O historiador Peter Burke reflete sobre a era da informação

dom, 30/09/12
por Luciano Trigo |
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Doze anos depois de lançar Uma História Social do Conhecimento – De Gutenberg a Diderot, o consagrado historiador inglês Peter Burke conclui seu ambicioso empreendimento intelectual com Uma História Social do Conhecimento II – Da Enciclopédia à Wikipédia (Zahar, 416 pgs. R$59,90). O segundo volume começa onde terminou o primeiro: com a publicação  da Enciclopédia Francesa por Diderot, em meados do século 18. E chega até nossos dias, a era da Internet e do acesso instantâneo às informações da Wikipédia.  Como o autor afirma na Introdução, a obra nasceu de uma curiosidade pessoal: “Por quais caminhos chegamos ao nosso estado atual de conhecimento coletivo?”

Leia aqui um trecho do livro.

Para Burke, a narrativa da aquisição e da acumulação do conhecimento não é a de uma história vitoriosa, em progresso constante. Em um texto equilibrado – e fundamentado numa pesquisa sólida – o autor foge do tom apocalítico ou entusiasmado que marca algumas publicações recentes sobre o assunto. Como historiador, ele é capaz de perceber que a coexistência de antagonismos integra qualquer fenômeno social: “A nacionalização do conhecimento coexiste com sua internacionalização; a secularização, com a contra-secularização; a profissionalização, com a amadorização; a padronização, com a personalização; a especialização, com projetos interdisciplinares; a democratização, com movimentos contrários ou restritivos a ela. Mesmo a acumulação de conhecimento é, em certa medida, contrabalançada por perdas”, escreve.

Nesta entrevista exclusiva, Peter Burke fala sobre a ameaça da Internet à privacidade, o impacto da globalização na circulação do saber, a influência de Michel Foucault em sua pesquisa e o futuro do livro impresso, entre outros temas.

- Quando você escreveu o primeiro volume de “Uma História do Conhecimento”, já planejava escrever o segundo? O que mudou entre 2000 e 2012, na sua maneira de entender o assunto?

PETER BURKE: Quando escrevi o primeiro volume de Uma História Social do Conhecimento, nos anos 90, não tinha intenção de escrever um segundo volume. Ao longo de minha carreira como professor de História, eu me especializei na Europa dos século 16 e 17, então até mesmo escrever sobre o ano de 1750 era para mim um passo bastante ousado. Mas depois que me aposentei, em 2004, eu me senti livre para me dedicar a qualquer linha de pesquisa que me interessasse, e eu queria entender como chegamos à situação atual em relação ao conhecimento. Procurei um estudo geral da História do conhecimento de 1750 até o presente, mas não encontrei nenhum, então decidi que eu mesmo escreveria o livro que eu gostaria de ler!

- A Wikipedia é muitas vezes criticada pela imprecisão de suas informações, e recentemente o escritor Philip Roth entrou em conflito com ese site. Você considera que a Internet pode produzir uma  diminuição da qualidade do conhecimento, como afirma alguns autores? Por quê?

BURKE: Eu não acredito em tudo que leio na Wikipedia. Na verdade, quando preciso utilizar qualquer informação que encontro lá eu tento confirmá-la em outra fonte. Mas eu me acostumei a fazer o mesmo em relação a verbetes de enciclopédias impresas, como a Britannica: estudos demonstram que a Wikipedia é em media tão precisa quanto a Britannica. Se as pessoas passassem a confiar exclusivamente na Internet para obter informações, de fato poderia ocorrer uma diminuição na qualidade da informação, como você sugere. Mas o verdadeiro problema está em aceitar as informações de forma acrítica, venham de onde vierem.

- E como você analisa o poblema da privacidade na rede, de informações pessoais que são cada vez mais utilizadas para fins comerciais ou mesmo políticos?

