Pratos
Falei que ia escrever sobre a Bienal. E vou. Mas não agora. Até vou, mas “por tabela”. Vou começar pelo livro que terminei de ler, “Murder in Amsterdam”, de Ian Buruma – infelizmente ainda sem tradução para o Brasil. É o mais perfeito retrato do desafio que a Europa enfrenta hoje. Em breves linhas, Buruma, nascido na Holanda (mas mora nos Estados Unidos, onde leciona no Bard College), tenta entender o que aconteceu com seu país de origem analisando dois crimes notórios que lá acontecerem neste século: o assassinato do polêmico político (holandês) Pim Fortuyn, e o do cineasta (também holandês) Theo van Gogh.
Mais sobre o livro – e sobre as profundas reflexões que ele provoca – num outro momento. O que eu queria destacar sobre ele aqui é uma expressão que eu nunca tinha visto e que me pareceu extremamente representativa desses nossos tempos. Você já ouviu falar em “dish city” – ou “cidade de pratos”?
Buruma usa a expressão (que certamente não foi criada por ele) para descrever bairros inteiros em cidades da Holanda que não têm nenhuma relação com a cultura holandesa. Justamente por causa dos “pratos” – ou “dishes”, como é chamado, em inglês, aquele discos que recebem sinais de televisão por satélite. “Dish city”, ou “cidade de pratos”, é como se chamam os subúrbios (em sua maioria muçulmanos) das grandes cidades européias, onde todas as informações chegam pelas TVs via satélite, das emissoras do Oriente Médio. Resumindo bem, o termo designa populações inteiras que vivem completamente alheias ao cotidiano de onde moram – “bebem” todas suas informações de emissoras que falam sua língua e estão sediadas a quilômetros de distância, em países onde nasceram os pais e avós de gerações que hoje se sente extremamente deslocadas numa Europa que não sabe exatamente o que é.
Por que escrever sobre as “cidades de pratos”? Primeiro porque elas refletem um sinal dos tempos – não preciso nem me alongar sobre isso (preciso?). Segundo, porque, estranhas como parecem, elas parecem ser um antídoto à globalização cultural. Não importa o quão cosmopolita é a cidade em que você vive (São Paulo inclusive). As ligações com sua “cultura de origem”, graças à tecnologia, vão ser sempre mais fortes, e deverão sempre se sobrepor às influências externas – da cidade onde você vive.
Agora imagine que você viva numa “dish city”. Toda a informação que você recebe vem da região onde sua família, ou pelo menos a cultura dela, se originou. Será que você seria capaz de se “integrar” numa sociedade multicultural? Se o exemplo holandês parece muito distante, imagine uma analogia com o Brasil: você sai do Ceará, tentar a vida em Santa Catarina, mas você continua ouvindo o noticiário da sua cidade, as mesmas músicas que suas primas que ficaram por lá, as mesmas referências que você encontra desde a sua infância. Mas você trabalha em Santa Catarina. Onde você… “mora”? Onde você vive?
O exemplo brasileiro é só uma alegoria, claro. As conseqüências de um “intercâmbio” como esse entre a Europa secular e a crescente população islâmica européia são… eu diria “imprevisíveis” se nossa mera observação em cima dos fatos do noticiário do dia-a-dia já não nos apontassem a resposta. Nós sabemos o que está para acontecer. Ou melhor, nós o esperamos a cada noticiário. Quem não teve a certeza, num primeiro momento, que o acidente com um avião na última quarta-feira em Nova York não tinha a ver com um ataque terrorista?
Mundo complicado… E eu só queria falar de pratos… Não só os que compõem uma cidade, mas também de um outro prato, tão grande que pode ser chamado de espelho – e que está em plena quinta avenida em Nova York. Deixa eu falar dele: é uma obra do famoso escultor anglo-indiano Anish Kapoor: um enorme disco prateado que reflete o céu sobre o Rockfeller Center e inevitavelmente atrai a atenção de quem passa pela avenida mais popular dos Estados Unidos. Eu estive lá há algumas semanas e vivi essa experiência. É de mexer com seu labirinto.
A peça é gigantesca. Reflete, sem pedir licença, uma boa parte do céu (daí o título “Sky Mirror”) e uma fração ou outra do imponente Rockfeller Center. Aproximar-se dela significa deitar-se sobre um precipício infinito e entregar qualquer possibilidade de estabelecer contato com as dimensões do mundo real. É vertiginoso. E genial.
A obra de Anish Kapoor está de passagem pelo Brasil. Chegou pelo Rio de Janeiro, onde uma modesta (ainda que brilhante) retrospectiva de seus trabalhos atraiu multidões no CCBB até algumas semanas atrás – e agora pode ser visto de hoje até janeiro de 2007 em Brasília. Modesta talvez no tamanho, mas imensa na repercussão. Eu mesmo fui visitá-la no Rio e, escondido num canto do lobby central, admirei por quase uma hora a coluna de fumaça que ele criou naquele espaço – e pude ver como as pessoas que visitavam todas as galerias não conseguiam acreditar no que seus sentidos as informavam.
