o cinema (traduzido aqui no espírito do próprio Borat) já conta parte da piada: “Aprendizados culturais da América para produzir benefícios à gloriosa nação do Cazaquistão”. Ou seja: Borat, um repórter “kazakh” de TV, deixa sua cidadezinha (filmada na Romênia, diga-se), onde ele pratica seus passatempos favoritos – pingue-pongue, “disco dancing” e banho de sol (de onde vem a famosa foto dele com um maiô verde-limão) – e parte para uma série de “choques culturais” na convivência com os americanos. O resultado só não é mais hilário porque, do meio para o fim do filme, uma esquisita sensação de incômodo vai te dominando.

Filmado como um documentário (as pessoas que interagem com o “repórter” não sabem que ele é um comediante e respondem seriamente suas provocações até perderem a paciência), “Borat” é uma grande “pegadona” – quase angustiante. As minhas seqüências favoritas (sem entregar muito, não se preocupe) são as com um grupo de feministas, com a instrutora de etiqueta e no culto evangélico. Tem também, claro, a cena em que ele luta pelado com seu empresário que o acompanha na viagem… Em nenhum filme de terror que assisti vi uma reação tão histérica da platéia: enquanto ele se engalfinha com Azmat (seu um tanto obeso produtor) – e com isso rebatiza uma das posições sexuais mais notórias (qualquer londrino engraçadinho vai te contar que “fazer um 69″ agora se diz: “fazer um Borat”) – o público, especialmente o feminino, urra. Isso mesmo: urra de horror.

As gracinhas de Borat estão vindo com um preço alto: praticamente todas as pessoas que ele cruzou no filme estão processando a produção – inclusive a cidade romena usada como cenário! Todos assinaram um consentimento de uso sim, mas dizem que foi de má fé… Hummm… Será que eles teriam se preocupado tanto com sua imagem assim se “Borat” não estivesse sendo o sucesso de bilheteria que foi? (até a semana passada, já tinha chegado nos US$ 110 milhões só nos Estados Unidos). Bem, para que se perder em perguntas tão “filosóficas” quando é possível apenas rir das situações bizarras expostas no filme?

Vi “Borat” e a coleção de Damien Hirst num espaço de menos de 24 horas – e ainda estou destilando os efeitos de tanta estranheza no meu repertório de coisas favoritas dos últimos doze meses. Eu sei, ainda é um pouco cedo para fazer aqueles batidos balanços de fim de ano (vou evitar até o último recurso, mas não sei se sairei vitorioso do desafio…).

Mas só por essas duas amostras, já posso dizer que 2006 foi um ano muito “odd”. Ímpar?



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