O que se espera de um Papa com esse nome?

qui, 14/03/13
por andre trigueiro |
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Ao homenagear Francisco de Assis na escolha do nome que o acompanhará ao longo do pontificado que se inicia, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, poderia se inspirar no poverello de Assis para promover algumas inovações na forma como a Igreja administra seu patrimônio e seu imenso rebanho. Respeitosamente, compartilharei aqui algumas sugestões sem a pretensão de que elas cheguem ao Vaticano – imerso em inúmeros problemas e desafios mais urgentes – mas a todos aqueles que compreendem a imensa responsabilidade que é tornar-se o primeiro Papa da história a chamar-se Francisco.  

1 – Francisco de Assis veio ao mundo há oito séculos para constranger a opulência e poder político de uma igreja que se afastara dos princípios mais elementares do evangelho de Jesus. Como líder espiritual e chefe de estado, o Papa Francisco poderia dar o exemplo de austeridade sem precedentes na forma como a Igreja realiza suas compras, planeja suas obras físicas, organiza eventos e cerimônias, define logísticas de viagem e hospedagem, enfim, tudo o que represente consumo e posse de bens. Usar com parcimônia e moderação. Combater excessos de toda ordem. Ser simples por convicção e princípios éticos.

2 – Francisco de Assis é conhecido como o protetor dos animais, a quem sempre consagrou respeito e veneração. No mundo moderno, animais das mais variadas espécies ainda sofrem toda sorte de violência. Alguns são supliciados por diversão. Outros são alvos da crueldade obstinada de seus donos. As leis de proteção dos animais – presentes em vários países – não conseguem erradicar as muitas atrocidades cometidas contra os bichos. Os que são consumidos como alimentos foram reduzidos à categoria de “proteína animal”, o que credenciaria seus proprietários a tratá-los como se não houvesse ali um ser senciente, capaz de sentir dor. Papa Francisco tem a preciosa chance de denunciar tudo isso e defender protocolos éticos de criação, transporte e abate de animais, bem como a proteção das espécies silvestres.

3 – Francisco de Assis também é conhecido como o padroeiro da ecologia. No “cântico das criaturas”, eternizou a sacralização da natureza em suas múltiplas formas e expressões. O Papa Francisco tem a chance de reeditar o “cântico das criaturas” – versão século XXI – de forma ainda mais contundente em defesa da vida. Pode exercer sua enorme influência em favor dos recursos naturais não renováveis e dos ecossistemas ameaçados de extinção. Sem meio ambiente sadio e protegido não há “vida em abundância”, parafraseando o Cristo. Sem vida, a religião não faz o menor sentido.

4 – A abnegação em favor dos pobres – que o levou inclusive a renunciar a todos os bens e viver como eles – fez de Francisco de Assis um legítimo representante da caridade, do amor ao próximo e da abnegação de si mesmo em favor dos valores espirituais. Hoje sabe-se que as principais vítimas das mudanças climáticas, da escassez de água doce e limpa, da destruição da biodiversidade e de todas as manifestações de desequilíbrio ecológico em diferentes pontos do planeta são justamente os mais pobres. O Papa Francisco tem, portanto, a oportunidade de conjugar em um mesmo movimento apostólico as lutas em favor da inclusão social e do meio ambiente. São ações que se complementam e se misturam. Uma mesma causa.       

5 – Que ninguém se iluda com o fato de o Papa Francisco ser o chefe de estado de um país que ocupa uma área de apenas meio quilômetro quadrado com aproximadamente novecentos moradores. Ele é o líder espiritual de 1,2 bilhão de pessoas. O que disser, o que fizer, o que escrever, seus gestos, suas companhias, hábitos e comportamentos, risos e reprovações terão repercussão imediata mundo afora. Usar isso em favor dos valores franciscanos – humildade, simplicidade, fraternidade, abnegação em favor dos pobres, etc – fará toda a diferença.      

6 – O Papa Francisco terá vez, voz e voto nos encontros multilaterais da ONU que discutem os rumos do planeta. O novo Papa pode tornar o Vaticano ainda mais ativo e presente nesses debates, qualificando seus negociadores e mobilizando católicos do mundo inteiro a acompanhar os rumos desses acordos (sobre clima, biodiversidade, água, desertificação,etc) e pressionarem pelo sucesso deles.

7 – Mesmo nas miudezas do dia-a-dia em seu novo endereço, o Papa Francisco poderá promover ajustes em favor da ecoeficiência. Consumo inteligente de água e energia, segregação de resíduos, compras públicas sustentáveis, frota de veículos mais econômica (quem sabe uma versão elétrica do papamóvel?) são medidas que podem ser otimizadas no Vaticano e estimuladas pelas paróquias do mundo inteiro. Quem sabe o novo papa interfira desde já nos protocolos do próximo conclave, e substitua por decreto o ritual de carbonização das cédulas (que sinaliza os rumos das votações pela cor das fumaças) por algum outro método que não polua ainda mais os céus de Roma?

Seja qual for o rumo que o Papa Francisco decidir tomar, terá pela frente, pelo resto de seus dias (ou de seu pontificado, posto que há o precedente da renúncia) um nome forte, emblemático, pleno de significado que marcará seus passos como o sucessor de Pedro. A simplicidade como guia, a pobreza como referência, a natureza como objeto de veneração e respeito. Que o Papa seja sempre Francisco.

Mulheres e soluções

sex, 08/03/13
por andre trigueiro |
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Há 4 anos, também em um Dia Internacional da Mulher, escrevi um artigo destacando algumas personalidades femininas que se destacaram como defensoras corajosas e intransigentes da vida e da ética. A lista - que de tão pequena, pode ser considerada absolutamente injusta com o expressivo número de mulheres que fazem a diferença em favor da sustentabilidade – é minha singela homenagem nesta data especial. Devo dizer, entretanto, e muito aqui entre nós, que num mundo perfeito, não há necessidade de um “Dia Internacional da Mulher”. Por que apenas um dia? Mas numa sociedade patriarcarcal e machista, esta celebração soa como um álibi

- Rachel Carson:

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Bióloga marinha, autora do livro “Primavera Silenciosa”, obra que teria marcado, na opinião de alguns historiadores, o início do movimento ambientalista. O livro denunciou em 1962 as mazelas do DDT, pesticida que vinha sendo pulverizado em doses maciças nas lavouras americanas, provocando grandes impactos sobre o meio ambiente. “Primavera Silenciosa” recebeu este nome pelo desaparecimento das aves migratórias envenenadas com DDT. Com clareza e objetividade, Rachel conseguiu denunciar um problema que incomodou o poderoso lobby da indústria química americana. Apesar das campanhas de difamação organizadas contra ela, Rachel resistiu e foi apoiada por movimentos sociais que se articularam em defesa do banimento do DDT e de medidas regulatórias para o uso de pesticidas.

- Gros Brundtland:

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Considerada uma das três mulheres mais influentes do século passado, Gro Brundtland foi primeira-ministra da Noruega e presidente da organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1987, foi designada pela ONU para chefiar a comissão que pautou a maior conferência das Nações Unidas até então, a Conferência Internacional da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.  A comissão “Brundtland” conseguiu difundir mundialmente a expressão “Desenvolvimento Sustentável” no relatório “Nosso Futuro Comum”, que serviu de base para a Rio 92.