Da mesma maneira, mergulhei no grande prato de Nova York (que fica lá até o final deste mês). E mais uma vez me entreguei às tentações sensoriais de Kapoor. A mesma exposição que já passou pelo Rio e está agora em Brasília chegará a São Paulo em janeiro e poderá ser vista até abril de 2007. Eu reluto muito em usar esse adjetivo, mas aqui nada poderia ser mais apropriado: imperdível.
Mas, pelo menos para os paulistanos, quem não tem Anish Kapoor caça com… a Bienal! Este texto já ficou longo demais para um blog. Vou falar mais sobre a maior exposição de arte internacional no Brasil numa outra oportunidade. Até porque não a visitei de maneira apropriada. Fui correndo, enquanto tentava colocar de pé uma reportagem – que acabou não acontecendo.
De tudo que vi, porém (correndo, repito), o que me chamou atenção foi um vídeo cujo autor nem tive tempo de anotar o nome (prometo checar isso quando voltar a falar da Bienal). Mas que achei poderosa. E – veja que coincidência! – tem a ver com “pratos” também: trata-se de um vídeo projetado numa tela enorme de um gato (muito bonitinho, malhado de cinza e branco – e que até se parece com o meu) comendo um rato morto no meio da rua. Só isso. Filmado bem de perto, o vídeo permite que você observe cada detalhe da refeição (ou “prato”) do felino. Até mesmo o momento em que ele, já com a maior parte do rato no estômago, ajeita seu tubo digestivo para engolir o rabinho que falta. O engulho (do espectador) é inevitável. O gato, nada sente, a não ser a sensação de ter satisfeito sua fome. Tão fofinho. Tão nojento. Não é tudo assim?
O prato do gatuno não passa de uma ação corriqueira. Aparentemente monstruosa. Mas, para quem olha de perto (o próprio gato), normal. Como as informações que chegam por tantos pratos das “dish cities” espalhadas pelos centros urbanos. Como as estonteantes realidades trazidas pelos pratos/espelhos de Anish Kapoor.
Sirva-se!
17 outubro, 2006 as 8:24 pm
Nossa, Zeca! Que delícia seu livro novo! Parabéns.
ps. não é por nada não , mas acho que a namorada de um colega seu anda postando comentários no seu blog…
17 outubro, 2006 as 9:55 am
amei seu texto … está mais abrasileirado , mais gostoso de ler ( boa leitura é aquela que nos traz informaçao e faz viajar) , assim dá pra visitar mais vezes.
beijo.
16 outubro, 2006 as 1:48 pm
Ja ta quase sem comentários ne?
Ta ficando do seu tamanho. Que blog mais TV FAMA !!! Como jornalista vc é um ótimo apresentadorcarabonita!
Pq vc não aprende a escrever com o Willian Waack?
15 outubro, 2006 as 11:47 pm
entao zeca camargo ????
estou te achando meio robert por esses tempos ,po depois do blog ir ao ar vc nao saiu mas das revistas de fofocas .virou um astro ?
so falta ser entrevistado novamente pela dupla silvio e vesgo !!!!
isso e bom ou nao ????
adorei o blog mas para mim ja esta virando uma coisa prevista cheio de elogios previsiveis !!!!
espero que nao perca o conteudo ,que e o mas importante .
po zeca e ai reporter ou astro de tv ??
zeca sua casa e linda ,parabens !!!!
tem ate comentarios sobre uma possivel ida ao canal concorrente ;;;;;;;;
agora me responde vc e casado ???
essa eu nao sei ainda !!!
mas zeca camargo te adoro mesmo assim .
vc e um otimo profissional ao falar que vc esta robert e que nao e costumeiro os jornalistas da globo revelarem sua vida pessoal .
ate mas ,
15 outubro, 2006 as 11:34 pm
zeca !!!!
adorei seu blog fiz varios comentarios elogiando o conteudo ,mas percebi algo diferente .
referente a pergunta da entrevestita do vesgo e silvio ;vc nao acha que ta meio robert por esses ultimos dias .bem com certeza vc deve saber o que e um robert mesmo sendo algo pequeno .po cara eu to te vendo ate em fotos de revistas de fofoca mostrando sua casa .por sinal bonita casa ,,,,
ate fofocas sobre sua ida para o sbt teve durante esse periodo .po cara eu te admiro muito mas vc ta virando um astro ?????
mas ainda te admiro ainda ?
ja que vc ta respondendo tudo nas entrevistas vc e casado ???
essa nao vai para o tv fama mas queria saber ;um abraco roberto marinho
15 outubro, 2006 as 10:44 pm
Zeca,
Mt bom seu espaço! Mt bom ter vc por perto na net.
Uma ótima semana pra vc
15 outubro, 2006 as 6:57 pm
Olá Zeca,
Muito banaca seu blog. Fiquei feliz em ter agora um espaço onde posso ler seus textos, e o conteúdo é um caso aparte, cultura, viagens, livros, jóia!!!! Parabéns.
Passei também para dizer que estamos aqui, para quando você resolver tirar – uma semana já é suficiente – de férias. Alagoas será apresentada a você de uma forma que você (mesmo conhecendo mais da metade do mundo, rsrsrrs) nunca viu.
