Um papo com Bloomberg
Ele alcançou prestígio e notoriedade como empresário, virou prefeito de uma das mais importantes cidades do mundo – há quem não consiga lembrar de outra metrópole mais importante do que Nova York – mas governa a “Big Apple” com cabeça de empresário. Pragmático, com um discurso por vezes bastante agressivo e contundente contra a própria classe política, Michael Bloomberg tem uma obsessão: tornar a cidade que governa uma das mais sustentáveis do mundo. Bloomberg já renovou as frotas dos yellow cabs, ônibus municipais e carros que prestam serviços à prefeitura com motores mais eficientes; estimula a população a pintar os telhados de branco com tinta reflexiva para reduzir o acúmulo de calor e, por conta disso, o consumo de energia; determinou a redução das emissões de gases estufa da cidade em 30% até 2030; transformou um elevado abandonado com quatro quilômetros de extensão (um autêntico “minhocão”) no High Line Park,uma das mais cobiçadas áreas de lazer da cidade; ordenou o bloqueio de pistas antes reservadas aos motoristas em Times Square e Union Square para usufruto de pedestres, entre tantas outras medidas que emprestam sentido à expressão “sustentabilidade urbana”.
Michael Bloomberg nos recebeu durante a Rio+20 nas instalações do Humanidades 2012, no Forte de Copacabana, minutos depois de anunciar a nova meta da rede de cidades que comanda, a C-40 : reduzir 1,3 bilhão de toneladas de gases estufa até 2030, o equivalente às emissões de Canadá e México juntos no mesmo período.Se fosse um país, as cidades lideradas por Bloomberg seriam o mais rico do mundo (20% do PIB) e o segundo mais populoso (544 milhões de pessoas). São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba são as cidades brasileiras que integram a C-40.
Bastante crítico em relação às limitações dos governos nacionais, Bloomberg resumiu na entrevista abaixo (uma pequena parte dela foi exibida no Jornal Nacional e também no programa Cidades e Soluções, da Globo News) sua visão da importância dos governos locais na construção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável. A jornalista Aline Peres fez a transcrição da entrevista.
P: O senhor poderia explicar qual a importância deste novo compromisso do C-40 para redução de gases de efeito estufa?
R: Primeiro, a Rio+20 e os governos nacionais de cada país não fizeram basicamente nada, eles não conseguem nem chegar a um acordo sobre como fazer medições. Eles, definitivamente, não conseguem chegar a um acordo sobre fazer qualquer coisa juntos. Por outro lado, durante este período, as cidades se uniram. A C-40 começou com pouco mais de 30 cidades, hoje são 59. Estas cidades estão, quase todas, promovendo uma real redução de gases de efeito estufa em nível local, mas como elas representam um grande número de pessoas devido à densidade urbana dessa cidades, elas estão, realmente, impactando o globo, em tudo. Nós procuramos garantir que os ganhos que já obtivemos sejam compartilhados entre nós, para que outras cidades possam ver como esse trabalho foi feito e possam replicar a experiência. Assim poderemos ter um impacto ainda maior. Nós estamos trabalhando para que todos tenham acesso aos dados, e para que as medições sejam feitas com embasamento. Nós costumamos usar a seguinte expressão na América: “comparar maçãs com laranjas”. O que nós queremos é comparar maçãs com maçãs, então estamos trabalhando nisso. Queremos que as cidades se comuniquem melhor entre si, encontrando recursos, expertise, conselhos em diferentes áreas e isto é feito com tecnologia, através da internet, tendo parceiros e pessoas qualificadas no grupo para trabalhar com cada país, com cada cidade, tendo apenas que pegar o telefone e dizer “olá”. Por exemplo: um dos mais importantes poluentes do mundo é o metano proveniente do lixo. A maioria das cidades não incinera, elas enterram o lixo. Quando o lixo começa a se decompor, o gás metano é emitido e isso é muito ruim para a atmosfera. Então precisamos capturar o metano e usá-lo para gerar energia. Precisamos obter algum benefício disso. A C-40 pode fazer alguma coisa nesse sentido. Isso pode até ser um incentivo para que os governos dos países façam alguma coisa. Talvez eles se sintam envergonhados e venham a fazer algo. E meu país (Estados Unidos) não é melhor, pelo contrário, é pior do que outros países, nós não conseguimos concordar com algo que seja global. Para mim é importante que a marca C40 signifique alguma coisa, e que as pessoas reconheçam C40 como um grupo que não apenas fala, mas faz.
