Os objetos e a fé

qui, 29/09/11
por Paulo Coelho |
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Um aprendiz de ocultismo que conheço, na esperança de impressionar bem o seu mestre, leu alguns manuais de magia e resolveu comprar os materiais indicados nos textos.

Com muita dificuldade, conseguiu determinado tipo de incenso, alguns talismãs, uma estrutura de madeira com caracteres sagrados escritos numa ordem determinada.

Vendo isto, o mestre comentou:

“Você acredita que, enrolando fios de computador no pescoço, conseguirá ter a sabedoria da máquina? Acredita que, ao comprar chapéus e roupas sofisticadas, vai adquirir também o bom-gosto e a sofisticação de quem as criou? Aprenda a usar os objetos como aliados, não como guias”.

Da adoração

qui, 29/09/11
por Paulo Coelho |
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Somos seres preocupados em agir, fazer, resolver, providenciar. Estamos sempre tentando planejar uma coisa, concluir outra, descobrir uma terceira.

Não há nada de errado nisto – afinal de contas, é assim que construímos e modificamos o mundo. Mas faz parte da experiência da vida o ato da adoração.

Parar de vez em quando, sair de si mesmo, permanecer em silêncio diante do universo.

Ajoelhar-se com o corpo e com a alma. Sem pedir, sem pensar, sem mesmo agradecer por nada. Apenas viver o amor calado que nos envolve. Nestes momentos, algumas lágrimas inesperadas – que não são nem de alegria, nem de tristeza – podem jorrar.

Não se surpreenda. Isto é um dom. Estas lágrimas estão lavando sua alma.

Meu amigo escreve uma história

qua, 28/09/11
por Paulo Coelho |
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Um amigo, Bruno Saint-Cast, trabalha na implantação de alta tecnologia na Europa. Certa noite acordou de madrugada e não conseguiu mais dormir; sentia-se forçado a escrever uma carta sobre um velho amigo de adolescência, que havia encontrado no Tahiti.

Mesmo sabendo que teria que passar o dia seguinte trabalhando, Bruno começou a escrever uma história estranha, onde o tal amigo, John Salmon, fazia uma longa viagem da Patagônia até a Austrália.

Enquanto escrevia, sentia uma sensação de liberdade muito grande, como se a inspiração brotasse sem qualquer interferência.

Assim que acabou de escrever a história, recebeu um telefonema de sua mãe: ela acabava de saber que John Salmon havia morrido.

O macaco e a macaca discutem

ter, 27/09/11
por Paulo Coelho |
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Sentados num galho de árvore, o macaco e a macaca contemplavam o entardecer. Em determinado momento, ela perguntou:

“O que faz com que o céu mude de cor, na hora que o sol atinge o horizonte?”

“Se quisermos explicar tudo, deixamos de viver”, respondeu o macaco. “Fique quieta, vamos deixar o nosso coração alegre com este entardecer romântico”.

A macaca enfureceu-se.

“Você é primitivo e supersticioso. Já não dá mais atenção à lógica, e só quer saber é de aproveitar a vida”.

Neste momento, passava uma centopeia.

“Centopeia!”, gritou o macaco. “Como é que você faz para mover tantas patas em perfeita harmonia?”

“Nunca pensei nisso!”, foi a resposta.

“Então pense! Minha mulher gostaria de uma explicação!”

A centopeia olhou para suas patas, e começou:

“Bem.. eu flexiono este músculo…não, não é bem isso, eu tenho que jogar o meu corpo por aqui…”

Durante meia-hora, tentou explicar como movia suas patas, e, à medida que tentava, ia confundindo-se cada vez mais. Quando quis continuar seu caminho, já não podia mais andar.

“Está vendo o que você fez?”, gritou desesperada. “Na ânsia de descobrir como funciono, perdi os movimentos!”

“Está vendo o que acontece com quem deseja explicar tudo?”, disse o macaco, voltando a assistir o entardecer em silêncio.

Tesouro espiritual

seg, 26/09/11
por Paulo Coelho |
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Todos os mestres dizem que o tesouro espiritual é uma descoberta solitária.

“Então por que estamos juntos?”, perguntou um dos discípulos.

“Vocês estão juntos porque um bosque é sempre mais forte que uma árvore solitária”, respondeu o mestre.

O bosque mantém a umidade, resiste melhor a um furacão, ajuda o solo a ser fértil. Mas o que faz a árvore forte é sua raiz. E a raiz de uma planta não pode ajudar outra planta a crescer.

“Estar junto no mesmo propósito, e deixar que cada um cresça à sua maneira, este é o caminho dos que desejam comungar com Deus”.

O passeio do anjo da fé

dom, 25/09/11
por Paulo Coelho |
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Sem aviso, descobrimos um dia que o mundo espiritual não desperta o mesmo entusiasmo de antes.

Continuamos rezando e frequentando os cultos, mas não conseguimos nos enganar; o coração não responde, e as palavras parecem não ter sentido.