Abração,
Continue com essa trilha de sucesso.
Fábio Farias
15 outubro, 2006 as 10:40 am
Ola Zeca… otimo post… e é verdade essa coisa de pratos na europa… moro em Genova, na Italia, e aqui tem realmente mto mulçumanos q vivem aqui mas sabem de tudo o q se passa em seus paises de origem por meio das antenas parabolicas, eu mesma estou sempre conectada com o Brasil, respiro aqui, mas vivo Brasil!
Beijo e ate o proximo post!
15 outubro, 2006 as 1:04 am
Quem diria hein, Zeca?!
De uma palavra tão comum ser possível escrever um texto onde ela tenha tantos significados. Acho que de todos esses “pratos”, o que tive mais vontade de “provar” foi o do Anish Kappor, em Nova York. Tenho certeza que foi um obra difícil de fazer, primeiro pelo seu tamanho e depois pelo reflexo perfeito que proporciona (pelo menos pelas fotos dá esta impressão).
Ainda falando dos livros indicados nos textos anteriores, estou terminando Recordações da Casa dos Mortos, que recomendo, para depois começar aquele “Feras de Lugar Nenhum”.
Valeu pela dica do Murder in Amsterdam, mas este vai ficar um pouco mais para frente!
14 outubro, 2006 as 11:52 pm
É, Zeca, a Globo Internacional também contribui bastante para a formação de algumas pequenas “dish city” em vários cantos do mundo. Aqui no Japão, por exemplo, a grande maioria dos brasileiros só liga a tv para assistir à programação da Globo.
14 outubro, 2006 as 3:46 pm
UiA,que legal!!Fiquei super curiosa pra ver tudo!Grande dica!thanks!
14 outubro, 2006 as 1:31 pm
Oi Zeca. Meu nome é Cátia, tenho 31 anos , sou estudante de jornalismo. Assim como vc, também fico muito triste em ver como os brasileiros ( e os jovens especialmente ) se mostram pouco interessados quando o assunto é livro. Hoje que voltei a estudar, vejo a falta que faz uma boa leitura. O problema é que as escolas ( principalmente as públicas ) parecem não se importar com o incentivo à leitura ( bem, isso é assunto para outro dia). Na verdade, quero te pedir que continue nos dando dicas de bons livros, filmes, etc…Não dessita. Como diz aquele ditado” água mole em predra dura…”
Beijão. Parábéns!!!
14 outubro, 2006 as 10:01 am
Li esse post ontem e fiquei o tempo todo com a imagem na cabeça do gato devorando o rato (apenas um recorte do que vc escreveu, eu sei). Tá vendo? É a arte cumprindo seu papel de descontruir nosso cotidiano aparentemente certinho. E olha que nem cheguei a assistir o vídeo. Um abraço
14 outubro, 2006 as 6:42 am
Este é o primeiro dos seus posts que achei ameno.
É um processo meu querido. Continue…
14 outubro, 2006 as 2:07 am
Li seu texto e lembrei de algo que vi há uns dias: uma mulher andando na rua, coberta por burca. Em pleno Centro de Londres!
14 outubro, 2006 as 1:01 am
zeca, venho acompanhando seu blog, realmente é maravilhoso…esse texto em especial sobre as dish cities é realmete maravilhoso, parabéns…você continua me surpreendendo…
abraço grande
andre alaniz
13 outubro, 2006 as 10:02 pm
Nao me lembro de ter lido antes algum texto seu. Este me cativou, a principio, apenas pela correlacao da especie de alienacao externa que vivem os mulcumanos-europeus e de minha propria tendencia a alienacao ao viver em Buenos Aires e estar totalmente sem rumo desde que minha companhia de TV a cabo cortou o sinal da Globo Internacional.
Em seguida, seu texto nos condus a Anish Kapoor, que me trazem a memoria lembrancas da incrivel India e da austera Inglaterra, que me fazem pensar que uma miscelanea entre a cultura de origem e a cultura externa podem gerar um resultado, como bem expressado por voce, brilhante. Talvez eu deva rever meu proprio posicionamento dentro da cultura extrangeira.
13 outubro, 2006 as 9:49 pm
sem comentários! texto muito maaaassa!!
13 outubro, 2006 as 9:44 pm
Há alguns anos e bote anos nisso…Eu vi vc dando dica de seus cd’s prediletos e um deles era o do Portishead (Dummy), comprei no escuro.. acreditando no seu estilo…E amei, escuto até hoje. Gosto de música “estranha”..rs
Tem mais dicas por aí? rs
Abraços e sucesso!
13 outubro, 2006 as 9:27 pm
É isso, blogueiro chato vai perdendo leitores, ainda mais os sem educação que acham que postar é coisa de narciso, escrevem para eles mesmos e os bobocas ficam babando e perguntando e fazendo comentários e o narciso nem dá bola, se diverte, se acha o máximo – ele escreve pra Cora e olhe lá! Já baixou pra 55. Tá igual a Bahiana que lê tudo lá fora e vem correndo blogar pros 5 otários que lêem.