BURKE: Não gosto de invasão de privacidade, seja por parte do governo, da imprensa ou da internet. Mas quando ela é feita com finalidades comerciais, pode-se resistir a ela. Quando é feita com objetivos politicos, ela traz benefícios e malefícios.

- Você escreve que é a análise que converte a informação crua em conhecimento efeitov. você acha que a capacidade de pensar criticamente das pessoas está acompanhando a explosão de informação disponível. Há cada vez mais informação, mas se pensa cada vez menos? Vivemos um “vazio do excesso”?

BURKE: Concordo que a explosão da informação torna mais aguda a necessidade de processamento – seleção, crítica, análise etc. Ela traz um desafio. Acho que os currículos das escolas deveria ser modificado para enfrentar esse desafio, para que os estudantes aprendam como lidar com a massa de informações disponíveis, e que compete pela sua atenção.

- A internet provoca um achatamento do espaço e do tempo, como se vivêssemos num eterno presente, em todos os lugares. Qual o impacto disso na sociedade e na relação do indivíduo com o conhecimento?

BURKE: Sim a Internet contribui para um processo de compressão do tempo e do espaço, o que é um dos traços dominantes da pós-modernidade. A mesma coisa aconteceu, com menos intensidade, na Idade Moderna, especialmente depois do final do século 18.  De qualquer forma, é impossível dominar completamente o espaço e o tempo. Até porque a informação cirdula em diferentes línguas, em diferentes partes do globo. Além disso, até mesmo a Internet já tem um passado, que se torna cada vez mais longo. Embora ainda seja possível recuperar material dos anos 90, muitos sites desapareceram, e os internautas estão conscientes da passagem do tempo.

- Vivemos realmente uma época de democratização do conhecimento? A forma como o Google seleciona seus resultados não reproduz mecanismos de divisão de classes?

BURKE: Sim, eu acredito que está acontecendo um processo de democratização do conhecimento, o que está associado, em vários aspectos e em grande medida, à facilidade de acesso a determinado tipo de informação na Internet, à qual cada vez mais pessoas estão conectadas. Mas alguns governos enxergam esse processo como uma ameaça e tentam controlar o fluxo da informação em seus países. O “grande fireall” [trocadilho com grande Muralha”] da China é um exemplo óbvio. Então existe um conflito entre duas tendências, a democratização e o seu oposto. Em relação ao Google, a maneira pela qual ele ordena os resultados de uma busca é frequentemente inadequada para o usuário individual, e isso pode ser distorcido por razões comerciais, mas eu entendo que o processo de seleção está formulado de forma a atender o que se acredita que a maioria das pessoas quer, ou seja, há uma “tirania da maioria”, mas esta enfraquece a divisão de classes, ao invés de reforçá-la.

- Conhecimentos locais e , a diversidade valores e práticas culturais correm o risco de ser esmagadas pela globalização? De que forma isso acontece? Como resistir a isso?

BURKE: Eu não nego que as diferentes forças da Globalização apresentam uma ameaça a conhecimentos locais e a diversidade de valores e práticas, mas eu também acredito que a iminência dessa ameaça está sendo muito exagerada. A resiliência de valores e práticas locais, mesmo em face de tentativas de revolução cultural, não deve ser esquecida. De qualquer forma alguns valores, práticas e saberes locais são difundidos pelas novas mídias, naturalmente em detrimento de outros. Nesse sentido, o que estamos vendo é uma “glocalização”, em outras palavras, uma mistura do local com o global.

- Como você analisa o caso de Pierre Assange e do Wikileaks? Deve haver limites para a liberdade na rede? Mas quem deve determinar quais são esses limites?

BURKE: Devo confessor que vejo com ambivalência Assange e outras pessoas – por exemplo, alguns jornalistas – que estão envolvidos no processo de divulgar o que era privado. Em algumas ocasiões, a invasão de privacidade é intolerável e motivada apenas pelo desejo de tirar proveito do rebuliço causado. Por outro lado, export segredos de politicos é frequentemente um service à democracia. Eu acho que Assange nem sempre discerniu suficientemente bem que tipo de informação privada deria ser tornado pública. Mas ele serviu a uma boa causa, a da luta por maior transparência no governo.

