‘A realidade crua não me interessa’, diz diretor de ‘O Som ao Redor’

sex, 04/01/13
por Luciano Trigo |
categoria Cinema, Todas

O cotidiano de uma rua de classe média no Recife toma um rumo inesperado com a chegada de um serviço de segurança particular. A novidade afeta a rotina dos moradores, trazendo alívio para uns e aflição para outros. Seria difícil acreditar que um filme com essa sinopse, dirigido por um estreante em longas de ficção, tivesse maiores possibilidades de reconhecimento crítico e de alguma presença significativa no concorrido mercado de cinema no Brasil ‘O Som ao Redor’, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, que estreia hoje, prova que isso é possível. Apontado pelo jornal ‘The New York Times’ como um dos melhores lançamentos do ano e colecionando prêmios em festivais nacionais e internacionais, o filme se destaca pelo olhar adulto e inquiridor sobre a realidade de uma grande cidade.

Com personagens humanos, que vivem problemas reais, longe portanto da fantasia televisiva e adolescente de uma sociedade de faz-de-conta – mas também dos clichês sobre a violência e a desigualdade social tão comum em nosso cinema – ‘O Som ao Redor’ sacode o espectador entorpecido pelas imagens convencionais, como que o colocando diante de um espelho que reflete o individualismo, o consumismo, as dificuldades de relacionamento, os valores e comportamentos que prevalecem na vida de qualquer metrópole. Nesta entrevista Kleber Mendonça Filho, 44 anos, fala sobre os desafios da produção do filme e o reconhecimento internacional que ele vem conquistando.

- ‘O Som ao Redor’ chama a atenção por tratar de personagens verossímeis, às voltas com o desafio de lidar com uma realidade hostil, marcada por conflitos, condicionamentos e “ruídos” os mais diversos, e por mergulhar em questões reais do cotidiano de uma grande cidade. Como nasceram esses personagens? O filme tem algo de autobiográfico, no sentido de refletir experiências suas ou de conhecidos seus?

KLEBER MENDONÇA: Todo filme, livro, música, poema, deve ser, de alguma forma, autobiográfico. Uma amiga americana, jornalista, me contou uma vez que foi para a high school nos anos 70, e dois amigos seus se tornaram roteiristas de cinema. Eles terminaram escrevendo o roteiro do longa ‘O Garoto do Futuro’, de Rod Daniel, com Michael J.Fox. Os amigos descreveram no filme, que se passa numa high school, várias experiências e personagens que minha amiga reconhecia, incluindo ela própria. Fantástico, não? Um filme comercial, uma comédia teen, mas construída em cima de experiências pessoais. ‘O Som ao Redor’ é construído em cima de experiências vividas ou que eu ouvi falar, adaptadas para o drama ou a comédia de um filme de cinema. As pessoas me perguntam se eu sou João no filme; sou sim, mas também sou Bia, Sofia, Francisco e Clodoaldo. É o mais delicioso e sofisticado exercício em esquizofrenia que há, escrever.

- Mais que uma locação, Recife parece ser uma personagem do filme – talvez “a” personagem. Você se inspirou em outros filmes/diretores que fizeram da paisagem e da atmosfera urbana elementos centrais de suas narrativas? Em outras palavras, com que filmes e cineastas ‘O som ao redor’ dialoga?

KLEBER: É natural filmar o lugar que você vive. Adoro o Recife, e desprezo a cidade quase na mesma intensidade. Quase. Na história do cinema e da literatura, das artes, é natural observar que passamos a conhecer lugares através da expressão artística, lugares que foram filtrados pela arte. A Brighton Beach de Neil Simon, as “Nova Yorks” de Woody Allen e Spike Lee, a Tchecoslováquia de Milan Kundera, a Manchester de Morrissey e The Smiths, a Bahia de Jorge Amado, a Grã-Bretanha de Ken Loach, que a filma desde os anos 60, o Rio de Janeiro de ‘Rio Zona Norte’, de Nelson Pereira dos Santos. Há centenas de grandes exemplos, esses que citei agora são de cabeça, mas todos fazem parte da minha formação. Recife termina sendo uma cidade como qualquer outra, exceto que não é, pois é o Recife.

- Além da crítica explícita à especulação imobiliária na cidade, o filme traz críticas mais sutis ao modo como vivemos hoje – por exemplo, na relação peculiar (e até erótica) de uma personagem com os eletrodomésticos – o aspirador de pó, a máquina de lavar, a televisão etc. Essa crítica social voltada não às diferenças de classe, mas à própria identidade e aos valores da classe média individualista e consumista, me parece única na produção brasileira atual, recuperando para o nosso cinema um sentido político que andava meio ausente. Você concorda?

KLEBER: O cinema é um retrato artístico da realidade. Para mim, não há sentido em deixar uma câmera digital ligada o dia inteiro numa rua e pegar o material mais tarde. Isso é uma mera observação eletrônica. Se você tem o dom artístico de filmar e comentar, exercer um ponto de vista, você fará um filme, ou escreverá um belo texto, e me interessa ser fiel à realidade, mas também dar uns tapas bem dados, uma cusparada aqui e ali, na realidade, e decolar em direção ao cinema. A realidade nua e crua não me interessa. Eu preciso mostrar o real, mas sob minhas especificações de autor. Portanto, nada do que tem sido dito ou escrito sobre ‘O Som ao Redor’ foi premeditado. Eu fiz o filme, ele ficou pronto, e agora há um retorno, há reações, e me sinto sortudo de ver que bate bem, e as pessoas revidam com uma explosão de todo tipo de energia, sempre forte.

- Em relação à linguagem, há momentos, sobretudo na parte passada no engenho, em que você rompe com a linguagem realista que parece prevalecer. Por que fez essa opção?

KLEBER: Eu não gosto de explicar o filme, nem suas cenas, mas me parece que talvez aquilo ali seja um longo e elaborado sonho, um pouco como o sonho que abre ‘Rebecca’, de Hitchcock, onde ela sonha que voltou a Mandalay. Mas isso é o que eu acho, o espectador pode achar que aquilo não é um sonho.

