Brasília: platéia e polêmicas
Já falei aqui da força de um festival de cinema pequeno. Agora, vou falar de um grande. Na verdade, o mais tradicional de todos no Brasil, o Festival de Brasília. Aconteceu no começo de outubro, mas a correria me impediu de falar dele antes. E, aproveitando a Mostra de SP, vou emendar o assunto em um dos filmes que esteve em Brasília e agora pode ser visto nas telas paulistas na próxima semana.
Em Brasília, diferente dos festivai de Rio e São Paulo, tudo acontece no mesmo lugar. Se quiser ver os filmes da seleção oficial, é preciso ir ao Cine Brasília. E isso faz parte da mística do evento, porque o local fica sempre lotado e é muita gente para assistir o mesmo filme. Para os diretores de filmes com pitadas de humor, o cinema cheio – e principalmente cheio pelo público de Brasília – é um deleite.
Foi assim com o documentário “Vou Rifar meu Coração”, que percorre o nordeste do país para falar de como as pessoas se relacionam com a música romântica, que se convencionou chamar de brega. A platéia reage do começo ao fim. Ri e até aplaude os depoimentos mais engraçados. Ou aplaude as cenas mais provocadoras, como a que um casal homossexual dança e se beija ao som de Fagner. Mas também protesta, como aconteceu nos momentos em que o filme dá voz ao cantor Lindomar Castilho, assassino confesso da esposa.
Mas o sabor do Festival de Brasília não está só na platéia calorosa, mas também nos debates do dia seguinte. E é aí que “Vou Rifar meu Coração” passou de filme que mais interagiu com a platéia a filme mais bombardeado no Kubitschek Plaza. Primeiro foi a questão por que não confrontar Lindomar com questionamentos mais incisivos sobre o assassinato, mas deixá-lo falar sobre o romantismo e o ciúme com certa liberdade, como se o assunto estivesse subentendido, ou não?
Depois, sobre a própria cena do beijo homossexual, já que o casal não dá um depoimento, diferentemente de outros personagens com participação maior no filme. A diretora Ana Rieper revelou que encontrou o local onde havia namoro gay ao som de brega, mas ninguém topou aparecer no filme. A saída foi usar dois atores para interpretar o beijo gay. E, por fim, uma discussão mais ampla e interminável sobre se o rir do prefeito que tem duas mulheres, ou o rir da mulher que se identifica com as músicas mais sofridas e sentimentais é um rir preconceituoso ou não.
A diretora Ana Rieper argumentou que sempre quis trabalhar com o ambíguo. O machismo de algumas letras, o absurdo de algumas situações, o exótico de alguns depoimentos, para nada disso o filme aponta o dedo, mas ele passa por todas essas questões.
Como pesquisa de histórias de um Brasil distante, mas tão próximo, e até pra se posicionar no meio de tanta polêmica, vale a pena tentar ver “Vou Rifar meu Coração”. Também vale tentar o “Uma Longa Viagem”, sobre o qual falei num post antigo.