Depende de nós

ter, 24/12/13
por andre trigueiro |

Em 2013 chegou a fatura do Código Florestal: depois de sucessivas quedas, a taxa de desmatamento voltou a subir (28%) e tudo leva a crer que as regras complacentes aprovadas no Congresso estejam por trás desse número. Também chegou a fatura da política equivocada do governo em favor do transporte individual (eliminação do IPI para carros 0Km combinada com preço subsidiado da gasolina) que agravou o colapso da mobilidade urbana em praticamente todas as capitais brasileiras (inclusive Brasília, famosa por seu uma cidade “planejada”, e Curitiba, incensada mundo afora como a “capital da sustentabilidade”). As históricas manifestações de rua de junho foram motivadas inicialmente pelo péssima qualidade do transporte público. Em resumo: o nó das cidades nunca foi tão ostensivo.

2013 foi um ano especialmente ruim para as comunidades indígenas, com dezenas de mortes em conflitos abertos com fazendeiros e posseiros. De quebra, o governo se esmera em dificultar ao máximo o processo de regularização de novas reservas, mudando a legislação vigente e esvaziando ainda mais o poder da já combalida FUNAI.

Três anos depois da maior tragédia ambiental do país, quando um dilúvio de proporções bíblicas provocou 900 mortes na região serrana do Rio, milhares de pessoas continuam morando em áreas de risco sem que as obras prometidas (contenção de encostas, desassoreamento de rios,etc) tenham sido feitas. Um vexame. Ou será crime de omissão? O verão promete.

O Brasil abriu caminho para a exploração de gás não convencional (shale gas) sem protocolos de segurança definidos para o fracking (fracionamento hidráulico), método arriscado e polêmico para a obtenção do gás em grandes profundidades, ameaçando o lençol freático. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) organizou apenas uma audiência pública para tratar do assunto, agiu de forma açodada e temerária, na contramão da transparência e do interesse público.

Em 2013 cresceu o prestígio das bicicletas como modal de transporte, das construções sustentáveis e da reciclagem do lixo (em cidades como SP e RJ foram anunciadas metas usadas e inéditas de reciclagem até 2016). Há mais empresas preocupadas em reduzir suas respectivas pegadas ecológicas. Há mais governos locais interessados em promover um desenvolvimento mais limpo e ético (é o caso do programa “Municípios Verdes”, em curso no Estado do Pará, com resultados mensuráveis na direção de projetos que geram emprego e renda sem desmatar ou poluir os rios). Entretanto, merece registro o fato de o Brasil ainda permanecer atolado num oceano de matéria orgânica infecto-contagiosa. Os indicadores oficiais de saneamento básico continuam equivalentes aos de países da África subsaariana.

Em 2014 teremos uma copa do mundo que não será lembrada no futuro como uma “copa verde”, tal como foi a da Alemanha em 2006. As autoridades também deverão justificar no ano que vem as razões pelas quais as Olimpíadas de 2016 não chegarão perto dos Jogos de Sidney (2000) ou de Londres (2012) enquanto modelo de evento sustentável. Promessas feitas para o COI, como a de ” despoluir em 80% a Baía de Guanabara” não serão cumpridas no prazo estabelecido.

Teremos eleições para presidente e governador, e salvo alguma surpresa, os candidatos vão se referir apenas “protocolarmente” aos temas ambientais, fazendo juras de amor ao assunto sem que as palavras proferidas correspondam aos atos efetivamente realizados até então. Difícil prever o quanto a presença da ambientalista Marina Silva na chapa de Eduardo Campos poderá determinar ajustes importantes na campanha do atual governador de Pernambuco e de seus colegas candidatos. O tempo dirá.

Fukushima continuará vazando radioatividade no Japão. O sol continuará sendo a fonte limpa e renovável que mais cresce no mundo. E o mais poluente de todos os combustíveis fósseis, o carvão mineral, com o preço muito barato, continuará inspirando investimentos na direção do atraso.