- Qual a importância de Michel Foucault para o seu trabalho? Com que outros pensadores e historiadores você mais dialoga em sua obra?

BURKE: Foucault foi uma das minhas inspirações para escrever uma História do conhecimento (ou dos conhecimentos, já que ele usava frequentemente a palavrea “savoirs”, no plural), como pode ser visto no índisse remissivo dos dois volumes. Mesmo queue não concorde com as respostas que ele deu, aprendi muito com as perguntas que ele fez, como aprendi com outros pensadores, particularmente Max Weber, Karl Manhiem, Pierre Bourdieu e Norbert Elias.

- Como enxerga o fenômeno dos livros digitais e o futuro do livro de papel?

BURKE: Pessoalmente, eu gusto de manusear livros impressos. Meu pai era livreiro. Não comprei um Kindle ou outro leitor de livros eletrônicos. Provavelmente acabarei comprando um pela conveniência, para usar em viagens, ou ter acesso a mais livros do que cabem na bagagem. Eu imagino que a geração digital dará menos importância a livros impressos do que a minha, e provavelmente menos livros serão impressos no futuro previsível. Mas quando a imprensa foi inventada, o livro manuscrito não despareceu: os dois meios coexistiram, e logo se desenvolveu uma divisão de trabalho entre eles. No caso dos livros impressos e digitais, espero que algo semelhante aconteça.

- Como começou sua relação com o Brasil? Fale sobre seus laços com a cultura brasileira.

BURKE: A minha relação com o Brasil começou em 1985, quando eu fui convidado a fazer uma série de conferências na USP. Aceitei com prazer, fui para São Paulo em 1986 e em pouco tempo me casei com a professor que me fizera o convite, Maria Lúcia. Desde então tenho visitado o Brasil todos os anos, de Fortaleza a Porto Alegre. Moreiem São Paulopor um ano e até certo ponto passei a enxergar o Brasil pelos olhos da minha família brasileira.Leio literature brasileira, de Machado de Assis e Moacys Scliar e Bernardo Carvalho. Quando estouem São Paulo, vou a exposições, peças, concertos. Estudei um pouco de História do Brasil e, junto com Maria Lúcia, publiquei um ensaio sobre Giberto Freyre.

 

‘The School of Life’ traz autoajuda para leitores sofisticados

dom, 23/09/12
por Luciano Trigo |
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Recém-lançada na Inglaterra, já chegou ao Brasil a coleção de seis livrinhos “The School of Life”, que é também o nome um instituto criado pelo escritor Alain de Botton (de quem traduzi Como Proust pode mudar sua vida, e a quem já entrevistei neste blog). Trata-se de um centro de pesquisas sobre questões fundamentais da vida, do tipo: “relacionamentos podem durar a vida inteira?”; “o trabalho pode ser algo inspirador?” etc: uma espécie de Casa do Saber londrina. Botton é autor do título mais controverso da coleção, Como pensar mais sobre sexo. Com um projeto gráfico charmoso,  a série também inclui livros sobre o trabalho, o dinheiro e a vida digital, entre outros temas.

Como pensar mais sobre sexo de Alain de Botton. Objetiva, 152 pgs. R$26,90

O título pode parecer estranho – e é, sobretudo no Brasil, onde já pensamos demais em sexo. As primeiras páginas são mais estranhas ainda. Já na Introdução (sem trocadilho), Botton escreve, a respeito da frequência de bom sexo que podemos razoavelmente esperar: “…podemos concluir que um limite justo e natural para nossas ambições talvez seja umas poucas vezes ao longo de toda a nossa vida. Assim como a felicidade, uma noite maravilhosa de sexo talvez seja uma preciosa e sublime exceção. (…) uma noite maravilhosa de sexo é realmente uma extraordinária façanha da biologia, da psicologia e do timing.” Oi?