- Wangari Maathai:

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Primeira ambientalista a conquistar o Prêmio Nobel da Paz, em 2004. Sua singular trajetória pessoal, com proeminente vida acadêmica e formação em universidades americanas, incomodou o marido, que sentiu-se humilhado em uma sociedade machista e pediu a separação. Criadora do movimento Cinturão Verde (Green Belt Movement), promoveu o plantio de milhões de mudas de árvore no Quênia e países vizinhos, onde a demanda por lenha para a produção de energia reduziu drasticamente a área de florestas. Apenas no Quênia, a cobertura verde original foi reduzida a apenas 4%. O movimento recrutou mulheres para o plantio e contou com o apoio da comunidade internacional. A reconfiguração das matas permitiu o retorno dos bichos, a recarga dos aquíferos e melhores condições de vida para milhões de pessoas que deixaram de migrar para as cidades à procura de melhores condições de vida.

- Hazel Henderson:

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Economista autodidata, criadora do Mercado Ético (Ethical Market), Hazel Henderson tornou-se uma das mais importantes pensadoras da atualidade, com trabalhos que sugerem a adoção de novos indicadores da economia, novas fórmulas para medir o PIB dos países, uma nova visão empresarial, um novo modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.

- Vandana Shiva:

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Prêmio Nobel alternativo, feminista, ambientalista, Vandana Shiva notabilizou-se pela luta em favor da biodiversidade e dos alimentos orgânicos. Criou na Índia uma organização que, entre outras atividades, recolhe diferentes tipos de sementes para proteção biogenética e uso gratuito pelas comunidades tradicionais. Vem denunciando o uso indiscriminado de pesticidas proibidos no hemisfério norte em países pobres, e o lobby dos transgênicos que impede a correta analisa de seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

- Marina Silva:

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Ex-líder seringueira, companheira de Chico Mendes, Marina Silva emergiu como liderança política do Acre para brilhar como senadora da República e ministra do Meio Ambiente. Reconhecida internacionalmente como legítima representante dos povos da floresta, Marina consagrou suas ações no Executivo e no Legislativo em favor das chamadas medidas estruturantes para um modelo de gestão sustentável dos recursos. Depois de receber quase 20 milhões de votos na última eleição como candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva hoje está empenhada em transformar a Rede Sustentabilidade em partido político. 

 

O lixo que vira energia

sex, 01/03/13
por andre trigueiro |
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A demanda por energia no mundo cresce de forma tão preocupante quanto o volume de lixo. Harmonizar de forma inteligente essas curvas de crescimento constitui um dos grandes desafios tecnológicos da atualidade. Essa é a razão pela qual vem crescendo rapidamente o número de países que investem no aproveitamento energético do lixo. São basicamente duas as rotas tecnológicas empregadas para alcançar esse objetivo: a queima direta dos resíduos (waste-to-energy) ou a queima do biogás produzido a partir da decomposição da matéria orgânica do lixo.

Existem hoje no mundo aproximadamente 1,5 mil usinas térmicas que queimam o lixo para gerar energia ou calor. O Japão, o bloco europeu, a China e os Estados Unidos lideram o ranking. No Brasil, não há térmicas com esse perfil em operação, embora alguns municípios estejam bastante interessados no assunto. A tecnologia é cara e o custo do megawatt-hora bastante elevado em relação à energia convencional. A vantagem é a transformação do lixo queimado a aproximadamente 12% de seu tamanho original em cinzas, que podem ser usadas (se forem inertes) como base de asfalto ou matéria-prima para a construção civil. Sem uma política pública que estimule essa fonte de energia com a redução de impostos e outros incentivos, ela continuará desprestigiada e marginal.

Ainda não está completamente superada a polêmica envolvendo a emissão de substâncias cancerígenas — dioxinas e furanos — que seriam liberadas a partir da queima do lixo. Nos países em que a combustão dos resíduos foi autorizada, o entendimento é de que a queima acima de 900º C eliminaria o risco de contaminação. Em alguns desses países, onde a consciência ecológica é maior — Alemanha, por exemplo — foram exigidas novas tecnologias que assegurassem a qualidade dos gases emitidos.

No Brasil — onde a disponibilidade de terra torna a opção pelos aterros menos complicada do que na maioria dos países desenvolvidos –, a exploração energética do lixo tem sido possível a partir da queima do gás do lixo, também chamado de biogás. A matéria orgânica descartada como lixo (especialmente restos de comida, podas de árvore e restos de animais e vegetais) leva aproximadamente seis meses para se transformar em metano, um gás combustível que agrava o efeito estufa. A simples queima do metano, sem nenhum aproveitamento energético, já assegura um benefício ambiental por transformar CH4 (metano) em CO2 (dióxido de carbono). O metano é de 20 a 23 vezes mais danoso para a atmosfera do que o dióxido de carbono.Na lógica do empreendedor, o retorno do capital investido se dá por duas vias: a emissão de créditos de carbono (quando uma certificadora da ONU mede a quantidade de metano queimado e converte esse número em papel com valor de mercado para os países ricos signatários do Protocolo de Kyoto que assumiram o compromisso de reduzirem suas emissões) e a venda de energia elétrica.

São Paulo (a cidade mais populosa e com o maior volume concentrado de lixo do país) largou na frente em 2004 instalando a primeira usina de biogás do país no aterro Bandeirantes. Depois, instalou a segunda no Aterro São João. JUNTOS, esses dois aterros (que já não recebem mais lixo) respondem por mais de 2% de toda a energia elétrica consumida na maior cidade do país. Em três leilões, foram vendidos mais de R$ 70 milhões de créditos de carbono, dos quais 50%, por contrato, ficaram com a Prefeitura. Uma receita extra, de onde muitos jamais esperavam receber um dia qualquer centavo. 

Do outro lado da Via Dutra, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o gigantesco Aterro de Gramacho (que até ser encerrado em junho do ano passado ostentava o título nada honroso de maior aterro de lixo da América Latina)  hospeda uma empresa privada que investiu mais de R$ 250 milhões para poder explorar o biogás acumulado em quase 35 anos de lançamentos diários dos resíduos do Rio de Janeiro e de boa parte da Região Metropolitana. Por contrato, a empresa se comprometeu a fornecer para a Refinaria Duque de Caxias (da Petrobras) 70 milhões de m³ de biogás por dia pelos próximos 15 anos. Esse volume de gás, que seria suficiente para abastecer todas as residências e todos os estabelecimentos comerciais do Estado do Rio, vai suprir 10% da demanda energética da Reduc. O biogás será retirado com a ajuda de 300 poços (260 já foram instalados) que bombearão o combustível até uma estação de tratamento construída no próprio aterro. Ali o gás será limpo, seco e bombeado através de um gasoduto de 6 km de extensão até a refinaria (pelo menos 1,2 km de tubulações passarão debaixo de áreas de mangue e rios). A operação será iniciada ainda neste primeiro semestre.

