“LÁ EMBAIXO”
Não é novidade que os gaúchos têm suas particularidades. As casas, por exemplo, são diferentes das de São Paulo. São construídas com alvenaria (eles dizem material) na fundação e com madeira nas paredes e no teto. O traçado das ruas também é inusitado para o Brasil. Em vez das curvas que se dobram à geografia, retas e paralelas.
Dentro das casas também há diferenças em relação às outras do país. Muitas têm dois fogões: um à lenha, só usado no inverno, e outro à gás.E não é só a paisagem construída que tem suas peculiaridades. Torrada é misto-quente. Não dizem frango, dizem galinha. Não é sítio, mas colônia. E quando se referem a R$ 5,50 falam cinco com cinqüenta.
Eles têm bastante orgulho de suas idiossincrasias. Sempre se referem ao resto do país como lá em cima ou lá no norte. Quem vai muito lá para cima são os caminhoneiros. A região é coalhada de caminhões e seus motoristas. Adilo Alessia é um. Na conversa com ele, sobram críticas à polícia rodoviária. Reclama dos constantes achaques que ele e os três filhos, também caminhoneiros, sofrem. Teve uma vez que um guarda me pediu um café. Como eu tinha uma garrafa térmica, servi o cafezinho para ele, relata, entre risadas.
Às vezes o guarda vem revistar. Antes de ele entrar, já digo que é a minha casa. É como se ele tivesse falando, deixa eu entrar na sua casa. Já aconteceu de entrarem e darem de cara com as duas nenês deitadas ali e pedirem desculpas! Quem conta é Vanuza Arendt. Ela é uma das poucas mulheres que se aventura a dirigir, e não apenas a acompanhar. As nenês são as gêmeas Michele e Camila, que agora estão com cinco anos e que passaram a vida quase inteira na boléia com a mãe e o pai (também caminhoneiro).
O caminhão é a casa porque as famílias vão inteiras para dentro da boléia. Normalmente as mulheres acompanham os maridos até a idade escolar das crianças. Depois param. Quando casei, viajei direto. Engravidei, tive o menino. Criei ele no caminhão. Depois, quando ele foi estudar, veio a menina, daí eu desisti. E nas férias eu vou. Adoro viajar, diz Sandra, uma gaúcha com forte sotaque que nos recebeu em sua casa.
Hoje ela fica estacionada em casa. Mas monitora o marido caminhoneiro com um rastreador e um rádio. Acho que a gente tem que confiar desconfiando. Mas é um modo de saber onde está o marido! Parou tantas horas? Diz por que ficou parado tantas horas. Ele dá a explicação, se é verdadeira eu não sei…, conta Sandra, ao lado do marido Fernando, um tanto encabulado.
*Felipe Gutierrez