Depois do fracasso da COP-19 na Polônia, a próxima conferência do clima será no Peru em 2014 e se não houver avanço consistente, chegaremos em Paris em 2015 (ano limite para a definição de um acordo global vinculante) como avalistas daquele que talvez seja o maior impasse diplomático da História do multilateralismo com graves consequências para a Humanidade como um todo, especialmente os mais pobres.

Feliz ano novo? Depende de nós.

Rio (Alagado) de Janeiro

qui, 12/12/13
por andre trigueiro |


Fenômeno climático mais previsível do mundo: chuva. Dever de casa mais elementar dos governantes: abrir caminho para a água da chuva. Certo? Não para quem tem a função de planejar o crescimento das cidades. A julgar pelo que vimos nas últimas horas no Rio de Janeiro, segunda cidade mais rica do Brasil, um dos mais importantes mandamentos da administração pública não vem sendo seguido à risca: “Para cada nova obra, providenciar sistemas de drenagem compatíveis”.

Como construir a Via Binário (alternativa ao Elevado da Perimetral inaugurada há dois meses) sem rotas de fuga para a água da chuva?

Outra: como autorizar o aparecimento do mais novo bairro da cidade no Recreio dos Bandeirantes (Pontal Oceânico) sem se dar conta de que as construtoras estavam aterrando ilegalmente os canais de drenagem (abertos da década de 1930) em uma das áreas mais vulneráveis a enchentes do Estado do Rio? (veja a reportagem)

Por que a Fundação Rio Águas (braço da Prefeitura que deveria acompanhar a situação dos rios da cidade e o correto escoamento da água da chuva) conta com apenas 15 fiscais para verificar como os empreendedores privados realizam suas obras em todo o município?

É claro que uma chuva torrencial como a de ontem é capaz de causar estragos em qualquer grande cidade do planeta. É evidente que a falta de educação de parte dos moradores (que jogam lixo no chão, nos rios, etc) agrava a ocorrência de enchentes.

Mas as prefeituras, com o perdão do trocadilho, não podem “chover no molhado” quando o assunto é enchente.

A cada um, a responsabilidade que lhe compete.

Tensão pré-sal

ter, 22/10/13
por andre trigueiro |

Petróleo é atividade de risco. Não há tecnologia capaz de conter totalmente vazamentos, eles acontecem com freqüência e alcançam algumas das mais importantes empresas do setor. Segundo o Ibama, são registrados, em média, 20 a 30 vazamentos por ano no Brasil. Eles devem ser reportados pelas próprias empresas operadoras – sem isso acontecer, ninguém fica sabendo.

Tanto o governo quanto a Agência Nacional do Petróleo (que para muitos são a mesma coisa) reconhecem suas limitações estruturais e logísticas para realizar hoje um monitoramento adequado dessas operações em alto-mar.

O país aprovou em 2000 a Lei nº 9966 que dispõe sobre “a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional”. Passaram-se 13 anos e ainda não regulamentamos o Plano Nacional de Contingência (PNC) estabelecendo com clareza as responsabilidades de todos os setores envolvidos em caso de acidente (companhias de petróleo, ANP, Marinha, órgãos ambientais, Defesa Civil, etc) para que possam agir de forma inteligente e coordenada.

O consórcio vencedor de Libra – a joia da coroa com reservas estimadas entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo – entra no jogo sem que essas regras básicas tenham sido ainda definidas. A mais preciosa reserva petrolífera do Brasil se transformará nos próximos anos em um paliteiro de poços em águas ultraprofundas, o que torna toda a logística tanto de exploração quanto de remediação de vazamentos muito mais onerosa e complexa. As condições de temperatura e pressão tornam esse ambiente extremamente hostil a qualquer operação que demande manobras precisas e urgentes.