Num país que gera 182.728 toneladas de lixo por dia, dá pra imaginar o que isso significa em termos de energia? Pelas contas do Ministério do Meio Ambiente, considerando apenas os 56 maiores aterros do país, o biogás acumulado seria suficiente para abastecer de energia elétrica (311 MW/h) uma população equivalente à do município do Rio de Janeiro (5,6 milhões). O cenário para 2020 aponta uma produção ainda maior de energia (421 MW/h) , suficiente para abastecer quase 8,8 milhões de pessoas, a população de Pernambuco.

Em outro estudo lançado esta semana pela Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) se deteve na análise de 22 aterros sanitários que já manifestaram interesse explorar o gás do lixo. Segundo o “Atlas Brasileiro de Emissões de GEE (gases de efeito estufa) e Potencial Energético na Destinação de Resíduos Sólidos”, o biogás estocado nesses aterros (280 MW/h) poderia abastecer 1,5 milhão de pessoas. Para isso, seriam necessários investimentos de aproximadamente R$ 1 bilhão. Até 2039, esse potencial poderá chegar a 500 MW/h, o suficiente para abastecer 3,2 milhões de pessoas, o equivalente à população do Rio Grande do Norte.

Embora o Brasil necessite importar dos Estados Unidos a microturbina que transforma o biogás em energia elétrica, aproximadamente 80% das instalações contam com equipamentos fabricados no Brasil. É consenso entre os especialistas do setor que o Brasil deveria estimular o aproveitamento energético do lixo com uma política pública específica, que desonerasse os custos e estimulasse novos investimentos.

Em um país onde a produção monumental de lixo gera enormes impactos socioambientais, a geração de energia elétrica a partir dos resíduos é uma ideia que merece atenção, investimentos e um ambiente de negócios favorável à inclusão do biogás em nossa matriz energética.

Veja aqui a reportagem exibida sobre o assunto na coluna Sustentável do Jornal da Globo

Revolução energética já é realidade

qui, 14/02/13
por andre trigueiro |
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                   Chegam de diferentes partes do mundo sinais cada vez mais evidentes de que os investimentos em fontes limpas e renováveis de energia vão modificando com rapidez surpreendente a configuração da matriz energética. Durante o carnaval, com o Brasil ainda sob o reinado de Momo, a Associação de Energia Eólica da China informou que o vento ultrapassou em importância a energia nuclear naquele país. Segundo o comunicado, em 2012 a geração eólica alcançou a marca de 100 bilhões de quilowatt-hora (Kwh) fazendo com que o vento assumisse a terceira posição no ranking da matriz energética chinesa, atrás do carvão e da hidroeletricidade. O objetivo do governo de Pequim é fazer com que a energia eólica cresça mais de 50% até 2015. 

                   Enquanto os chineses celebravam o feito, os norte-americanos comemoravam um outro recorde: 2012 entrou para a história como o ano que os Estados Unidos mais investiram em energia eólica. Com o acréscimo de 13,1GW de capacidade instalada na rede (o vento foi a fonte de energia que mais cresceu ano passado naquele país) os americanos evitam a emissão de 96 milhões de toneladas de C02 por ano, ou 1,8% das emissões totais. De acordo com a Associação de Energia Eólica dos Estados Unidos, os aerogeradores já produzem energia suficiente para abastecer 14,7 milhões de lares. E os investimentos prosseguem no embalo do segundo mandato do presidente Barack Obama, que na terça-feira “gorda”, enquanto os foliões se esbaldavam no último dia de carnaval por aqui, renovava seus compromissos em favor de novas fontes de energia no tradicional discurso Estado da União, no Congresso americano. Obama propôs uma nova legislação para reduzir ainda mais as emissões de gases estufa, sugeriu a criação de um fundo que financie o desenvolvimento de novas tecnologias para carros e caminhões, “para que eles deixem de usar petróleo para sempre” e lançou como meta para os próximos vinte anos cortar pela metade o desperdício de energia nas casas e empresas americanas.       

                  Do outro lado do Oceano Atlântico, no velho continente, os espanhóis iniciaram o ano batendo um novo recorde de produção de energia eólica (em 16/1) com mais de 345 mil MWh em um único dia. De acordo com as autoridades locais, a marca equivale a quase 40% de toda geração de energia no país naquela data, incluindo todas as demais fontes renováveis, nuclear e fósseis. O vento dominou a matriz energética durante mais de dez horas, superando neste período os 14 mil MW. 

                  Na Austrália, maior exportador mundial de carvão (onde este recurso é abundante), a produção de energia eólica já se tornou mais barata que a gerada por termelétricas a carvão ou gás. Segundo o diretor da Bloomberg New Energy Finance (BNEF), Michael Liebreich “a energia limpa é um agente de transformação que promete virar de cabeça para baixo a economia dos sistemas de energia”.                

                 Outro país que também festejou muito os resultados de 2012 foi a Alemanha. No ano passado, o país registrou um aumento de 45% na produção de energia solar, recorde histórico. Graças à instalação de mais 1,3 milhão de sistemas fotovoltaicos, 8 milhões de residências foram abastecidas com energia solar naquele país. O diretor da Associação da Indústria Solar da Alemanha afirmou que os investimentos no setor quadruplicaram nos últimos três anos. Com a produção em escala, o preço das placas fotovoltaicas caiu pela metade. Merece registro o fato de que a Alemanha é um país com muito menos radiação solar do que o Brasil. 

                  Falando em Brasil, avançamos na expansão da energia eólica em nossa matriz energética (o número de pessoas beneficiadas pela energia do vento no país é de aproximadamente 12 milhões) e no crescimento dos coletores solares para aquecer a água do banho (já são mais de 2,5 milhões de coletores instalados). Mas não há ainda política definida para a produção de energia elétrica a partir do sol. Fala-se abertamente no governo na inclusão das térmicas a óleo, carvão e gás (hoje acionadas apenas em períodos de forte estiagem) na matriz energética. Também se discute a construção de novas usinas nucleares, a exploração do gás de xisto e, por fim, a construção de novas hidrelétricas em áreas de floresta na Amazônia. 

                 Se temos em nosso favor o privilégio de poder realizar escolhas (na maioria dos países o cardápio de opções energéticas é bem mais restrito que aqui), importa agir com inteligência, visão de longo prazo, e considerar as novas diretrizes que regem os investimentos globais em energia. Em resumo: fontes fósseis (ainda muito importantes e prevalentes no mundo) perdem progressivamente prestígio e importância (o Brasil do pré-sal é uma das exceções). E pela velocidade com que os países desenvolvidos investem em inovação tecnológica na direção de fontes mais limpas, a “descarbonização” da matriz energética parece ser o norte magnético da bússola. Certo é que as escolhas que o Brasil fizer nos próximos anos serão determinantes para a maior ou menor inteligência de todo o sistema elétrico do país para além do século XXI. 

 

Alerta vermelho na nave azul

seg, 28/01/13
por andre trigueiro |
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         Um recurso natural finito, escasso e cada vez mais raro, absolutamente precioso para a vida da maioria absoluta das espécies – incluindo a nossa – justificou a realização de mais uma campanha de alcance planetário patrocinada pela ONU. Dez anos depois de as Nações Unidas elegerem o Ano Internacional da Água Doce (2003), o assunto retorna com força total agora em 2013, o Ano Internacional da Cooperação pela Água.