- Fale sobre o nascimento e o desenvolvimento do projeto de ‘O som ao redor’. Como foi a captação de recursos, o contato com o Fundo Huber Bals, a escolha do elenco, qual foi o orçamento, quais foram as dificuldades imprevistas ao longo do processo, a montagem etc?

KLEBER: O filme veio de alguns anos de maturação, durante os quais eu fiz outros filmes. Esses curtas-metragens – ‘A Menina do Algodão’, ‘Vinil Verde’, ‘Eletrodoméstica’, ‘Recife Frio’ – foram ensaios completos que terminaram me trazendo para ‘O Som ao Redor’. A reação ao roteiro foi muito forte, e em menos de um ano, ganhamos apoio da Petrobras, do MinC, do Governo de Pernambuco e do Fundo Hubert Bals, de Rotterdam. Fiquei com a sensação de que há de fato uma procura por roteiros fortes por aí afora. Rotterdam já era um festival próximo, porque eles haviam feito uma retrospectiva dos meus curtas, portanto estavam curiosos sobre meu roteiro de longa. Dificuldades, as de sempre: primeiro longa grande, rodado à moda antiga (35mm, caminhões de equipamentos, 130 pessoas na equipe, sete semanas de filmagem), o primeiro trabalho grande de produção de Emilie [a produtora Emilie Lesclaux]. No entanto, deu tudo certo, creio que quase todos se divertiram muito fazendo, eu incluído.

- Como você interpreta a grande receptividade no exterior ao filme, em Rotterdam, Nova York etc? E qual a sua expectativa em relação à carreira comercial no Brasil e em futuros festivais internacionais? Você acha que o fato de um filme às vezes precisar do reconhecimento internacional para chamar a atenção no Brasil reflete um certo provincianismo cultural?

KLEBER: Vejo com muito entusiasmo. Ninguém é obrigado a amar ou detestar filme algum. Esse filme tem sido muito bem recebido, e entendo que isso é raro. Eu trabalhei muito para que esse filme fosse bem lançado, com Emilie, Silvia Cruz e Ibirá Machado da Vitrine Filmes, mas sou incapaz de me torturar com possibilidades de números. O importante é saber que tudo foi feito. Sobre reconhecimento no exterior, isso não é algo brasileiro, por mais que o Brasil seja um país provinciano. Filmes romenos, canadenses, russos, mexicanos ou hollywoodianos usam estratégias de serem mostrados antes num grande festival internacional. Faz parte. E se der certo, se for um filme forte, os desdobramentos são importantes para o filme e para o cinema em si. É verdade que há interesses fajutos de mercado guiando o cinema, mas posso afirmar que esse ano, estive em alguns dos melhores festivais de cinema do mundo, em quatro continentes, e com esse filme conheci apenas programadores, críticos e curadores que, de fato, vivem suas vidas à procura de belos filmes.

- O cinema pernambucano vive uma grande fase, com vários longas-metragens conquistando reconhecimento crítico (além De ‘O Som ao Redor’, ‘Boa sorte, meu amor’, ‘Era uma vez eu, Verônica’ etc). A que você atribui isso? Existe uma comunidade cinematográfica, ou uma escola específica? Como você definiria essa escola, em termos de projeto estético, mas também em termos de viabilização econômica das produções?

KLEBER: A melhor coisa do cinema pernambucano é que ele, na verdade, não existe. Não temos um “Estúdio do Cinema Pernambucano”, ou “Pernambuco Studios”. Não temos projeto estético, não nos reunimos para traçar metas e definir temas. Não há ambições mercadológicas, muito embora eu acredite que a parte mais importante dessa produção será mais duradoura na cultura, como produto cultural, do que as porcarias que são feitas para faturar rápida e grosseiramente, para serem esquecidas depois de dois meses. É um cinema que existe pura e unicamente nos filmes, goste-se ou não desses filmes, e o mesmo digo sobre os bons filmes de outros estados do Brasil. O cinema pernambucano tanto não existe que os filmes vieram antes dos incentivos, e as escolas surgiram por último. Desafia explicações. Felizmente, pelo fato de os filmes, os resultados, a massa crítica e o prestígio serem reais, nós nos organizamos no sentido de garantir incentivos estaduais, e esse edital tem se tornado mais profissional e democrático a cada ano. É perfeito? Longe disso, mas tentamos lidar com ele filme a filme.

- Voltando ao tema de seu documentário ‘Crítico’, como você analisa a crítica de cinema que se faz no Brasil hoje, na grande imprensa e na internet?

KLEBER: É uma bela época para ver e descobrir filmes, e isso é a parte mais bela do cinema, seja você um realizador ou um observador, um crítico. A época é boa, pois o cinema é onipresente, em muitos formatos de imagem. É também uma época onde a mídia se tornou um brutamontes, que nivela tudo no cheiro e no nível do lixo, portanto muito importante ter aqueles que abrem bem os olhos e não caem nesse munturo. Bom lembrar também que, assim como médicos, tratoristas e cineastas, há belos críticos, e há também os que são completamente estúpidos.

- Como você enxerga o futuro do cinema diante de tantas transformações tecnológicas em curso – a digitalização, a possibilidade de se assistir a conteúdos audiovisuais em diferentes telas etc. As salas de cinema correm algum risco?

KLEBER: De 1990 para cá, quando fiz meu primeiro “vídeo”, devo ter usado uns 10 formatos diferentes de captação de imagem. E continuo querendo fazer filmes, independente dos formatos. Para além disso, me fascina estar vivendo um momento histórico sensacional. As salas de cinema não correm risco, não.

- Qual é seu próximo projeto?

KLEBER: ‘Bacurau’, um filme de ficção científica.