Autor de mais de uma dúzia de livros sobre os assuntos mais variados – viagens, arquitetura, trabalho, filosofia, religião – Botton se consagrou escrevendo uma espécie de literatura de autoajuda para leitores sofisticados, de bom gosto e amantes da alta cultura sem viés acadêmico. Aplicada ao tema sexo, essa fórmula apresenta limitações desconcertantes. No espaço dedicado aos “prazeres do sexo”, Botton tenta conciliar teorias da biologia evolutiva com uma análise das regras da atração, comparando os traços dos rostos das atrizes Scarlett Johansson e Natalie Portman: sugestivamente, ele não fala do corpo como fator de atração, apenas do rosto (no qual destaca a “simetria de um jardim” e a “tranquilidade de uma pintura minimalista”), o que é mais um motivo de estranheza para o leitor brasileiro. No texto do autor, o apelo sexual parece reduzido a uma análise cerebral e asséptica da harmonia entre a boca, os olhos e a testa do objeto do desejo: nada mais distante da realidade.

Na parte seguinte, dedicada aos “problemas do sexo”, o autor se sente mais à vontade, escrevendo sobre a rejeição, a falta de desejo, a pornografia e o adultério. Há alguns insights interessantes, embora não exatamente revolucionários: “A pessoa que quer amor, mas só tem sexo, sente-se usada. A pessoa que realmente só está atrás de sexo, mas que precisa fingir que quer amor para consegui-lo, sente-se presa quando forçada a um relacionamento ou, se conseguir fugir dele, sente-se corrupta e vil”; ou “As origens exatas dos fetiches podem ser obscuras, mas quase sempre podem remeter a um aspecto importante da nossa infância: ou reencontramos em um amante um aspecto atraente de uma figura parental; ou, ao contrário, porque de alguma forma nos ajudam a esquecer ou escapar de uma lembrança de humilhação ou terror rugida na infância”.

O problema é que Botton parece escrever para um nicho muito específico de leitores, ingleses mais ou menos problemáticos de classe média, a quem se dirige como um terapeuta,  em um tom entre condescendente e reconfortante. Mas mesmo na Inglaterra o livro recebeu críticas duras, por reforçar clichês e expressar uma visão bastante limitada sobre o tema. De fato, para um livro sobre sexo, Como pensar mais sobre sexo deixa a desejar.

Leia aqui um trecho do livro.

 

Os outros livros da coleção:

 

Com dois livros premiados, Luisa Geisler quer sair de casa

dom, 16/09/12
por Luciano Trigo |
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Com dois livros publicados e dois Prêmios SESC de Literatura na bagagem, Luisa Geisler já não deve ser considerada uma revelação, nem lida com a condescendência do adjetivo “promissor”. Apesar dos 21 anos, ela já é uma escritora completa. Gaúcha de Canoas e estudante de Relações Internacionais, ela figura ainda na edição da revista Granta dedicada aos melhores escritores brasileiros com até 40 anos, ao lado de nomes como João Paulo Cuenca, Carola Saavedra e Tatiana Salem Levy. Luisa estreou em 2011, com Contos de Mentira (Record, 128 pgs. R$27,90), e um ano depois volta às livrarias com Quiçá (Record, 240 pgs. R$39,90), romance que, em diferentes planos narrativos, investiga a relação entre dois primos Clarissa, de 11 anos, e Arthur, de 18, aparentemente em tudo opostos: Luisa vê sua rotina mudar quando Arthur, após tentar o suicídio, vai morar com ela e seus pais. Nesta entrevista, Luisa fala sobre o processo de criação de seus dois livros e anuncia dois projetos: escrever um novo romance e sair em definitivo da casa da mãe.

  

- Que comparação você faz entre ‘Contos de mentira’ e ‘Quiçá’? Fale um pouco sobre o processo de criação dos dois livros.