          Em números a situação é a seguinte: 11% da população mundial ainda não acessam fontes seguras de água potável, e estão expostas a uma série de doenças de veiculação hídrica (mais de 40% dessas pessoas vivem na África Subsaariana). As principais vítimas são as crianças: mais de 3 mil óbitos por dia em todo o mundo, na maioria dos casos, por diarréia. Apesar disso, houve avanços importantes. Entre os anos de 1990 e 2010, mais de 2 bilhões de pessoas passaram a dispor de redes mais seguras de abastecimento de água. Esse esforço coletivo permitiu que o percentual de seres humanos alcançados por fontes mais confiáveis de água subisse para 89% (aproximadamente 6,1 bilhões de pessoas), acima da meta dos 88% traçados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

          O grande desafio continua sendo acelerar os investimentos em saneamento básico. Apenas 63% da população mundial têm acesso a saneamento de qualidade. Um dado curioso do relatório produzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), é que aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo ainda fazem suas necessidades fisiológicas a céu aberto, sem banheiro. No topo do ranking aparece a Índia com 626 milhões de pessoas sem banheiro, seguida da China (14 milhões) e do Brasil (7,2 milhões).

          É preocupante a lentidão com que o saneamento básico avança no Brasil. Segundo o IBGE, de 2009 a 2011, a expansão da coleta de esgoto foi de pouco mais de 3%. Para um país em que quase 40% dos domicílios não estão sequer conectados à rede coletora, é muito pouco. Para piorar a situação, em boa parte dos casos em que o esgoto é coletado, não há tratamento. Ou seja, há uma rede coletora construída sem que a destinação final seja adequada. O próprio governo federal reconhece que apenas 38% de todo o esgoto produzido no Brasil recebem algum tipo de tratamento. O resto impacta violentamente rios, lagos, manguezais e partes do nosso litoral.

          São aproximadamente 15 bilhões de litros de esgoto sem tratamento despejados a cada dia no Brasil. Isso equivalente a 6,3 mil piscinas olímpicas saturadas de matéria orgânica. Segundo o Instituto Trata Brasil, aproximadamente 2.500 crianças morrem por ano no país por doenças causadas pela falta de saneamento básico, principalmente diarréia. Além da degradação dos ecossistemas, esse bombardeio diário de esgotos “in natura” em nossas águas determina o afastamento de 217 mil trabalhadores de suas respectivas atividades profissionais a cada ano por problemas gastrointestinais. A cada afastamento perdem-se 17 horas de trabalho, o que implica em custos adicionais de R$ 238 milhões por ano em horas-pagas e não trabalhadas. Culpa da água contaminada.

          Enquanto ignoramos os índices escabrosos de poluição, e as estatísticas preocupantes de perda de água tratada na rede (algo em torno de 35%), alguns de nós ainda gostamos de lembrar com certo ar ufanista que o Brasil é o país campeão mundial de água doce, com 12% das reservas mundiais das águas superficiais de rios, sem contar o enorme volume do precioso líquido estocado nos aqüíferos Guarani e Amazônico. O problema é que a distribuição dessa água é extremamente desigual. A bacia do rio Amazonas – a maior bacia fluvial do mundo – concentra mais de 70% da água onde vivem apenas 8% da população brasileira. Já a região Sudeste, a mais populosa, que reúne 42% da população, tem apenas 6% da água. Além da geografia desigual, a água também é administrada de maneira sofrível por pessoas ou instituições sem competência técnica (ou a correta orientação política) para isso.  

     Segundo o “Atlas Brasil – abastecimento urbano de água : um diagnóstico dos mananciais superficiais e subterrâneos e sistemas de produção de água potável do país”, produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA), “55% dos municípios brasileiros (3.059) que respondem por 73% da demanda por água no país, precisam receber até 2015 investimentos em seus sistemas de produção de água ou mananciais que somam R$ 22 bilhões para evitar problemas no abastecimento”. Esse alerta ainda não mereceu por parte dos tomadores de decisão a devida atenção.

       “Os países hoje em dia são avaliados pela forma como sabem usar a água, e não pelo que têm de água. Porque é mais importante hoje saber usar a água que se tem do que ostentar a abundância”, me disse certa vez em entrevista o saudoso professor de Hidrologia da USP, Aldo Rebouças, um dos maiores especialistas no assunto. Também ele denunciava com farta argumentação o uso insustentável de água nas lavouras, que consomem aproximadamente 70% de toda a água doce do país. Para o especialista, as técnicas normalmente empregadas de irrigação (inundação, pivô central ou aspersores) desperdiçam muita água sem necessidade.

       Por tudo isso, chega em boa hora o alerta da ONU em um mundo onde na última década ascenderam à classe média aproximadamente 400 milhões de pessoas. O incremento do consumo trouxe junto a explosão de demanda da chamada água virtual, aquela que a gente não vê, mas está presente nos sapatos, roupas, carros, eletrodomésticos, computadores, televisões, enfim, tudo o que é produzido. Não há crescimento econômico possível sem muita água sustentando os indicadores de produção e de consumo. Embora a população cresça, e o número de consumidores também, o estoque de água doce do planeta permanece inalterado há milhões de anos. Sem a promoção do uso inteligente, a falta de água para suportar o crescimento da demanda deverá se tornar crônica.

         Reduzir a poluição e o desperdício; promover a cultura do uso inteligente da água em todos os níveis; capacitar gestores, acelerar os investimentos e monitorar os resultados. As soluções estão ao nosso alcance. Resta fazer.

 

*Ouça comentário sobre o assunto na Rádio CBN:

https://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/andre-trigueiro/ANDRE-TRIGUEIRO.htm

 

 

NYT fecha editoria de meio ambiente.E daí?

ter, 22/01/13
por andre trigueiro |
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                  A decisão do prestigiado jornal americano The New York Times de fechar sua editoria de meio ambiente e redistribuir os profissionais da equipe (dois editores e sete repórteres especializados) por outras editorias na redação causou polêmica e inspirou acalorados debates em diferentes redes mundo afora.  

                 O anúncio foi feito uma semana depois de a organização The Daily Climate (que monitora a cobertura dos assuntos relacionados às mudanças climáticas pelas mídias americanas) ter divulgado um relatório informando que nos últimos três anos, o Times foi o veículo que mais se destacou neste gênero de cobertura entre os cinco principais jornais impressos daquele país.

                 Outro detalhe que chama a atenção sobre a decisão do NYT é a curiosidade crescente do público americano em relação às mudanças climáticas, especialmente depois da fúria arrasadora do furacão Sandy e da onda de calor recorde que provocou quebra de safra e enormes prejuízos no campo em 2012. As mídias dos Estados Unidos também tem acompanhado com especial atenção a revolução energética imposta pelo uso crescente de gás do xisto em lugar dos combustíveis fósseis tradicionais, com a conseqüente redução da importação de petróleo e a diminuição das emissões de gases estufa.