O negócio do cinema

seg, 19/01/09
por Luciano Trigo |
categoria Artigo, Cinema, Todas

Biografia de Luiz Severiano Ribeiro ajuda a entender a acidentada história do audiovisual brasileiro

capa-severiano.jpgEm vários aspectos, a trajetória do grupo exibidor Luiz Severiano Ribeiro se confunde com a história do cinema brasileiro. Por isso, mesmo que breve e ligeiramente “chapa branca” (algo compreensível num livro feito sob encomenda), a biografia O rei do cinema, do jornalista Toninho Vaz (Record, 208 pgs. R$37) traz uma importante contribuição para a historiografia da área, ainda tão pobre de lançamentos quanto rica de assuntos inexplorados. Empresa familiar já na quarta geração, o Grupo Severiano Ribeiro atravessou, em seus 90 anos, todas as etapas do cinema, do filme mudo à tecnologia digital e às multissalas. Conhecer sua história ajuda a entender o acidentado percurso do audiovisual no Brasil, como cultura e como negócio.

severiano1.jpg Toninho – também autor de competentes biografias dos poetas Paulo Leminski (O bandido que sabia latim) e Torquato Neto (Pra mim chega) – optou por contar a história enfatizando o empreendedorismo e o trabalho duro que foram em grande parte responsáveis, geração após geração, pelo êxito da dinastia familiar que fundou um verdadeiro império: hoje suas mais de 200 salas de exibição, espalhadas por 14 cidades, fazem do Grupo a maior empresa nacional do setor de exibição – a segunda em termos absolutos, atrás da rede Cinemark; juntas, as duas detêm 25% do parque exibidor nacional, estimado em pouco mais de 2.000 salas (pouco, se comparado às mais de 3.500 salas, com muito mais poltronas, dos anos 70).

Com um encarte de mais de 50 fotografias de época (incluindo a imagem ao lado, que mostra Ribeiro, Ribeiro Jr e Ribeiro Neto nos anos 50), O Rei do Cinema é rico em episódios curiosos e reveladores sobre o itinerário dos líderes da empresa exibidora e seus temperamentos, estilos e estratégias comerciais, desde o marco inaugural: a inauguração, pelo patriarca da família – que, aliás, não gostava de cinema, e sim de fazer bons negócios – do Cine Majestic-Palace (mais tarde destruído por um incêndio) em Fortaleza, em 1917. Como narrativa de uma dinastia de sucesso, é um livro informativo e bem encadeado. Mas faltou articular essa trajetória de louvável empreendedorismo com a dificuldade histórica de nosso cinema se estabelecer como uma indústria auto-sustentada a longo prazo – em vez de atividade ciclotímica, marcada pela alternância ininterrupta de surtos de euforia e crises de depressão, e permanentemente dependente da ajuda do Estado.

Um exemplo ilustrativo: em 1947, Luiz Severiano Ribeiro Jr. já era dono de uma cadeia de salas de exibição, de uma empresa de distribuição e de um laboratório para revelação e processamento de filmes. No mesmo ano, ele se tornou sócio majoritário da Atlântida, fundada em 1941 e então no auge da produção das chanchadas e comédias musicais de grande apelo popular. Consolidou assim uma verticalização total da cadeia produtiva do cinema, dominando a produção, a distribuição e a exibição dos filmes (além de atividades laterais, como revelação, publicidade), asfixiando qualquer possibilidade de concorrência. Toninho não aprofunda a análise das críticas feitas a essa estratégia agressiva, nem entra no tema da ruptura entre Ribeiro Jr e Moacyr Fenelon, o fundador da Atlântida, que deixou a produtora frustrado com seus novos rumos. Li que Toninho está escrevendo outro livro, sobre a Atlântida: será uma boa oportunidade de desenvolver esses tópicos.

trecho-severiano.jpgExatamente na mesma época, a questão da verticalização e do truste era tema de acirrado debate nos Estados Unidos, onde, 1948, foi dado um passo histórico para combater a concentração do mercado: pelo bem da livre concorrência, a Paramount foi obrigada pelo governo americano a abrir mão de um dos elos da cadeia produtiva (justamente a exibição), num processo que ficou famoso. Ou seja, enquanto lá se tomavam medidas para estimular uma saudável pluralidade (o que rapidamente se refletiu na multiplicação de players em todos os elos da cadeia produtiva), no Brasil ao contrário, o modelo concentrador ganhava força.

É bem verdade que o ciclo da chanchada continuou forte, sendo um dos raros períodos de êxito comercial prolongado do cinema brasileiro, com grandes sucessos populares dirigidos por Carlos Manga e Watson Macedo e estrelados por Oscarito, Grande Otelo, Cyll Farney, José Lewgoy etc. Basta dizer que O homem do Sputnik foi visto por 15 milhões de pessoas em 1959, quando o Brasil tinha 60 milhões de habitantes. Mas o gênero foi explorado até a exaustão, sem uma estratégia de fortalecimento da indústria nacional.

Pouco antes, em 1946, o Decreto 20.943, do presidente Gaspar Dutra  determinara a obrigatoriedade de cada sala exibir ao menos três filmes brasileiros por ano – a velha “cota de tela”, que até hoje gera polêmicas no meio cinematográfico brasileiro. Ribeiro Jr. tinha parcerias e interesses comuns com as distribuidoras americanas (que até hoje dominam o nosso mercado: as chamadas majors), das quais exibia os filmes com público certo e lucro garantido, sem precisar se preocupar com as dores de cabeça da produção. O que se depreende é que a compra da Atlântida visou ao cumprimento econômico da cota de tela (já que a empresa exibia os filmes que ela própria produzia) – algo perfeitamente legítimo do ponto de vista dos negócios, mas aquém do que poderia ter sido feito em termos de estratégia para o desenvolvimento a longo prazo da indústria do cinema nacional, que a tornasse capaz de resistir à poderosa invasão americana.

Tanto foi assim que, segundo levantamento de pesquisadores como João Luiz Vieira, a produção da Atlântida na gestão de Ribeiro (1947-1962) foi de 51 filmes, ou seja, a conta certa para atender à reserva do mercado (à qual o empresário aliás se opunha).  Some-se a isso o fato de que eram produções quase artesanais, com equipes técnicas reduzidas, trabalhando em condições precárias e improvisadas.

atlantida.jpgO visionário Glauber Rocha escreveu que Ribeiro Jr. “is the great artist, o único produtor roliudiano do Brasil, herdeiro de cadeias de cinema e outras fortunas” (Revolução do Cinema Novo, Cosac Naify, 500 pgs. R$69). Já Stanislaw Ponte Preta acusou o empresário de querer transformar o cinema numa indústria. Is dois estavam certos, e não há nenhumproblema nisso– desde que seja uma indústria auto-sustentada e que leve em conta o papel estratégico do audiovisual na cultura brasileira. Hoje o filme nacional ocupa apenas 12% do mercado (repetindo a comparação: já ocupou 35%, nos anos 70). Muitos filmes são produzidos e não são lançados, ou são mal lançados – não por incompetência de nossos cineastas, cujo indiscutível valor é atestado pelo êxito de produções recentes em festivais internacionais, mas porque razões históricas e culturais criaram gargalos, na distribuição e na exibição, difíceis de sanar (e que não se resolverão sozinhos, sem uma política pública mais assertiva na área do audiovisual).