LUISA GEISLER: Creio que o ‘Contos de Mentira’ foi um processo mais “inseguro” que o ‘Quiçá’. Com o ‘Quiçá’, eu tinha alguma segurança no fazer, no ler; mas o ‘Contos de Mentira’ foi um grande tiro no escuro. Se não fosse pelo Prêmio SESC, talvez ele nunca tivesse saído de uma gaveta. O ‘Contos de Mentira’ foi escrito para o Prêmio, mas de qualquer forma eu não procuraria uma editora sozinha, caso não ganhasse. O ‘Quiçá’ foi mais flexível nesse sentido, eu tinha mais confiança de que “queria escrever uma obra literária”. Hoje vejo o ‘Contos de Mentira’ como mal pensado, por mais que eu tenha me dedicado bastante à execução, quando comparo o projeto do ‘Quiçá’. Mesmo assim, foi algo menos prazeroso que o ‘Quiçá’. Claro que ambos foram bastante prazerosos de ser escritos etc etc. Mas é um trabalho, no fim das contas.

- Li que você fez uma oficina de criação literária com o Luiz Antonio de Assis Brasil. Qual foi a importância dessa oficina para você?

LUISA: Comecei a oficina sem pretensão alguma, achei que seria um “curso de fotografia, mas para a escrita”. Mal sabia que havia um processo seletivo para entrar nela. A oficina me ajudou muito a ver a profissão escritor, o processo de escrever, factíveis. Claro que não se pode colocar a opinião de um professor no pedestal, senso crítico importa, e muito. Existem autores que escrevem da forma exatamente contrária da recomendada por oficinas e são maravilhosos. O grande lance das oficinas, no meu ponto de vista, sempre foram as críticas. O bom escritor sabe ouvir o outro, sabe que há coisas que lhe são claras, mas não ao leitor. Um escritor especializado em olhar teu texto com olhar clínico, com olhar de leitor, de achar pontos confusos ou vagos, ele pode aconselhar muito bem.  Saber ouvir, saber analisar o texto, esse é o crescimento que uma oficina traz. Ao mesmo tempo, não é nada que convivência não possa trazer, nada que bons ouvidos, bons leitores não ajudem. Oficinas não são obrigatórias, embora freqüentes. Aliás, de tão freqüentes, elas dificilmente representam um diferencial a um escritor. Pessoalmente, gosto e oficinas e recomendo.

- As relações familiares e o conflito de gerações são temas presentes nos dois livros. De onde você tira a matéria-prima para sua ficção? Em que medida esses temas têm algo de autobiográfico?

LUISA: As relações familiares são um tema forte, concordo. Não são tão autobiográficas assim, tive uma infância relativamente boa. Tem temas autobiográficos que ainda tenho muita vontade de abordar, como o fato de ter sido criada numa Vila Militar. Uma característica cultural do brasileiro são as relações familiares, essa proximidade esse calor todo. E, de uma certa forma, vejo isso mudando muito, tendo muita influência da globalização, o individualismo. Não vejo essas mudanças como algo ruim, não sou cavaleira do apocalipse: acredito no novo significado que cada cultura dá. Daí o conflito de gerações, que sempre foi mais ou menos presente. Tem algo de autobiográfico num quê que não sei definir bem, não sei dizer a que ponto. Mas ao mesmo tempo, são temas universais também. Mudando um pouco de assunto, por exemplo: quando concluí o ‘Contos de Mentira’, eu tinha tido apenas um namorado, e falo de namoros o tempo todo. Muitas vezes, as histórias vêm de outros, ou de pequenos fatos que me inspiram para algum lado.

- Que escritores foram importantes na sua formação? Com que autores, vivos e mortos, você mais dialoga?

LUISA: Hemingway, Tchekhov, Joyce, Gabriel García Márquez, Edgar Allan Poe, David Foster Wallace foram autores que me formaram como leitora e sempre foram, de uma forma ou de outra, referência. Entre os vivos, hoje gosto muito do trabalho do André Sant’anna, André de Leones, Carol Bensimon e Daniel Galera. Não sei se dialogo muito com eles, mas são autores que leio muito e, mais cedo ou mais tarde, são influências.