                 No discurso de posse no National Mall, em Washington, um dia depois de assumir oficialmente o segundo mandato, o presidente Barack Obama sinalizou que nos próximos quatro anos a política da Casa Branca para a questão climática poderá render muitas manchetes quando disse : “Vamos responder à ameaça da mudança climática, sabendo que não agir seria trair os nossos filhos e gerações futuras (…) O caminho para as fontes de energia sustentáveis ​​será longo e, por vezes, difícil. Mas os Estados Unidos não podem resistir a essa transição, é preciso levá-la adiante. Não podemos ceder a outros países a tecnologia que vai gerar empregos e novas indústrias”. 

               Por tudo isso, na contramão do NYT, o Los Angeles Times mantém uma editoria especializada em meio ambiente com um editor-chefe, quatro jornalistas em tempo integral,um em tempo parcial e deve abrir mais uma vaga na equipe nos próximos dias.

                 O editor responsável pela mudança no NYT, Dean Baquet, afirmou que a decisão de desmantelar uma das primeiras editorias de meio ambiente da mídia impressa americana (funcionava desde 2009) se deu por razões puramente estruturais. “Hoje as pautas ambientais fazem parte do mundo dos negócios, da economia, dos assuntos nacionais ou locais, etc. São temas mais complexos. Precisamos ter pessoas trabalhando em diferentes editorias que possam cobrir os diferentes lados dessa pauta”, declarou ele em entrevista a jornalista Katherine Bagley, do blog Inside Climate News ( https://insideclimatenews.org/news/20130111/new-york-times-dismantles-environmental-desk-journalism-fracking-climate-change-science-global-warming-economy )

                 Ele pode até estar blefando, e ter inventado essa desculpa para reduzir custos com o fim da editoria, mas a explicação faz sentido. O principal risco de uma editoria de meio ambiente (em qualquer veiculo de comunicação) é formalizar uma espécie de “gueto verde” e desconfigurar o caráter transversal e multidisciplinar dos assuntos ambientais. Se a opção é dispor de jornalistas que se identificam e conhecem minimamente os assuntos ambientais (clima, resíduos sólidos, recursos hídricos, biodiversidade, energia,etc) espalhados por todas as editorias, com a intenção de promover o alargamento dos horizontes de cobertura com abordagens menos óbvias, parece genial.

                 Apenas para dar um exemplo: imaginem um setorista de economia acompanhando uma entrevista coletiva do Ministro da Fazenda aqui no Brasil em que o assunto é mais uma redução do IPI para automóveis.Em uma redação onde os assuntos ambientais sejam objeto do interesse de todos os profissionais indistintamente, este jornalista provavelmente não deixará de perguntar sobre os efeitos da redução do IPI na perda da mobilidade urbana nas principais cidades brasileiras, já colapsadas com engarrafamentos crescentes. Sim, este é um assunto econômico por excelência, do contrário, por que a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo estimaria o prejuízo causado pelos engarrafamentos na maior cidade do país em aproximadamente 50 bilhões de reais por ano? Entretanto, é raro no Brasil que um setorista de economia (ou de outra editoria qualquer) saia do seu “quadradinho” e busque essas conexões da pauta com o universo em que ela está inserida. Até acontece, mas é difícil.

               É o que se convencionou chamar de visão sistêmica. Todos os assuntos estão de alguma forma inter-relacionados e no universo jornalístico importa revelar esses links, sempre que o resultado desse exercício torne a notícia ainda mais interessante e esclarecedora. Como não relacionar esta crise ambiental sem precedentes na História com nossos hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo? A cobertura linear dos assuntos não ajuda a entender a dimensão do problema e os caminhos para resolvê-lo.

             Em favor da editoria de meio ambiente, poderia se dizer que ela abre caminho para a organização de um núcleo de jornalistas especializados, que foram estimulados (através de cursos, seminários, workshops,etc) a entender os saberes que emergem das comunidades científicas e acadêmicas com muito mais facilidade do que seus colegas.       

             O jornalista é, via de regra, um generalista. Um contador de histórias preparado para realizar diferentes mergulhos nas mais diferentes áreas do conhecimento. Mas se não houver jornalistas preparados para a nobre função de “decodificar” ou “traduzir” esses novos saberes que explicitam o senso de urgência em favor de um novo modelo de desenvolvimento mais sustentável, replicaremos nas redações o analfabetismo ambiental. Nada mais impróprio, considerando que a crise ambiental sem precedentes na História da humanidade requer jornalistas minimamente preparados para reconhecer os diagnósticos preocupantes, explicá-los com clareza e objetividade, e sinalizar rumo e perspectiva com pautas criativas e interessantes. 

           Já testemunhei várias queixas de pessoas extremamente qualificadas em diferentes áreas do saber e do conhecimento que se decepcionaram com o nível das perguntas feitas por jornalistas, ou, pior, com a deformação das informações prestadas que mais tarde se transformam em reportagens desprovidas de sentido. Há situações em que o desagrado é tão grande que essas fontes simplesmente se negam a dar entrevistas ou tornam-se arredias à simples ideia de compartilhar seus conhecimentos com alguém que não lhes pareça confiável.Quando isso acontece, aumenta-se a distância que separa a sociedade da ciência, e avalizamos o comportamento dos governantes omissos, que preferem ignorar os sucessivos alertas em favor das mudanças.

           No artigo “É tempo de fechar a porta do inferno”, publicado no último dia 19/1, o colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi usa expressões fortes para denunciar a necessidade dos tomadores de decisão reagir à crise climática:  “O mundo todo está vivendo uma situação de mudança climática que anuncia uma catástrofe em algum momento futuro. Sei que esse tipo de alerta costuma cair no vazio quando feito por entidades ambientalistas, desprezadas como ecochatas. Mas, agora, as sirenes estão sendo acionadas pelo empresariado, exatamente aquele que hesita em pagar os custos da adaptação da economia a modos de produção mais amigáveis ao ambiente”. Clóvis não é setorista de meio ambiente. É um generalista, como os profissionais de imprensa devem ser. Mas exerceu o melhor jornalismo, quando se apropriou de relatórios produzidos por seguradoras e consultorias especializadas para retirar dali o que lhe parecia uma notícia importante.

             Com ou sem editoria de meio ambiente, o que importa é a correta cobertura dos assuntos ambientais. Que cada redação defina o método que lhe convenha, sem descuidar do objetivo final. Esse filão de notícias está condenado a crescer ainda mais em importância e prestígio nas próximas décadas e ignorar essa realidade (mensurável em relação aos espaços já conquistados por demanda do próprio mercado) pode custar muito caro. 

 

*Ouça o comentário sobre este assunto na Rádio CBN: 

 https://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/andre-trigueiro/2013/01/20/NEW-YORK-TIMES-ANUNCIA-FECHAMENTO-DA-EDITORIA-DE-MEIO-AMBIENTE.htm

 

 

As relíquias garimpadas no lixo

seg, 03/12/12
por andre trigueiro |
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Quis o destino que um professor universitário apaixonado por reciclagem ajudasse a organizar o primeiro projeto de coleta seletiva do Brasil em 1985 no bairro de São Francisco, em Niterói (RJ). Foi ele quem primeiro reparou na enorme quantidade de livros descartados diariamente junto com os recicláveis. Era algo que o atormentava. Um desperdício doloroso de informação e cultura. E se houver algo valioso sendo descartado entre as 20 toneladas de recicláveis por mês trazidas pelos catadores? Para eliminar esse risco, ele orientou os responsáveis pela coleta a separarem dos recicláveis coletados nas ruas não apenas os livros, mas eventuais revistas, fotografias, medalhas, moedas antigas e tudo o mais que parecesse “coisa antiga”. A ideia do garimpo deu tão certo que, a partir dela, foi possível organizar o maior e mais importante acervo de relíquias a partir dos resíduos do Brasil.