Como o Brasil deverá triplicar a produção de petróleo na próxima década, há motivos reais de preocupação. Por mais sofisticados que sejam os protocolos de segurança de cada empresa reunida no consórcio – a bem da verdade, algumas delas são severamente criticadas por suas atuações desastrosas em outros países, principalmente no continente africano – há que se aprender com a História recente dessa indústria.

A BP era reconhecidamente uma das empresas mais comprometidas do mundo com sustentabilidade até se tornar responsável pela maior tragédia ambiental da História dos Estados Unidos em abril de 2010. Durante quase três meses, após a explosão de uma plataforma no Golfo do México (com 11 mortos), a companhia tentou em vão conter a sangria de aproximadamente 780 milhões de litros de óleo cru.

Além de provocar violentos impactos sobre o turismo, a pesca e os ecossistemas marinhos, a BP ainda é alvo de ações judiciais nos Estados Unidos e no México. O governo Obama também foi muito criticado por revelar-se despreparado para enfrentar situações como essas.

Um ano e meio depois, a empresa americana Chevron foi responsável pelo vazamento de 3.700 barris de petróleo no Campo do Frade, no litoral fluminense, a partir de uma manobra inadequada de perfuração a cargo da Transocean, a mesma operadora envolvida no megavazamento da BP. Investigações da Polícia Federal e da ANP concluíram que o acidente poderia ter sido evitado se os mais elementares procedimentos de perfuração fossem respeitados.

Como me disse certa vez em uma entrevista o professor da COPPE/UFRJ, Segen Estefen – um dos coordenadores da parceria estratégica da universidade com a Petrobras para vencer os imensos desafios tecnólogicos que a companhia tem pela frente na era do pré-sal: “O Brasil não deve ser apenas referência na exploração de petróleo em águas ultraprofundas. Devemos ser também referência em segurança na exploração dessa riqueza”.

Por enquanto, nada sugere que estejamos firmes nesta direção.

O clima é de “tensão pré-sal”.

De que lado você está?

sex, 27/09/13
por andre trigueiro |

 

Como você reagiu às informações divulgadas hoje pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU?

Aliás, teve algum interesse em ler? Porque isso já diz muito da nossa postura diante do maior desafio do milênio: o que fazer diante da maior crise climática da História da Humanidade que, segundo a corrente majoritária dos cientistas, é agravada por nossos hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo?

Este é um momento que será lembrado no futuro.

Tal como se dá hoje em alguns lares alemães, onde jovens estudantes que aprendem na escola sobre o nazismo indagam os mais velhos em casa sobre o que fizeram quando eclodiu o holocausto contra os judeus e a perseguição sistemática também a homossexuais, ciganos e deficientes físicos.

“De que lado o senhor estava vovô(ó)? Qual foi a sua escolha”?

Voltando para o relatório do IPCC. De que lado você está hoje? Em que acredita? Quais os valores que regem a sua conduta como cidadão, consumidor e eleitor?

Existem diferentes respostas ao alerta climático. Talvez valha a pena reconhecer a sua.

Há os que torcem intimamente para que tudo isso seja um grande engano e não haja necessidade de preocupar com o futuro por conta dos eventuais excessos do presente. É a tribo do “business as usual”, dos que se refugiam na “zona de conforto”.

Há os que pegam carona nas teses – todas desclassificadas pelo IPCC – dos autodenominados “céticos”, que tentam desconstruir a ideia de que o planeta está aquecendo e de que é preciso agir rápido. O assunto já foi tratado nesta coluna em um post anterior.

Há ainda os egoístas que só pensam em si mesmos e não se sensibilizam por qualquer causa coletiva, de qualquer natureza. “Se eu vou morrer mesmo, que diferença faz? Quero aproveitar ao máximo”. Do ponto de vista moral é um desastre. Uma das grandes conquistas da nossa espécie é a noção de que devemos sim nos preocupar com nossos rastros, as nossas pegadas, o nosso legado para as gerações futuras. Sem essa bússola ética, não há salvação para a Humanidade.