Uma lição que fica da leitura de O rei do cinema: o cinema brasileiro não deve ser tratado apenas como negócio, embora evidentemente seja também um negócio. Ele só será realmente forte quando houver uma sinergia entre produção, distribuição e exibição fundada na idéia do desenvolvimento sustentado. Nesse sentido, o papel do Estado não deve se limitar ao fomento indireto concentrado na produção (ou seja, na oferta de filmes), via leis de incentivo (que transferem para os departamentos de marketing da iniciativa privada decisões estratégicas sobre que projetos apoiar, com dinheiro de renúncia fiscal): além da necessária regulação entre os diferentes elos da cadeia audiovisual, é preciso pensar em políticas que fomentem a demanda, isto é, que formem público. Neste processo, a contribuição das redes exibidoras, como o Grupo Severiano Ribeiro, no debate sobre os rumos a tomar é fundamental.

Também seria útil lemnrar a recomendação feita pelo próprio Luiz Severiano Ribeiro Jr.: “Um grande incentivo ao cinema brasileiro seria a eliminação drástica e impiedosa de aproveitadores e incompetentes – o joio pernicioso que macula a nossa seara cinematográfica”.

LEIA TAMBÉM, SOBRE O CINEMA BRASILEIRO:

capa-cinema.jpgEstado e cinema no Brasil, de Anita Simmis (Annablume, 312 pgs. R$40): Já considerado um ensaio de referência, este livro investiga, em nova edição, os motivos que impediram o desenvolvimento de uma produção cinematográfica estável no Brasil, até 1966. Com ênfase nos aspectos políticos e institucionais da questão, mas também levando em conta as transformações tecnológicas da produção e difusão da imagem, Anita Simis mostra as virtudes e os vícios da relação entre Estado e Cinema no Brasil, tanto em períodos democráticos quanto autoritários. Em diferentes momentos o cinema cumpriu um papel educativo, cultural e de propaganda oficial, mas sempre careceu de uma política pública eficiente voltada para a sua industrialização.

capa-cinema-2.jpgCinema brasileiro hoje, de Pedro Butcher (Publifolha, 120 pgs. R$17,90): Partindo de uma análise objetiva da chamada “Retomada”, o crítico e jornalista Pedro Butcher apresenta um panorama breve mas abrangente da produção recente, incluindo uma análise da cambiente relação entre cinema e televisão e dos obstáculos para o êxito dos filmes independentes. Por fim, explica o sucesso de filmes como Central do Brasil, de Walter Salles, e Carandiru, de Hector Babenco, que mostraram um Brasil urbano e violento, bem como a importância que tiveram na formação de novos cineastas – e os dilemas políticos, econômicos e estéticos que eles precisam enfrentar.

capa-cinema-4.jpgCinema brasileiro: Das origens à Retomada, de Sidney Ferreira Leite: Análise histórica da indústria cinematográfica, dos primórdios até o ‘cinema da Retomada’, nos anos 1990 – passando pelos ciclos regionais, pela era dos estúdios, pelo Cinema Novo e o período da ditadura militar. É uma história rica em dramas, comédias e aventuras, como os filmes que o nosso cinema produziu. Entender o lugar desta produção na cultura brasileira e quais são os obstáculos para a consolidação de uma indústria é a contribuição que Sidney busca oferecer. 

Como diz Leila Diniz…

sex, 24/10/08
por Luciano Trigo |
categoria Artigo, Cinema, Rio, Todas

Dois livros contam a trajetória da carioca que fez uma revolução de biquini

leiladiniz.jpgcapa-leila.jpgcapa-leila1.jpg 

A quebradora de tabus está de volta. Leila Diniz é personagem de dois perfis biográficos que chegam simultaneamente às livrarias: Leila Diniz – Uma revolução na praia, de Joaquim Ferreira dos Santos (Companhia das Letras, 312 pgs, R$39) e a edição revista e aumentada de Toda mulher é meio Leila Diniz, de Mirian Goldenberg (BestBolso, 280 pgs. R$ 14,90).

Está de volta? Na verdade ela nunca partiu. Morreu precocemente, aos 27 anos, num acidente aéreo, mas continuou viva em geração após geração de meninas que adotaram, mesmo sem saber, as mensagens e os exemplos de Leila Diniz. O fato de hoje a sua rebeldia parecer bem comportada – falar sem pudores sobre sexualidade ou posar grávida de biquíni na praia não escandaliza mais ninguém – é a maior prova de que Leila triunfou. Viver intensamente e gozar da liberdade sexual virou rotina. Separar sexo do amor também. Mais que isso, a felicidade e o prazer viraram quase uma obrigação. Até mesmo na deselegância discreta das adolescentes que rimam desafiar convenções com falar palavrões ela continua presente. Ou na moda de escancarar a vida íntima em público. O que era impactante é hoje banal. Em mais de um sentido, a profecia da letra de Rita Lee se concretizou: hoje qualquer mulher é mesmo Leila Diniz.

O problema era ser Leila Diniz nos anos 60 e 70, em plena vigência da ditadura militar e de um conservadorismo moral sufocante. Nesse sentido seu papel foi realmente revolucionário, pois ela ocupou a vanguarda da emancipação feminina no Brasil, levantando a bandeira da espontaneidade e da alegria contra o machismo mal humorado então reinante. Este papel simbólico-comportamental foi tão importante que quase esquecemos que ela fez muito mais.