O professor Emilio Eigenheer é um obstinado. Muito antes de o Brasil acordar para a urgência da coleta seletiva, ele já era uma autoridade no assunto. Lançou vários livros sobre a cultura dos resíduos, explicando como as civilizações do passado lidaram com seus medos, preconceitos e aversões ao que se convencionou chamar de lixo. Algo de que nós hoje ainda não nos livramos totalmente. O garimpo em Niterói resultou na doação de um acervo com 4 mil livros para a a biblioteca do Centro Centro de Memória Fluminense da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Há ainda mil itens como revistas, jornais, fotos e mapas antigos catalogados e disponíveis para pesquisadores.

O projeto deu origem a confecção de um site onde mil livros didáticos ou de interesse acadêmico (todos separados em Niterói) foram disponibilizados para venda pelo preço mínimo de três reais. Só podem comprar os livros listados no site professores, alunos e funcionários da UFF ou do campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em São Gonçalo. A receita com a venda desses livros ajuda a custear as despesas do projeto. Outra importante fonte de renda é a venda direta de alguns livros para os “sebos”. Com sorte, chega-se a mil reais por mês. Não fosse o voluntarismo da equipe responsável, nada aconteceria.

A consagração veio agora com o interesse da Biblioteca Nacional do Rio (a mais importante instituição do gênero da América Latina). A exposição “Resíduos & Memória: o acervo raro recolhido pelo Programa de Coleta Seletiva do Bairro de São Francisco” ocupa uma ala inteira da Biblioteca. São 72 itens do acervo produzido com a supervisão do professor Emílio que agora ocupam o seu devido lugar. Entre as peças mais valiosas aparecem os primeiros selos postais do Brasil, da série “Olho de Boi” (um de 30 réis e outro de 60 réis), de 1843, sonho de consumo de qualquer filatelista. Uma coleção de moedas antigas de 1369 e 1706. Uma medalha italiana da Primeira Guerra Mundial (1918) e outra cunhada à época da celebração do primeiro centenário da Independência (1922). Cartões postais de 1907 a 1930. Cartões de visita do século dezenove que trazem as fotos estilizadas (com direito a curiosas poses) de seus donos.

O estado de conservação dos livros selecionados é impressionante. A obra mais antiga tem o pomposo título de “Historia Imperial e Cesarea”. Foi editado na Bélgica em 1578 e é a relíquia literária mais preciosa do acervo. Outros dois livros raros são a “História da Guerra Civil na França” (1660) e um Missário Romano (1820) que resistiram heroicamente às traças e ao abandono de seus donos. Há ainda um livro de 1850 que relata em detalhes a histórica festa em que 50 índios tupinambás atravessaram o Atlântico para saciar a curiosidade da corte francesa no século 16. Esta edição é ainda mais valiosa por trazer o carimbo de seu antigo dono, Salvador de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Seu carimbo marca a contracapa da edição. Em “Cozinheiro Imperial” (1881), o visitante poderá ver o esmero das ilustrações que ensinam algumas das mais apreciadas receitas culinárias da corte no Brasil. Por fim, uma edição rara do livro “Nunca Mais…”, de Cecília Meirelles, lançado em 1923 e ilustrado por seu marido, Correia Dias.

Quem visita a exposição se delicia com o fato de que todo esse acervo precioso foi organizado a partir dos resíduos coletados por catadores de um bairro de Niterói.  O sonho do professor Emílio é ver outros municípios organizando garimpos semelhantes. É inimaginável a quantidade de relíquias que se perdem nos materiais separados para reciclagem, e principalmente naquilo que vai parar no lixo. Há verdadeiros tesouros submersos nas montanhas de resíduos que descartamos displicentemente todos os dias. Haja peneira!

Obama: novo mandato será sustentável?

qua, 07/11/12
por andre trigueiro |
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Boa parte dos votos que asseguraram a reeleição de Barack Obama chegaram às urnas soprados pela força dos ventos do furacão Sandy, um evento climático extremo que surpreendeu os cientistas pela rota incomum. A tempesade obrigou o candidato republicano Mitt Romney a reconhecer que o adversário democrata estava certo, ou seja, que o país necessita de uma agência federal para a prevenção de desastres.

Pode-se dizer de forma bem humorada que Obama está em dívida com Sandy. Mas é possível afirmar sem nenhuma dúvida que o presidente reeleito não cumpriu importante promessa feita há quatro anos quando se comprometeu a ser o “principal líder climático do planeta”.

Em seu primeiro mandato Obama conseguiu aprovar na Câmara um projeto inovador para regular as emissões de gases estufa nos Estados Unidos. Batizado de “Cap and Trade”, o projeto estabelecia os limites de emissões para cada setor da economia e as regras para a criação de um mercado de carbono doméstico.

Bombardeado pelos republicanos, por empresas eletrointensivas que queimam regularmente quantidades monumentais de combustíveis fósseis e por segmentos da mídia que associavam o “Cap and Trade” a mais desemprego num momento difícil da economia, Obama recuou e abandonou à própria sorte o projeto que hoje dormita em alguma gaveta do senado.

O que fará o presidente reeleito em relação a este projeto no segundo mandato? Ninguém sabe. A questão climática manteve-se ausente durante a campanha eleitoral.

E qual será a postura do presidente nas negociações do clima? Por enquanto, guarda-se viva na memória a passagem relâmpago de Obama por Copenhague durante a COP-15 para um dos pronunciamentos mais burocráticos e menos inspirados de seu primeiro mandato. Também preferiu não vir à Rio+20. Ficou clara a estratégia do presidente de calibrar suas declarações sobre assuntos ambientais de interesse mundial ou participações em eventos fora dos Estados Unidos sempre de acordo com os humores de seu eleitorado. O resultado nesse sentido foi pífio.

Mas Obama – através do EPA (Environmental Protection Agency) – determinou que o dióxido de carbono (CO2) passasse a ser considerado um poluente. A medida permitiu uma série de restrições que passaram a ser impostas aos maiores poluidores do país. Uma enxurrada de ações judiciais questionou a medida, mas a Suprema Corte deu ganho de causa ao governo. Ponto para ele.

Segundo dados do WorldWatch Institute, nestes primeiros quatro anos da Era Obama houve um aumento de 55% na eficiência dos combustíveis, a importação de petróleo caiu 32%, as emissões de dióxido de carbono foram reduzidas em 10%, a capacidade instalada dos parques eólicos dobrou e a produção de energia a partir do sol foi multiplicada por sete.

Se, por uma lado, a matriz energética americana registrou um salto qualitativo na direção das fontes limpas e renováveis, por outro, a administração Obama passou a apoiar ostensivamente a exploração de gás de xisto através de um método conhecido como “fracking”, que injeta explosivos e substâncias quimicas no subsolo. Controverso e polêmico, o gás de xisto divide a comunidade acadêmica e científica – alguns países da Europa proíbem sua exploração – pelos enormes riscos de contaminação das águas subterrâneas.