P: O que o senhor está fazendo em Nova York para atingir essas metas?
R: Nós mudamos nosso código de construção de prédios, então nos próximos três anos os prédios que geravam muita poluição devido ao uso de combustíveis pesados, serão obrigados a usar combustíveis mais leves ou gás natural. Nova York tem características diferentes da maioria das cidades americanas. Na maioria delas, 80% dos gases de efeito estufa são provenientes dos transportes e apenas 20% dos prédios. No caso de Nova York é exatamente o contrário: 80% vem de prédios e 20% dos transporte. Por quê? Porque usamos transporte de massa e muitas pessoas caminham em Nova York. Nós temos menos carros e caminhões nas ruas. Embora as ruas estejam lotadas, nós não temos o tipo de trânsito que gera emissões de gases de efeito estufa como em outras cidades. Então, a partir da mudança no código de construção de prédios, nós conseguimos que os bancos concordassem em fazer empréstimos locais para permitir que os proprietários troquem suas caldeiras por equipamentos que vão usar muito menos combustível. 1% dos nossos prédios produzem cerca de 50% dos gases de efeito estufa gerados por todas as edificações porque ainda utilizam estes óleos pesados. Nós também temos um programa para plantar árvores e essas árvores vão tornar mais confortável a vida das pessoas, além de valorizar as propriedades. Também temos um programa para pintar os telhados de branco que, assim, passam a refletir a luz do sol. Se você pegar um prédio de cinco andares e pintar o telhado de branco vai reduzir o consumo de energia em 20% ou 30% de um dia para o outro, literalmente de um dia para o outro, porque ele reflete a luz do sol e impede que o calor seja absorvido pelo prédio e, com isso, torne necessário o uso do ar condicionado. São iniciativas como essas que nos levam a buscar uma mobilização da prefeitura com diferentes setores da economia para mostrar o caminho. Nós estamos reduzindo a pegada de carbono da cidade, e levou algum tempo até que o setor privado fizesse o mesmo por iniciativa própria. E a última coisa, e que eu penso ser a mais importante de tudo isso: nós estamos criando uma imagem na cabeça das pessoas de que Nova York é um lugar nos Estados Unidos onde buscamos a responsabilidade social. Muita gente deseja ir para Nova York, para viver e trabalhar, e isso ajuda os negócios. O fato da economia não viver um bom momento não é um problema. Isso é o que muita gente não entende. Esse é o momento perfeito para fazer a diferença, é quando você precisa atrair investimentos de outros lugares. E como se faz isso? Fazendo essas coisas que eu resumi para você. A maioria das iniciativas sustentáveis que estamos estimulando através da Prefeitura é do interesse das próprias pessoas. E eu vejo pela minha empresa. Nós temos dois ou três prédios fora de Nova York, logo em frente a Hudson Marine, em Nova Jersey. Nós agora temos nove hectares de painéis solares e produzimos 2/3 da nossa eletricidade. O retorno financeiro virá em dois anos. Além isso, movimentos como esse nos ajudam a recrutar pessoas que se identificam com os mesmos valores. O fato de as empresas estarem fazendo algo em que as pessoas acreditam é bastante persuasivo para convencê-las a trabalhar conosco.
P: Algumas pessoas dizem que a maioria das cidades não têm dinheiro suficiente para implementar políticas que reduzam as emissões de gases estufa. Qual a opinião do senhor sobre isso?
