9.600 minutos na rádio CBN
Ao completar 10 anos como comentarista de sustentabilidade da Rádio CBN me deu vontade de fazer um breve balanço a partir do que me foi possível compartilhar em 9.600 minutos de informação e reflexões com os ouvintes sempre aos sábados e domingos, às 13:50h, em rede nacional.
Não seria possível resumir aqui tudo o que de mais importante aconteceu em uma década neste campo – já tão vasto e complexo –, mas tentarei apontar o que mais me chamou a atenção.
Apesar de todas as evidências de que a Humanidade interfere no comportamento do clima – e de que precisamos agir rápido para evitar os piores cenários –, aumentou a distância que separa a corrente majoritária dos cientistas dos tomadores de decisão, ou seja, não importa o que os cientistas estejam dizendo, os chefes de Estado permanecem pouco dispostos a ouvir. E isso é grave.
Seja na COP-15 (a mais importante Conferência do Clima realizada até hoje em número de chefes de estado) ou na Rio+20 ( a maior de todas as conferências da ONU também em número de líderes políticos), a retórica comprometida com “um mundo mais sustentável” contrastou violentamente com as ações desenvolvidas pela maioria absoluta desses países.
No campo energético, vale destacar duas revoluções em curso. Nos Estados Unidos, a exploração do shale gas (por aqui chamado de gás de xisto) reduziu drasticamente os custos de produção e a dependência daquele país em relação a petróleo e carvão mineral. A retomada da economia americana deve muito a essa nova fonte de energia mais barata. Nem os impactos ambientais causados pela “fracking” (tecnologia empregada para a obtenção do gás que já contaminou vários aquíferos subterrâneos) inibiu os investimentos crescentes nesta direção.
Enquanto isso, na Alemanha, a “enegywende” (“virada energética”, numa tradução livre) abriu caminho para a expansão sem precedentes de fontes limpas e renováveis, especialmente solar e eólica, em substituição às usinas nucleares, que serão totalmente desativadas nos próximos nove anos.
No Brasil, a energia eólica tornou-se competitiva – sem ajuda governamental –, cresceu e continua se expandindo em um ritmo frenético. O problema é que as redes de transmissão não acompanharam esse crescimento, o que ainda constitui um problema. Depois do vento, chegou a vez do sol. No próximo dia 18/11, o país realizará o primeiro leilão de energia com oferta para usina solar. Será o primeiro teste – de muitos que certamente virão – para um mercado que já é realidade em países como Estados Unidos, China, Alemanha e Espanha.
O Brasil também deu os primeiros passos na direção do smart grid – redes inteligentes de energia – permitindo legalmente a existência dos chamados micro-geradores de energia (pessoas físicas ou jurídicas que investem em pequenos sistemas de geração de energia renovável, como solar ou eólica) interligados à rede e “vendendo” o excedente para a distribuidora local de energia. Aos poucos, os relógios analógicos de luz vão sendo substituídos por equipamentos digitais que permitem a leitura do consumo à distância, o quanto cada equipamento doméstico gasta de eletricidade, etc.
No capítulo da água, a escassez de recursos hídricos levou a ONU a eleger, por duas vezes nesta década (2003 e 2013), a gestão inteligente da água como tema central de reflexões – e ações – da comunidade internacional. Apesar disso, os indicadores de poluição e desperdício de água ainda são considerados gravíssimos. Foi particularmente doloroso testemunhar a letargia dos governantes brasileiros em relação ao saneamento básico.
No capítulo da biodiversidade, a aprovação do Protocolo de Nagoya em 2010 ( que estabelece regras internacionais para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e micro-organismos) significou um avanço importante para conter a atual escalada de destruição, mas o Congresso brasileiro – tendo à frente a bancada ruralista – rejeita a ratificação do Protocolo por entender que o texto ameaça os interesses do setor.
Nesses 10 anos testemunhamos o colapso da mobilidade urbana na maioria absoluta das cidades brasileiras pela multiplicação indiscriminada de carros – cujas vendas permaneceram aquecidas com sucessivas reduções do IPI – sem que os devidos investimentos em transporte público de massa tivessem acontecido. As bicicletas – e o ciberativismo dos ciclistas – conquistaram espaços sem precedentes nas ruas, nas redes e nas novas disposições dos prefeitos em abrir caminho para as “magrelas”. Há muito por fazer, mas o que foi feito nos últimos anos faz vista.
Permanece a polêmica envolvendo o licenciamento de substâncias geneticamente modificadas, especialmente no setor de alimentos. Em 10 anos, os transgênicos se expandiram rapidamente pelo mundo – e muito especialmente no Brasil – embalados pelos interesses de grandes multinacionais por vezes acusadas de “atropelar” os protocolos de biossegurança mais razoáveis.
Em relação ao lixo, o Brasil conseguiu finalmente aprovar (foram aproximadamente 20 anos de espera no Congresso Nacional) a “Política Nacional de Resíduos Sólidos” que abre caminho para a erradicação dos lixões, a expansão da coleta seletiva, a logística reversa, o aproveitamento energético do lixo e a responsabilização de todos os elos da cadeia (de produção e de consumo) na destinação final dos resíduos. Ainda há muito trabalho pela frente até que a política dê os resultados esperados. Mas saímos da inércia.
Como se vê, são muitos os assuntos interessantes que testemunhamos e compartilhamos nesta década. Devo dizer que nada supera a força, o dinamismo e a capacidade do rádio chegar mais profundamente e rápido no coração das pessoas do que qualquer outro veículo de comunicação. De alguma forma, pelo retorno dos ouvintes, construí a convicção de que a informação acelera os processos de mudança do mundo. Participar desse processo como jornalista é simplesmente uma honra.
Ouça o comentário “Os frutos do Mundo Sustentável”na Rádio CBN