Apesar de tudo, do ponto de vista ambiental, melhor Obama do que Romney. Os democratas têm assumido historicamente muito mais compromissos em favor do meio ambiente do que os republicanos, que chegaram a censurar relatórios da Nasa e da EPA sobre aquecimento global na era Bush.

Mas Obama continua devendo. É evidente que os obstáculos são gigantescos, que o Congresso não lhe é favorável, que a sociedade americana está dividida também no que diz respeito a certas políticas ambientais, mas político reeleito costuma ser mais assertivo em suas convicções num eventual segundo mandato.

O que estará em jogo nos próximos quatro anos é o legado que Barack Obama pretende deixar à frente da Casa Branca. Quem senta naquela cadeira, comandando a única superpotência do planeta, não pode tudo, mas pode muito. Se experimentamos a maior crise ambiental da História da humanidade – e Obama sabe disso – há muito o que fazer até 2016.

Que ele possa cumprir o que disse no discurso da vitória, horas atrás: “O melhor ainda está por vir”.

Prefeitos, mãos à obra!

seg, 29/10/12
por andre trigueiro |
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Eleição é passado. Agora é hora de planejar o que será possível fazer em quatro anos e, de preferência, definir logo equipes de transição que possam acessar desde já as informações da atual administração municipal. Melhor conhecer antes a realidade que o espera do que se surpreender no primeiro dia de trabalho após a posse. Quem se reelegeu deve prestar atenção no que importa destacar no ciclo final de mandato, privilegiando as políticas exequíveis (e inteligentes) no curto intervalo de quatro anos.

Sem prejuízo das promessas já realizadas em campanha, o que segue abaixo configura um pequeno resumo de práticas que podem fazer a diferença em favor de um governo mais eficiente e sustentável.

- ICMS Ecológico : Catorze estados brasileiros adotaram o ICMS Ecológico, que promove o repasse dos recursos do principal imposto estadual aos municípios, a partir do cumprimento de determinadas exigências ambientais – como proteção das florestas, gestão inteligente das bacias hidrográficas e destinação correta do lixo. Cada estado define os critérios de pontuação dos municípios para a definição de um ranking onde aqueles melhor avaliados recebem mais recursos do que os mal avaliados. Por conveniência ou convicção, os prefeitos devem estar antenados com as questões ambientais.

- IPTU Verde : Várias cidades brasileiras (é o caso de Guarulhos/SP, ou Paragominas/PA) oferecem abatimento ou isenção do IPTU – principal imposto municipal – se o contribuinte oferecer contrapartidas socioambientais reconhecidamente importantes para a cidade. Por exemplo: moradores que captam água de chuva, usam coletores solares, promovem a coleta seletiva de lixo ou adotam práticas que a Prefeitura reconheça como importantes e estratégicas para o município, são recompensados com isenção ou redução do IPTU.

- Gestão de Recursos Hídricos : Relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) alerta para o risco de haver problemas no abastecimento de água potável em 55% dos municípios brasileiros se não forem investidos 22 bilhões de reais nos sistemas de abastecimento e na proteção dos mananciais e nascentes até o ano de 2015. Os prefeitos podem contribuir para evitar o risco de um colapso estimulando o consumo consciente de água. Uma das cidades que avançaram nesta área foi Niterói (RJ), onde foram aprovadas leis que tornaram obrigatória a medição individual de água (hidrômetros), a coleta de água de chuva e das águas cinzas – que saem do chuveiro, das pias e dos tanques – para reuso nos condomínios.

- Lixo: Quem cuida do lixo é o prefeito. Mais da metade dos municípios brasileiros destina seus resíduos para vazadouros a céu aberto – lixões. Quem se elegeu agora não pode descuidar do cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos que estabeleceu o prazo limite de 2014 para que todos os lixões sejam desativados. Para os municípios pobres, a solução é a figura jurídica dos consórcios intermunicipais, onde várias cidades unem forças e dividem os custos para a implantação, por exemplo, de um aterro sanitário. Incentivo às cooperativas de catadores, promoção da reciclagem e do reaproveitamento de materiais, mobilização de todos os setores da administração pública – como secretarias, autarquias, empresas públicas, escolas, creches – para a destinação correta dos resíduos, são medidas importantes.

- Transporte: Replica-se como metástase pelo Brasil o estrangulamento das vias públicas por conta da multiplicação indiscriminada de veículos automotores. Os prefeitos precisam definir planos de longo prazo que assegurem a mobilidade urbana por diferentes modais de transporte. Sem transporte público de massa eficiente, barato e rápido, não há solução. Prefeito que não tem programa definido para a expansão de ciclovias e ciclofaixas, ou que não estimula o uso de bicicleta na cidade, está desinformado ou age de má fé. Em boa parte das cidades desenvolvidas, a bicicleta é mais lembrada como meio de transporte do que como opção de lazer e diversão.

- Proteção das áreas verdes: A Organização Mundial da Saúde estabelece como medida de qualidade de vida nas cidades a meta de se manter pelo menos12 metros quadrados de área verde por habitante. Isso seria o suficiente para assegurar a realização de serviços ambientais importantes como umidade, climatização, sombreamento, retenção de água de chuva e, por último mas não menos importante, paisagens agradáveis que ajudam os moradores das cidades e estabelecerem uma relação de maior harmonia e equilíbrio com o meio em que estão inseridos.

- Construção sustentável: As leis que definem padrões de edificação devem levar em conta que este é o setor da economia que mais fortemente impacta o meio ambiente. Os edifícios no Brasil também consomem metade de toda a energia do país, desperdiçam água e matéria-prima. São exemplos de ineficiência e, por isso, oneram desnecessariamente quem vai morar ou trabalhar nessas edificações. Um prefeito atento e responsável deve implementar padrões construtivos que promovam o uso racional e inteligente de água, energia e matéria-prima.

Democracia saudável é aquela em que, além de votar, o cidadão acompanha passo a passo as ações daqueles que foram eleitos para nos servir. Prefeito inteligente é aquele que sabe ouvir, reconhece o mérito de soluções que eventualmente tenham sido testadas em sua cidade por seu antecessor – ou em outras cidades – e está pronto para replicar essas experiências – com os devidos ajustes – em favor da qualidade de vida da população.

Dez razões para levar a sério o Dia Mundial sem Carro

qua, 19/09/12
por andre trigueiro |
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No próximo sábado (22) celebra-se mais uma edição do Dia Mundial sem Carro. Veja aqui algumas razões que emprestam sentido a essa data.

1) Tamanho é documento
A multiplicação indiscriminada da frota automobilística já é um dos maiores problemas da Humanidade. Na maioria das capitais brasileiras (e mundiais) já não há a chamada “hora do rush”, porque sucessivos congestionamentos em diferentes horas do dia colapsam o trânsito progressivamente. A construção de mais pontes, viadutos, túneis ou vias expressas são paliativos, não resolvem efetivamente o problema, como muitas vezes, indiretamente, contribuem para estimular o uso do carro. A mobilidade urbana se tornou questão central do debate sobre qualidade de vida nas cidades.