Se isto acontece com você neste momento, só existe um caminho possível: continue praticando. Faça suas preces por obrigação, ou por medo, ou seja, lá por que motivo for – mas continue fazendo.

O anjo encarregado de recolher suas palavras – e que é também responsável pela alegria da fé – está dando um passeio. Mas volta logo, e só vai saber localizá-lo se escutar uma prece ou um pedido em seus lábios.

Insista, mesmo que tudo pareça inútil. Daqui a pouco o anjo retorna, e o simples barulho de suas asas fará com que tudo volte a ser como era.

Busca de um mestre

sáb, 24/09/11
por Paulo Coelho |
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Todos buscam um mestre perfeito; acontece que os mestres são humanos, embora seus ensinamentos possam ser divinos – e aí está algo que as pessoas custam a aceitar.

Não confundir o professor com a aula, o ritual com o êxtase, o transmissor do símbolo com o símbolo em si mesmo. A tradição está ligada ao encontro com as forças da vida, e não com as pessoas que transmitem isso.

Mas somos fracos: pedimos que a Mãe nos envie guias, quando ela envia apenas os sinais da estrada que precisamos percorrer.

Ai daqueles que buscam pastores, ao invés de ansiar pela liberdade!

O encontro com a energia superior está ao alcance de qualquer um, mas está longe daqueles que transferem sua responsabilidade para os outros.

Nosso tempo nesta terra é sagrado, e devemos celebrar cada momento.

Bíblia: a divisão traz a dor e o sofrimento

sex, 23/09/11
por Paulo Coelho |
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Penso que a maioria sabe do que estou falando: um homem e uma mulher estão no jardim do paraíso, gozando todas as delícias que possam imaginar. Só existe uma única proibição – o casal jamais pode conhecer o que significa bem e mal.

Diz o Senhor Todo Poderoso (Gen: 17): “da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”.

E um belo dia surge a serpente, garantindo que este conhecimento era mais importante que o próprio paraíso, e eles deviam possuí-lo.

A mulher recusa-se, dizendo que Deus a ameaçou de morte, mas a serpente garante que não acontecerá nada disso: muito pelo contrário, no dia em que souberem o que é bem e mal, serão iguais a Deus.

Convencida, Eva come o fruto proibido, e dá parte dele a Adão.

A partir daí, o equilíbrio original do paraíso é desfeito, e os dois são expulsos e amaldiçoados.

Mas existe uma frase enigmática, dita por Deus, que dá toda razão à serpente: “eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal”.

Também neste caso (igual ao do Deus do tempo que reza pedindo algo, embora seja o senhor absoluto) a Bíblia não explica com quem o Deus único está falando; e, se ele é único, por que está dizendo algo como “um de nós”.

Seja como for, desde suas origens a raça humana está condenada a mover-se na eterna divisão entre os dois opostos.

E aqui estamos nós, com as mesmas dúvidas dos nossos antepassados, e sem nenhuma resposta mais original a respeito.

Alegria na busca espiritual

qui, 22/09/11
por Paulo Coelho |
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Se nada em nossas vidas acontece por acaso, muito menos na vida Daquele que veio ao mundo para lavar nossos pecados com seu sangue.
Cristo deve ter pensado bastante antes de decidir qual o primeiro milagre que devia realizar. Deve ter considerado a cura de um paralítico, a ressurreição de um morto, a expulsão de um demônio, algo que seus contemporâneos considerassem como “uma atitude nobre”; afinal, era a primeira vez que se mostraria ao mundo como o Filho de Deus.
E está escrito: seu primeiro milagre foi transformar água em vinho – para animar uma festa de casamento.
Que a sabedoria deste gesto nos inspire, e esteja sempre presente em nossas almas: a busca espiritual é compaixão, entusiasmo, e alegria.

O que significa renunciar

qua, 21/09/11
por Paulo Coelho |
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Santo Antão vivia no deserto, quando se aproximou um jovem:

“Padre, vendi tudo que tinha e dei aos pobres. Guardei apenas umas poucas coisas para me ajudar a sobreviver aqui. Gostaria que me ensinasse o caminho da salvação”.

Santo Antão pediu que o rapaz vendesse as poucas coisas que havia guardado, e – com o dinheiro – comprasse carne na cidade. Na volta, devia trazer a carne amarrada em seu corpo.

O rapaz obedeceu. Ao voltar, foi atacado por cachorros e falcões, que queriam um pedaço da carne.

“Eis-me de volta”, disse o rapaz, mostrando o corpo arranhado, mordido, e as roupas em frangalhos.

“Aqueles que dão um passo novo e ainda querem manter um pouco da vida antiga, terminam dilacerados pelo próprio passado”, foi o comentário do santo. “Melhor livrar-se de tudo, antes de dar o próximo passo, e acreditar que pode sobreviver apenas porque teve coragem”.



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