Por exemplo, foi atriz. Leila participou da primeira novela da Globo, em 1965, Ilusões perdidas, e também de O sheik de Agadir e Eu compro esta mulher (as novelas de antigamente tinham títulos fortes), além de fazer anúncios da Coca-Cola e de cremes dentais; no cinema, atuou em filmes de Domingos Oliveira (como o clássico Todas as mulheres do mundo, de 1966, e Edu, Coração de Ouro, ambos com Paulo José) e Nelson Pereira dos Santos (Fome de amor); no teatro, contracenou com Cacilda Becker, em O preço de um homem, e foi corista de uma revista de Carlos Machado.

Filha de um dirigente do Partido Comunista, Leila nasceu em Niterói, fez o magistério e dava aulas num jardim da infância de subúrbio quando, aos 17 anos, conheceu o cineasta Domingos de Oliveira numa festa de Natal. Reza a lenda que na mesma noite começou o relacionamento de 3 anos, que ajudaria a abrir caminhos para sua carreira artística.

Mas a celebriidade veio mesmo quando a imprensa começou a publicar entrevistas suas, nas quais não media palavras nem palavrões, principalmente a famosa entrevista do Pasquim, de novembro de1969. “Cada palavrão dito pela rósea boquinha da bela Leila foi substituído por uma estrelinha. É por isso que a entrevista dela até parece a Via Láctea”, explicou o editor. Foi a edição mais vendida de toda a história do jornal. Coincidência ou não, a censura prévia à imprensa foi instituída pela ditadura logo depois da publicação: a lei ficou conhecida como Decreto Leila Diniz.

Leila incomodava. Com o endurecimento da situação política, as oportunidades profissionais começaram a escassear. Acusada de ajudar militantes de esquerda, ela chegou a precisar se esconder no sítio de… Flavio Cavalcanti, apresentador de televisão injustamente acusado de reacionário, cuja vida também merece ser recontada. Em 1971 Leila voltou a se casar, com o cineasta Ruy Guerra. Grávida de oito meses (de Janaína), chocou a família brasileira ao expor o barrigão na praia de Ipanema – e, mais tarde, ao se deixar fotografar amamentando.  Sua morte causou verdadeira comoção nacional. Partia mulher, nascia o mito.

FRASES:

“Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”

“Quebro a cara toda hora, mas só me arrependo do que deixei de fazer por preconceito, problema e neurose”

“Não morreria por nada deste mundo, porque eu gosto realmente é de viver. Nem de amores eu morreria, porque eu gosto mesmo é de viver de amores”

“Eu posso dar para todo mundo, mas não dou para qualquer um”

“Cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”

“Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente”

“Sempre andei sozinha. Me dou bem comigo mesma”

“Eu trepo de manhã, de tarde e de noite”

“Todos os cafajestes que conheci na vida são uns anjos de pessoas”

“Eu durmo com todo mundo! Todo mundo que quer dormir comigo e todo mundo que eu quero dormir”

“Só quero que o amor seja simples, honesto, sem os tabus e fantasias que as pessoas lhe dão”

“Não sou contra o casamento. Mas, muito mais do que representar ou escrever, ele exige dom”

“**** ******* ** ***** ****** *** ** ***********”

Mais filmes

qua, 20/08/08
por Luciano Trigo |
categoria Cinema, Todas

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Show de bola, de Alexander Pickl.

Os comentários não eram animadores, mas o filme me surpreendeu. Apesar de ser dirigido por um cineasta alemão, ainda por cima estreante, Show de bola faz uma leitura muito mais realista e convincente do que é a vida numa  favela dominada pelo tráfico do que o badalado Era uma vez…, o que não deixa de ser curioso. A direção de atores também é muito superior, o que fica evidente no caso de  Thiago Martins, que trabalha nos dois filmes. O roteiro é ágil e cria uma atmosfera de tensão psicológica crescente, à medida que o protagonista, um jovem que busca no futebol uma alternativa de vida, se vê enredado numa série de acontecimentos trágicos e violentos, infelizmente comuns no seu meio. Destaque para a atuação de Lui Mendes, no papel do traficante Tubarão. Pena que o filme não está recebendo muita atenção da mídia. Aliás o diretor Alexander Pickl já disse que sofreu muita resistência por ser um estrangeiro querendo filmar uma história tipicamente brasileira. A resistência continua…

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A banda, de Eran Kolirin.

Essa modesta produção israelense é, seguramente, um dos melhores filmes do ano. Não se trata, como eu desconfiava, de uma comédia que aposta no exotismo ou na afirmação sentimental de ideais utópicos, como a superação das diferenças entre os povos. Pelo contrário, embora faça sorrir por sua delicadeza, A banda é um filme sério, que parte de uma situação insólita -  uma banda de músicos egípcios que se perde em Israel - para dissecar a natureza humana em seus recantos mais sombrios. Com interpretações exemplares, A banda faz um sutil inventário de sentimentos como a culpa, a solidão, a vergonha, o ressentimento, mas também da amizade e da solidariedade que tornam a vida suportável, mesmo nas situações mais difíceis.

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Lemon tree, de  Eran Riklis

Outra produção israelense, esta sobre uma viúva palestina, Salma, que vê sua plantação de limões ser ameaçada quando o ministro da defesa de Israel se muda para a casa ao lado. Também com ótimos atores, o filme é mais interessante pelos momentos intimistas do que pela discussão política que propõe, mas mesmo assim vale a pena.

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Nome próprio, de Murilo Salles

O filme agrada como exercício de estilo, isto é, o diretor conta a história de forma eficiente e criativa, como de hábito. E Leandra Leal é uma excelente atriz, que mergulha de cabeça na sua personagem, de forma até corajosa. O problema é que tanto a história quanto a personagem são chatíssimas: na vida real, ninguém agüenta uma mulher daquelas, barraqueira, viciada em bola, cerveja e cigarros etc. O roteiro é adaptado de dois textos da escritora Clara Averbukh. Talvez funcionem como literatura, mas na tela não.

   

A princesa e o plebeu

ter, 12/08/08
por Luciano Trigo |
categoria Cinema, Todas

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Assisti a Era uma vez, de Breno Silveira. Poucos filmes recentes tiveram uma mídia mais favorável, antes mesmo do seu lançamento, o que se explica em parte pelo fenômeno de bilheteria que foi Dois filhos de Francisco. O primeiro longa-metragem do diretor, sobre uma dupla de música sertaneja, teve mais de 5 milhões de espectadores. Mas o desempenho de público de Era uma vez não correspondeu à expectativa criada. Vale a pena refletir sobre o assunto. 

