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Detalhes que uma edição esconde

ter, 15/05/12
por Caio Cavechini |

Quando editamos uma reportagem ou um programa inteiro, assistimos as mesmas coisas tantas vezes que decoramos até os detalhes de cada cena. Muitas vezes são detalhes que passam batido para quem assiste uma só vez, como num filme em que o diretor coloca certos símbolos e a gente só vai reparar depois, porque alguém contou que leu em algum lugar.

O programa sobre a enchente e a seca tem três momentos interessantes: um que está lá de propósito, e propositadamente meio escondido; um que acontece sem a gente ter percebido de primeira e que dá à cena um significado a mais; e um terceiro que eu só fui perceber quase uma semana depois do programa ter ido ao ar, porque uma amiga me contou.

Vamos ao primeiro: a operação é de resgate dos bois do seu Manoel, mas o cachorro se debatendo na água é uma das cenas que mais chama a atenção. Diante da tensão que era aquele momento, com chuva, bichos e gente sofrendo, não havia muito espaço para ficar parando cada situação para explicar isso ou aquilo. A edição é um corte seco, cronológico e quase cru do que está acontecendo ali. Mas a história do cachorrinho, mesmo escondida, também está presente: na primeira imagem do segundo bloco, ele aparece no barco que acaba de chegar para resgatar os bois. E, na última imagem, ele está lá, salvo, indo embora junto com o barco e os vaqueiros. Era um cachorro acostumado a tocar o gado, seu Manoel não o conhecia, por isso ele nem repara no bicho na primeira vez que passa com a canoa.

O segundo momento “escondido” é sorriso encantador, no momento em que Ana Lucia se despede da repórter Valéria Almeida (07min32s) do segundo bloco). Durante a edição do programa, sempre que eu via essa cena de novo eu só olhava para o sorriso da filha de Ana Lucia, que olha para a mãe, depois olha para a Valéria, e vai abrindo a boca cada vez mais. É um sorriso espontâneo, meio enigmático. No começo ela parece não entender por que a mãe riu, depois parece que achou graça da situação, ou achou bonito ver a mãe desabafando. Enfim, é um belo momento, e não é para onde as pessoas vão olhar na primeira vez que assistirem a esse trecho da reportagem.

O terceiro é o mais escondido de todos, tanto que eu passei por ele oitocentas vezes e não vi. Aliás, só quem fala japonês e português para reparar. Devo essa à minha amiga e jornalista Liuca Yonaha. Por volta dos quatro minutos do primeiro bloco, começa uma sequência em que digo que “a cidade ainda não se acostumou com o novo trânsito”, e registro dois quase acidentes. O sentido mais evidente da edição, texto mais imagem, é de que aprender a andar nessa cidade de canoas é algo complexo. E não é que, por essas coincidências da vida, o símbolo que aparece no remo amarelo do segundo acidente é um ideograma japonês para “aprendizado”? Essa só a minha amiga mesmo para reparar. É o mesmo ideograma que significa “escola”, “aprender”. Parece que foi de propósito.

 

Vivendo, editando, e aprendendo.

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