O que se espera de um Papa com esse nome?
Ao homenagear Francisco de Assis na escolha do nome que o acompanhará ao longo do pontificado que se inicia, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, poderia se inspirar no poverello de Assis para promover algumas inovações na forma como a Igreja administra seu patrimônio e seu imenso rebanho. Respeitosamente, compartilharei aqui algumas sugestões sem a pretensão de que elas cheguem ao Vaticano – imerso em inúmeros problemas e desafios mais urgentes – mas a todos aqueles que compreendem a imensa responsabilidade que é tornar-se o primeiro Papa da história a chamar-se Francisco.
1 – Francisco de Assis veio ao mundo há oito séculos para constranger a opulência e poder político de uma igreja que se afastara dos princípios mais elementares do evangelho de Jesus. Como líder espiritual e chefe de estado, o Papa Francisco poderia dar o exemplo de austeridade sem precedentes na forma como a Igreja realiza suas compras, planeja suas obras físicas, organiza eventos e cerimônias, define logísticas de viagem e hospedagem, enfim, tudo o que represente consumo e posse de bens. Usar com parcimônia e moderação. Combater excessos de toda ordem. Ser simples por convicção e princípios éticos.
2 – Francisco de Assis é conhecido como o protetor dos animais, a quem sempre consagrou respeito e veneração. No mundo moderno, animais das mais variadas espécies ainda sofrem toda sorte de violência. Alguns são supliciados por diversão. Outros são alvos da crueldade obstinada de seus donos. As leis de proteção dos animais – presentes em vários países – não conseguem erradicar as muitas atrocidades cometidas contra os bichos. Os que são consumidos como alimentos foram reduzidos à categoria de “proteína animal”, o que credenciaria seus proprietários a tratá-los como se não houvesse ali um ser senciente, capaz de sentir dor. Papa Francisco tem a preciosa chance de denunciar tudo isso e defender protocolos éticos de criação, transporte e abate de animais, bem como a proteção das espécies silvestres.
3 – Francisco de Assis também é conhecido como o padroeiro da ecologia. No “cântico das criaturas”, eternizou a sacralização da natureza em suas múltiplas formas e expressões. O Papa Francisco tem a chance de reeditar o “cântico das criaturas” – versão século XXI – de forma ainda mais contundente em defesa da vida. Pode exercer sua enorme influência em favor dos recursos naturais não renováveis e dos ecossistemas ameaçados de extinção. Sem meio ambiente sadio e protegido não há “vida em abundância”, parafraseando o Cristo. Sem vida, a religião não faz o menor sentido.
4 – A abnegação em favor dos pobres – que o levou inclusive a renunciar a todos os bens e viver como eles – fez de Francisco de Assis um legítimo representante da caridade, do amor ao próximo e da abnegação de si mesmo em favor dos valores espirituais. Hoje sabe-se que as principais vítimas das mudanças climáticas, da escassez de água doce e limpa, da destruição da biodiversidade e de todas as manifestações de desequilíbrio ecológico em diferentes pontos do planeta são justamente os mais pobres. O Papa Francisco tem, portanto, a oportunidade de conjugar em um mesmo movimento apostólico as lutas em favor da inclusão social e do meio ambiente. São ações que se complementam e se misturam. Uma mesma causa.
5 – Que ninguém se iluda com o fato de o Papa Francisco ser o chefe de estado de um país que ocupa uma área de apenas meio quilômetro quadrado com aproximadamente novecentos moradores. Ele é o líder espiritual de 1,2 bilhão de pessoas. O que disser, o que fizer, o que escrever, seus gestos, suas companhias, hábitos e comportamentos, risos e reprovações terão repercussão imediata mundo afora. Usar isso em favor dos valores franciscanos – humildade, simplicidade, fraternidade, abnegação em favor dos pobres, etc – fará toda a diferença.
6 – O Papa Francisco terá vez, voz e voto nos encontros multilaterais da ONU que discutem os rumos do planeta. O novo Papa pode tornar o Vaticano ainda mais ativo e presente nesses debates, qualificando seus negociadores e mobilizando católicos do mundo inteiro a acompanhar os rumos desses acordos (sobre clima, biodiversidade, água, desertificação,etc) e pressionarem pelo sucesso deles.
7 – Mesmo nas miudezas do dia-a-dia em seu novo endereço, o Papa Francisco poderá promover ajustes em favor da ecoeficiência. Consumo inteligente de água e energia, segregação de resíduos, compras públicas sustentáveis, frota de veículos mais econômica (quem sabe uma versão elétrica do papamóvel?) são medidas que podem ser otimizadas no Vaticano e estimuladas pelas paróquias do mundo inteiro. Quem sabe o novo papa interfira desde já nos protocolos do próximo conclave, e substitua por decreto o ritual de carbonização das cédulas (que sinaliza os rumos das votações pela cor das fumaças) por algum outro método que não polua ainda mais os céus de Roma?
Seja qual for o rumo que o Papa Francisco decidir tomar, terá pela frente, pelo resto de seus dias (ou de seu pontificado, posto que há o precedente da renúncia) um nome forte, emblemático, pleno de significado que marcará seus passos como o sucessor de Pedro. A simplicidade como guia, a pobreza como referência, a natureza como objeto de veneração e respeito. Que o Papa seja sempre Francisco.