O filme tem bons momentos, principalmente na primeira metade, mas eles são insuficientes para conquistar espectador médio, aquele que faz os grandes sucessos.  O bom-mocismo ingênuo do protagonista – um morador da favela, (Thiago Martins, egresso do grupo de teatro Nós do Morro) que se apaixona por uma Patricinha da Vieira Souto – é exagerado. Aliás este é um problema recorrente nos filmes brasileiros de cunho social: a criação de personagens quase infantilizados, de tão bonzinhos, numa idealização da miséria que já começa na primeira frase do filme: “Moro no lugar mais bonito do mundo, o Morro do Cantagalo”.

(Parêntesis: favelas não são bonitas, infelizmente, menos ainda para quem mora do que para quem vê. Menos ainda quando dominadas pelo tráfico. Preconceito? Acho que não. Tentar vender a idéia de que a é legal viver à margem, ou de que há traficantes bonzinhos, ou de que a droga é bacana e todo mundo usa mesmo, como se vê em outros filmes, isso sim me parece algo conformista e até reacionário.)

Por sua vez, a atriz Vitória Frate, com uma adorável expressão de menina entediada mesmo nos momentos mais (in)tensos, não consegue imprimir paixão à personagem Nina. Mas o roteiro também não ajuda: não se entende de onde nasce um amor tão forte. Além da falta de química entre os atores, o casal de protagonistas não tem consistência psicológica, e a situação que vivem, bastante inverossímil.  Em vários momento, eu me peguei pensando: não é assim que as coisas funcionam na vida real.

Para retratar o cotidiano de uma favela dominada pelo tráfico, por exemplo, o diretor recorre a um arsenal de clichês já bem conhecido: o traficante perverso, o sujeito injustiçado que entra para o crime porque a vida quis assim, os policiais corruptos etc. Nada de novo, nada que transforme a percepção do espectador da realidade que o filme pretende retratar. Não falta também o previsível relativismo moral, que impossibilita qualquer debate sério sobre o assunto: lá pelas tantas, a princesa fica indignada porque descobre que o irmão do plebeu é traficante e assassino e diz que isso “não é certo”. O protagonista reage, revoltado: “E o quê que é certo??”, querendo dizer que muito mais errado é criança nascer na miséria, é pobre sofrer preconceito etc.  Bom argumento para tudo o que houver ou se fizer de errado, argumento aliás amplamente disseminado.

Não é a primeira nem a segunda vez que o cinema brasileiro leva às telas o sonho da superação das diferenças de classe pelo amor, a pobre menina rica se apaixonando pelo rico moço pobre, o romance apontando para a união entre o asfalto e o morro. Aham. Pena que o Rio de Janeiro não é mais o de Vinicius de Moraes. A mensagem final é vaga e pouco acrescenta, como convém numa sociedade em que as pessoas têm vergonha de achar alguma coisa certa ou errada: o mundo seria diferente se as pessoas prestassem mais atenção umas às outras.

Tudo bem, pode-se alegar que o objetivo do filme não era enriquecer o debate sociológico, mas entreter. Neste caso, a mudança brusca de registro, na segunda metade, compromete o bom andamento da narrativa. Era uma vez tenta fugir do otimismo de um final feliz e assumir contornos trágicos, shakespeareanos. Mas aí as incongruências se acumulam.Por exemplo, já no final,  quem pode acreditar que o casal, naquela situação, vai encenar o seqüestro?  Aliás, bem antes disso, quem pode acreditar que o rapaz ia conservar aquele emprego no quiosque, se toda hora ele fecha o estabelecimento – para azarar a garota, para mergulhar com o irmão foragido etc? Problemas demais para um filme cercado de tantas expectativas.

Argel é aqui?

qua, 06/08/08
por Luciano Trigo |
categoria Artigo, Cinema

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Revi ontem no cinema A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo. Foi realizado em 1966, quando os acontecimentos que relata – a luta pela independência argelina – ainda eram recentes. É uma obra-prima – como também é Queimada, com Marlon Brando, do mesmo diretor. O que não muda o fato de que o filme pede, hoje, uma leitura diferente da de 20 ou 30 anos atrás.

Naquela época, não havia dúvidas de quem eram os bandidos e os mocinhos do filme, nem de quais eram as questões em causa. O povo argelino era o herói, o colonizador francês o vilão. É claro que Pontecorvo defendia a causa da libertação argelina, mas seu filme não é tão partidário quanto parecia, quero dizer: era fácil, para o espectador da época, vibrar com os atentados terroristas cometidos pela FLN; para o espectador de hoje, eles parecem tão hediondos quanto a tortura e outros crimes praticados pelos militares franceses. A idéia de que existe uma violência justificada parece ultrapassada, e isto é bom.

É justamente por isso que A Batalha de Argel conserva sua força. Pontecorvo mostra os dois lados da horrorosa escalada de violência que tomou conta do país, expõe seus mecanismos sem aprová-los. É, nesse sentido, um filme mais verdadeiro que qualquer documentário sobre o tema (aliás, desconfio cada vez mais da maioria dos documentários). O que importa ao cineasta italiano não é dar razão à insurreição argelina, mas mostrar como ela foi possível, e como ela aconteceu.

Por outro lado, hoje já se sabe que outros fatores, econômicos e políticos, foram decisivos no processo de descolonização, além das insurreições locais: manter colônias nos moldes do século 19 estava se tornando inviável para as metrópoles européias, e a independência de países como a Argélia seria de qualquer forma inevitável – e mesmo desejável.

Mesmo assim, Pontecorvo soube realizar um filme permanente numa época em que a tentação panfletária era fortíssima, quase uma obrigação. O mundo era cenário de batalhas ideológicas sem fim, para o bem e para o mal. A adesão idealista a uma causa era algo rotineiro, e vidas inteiras foram pautadas por compromissos assim.

O que mudou, se as questões de fundo continuam? A desigualdade, a exploração, a exclusão, o abismo social entre ricos e pobres podem ser até maiores hoje, mas no nosso mundo globalizado parece quimérica a emergência de um “contrapoder” real, seja qual for o poder de que estivermos falando. É como se as coisas tivessem, de fato, chegado a um fim, como se estivéssemos num “pós-escrito” da História. Ou não?