Há também os massacrados pelas manchetes apocalípticas que não encontram forças para reagir, e sucumbem diante de algo que consideram inevitável. “De que adianta agora fazer alguma coisa? A situação tá braba”. Estes são vítimas da mídia sensacionalista, que informa sem o devido cuidado de reportar as saídas da crise, o que podemos fazer para atenuá-la no curto prazo e resolvê-la num futuro mais distante.

Há ainda os que procuram fazer algo, por menor que seja, em resposta à consciência que reclama atitude. “Eu procuro fazer a minha parte”. Ou ainda os que transcendem o perímetro das miudezas do dia-a-dia e se lançam na direção de um movimento mais amplo, normalmente em redes, acionando canais de comunicação que se articulam globalmente em favor de campanhas, boicotes, abaixo-assinados virtuais, cobranças contra governos e empresas, etc.

É evidente que as grandes decisões precisam vir dos governos (políticas públicas que reduzam as emissões de gases estufa e promovam os investimentos necessários para nossa adaptação a um planeta mais quente, com mais eventos extremos, mudança do ciclo da chuva, elevação do nível dos mares etc) e das grandes empresas (inovação tecnológica e eficiência energética reduzindo drasticamente as emissões de CO2) num cenário onde a economia de baixo carbono parece ser o cenário mais óbvio.

Mas somos nós que escolhemos os governantes e temos a opção de pressioná-los ao longo dos mandatos. Somos nós que consumimos produtos e serviços e temos a opção de exigir dos empresários o que nos pareça mais justo e ético.

E aí? Qual a sua escolha?

Imagens de um dos países mais sustentáveis do mundo

qua, 18/09/13
por andre trigueiro |

Foi a segunda vez que visitei a Alemanha a trabalho. Tanto em 2006 (durante a primeira Copa do Mundo “verde” da História) quanto agora, quando registramos para o Jornal da Globo a “virada energética” do país (1ª reportagem da série vai ao ar na próxima quinta-feira, 26/9), fui arrebatado por uma cultura em que a sustentabilidade parece ter sido assimilada como um estilo de vida que inspira as principais escolhas feitas pelos alemães no dia-a-dia.

Abaixo, neste despretensioso álbum de viagem, compartilho algumas imagens (não esperem deste fotógrafo de ocasião o esmero de um profissional) que dizem muito a esse respeito.

1 – De vento em popa

Não é exagero dizer que a Alemanha se transformou em um gigantesco paliteiro de aerogeradores. Quem viaja pelo país se depara a todo instante com esses modernos cataventos compondo as paisagens. Os alemães geram hoje mais energia com o vento do que nós por aqui com a hidrelétrica de Itaipu. E ainda obtém lucros importantes com a venda de equipamentos e know-how a países interessados nesta fonte limpa e renovável de energia, como o Brasil.

2 – Com o sol a pino


Faz muito menos sol na Alemanha do que no Brasil. Ainda assim, a quantidade energia solar captada por eles já abastece o equivalente a 8 milhões de residências. A decisão de desligar todas as centrais nucleares alemãs após o acidente de Fukushima (2011) acelerou os investimentos em fontes alternativas. Na foto, a maior usina solar da Europa (feita com equipamentos de última geração) recém inaugurada nos arredores de Berlim, exatamente onde havia antes uma antiga base militar soviética,abandonada após o fim da guerra fria. Imagine uma área equivalente a 212 campos de futebol cobertos de placas fotovoltaicas. Parece uma paisagem futurista. Só que para os alemães, o futuro é agora.