2) É bom para a economia?
Estima-se que o setor automotivo responda por aproximadamente 20% do PIB brasileiro. Entre 2009 e 2011, as montadoras de veículos informam ter recolhido em impostos diretos R$ 137 bilhões. Se as montadoras de todo o planeta fossem um país, este seria um dos dez mais ricos do mundo. É bom lembrar que junto às linhas de montagem, orbitam os setores de autopeças e combustíveis, além do mercado de seguros e outros agregados. Se não há dúvida de que os automóveis fazem girar a roda da economia, também é certo que o impacto do crescimento da frota nas cidades tem inspirado outro gênero de contabilidade preocupante.

Segundo o secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo, Marcos Cintra, os prejuízos causados pelos engarrafamentos crescentes na cidade somam R$ 52,8 bilhões por ano, o equivalente a mais de 10% do PIB municipal. Um crescimento de 60% nos últimos quatro anos. Se outras cidades incomodadas com os engarrafamentos realizarem cálculos semelhantes, os resultados deverão ser surpreendentes.

Congestionamento pesado em via de São Paulo (Letícia Macedo/G1)

3) A questão do IPI
Sabe-se que o governo federal reduz periodicamente o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que incide sobre automóveis, toda vez que o setor reclama de queda nas vendas e risco de desemprego. Essa é uma questão polêmica,  uma vez que a medida não vem acompanhada de contrapartidas sociais e ambientais que pudessem justificar tamanha renúncia fiscal.
Nos Estados Unidos, o governo Obama socorreu as montadoras com pesadas contrapartidas (manutenção do emprego, maior eficiência e inovação tecnológica na direção de uma nova geração de motores mais econômicos). É lamentável que o dinheiro arrecadado pelo governo com a venda de carros não esteja sendo devidamente investido em transporte público de massa eficiente, barato e rápido. Não custa checar também o quanto as montadoras de veículos instaladas no Brasil transferem em divisas para as respectivas matrizes fora do país.

4) O “carrocentrismo”
No livro “Muito Além da Economia Verde (Ed.Abril) o professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Economia Internacional da USP, Ricardo Abramovay, afirma que o automóvel é “a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis (…) O mais grave é que ali onde houve inovações nessa indústria ela se voltou mais a preencher desejos privados por carros maiores, mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado. Foi só em 2007 que, pela primeira vez em 32 anos (houve um precedente logo após a primeira crise do petróleo), a lei americana impôs metas de economia de combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automobilística.

5) Lata de sardinha
O sucateamento do transporte público no Brasil –- responsabilidade dos governos –- determina um dos maiores fatores de estresse para milhões de brasileiros. Só quem é passageiro e já passou pelo aperto de um trem, de um metrô, de um ônibus ou de uma barca (experiência desconhecida pela maioria dos governantes, alguns dos quais muito mal acostumados com os batedores que escoltam seus carros oficiais ou vivem refugiados no vai-e-vem de helicópteros barulhentos) sabe o tamanho do desgaste físico e emocional que isso representa.

Em boa parte dos casos, quem sofre a agonia diária de chegar ao trabalho exaurido, com a roupa amarrotada e cansado pelas horas de aperto no transporte coletivo, sonha em ter um carro para se livrar desse pesadelo. O raciocínio é mais ou menos o seguinte: melhor sofrer nos engarrafamentos em seu próprio carro, ouvindo um agradável “sonzinho” no ar -condicionado, do que seguir apertado por aí. O que parece ser lógico e justo no campo individual constitui um enorme problema na esfera coletiva. A incompetência dos governos em assegurar o direito constitucional de um transporte público decente agrava a perda da mobilidade urbana numa escala sem precedentes.

6) Uma questão de saúde pública
Os dados são do dr. Paulo Saldiva, pneumologista da USP: quem mora em São Paulo, cidade com o maior número de carros do Brasil, onde a maior fonte de poluição vem justamente do escapamento dos veículos, está vivendo em média dois anos a menos em função de problemas causados ou agravados pela inalação de poluentes presentes na fumaça. São aproximadamente quatro mil óbitos por ano.

7) O maior dos sonhos de consumo
Concebido inicialmente apenas como um meio de transporte, o carro foi ganhando, ao longo de sua história – talvez mais do que qualquer outra invenção moderna – uma representação simbólica que explica o fascínio que exerce sobre as pessoas em todo o mundo há muitas décadas. A  publicidade soube trabalhar bem esse sentimento, transformando no imaginário coletivo os carros em metáforas de nossas existências, onde os sonhos de liberdade, poder, força, status social, beleza, juventude, auto-afirmação, a capacidade de desbravar obstáculos antes intransponíveis, a possibilidade de chegar à frente de todo mundo (já reparou que carro só anda sem engarrafamentos em comerciais de TV?) tornaram-se “possíveis” e “ao alcance de todos” com a simples posse de um veículo automotor. Como resumiu uma campanha publicitária recente sobre um determinado veículo: “ou você tem, ou você não tem”.

8 ) O efeito Pateta
Em “Motormania”, desenho animado de Walt Disney do ano de 1950, o dócil Pateta se transforma ao volante em alguém raivoso, egoísta e perigoso (veja o vídeo). Alguém que dirige alucinadamente no trânsito oferecendo risco a si próprio e aos outros. Em depoimento registrado no livro “O automóvel: planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech), a psicóloga Iara P. Thielen, diretora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, diz que “ as pessoas têm um sentimento de individualismo exagerado. Elas não vêem o trânsito como um fenômeno coletivo. Por isso elas acreditam que, em primeiro lugar, o problema é sempre dos outros, que são loucos e que correm, enquanto que elas apenas exageram um pouquinho”.

9) O impacto sobre o clima
Atualmente a frota automobilística do mundo é superior a 800 milhões de carros. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas a China deverá aumentar sua frota de 17 milhões de carros para 343 milhões de carros até 2030. Segundo a secretária de Economia Verde do Estado do Rio de Janeiro, a professora da COPPE/UFRJ, Suzana Kahn, que também integra o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o setor de transportes é responsável onde por 23% das emissões globais de gases estufa (que agravam o aquecimento global) e cerca de 50% a 70% dos poluentes atmosféricos. Os automóveis sozinhos respondem por metade de tudo isso.

10) “A era do automóvel”, por João do Rio
Membro da Academia Brasileira de Letras, João do Rio registrou em 1909, numa crônica profética, alguns dos problemas causados pela multiplicação indiscriminada de automóveis nas ruas das cidades. Note-se que esta crônica foi publicada em 1909 quando apenas 37 automóveis rodavam pelas ruas do Rio de Janeiro, então com 500 mil habitantes. O texto foi reproduzido na íntegra no livro “O automóvel : planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech). Destaco aqui apenas o início e o final da crônica:

“E subitamente, é a Era do Automóvel.O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os escombros da   cidade velha, e como nas mágicas e na natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas aspirações (…). Automóvel, Senhor da Era, Criador de uma nova vida, Ginete Encantado da transformação urbana, Cavalo de Ulysses posto em movimento por Satanás, Gênio inconsciente da nossa metamorfose!



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