Para quem mora no Rio de Janeiro, outro aspecto que chama a atenção no filme é a geografia de Argel: a “ville europeènne” parece uma Zona Sul, ameaçadoramente cercada pela Casbah, isto é, por uma maioria esmagadora de excluídos que também tem que viver, e a violência é aos poucos incorporada à rotina de todos. Não há invasor a expulsar, nem independência a conquistar, mas ainda assim a cidade mostrada no filme de Pontecorvo parece estranhamente familiar. Argel é aqui? E o que vamos fazer a respeito?______

PS. A Batalha de Argel foi exibido no Estação Ipanema como parte de uma experiência nova e interessante em rede social, chamada MovieMobz (https://www.moviemobz.com/). Basicamente,  são os espectadores que escolhem que filme querem ver, em qual cinema: quando atingem um número determinado, a sessão está garantida, e com ingressos bem mais baratos que o habitual. Uma forma inteligente e eficaz de se usar a Internet.

Chabrol erra a mão

seg, 14/07/08
por Luciano Trigo |
categoria Cinema

Assisti ontem ao bisonho Uma garota dividida em dois, de Claude Chabrol. Apesar da graciosa Ludivine Saignier, atriz em alta no cinema francês, no papel principal, é um filme constrangedor, ainda mais por ser assinado por um dos cineastas remanescentes da Nouvelle Vague. Se Jean-Luc Godard e Eric Rohmer continuam fazendo obras intrigantes até hoje, Chabrol parece ter estacionado no tempo, preso a uma linguagem e a uma visão de mundo inteiramente superadas.

Com um enredo de novela mexicana, Uma garota dividida em dois : conta a história de Gabrielle, a “garota do tempo” de um canal de TV a cabo em Lyon, que se apaixona por um escritor 30 anos mais velho, Charles Saint-Denis (François Berleand), ao mesmo tempo em que é assediada por Paul (Benoit Magimel), jovem rico, mimado e emocionalmente desequilibrado. Os acontecimentos (incluindo um casamento-relâmpago e um assassinato) vão se sucedendo sem a menor consistência, e é difícil decidir o que é menos crível: a paixão de Gabrielle por Charles ou a paixão de Paul por Gabrielle. 

Dignos de nota são o figurino escalafobético e o corte de cabelo de Paul.  Em suma, um filme patético, sem pé nem cabeça.

Sobre cinema

ter, 01/07/08
por Luciano Trigo |
categoria Artigo, Cinema

Não sei se acontece com o leitor, mas comigo está cada vez mais difícil assistir a um filme em DVD do começo ao fim. A possibilidade de apertar a tecla pause a qualquer momento, ou mesmo de deixar o resto para outro dia, somada às solicitações caseiras do cotidiano, faz com que eu esteja me tornando um especialista em ver (ou rever) filmes pela metade. Ao longo dos anos, aliás, fui comprando aqueles de que mais gostava, com a convicção de que lhes assistiria diversas vezes. A maioria ainda está lacrada.

Esta é a principal razão pela qual continuo indo ao cinema, mesmo não gostando de filas nem da proximidade física com estranhos, nem dos celulares que tocam, nem do barulho das pessoas – por que será que as mais faladeiras sempre se sentam perto da gente?

Quando o filme é bom, vale a pena o esforço, é claro. Mas isso também está se tornando cada vez mais raro. Os filmes estão piorando ou serei eu que estou ficando mais chato? (Não precisam responder!)

A verdade é que, no cinema – como na literatura, como nas artes plásticas – boa parte da produção do presente (como de qualquer época, aliás) é muito ruim. Os cineastas, escritores e artistas do passado que sobreviveram ao teste do tempo são aqueles que realmente valem a pena. Ou seja, só as futuras gerações saberão se algo da produção contemporânea realmente presta.

Mas no cinema, particularmente, acho que aconteceu um processo de infantilização. Houve um tempo em que havia filmes feitos para adultos, que levantavam questões sérias sobre a vida e nossa relação com o mundo. Hoje a grande maioria das produções exige muito pouco do espectador – mas também oferece muito pouco, além de um entretenimento pré-mastigado.

blueberry-nights.jpgIncluo nessa categoria mesmo alguns cineastas supostamente “experimentais”, tidos como grandes autores, que na verdade também oferecem diversão fast-food à platéia, cada vez menor, de cinéfilos, gente que ainda sabe quem foram Bergman e Antonioni etc. É o caso, por exemplo, do estiloso Won Kar Wai, diretor do superestimado “O BEIJO ROUBADO”, ainda em cartaz no Rio: espremendo, não sai nada.

Isso posto, seguem minhas impressões sobre filmes que vi – do início ao fim! – nas últimas semanas:

“O ESCAFANDRO E A BORBOLETA”, de Julian Schnabel:

Schnabel é um excelente diretor, como demonstrou em Antes do anoitecer. Ele transforma numa narrativa redondinha a história (verdadeira e altamente deprimente) do jornalista francês que sofre um AVC e só consegue se relacionar com o mundo através do olho esquerdo. Mas qual é exatamente o ponto do filme? O balanço que o protagonista faz da própria vida não surpreende pela profundidade. Faltou aquele momento revelador que transformasse um caso tristíssimo numa grande obra – como, por exemplo, o clássico “Johnny vai à guerra“, que narra uma situação parecida. Destaque para a atuação do veterano Max von Sydow como pai do jornalista.

“AMAR NÃO TEM PREÇO”, de Pierre Salvadori:

Adorei. Audrey Tautou (a Amélie Poulain) está ótima no papel da golpista ambiciosa que acaba se apaixonando por um garçom. Na superfície, é uma comédia altamente eficiente, que atualiza o gênero de forma criativa, com alguns momentos engraçadíssimos. Mas não é só isso: o filme expõe ao ridículo os valores do consumo e da aparência, a transformação da beleza e da juventude em moeda de troca e outros aspectos do modo como vivemos hoje.