R: Isso é ridículo, a maioria dessas iniciativas não custa muito dinheiro…
P: Por exemplo?
R: Em Los Angeles, a substituição de luminárias de ruas antigas por outras mais eficientes determinou uma importante redução do consumo de energia. O retorno financeiro veio em menos de um ano. É assim em várias cidades. Como assim não tem dinheiro? Se não há recursos disponíveis no momento, ano que vem vai ser pior ainda, a não ser que você encontre o dinheiro agora. A história nos mostra que, e isso vale para os Estados Unidos e Nova York particularmente, os grandes movimentos que determinaram mudanças importantes aconteceram sempre nos piores momentos econômicos. É quando você tem que fazer investimentos, criar empregos, dar ao público alguma confiança de que há um futuro. Nós colocamos mais dinheiro em infraestrutura nos últimos anos com o declínio da economia do que fizemos nas décadas anteriores. E quais são os resultados disso? No meio dessa atual recessão, Nova Iorque substituiu 195% dos trabalhos que nós perdemos, o resto da América que não está investindo, só substituiu 40%. Então, nós devemos estar fazendo algo certo.
P: Gostaria de saber sua expectativa em relação a Rio+20.
R: Sobre?
P: Rio+20
R: Sobre? (Bloomberg brinca se fazendo de surdo)
P: Nossa conferência.
R: Que conferência? (risos) Espero que eu esteja errado, mas eu acho que você pode esperar grandes discursos, e eu vou ficar muito surpreso se eles tiverem feito qualquer progresso nos próximos cinco anos. Infelizmente, com a recessão o mundo se tornou mais introspectivo. Nós vemos os programas anti-imigração em muitos países onde eu argumentaria que, justamente, o que eles necessitam é imigração, porque isso é o que vai criar empregos para os seus cidadãos. Você vê um movimento para não compartilhar, não fazer investimentos. Nos anos 70, houve uma crise na economia nos Estados Unidos. Nova York parou de investir no futuro e o que aconteceu? A taxa de criminalidade aumentou, as pessoas que pagavam impostos foram embora, as pontes caíram, os túneis começaram a vazar, as estradas foram destruídas, os crimes aumentaram, etc. Agora, durante esta crise econômica, está acontecendo exatamente o contrário: todas as pontes estão inteiras, nossas escolas nunca estiveram melhores para crianças pobres, ricas e de qualquer etnia. Nossa taxa de criminalidade está super baixa, e o mais importante é que a expectativa de vida em Nova York é agora de três anos a mais do que a média nos Estados Unidos. Pense nisso: nos Estados Unidos se você quiser viver três anos a mais do que a média da população, mude para Nova York. As pessoas riem disso, mas é só porque elas não conseguem, realmente, compreender o que isso significa. Por que isso acontece? Taxa de criminalidade reduzida, imigrantes ajudando a nossa comunidade, menos assassinatos, menos incêndios, menos mortes no trânsito, mais espaços para os pedestres, etc. Essas são algumas razões pelas quais a economia de Nova York está indo melhor do que a do resto do país. Nós somos parte do país, não somos imunes aos efeitos dos mercados europeus e asiáticos, nós temos todos esses problemas também, mas acho que está claro que estamos fazendo melhor do que o resto. Tudo o que você precisa é a coragem dos governos para fazer isso, coragem em nível nacional, estadual e municipal. E existem ótimos prefeitos fazendo algumas coisas, há grandes líderes executivos em nível federal, existem legisladores que estão dispostos a correr riscos, mas, infelizmente, muitos não estão, e é por isso existe essa dificuldade em unirmos esforços. Olhe para a crise européia, como eles se colocaram naquela situação? Eles continuam gastando dinheiro que não têm. Espero que nós façamos algo diferente do que temos feito. Uma vez Winston Churchill disse: “Você pode esperar que a América faça a coisa certa, depois de ter acabado com todas as outras possibilidades”.