3 – O teto solar do maior mercado de Berlim


A febre de cobrir telhados, lajes ou qualquer superfície plana disponível pegou os alemães de jeito. Foi o que aconteceu também no maior mercado de Berlim. Numa área equivalente a 6 campos de futebol, uma parceria público-privada investiu 6 milhões de reais (valores convertidos para a nossa moeda) num projeto que permitirá a venda da energia excedente para a rede. Perspectiva de lucro em aproximadamente 15 anos. Parece muito para quem só enxerga no curto prazo. Mas no país mais rico e populoso da Europa, a verdadeira riqueza é aquela que se pereniza na linha do tempo baseada em valores sustentáveis.

4 – A cidade mais sustentável do mundo


Freiburg é considerada por muitos a cidade mais sustentável do mundo. Transporte público de massa eficiente e barato, segurança para os ciclistas, estímulos para a construção de habitações sustentáveis (“Vauban”é um exemplo de condomínio sustentável reconhecido internacionalmente) e um histórico de lutas contra a energia nuclear (foi a primeira cidade alemã a banir por lei a construção de usinas atômicas) tornaram Freiburg uma cidade orgulhosa de estar à frente de seu tempo. É também o lugar da Alemanha onde os “verdes” ocupam o maior número de cadeiras no parlamento.

5 – De bicicleta se vai longe



Flagrante da movimentação de ciclistas em uma estação de trem nos arredores de Berlim. Os vagões previamente identificados asseguram o espaço da bicicleta sem estresse. O sistema integrado de transportes abre espaço para as “magrelas”, sem burocracia ou preconceito. É bastante comum vermos idosos andando de bicicleta na Alemanha, se beneficiando também das facilidades de deslocamento nos trens.

6 – Ecodesign

Os modelos construtivos alemães se adaptam rapidamente aos novos tempos. Isso vale todos os gêneros de projetos, de habitação popular a monumentos históricos. Há também as situações em que projetos antigos são retrofitados a partir de soluções sustentáveis. Foi o que aconteceu com a cúpula de vidro do Reichstag (o parlamento alemão) e a cobertura vazada de luz natural do Estádio de Munique.

9.600 minutos na rádio CBN

ter, 03/09/13
por andre trigueiro |

 

Ao completar 10 anos como comentarista de sustentabilidade da Rádio CBN me deu vontade de fazer um breve balanço a partir do que me foi possível compartilhar em 9.600 minutos de informação e reflexões com os ouvintes sempre aos sábados e domingos, às 13:50h, em rede nacional.

Não seria possível resumir aqui tudo o que de mais importante aconteceu em uma década neste campo – já tão vasto e complexo –, mas tentarei apontar o que mais me chamou a atenção.

Apesar de todas as evidências de que a Humanidade interfere no comportamento do clima – e de que precisamos agir rápido para evitar os piores cenários –, aumentou a distância que separa a corrente majoritária dos cientistas dos tomadores de decisão, ou seja, não importa o que os cientistas estejam dizendo, os chefes de Estado permanecem pouco dispostos a ouvir. E isso é grave.

Seja na COP-15 (a mais importante Conferência do Clima realizada até hoje em número de chefes de estado) ou na Rio+20 ( a maior de todas as conferências da ONU também em número de líderes políticos), a retórica comprometida com “um mundo mais sustentável” contrastou violentamente com as ações desenvolvidas pela maioria absoluta desses países.

No campo energético, vale destacar duas revoluções em curso. Nos Estados Unidos, a exploração do shale gas (por aqui chamado de gás de xisto) reduziu drasticamente os custos de produção e a dependência daquele país em relação a petróleo e carvão mineral. A retomada da economia americana deve muito a essa nova fonte de energia mais barata. Nem os impactos ambientais causados pela “fracking” (tecnologia empregada para a obtenção do gás que já contaminou vários aquíferos subterrâneos) inibiu os investimentos crescentes nesta direção.

Enquanto isso, na Alemanha, a “enegywende” (“virada energética”, numa tradução livre) abriu caminho para a expansão sem precedentes de fontes limpas e renováveis, especialmente solar e eólica, em substituição às usinas nucleares, que serão totalmente desativadas nos próximos nove anos.