“A ÚLTIMA AMANTE”, de Catherine Breillat:

Acho que foi Samuel Füller quem disse que bastam duas ou três cenas muito ruins para estragar definitivamente um filme, e a diretora Cathérine Breillat erra a mão mais do que duas ou três vezes nesta produção de época. O contraste entre a exagerada Asia Argento – outro dia uma menina, hoje uma senhora, o que torna mais evidentes suas limitações como atriz – e o inexpressivo restante do elenco, entre outros detalhes, torna difícil levar o filme a sério: os momentos supostamente mais trágicos provocam risadas na platéia.

“SEX AND THE CITY – O FILME”, de Michael patrick King:

sex.jpgMais deprimente que “O ESCAFANDRO E A BORBOLETA”. Triste assistir a quatro quarentonas pensando e se comportando como adolescentes. Um hino à futilidade e ao Botox – extensivo ao ator que interpreta Big. Pior é que filmes assim acabam estabelecendo modelos de comportamento e reforçando valores os mais tortos, e não apenas entre as Patricinhas de todas as idades: a mensagem é que ter uma bolsa Louis Vuitton é o ideal de felicidade para mulheres de todas as classes. Depois reclamam da pirataria…

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PS: A partir de amanhã estarei postando diariamente da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty, que vai até domingo. É um evento sempre muito legal, e espero ouvir coisas inteligentes para compartilhar com os leitores.

O novo David Mamet

ter, 17/06/08
por Luciano Trigo |
categoria Cinema

santoro.jpgAssisti ontem à noite à pré-estréia de Cinturão Vermelho, de David Mamet, que traz Rodrigo Santoro e Alice Braga no elenco. Quero dizer logo que considero Mamet um gênio, um dos maiores cineastas vivos, e gostei muito do filme, o melhor que ele dirigiu nos últimos tempos. Além disso, a presença de dois atores brasileiros em papéis importantes é motivo de verdadeiro e justificado orgulho.

Isso posto, passo a compartilhar algumas coisas que passaram pela minha cabeça enquanto via o filme.

. Continuo achando insuperáveis os primeiros trabalhos do diretor – Jogo de Emoções e As Coisas Mudam. Ali ele já estabelece toda uma sintaxe visual e narrativa, o estilo próprio e altamente teatral de direção que repetiria nos filmes seguintes. Ou seja, características como os enquadramentos fechados, a ênfase nos diálogos, as pegadinhas do roteiro, perdem um pouco de impacto, com o tempo. A fronteira entre estilo e fórmula pode ser sutil. Mal comparando, sinto a mesma coisa quando leio os romances de Paul Auster – sempre muito bons, mas com a sensação de déjà vu.

. Mamet é inigualável, porém, na exposição da ambigüidade moral da sociedade americana. A pressão pelo sucesso e a ambição financeira afetam a vida de seus personagens de forma quase patológica, o que é enfatizado pela forma pouco convencional com que o diretor quebra clichês narrativos, sempre contrariando as expectativas da platéia. Só há salvação no indivíduo, parece ser a mensagem de seus filmes, pois a sociedade está incuravelmente doente, ou melhor, ela é fundada em valores doentes.

. Alice Braga se sai melhor que Rodrigo Santoro, a ponto de parecer que o papel dela é bem maior que o dele, maior do que é na verdade. Não que a atuação de Santoro seja ruim, mas ele simplesmente não convence muito: é um ator interpretando corretamente um papel, enquanto Alice entra completamente na sua personagem e parece entender melhor o espírito dos filmes de Mamet, que exige de cada ator uma inteligência sutil e uma tensão contida, por enfatizar as entrelinhas do texto e das situações. Acho mais fácil voltar a ver Alice do que Rodrigo num filme futuro de Mamet – que gosta de trabalhar sempre com os mesmos atores, como se sabe (é interessante acompanhar o envelhecimento deles a cada filme, aliás).

. Por fim, não posso deixar de observar o seguinte: é lamentável que um filme que aborde o universo do jiu-jitsu e do vale-tudo nos Estados Unidos nao cite em um momento sequer o nome Gracie. Conheço bem essa história e posso afirmar que é, no mínimo, uma injustiça.

68 segundo Bertolucci e a outra garota Bolena

sáb, 14/06/08
por Luciano Trigo |
categoria Cinema

Para quem gostou do filme Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, uma recomendação: foi lançado este ano em DVD o filme Partner, que o diretor italiano realizou em 1968, no auge do movimento estudantil. É provavelmente a obra mais experimental de Bertolucci, cuja filmografia, cheia de altos e baixos, inclui indiscutivelmente alguns trabalhos geniais. A edição brasileira traz, além da versão restaurada de Partner, quase uma hora de extras, incluindo uma elucidativa entrevista com o diretor.

Livremente inspirado na novela O Duplo, de Dostoievski, Partner conta a história de Jacob, um estudante rebelde e solitário que se vê frente a frente com seu duplo – que o incentiva a se engajar politicamente. É um verdadeiro documento de época, que capta os principais dilemas da geração de 1968 – tema que Bertolucci revisitaria em Os Sonhadores. No papel principal, Pierre Clementi.

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Assisti ontem ao filme A Outra (The Other Boleyn Girl), nova versão da fascinante história de Ana Bolena, uma das esposas de Henrique VIII. Não tinha ficado muito animado com o trailer, mas Scarlett Johanson me pareceu um bom motivo para ir conferir. Não é uma obra-prima, mas tem um roteiro ágil e interpretações muito consistentes, qualidades cada vez mais raras. Natalie Portman quase chega a ofuscar Johansson – e dá para entender por que o Rei perdeu a cabeça por causa das duas. Ou melhor, quem perdeu a cabeça foi a Ana Bolena, claro…  

Vi a versão cinematográfica definitiva dessa história quando ainda era criança: Ana dos Mil Dias (Anne of the Thousand Days), de Charles Jarrot, de 1969, com Genevieve Bujold no papel principal e um elenco de estrelas: Elizabeth Taylor, Richard Burton, Irene Papas etc. Genevieve Bujold é uma grande atriz, mas fez pouquíssimos filmes relevantes: o último de que me lembro é Gêmeos – Mórbida Semelhança (Dead Ringers), de David Cronenberg, contracenando com Jeremy Irons.



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