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Brasília: platéia e polêmicas

sex, 28/10/11
por Caio Cavechini |
categoria edição, linguagem

Cartaz do filme

Já falei aqui da força de um festival de cinema pequeno. Agora, vou falar de um grande. Na verdade, o mais tradicional de todos no Brasil, o Festival de Brasília. Aconteceu no começo de outubro, mas a correria me impediu de falar dele antes. E, aproveitando a Mostra de SP, vou emendar o assunto em um dos filmes que esteve em Brasília e agora pode ser visto nas telas paulistas na próxima semana.

Em Brasília, diferente dos festivai de Rio e São Paulo, tudo acontece no mesmo lugar. Se quiser ver os filmes da seleção oficial, é preciso ir ao Cine Brasília. E isso faz parte da mística do evento, porque o local fica sempre lotado e é muita gente para assistir o mesmo filme. Para os diretores de filmes com pitadas de humor, o cinema cheio – e principalmente cheio pelo público de Brasília – é um deleite.

Foi assim com o documentário “Vou Rifar meu Coração”, que percorre o nordeste do país para falar de como as pessoas se relacionam com a música romântica, que se convencionou chamar de brega. A platéia reage do começo ao fim. Ri e até aplaude os depoimentos mais engraçados. Ou aplaude as cenas mais provocadoras, como a que um casal homossexual dança e se beija ao som de Fagner. Mas também protesta, como aconteceu nos momentos em que o filme dá voz ao cantor Lindomar Castilho, assassino confesso da esposa.

Mas o sabor do Festival de Brasília não está só na platéia calorosa, mas também nos debates do dia seguinte. E é aí que “Vou Rifar meu Coração” passou de filme que mais interagiu com a platéia a filme mais bombardeado no Kubitschek Plaza. Primeiro foi a questão por que não confrontar Lindomar com questionamentos mais incisivos sobre o assassinato, mas deixá-lo falar sobre o romantismo e o ciúme com certa liberdade, como se o assunto estivesse subentendido, ou não?

Depois, sobre a própria cena do beijo homossexual, já que o casal não dá um depoimento, diferentemente de outros personagens com participação maior no filme. A diretora Ana Rieper revelou que encontrou o local onde havia namoro gay ao som de brega, mas ninguém topou aparecer no filme. A saída foi usar dois atores para interpretar o beijo gay. E, por fim, uma discussão mais ampla e interminável sobre se o rir do prefeito que tem duas mulheres, ou o rir da mulher que se identifica com as músicas mais sofridas e sentimentais é um rir preconceituoso ou não.

A diretora Ana Rieper argumentou que sempre quis trabalhar com o ambíguo. O machismo de algumas letras, o absurdo de algumas situações, o exótico de alguns depoimentos, para nada disso o filme aponta o dedo, mas ele passa por todas essas questões.

Como pesquisa de histórias de um Brasil distante, mas tão próximo, e até pra se posicionar no meio de tanta polêmica, vale a pena tentar ver “Vou Rifar meu Coração”. Também vale tentar o “Uma Longa Viagem”, sobre o qual falei num post antigo.

 

Entre as estrelas

sex, 30/09/11
por Caio Cavechini |

 

No meu penúltimo post, citei o IDFA (International Documentary Film Festival Amsterdam), o maior festival de documentários que existe. Vou aproveitar o gancho para falar do filme que ganhou a edição do ano passado, Posição entre as Estrelas (Position among the Stars), também exibido no Brasil no festival É Tudo Verdade deste ano.

É mais um documentário em que a câmera está tão perto, e por tanto tempo, que podemos pensar por vezes que aquilo é real demais para ser verdade. E mergulhamos tão fundo na história daquela família que esquecemos que existe um “estrangeiro” ali gravando. Só lembramos quando sobem os créditos e, principalmente os profissionais do ramo, terminamos por nos perguntar como os caras conseguiram aquilo tudo.

Na história, o morador de uma favela na Indonésia vai até o escritório da assistente social pedir uma bolsa do governo e se faz de coitado. Fala sobre a dureza da vida e, finalmente, o funcionário público é convencido de que o pedido é procedente, basta uma visita de praxe à casa do sujeito. O tal morador então volta apressadamente para casa, esconde a moto no banheiro, manda o filho guardar o Play Station, joga um monte de papelão no chão da sala e, com um invejável traquejo,  convence o assistente social de que vive como catador desafortunado.

Em outra seqüência igualmente fantástica, um quebra-pau entre marido e mulher começa por causa de meia dúzia de peixinhos de briga, um “esporte” que eu não fazia idéia que era popular em algum lugar, tão surreal quanto o impiedoso treinamento diário para os lutadores: submeter os tais peixinhos a doses diárias de falta de oxigênio em um prato fundo seco.

Estou chamando a atenção aqui para os episódios mais pitorescos, mas o filme é também muito sensível e delicado ao abordar o conflito de gerações e as inquietações de cada membro dessa mesma família. “Posição entre as Estrelas” se tornou para mim referência definitiva de trabalho duro e dedicado, porque não é com meia dúzia de fitas gravadas que se cumpre um desafio aparentemente simples – mas quase inalcançável – que é retratar uma família qualquer.

 

Três caixões

qui, 22/09/11
por Caio Cavechini |

 

 

Começou com o Revelando os Brasis, um projeto que leva o audiovisual para novos realizadores e novas platéias em cidades de menos de 20 mil habitantes. Navegar nos curtas disponíveis no site do projeto é uma delícia. Muitas histórias boas brotaram dalí -  aliás algumas foram reproduzidas e reverberadas – casos do Seu Brilhantino, do Seu Manoelzinho e da Sidnéia, esses últimos viraram temas de reportagens antigas do Profissão.

Mas o festival não é apenas contar histórias, mas também despertar aptidões e desejos de contá-las. E aí que está a incrível história de André da Costa Pinto, estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba. Primeiro, ele fez um documentário pelo projeto, o interessante “A Encomenda do Bicho Medonho”. Depois fez outro, rodou festivais, ganhou prêmios, conheceu pessoas e mergulhou na diversidade de produções brasileiras. Resolveu que Campina Grande, Paraíba, também merecia um Festival.

No meu primeiro texto, falei sobre a importância de abrir espaços para documentários, acompanhar festivais e até organizar um, se for o caso. Foi o que fez André. Deu trabalho, foi difícil, mas gerou na cidade um engajamento e um voluntarismo invejáveis.

Para a primeira edição, ele precisava de um pouco de dinheiro e procurou apoiadores. Um dos poucos que acreditaram foi o dono de uma funerária. Não podia dar dinheiro, mas deu a André três caixões, que foram parar na sala de sua casa. E por lá ficaram até ele encontrar três mortos que ali coubessem – e três famílias que se dispusessem a comprar os caixões para financiar o projeto. Pode-se dizer que André encontrou um bom uso para a morte alheia, além da doação de órgãos, claro.

A turma de André é aplaudida no final do festival em Campina Grande

Neste mês, estive na sexta edição do Comunicurtas, festival criado pelo estudante, que ganhou o apoio da Universidade Estadual da Paraíba e, mais que isso, a presença de um público assíduo e de um batalhão de fiéis voluntários. Eu que imaginei estar indo para um evento mais com cara de semana de comunicação, tive uma maravilhosa surpresa ao ter participado de um festival que conseguiu envolver a cidade, os universitários, a turma do cinema e o povo que veio de fora.

Pode parecer um pouco ingênua essa admiração pelo heroísmo de iniciativas como essa, mas queria compartilhar a foto que tirei realmente emocionado no momento em que o público aplaudiu André e seu time.

 



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