No Brasil, a energia eólica tornou-se competitiva – sem ajuda governamental –, cresceu e continua se expandindo em um ritmo frenético. O problema é que as redes de transmissão não acompanharam esse crescimento, o que ainda constitui um problema. Depois do vento, chegou a vez do sol. No próximo dia 18/11, o país realizará o primeiro leilão de energia com oferta para usina solar. Será o primeiro teste – de muitos que certamente virão – para um mercado que já é realidade em países como Estados Unidos, China, Alemanha e Espanha.

O Brasil também deu os primeiros passos na direção do smart grid – redes inteligentes de energia – permitindo legalmente a existência dos chamados micro-geradores de energia (pessoas físicas ou jurídicas que investem em pequenos sistemas de geração de energia renovável, como solar ou eólica) interligados à rede e “vendendo” o excedente para a distribuidora local de energia. Aos poucos, os relógios analógicos de luz vão sendo substituídos por equipamentos digitais que permitem a leitura do consumo à distância, o quanto cada equipamento doméstico gasta de eletricidade, etc.

No capítulo da água, a escassez de recursos hídricos levou a ONU a eleger, por duas vezes nesta década (2003 e 2013), a gestão inteligente da água como tema central de reflexões – e ações – da comunidade internacional. Apesar disso, os indicadores de poluição e desperdício de água ainda são considerados gravíssimos. Foi particularmente doloroso testemunhar a letargia dos governantes brasileiros em relação ao saneamento básico.

No capítulo da biodiversidade, a aprovação do Protocolo de Nagoya em 2010 ( que estabelece regras internacionais para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e micro-organismos) significou um avanço importante para conter a atual escalada de destruição, mas o Congresso brasileiro – tendo à frente a bancada ruralista – rejeita a ratificação do Protocolo por entender que o texto ameaça os interesses do setor.

Nesses 10 anos testemunhamos o colapso da mobilidade urbana na maioria absoluta das cidades brasileiras pela multiplicação indiscriminada de carros – cujas vendas permaneceram aquecidas com sucessivas reduções do IPI – sem  que os devidos investimentos em transporte público de massa tivessem acontecido. As bicicletas – e o ciberativismo dos ciclistas – conquistaram espaços sem precedentes nas ruas, nas redes e nas novas disposições dos prefeitos em abrir caminho para as “magrelas”. Há muito por fazer, mas o que foi feito nos últimos anos faz vista.

Permanece a polêmica envolvendo o licenciamento de substâncias geneticamente modificadas, especialmente no setor de alimentos. Em 10 anos, os transgênicos se expandiram rapidamente pelo mundo – e muito especialmente no Brasil – embalados pelos interesses de grandes multinacionais por vezes acusadas de “atropelar” os protocolos de biossegurança mais razoáveis.

Em relação ao lixo, o Brasil conseguiu finalmente aprovar (foram aproximadamente 20 anos de espera no Congresso Nacional) a “Política Nacional de Resíduos Sólidos” que abre caminho para a erradicação dos lixões, a expansão da coleta seletiva, a logística reversa, o aproveitamento energético do lixo e a responsabilização de todos os elos da cadeia (de produção e de consumo) na destinação final dos resíduos. Ainda há muito trabalho pela frente até que a política dê os resultados esperados. Mas saímos da inércia.

Como se vê, são muitos os assuntos interessantes que testemunhamos e compartilhamos nesta década. Devo dizer que nada supera a força, o dinamismo e a capacidade do rádio chegar mais profundamente e rápido no coração das pessoas do que qualquer outro veículo de comunicação. De alguma forma, pelo retorno dos ouvintes, construí a convicção de que a informação acelera os processos de mudança do mundo. Participar desse processo como jornalista é simplesmente uma honra.

 

 Ouça o comentário “Os frutos do Mundo Sustentável”na Rádio CBN

 



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