- Para que leitor você escreve? Em que medida idade e gênero afetam a sua escrita (e a recepão à sua escrita)?

LUISA: Escrevo para quem queira me ler, para dizer a verdade. Comecei (a sério) pensando num leitor adulto, mas ao ser contratada pela revista ‘Capricho’ para ser colunista da página final, me vi em frente a um público novo, um desafio muito grande, pois eu fui uma adolescente um tanto desajustada, introvertida. Tive bons amigos, mas os livros foram fortes formadores desse período. Tenho, portanto, dois públicos: o “leitor adulto”, já formado, já leitor de outras obras, que consegue interpretar alguns sentidos a mais; e o leitor mais em formação (especificamente na ‘Capricho’): é um leitor mais passional, o texto não é uma questão de qualidade literária, é algo com o qual ele se relaciona pessoalmente. Ambos os públicos são muito bons de trabalhar e participam da minha vida de formas diferentes. Os leitores de ‘Capricho’ são muito afetivos, muito presentes em eventos, enquanto os leitores adultos são mais distantes, em termos pessoais: se vêm falar comigo, falam do texto. Os leitores jovens compartilham experiências e vida pessoal sem problema algum. Adoro os dois, me estimulam de forma diferente, mas é muito interessante conviver com eles de forma diferente.

- Sendo praticamente uma “nativa digital”, que importância você dá ao livro impresso? E como enxerga o futuro da literatura e do livro?

 LUISA: Dou muita importância ao livro impresso. Tenho afeto por sebos, pelo cheiro de livro. Tenho um Kindle, mas uso livros impressos de igual maneira. Meu futuro, imagino, será com livros que aprecio muito impressos e uma grande maioria digital. Não penso o futuro da literatura e do livro como apocalíptico. Continuará existindo. Enquanto houver alguém que goste de ler ou escrever; enquanto houver histórias, vão existir livros.

- Tendo publicado e tendo sido premiada tão jovem, quais são seus planos agora? Como se enxerga daqui a 10 anos?

LUISA: Sobre planos: não faço ideia. Daqui a alguns anos, me enxergo fazendo o de sempre, acho (risos). Quero diminuir o ritmo. Muitas vezes, o excesso de compromissos de trabalho atrapalha meu ritmo universitário, e há professores que têm dificuldade para compreender essa realidade. Claro que não é obrigação de ninguém. Mas minha pretensão para os próximos anos é me formar (em alguma coisa), terminar mais um romance e, mais importante de tudo, sair em definitivo da casa da minha mãe. Esta última é central.

 

Três lançamentos mostram que Andy Warhol continua pop

dom, 09/09/12
por Luciano Trigo |
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Para o bem e para o mal, Andy Warhol foi, ao lado de Marcel Duchamp, um dos artistas mais influentes do século 20, o que se reflete na farta literatura produzida (por ele próprio, inclusive) sobre e a partir de sua obra. Três lançamentos que chegaram recentemente às livrarias brasileiras têm presença obrigatória na biblioteca dos admiradores do papa da Pop Art. Breves comentários abaixo:

 

 1) Warhol TV de Judith Benhamou-Huet (Aeroplano, 248 pgs. R$82).

Este livro integra a excelente Coleção Arte e Tecnologia, do Instituto Oi Futuro, que no ano passado hospedou uma exposição com o mesmo nome em várias cidades brasileiras, com curadoria da autora. A francesa Judith Benhamou-Huet apresenta e analisa a relação de Warhol com a televisão: o artista dirigiu diversas produções, incluindo programas para canais a cabo americanos ( ‘Warhol’s TV’, ‘Warhol’s Fifteen Minutes’, ‘Fashion’), entrevistou personalidades como com o cineasta John Waters e o estilista Marc Jacobs e produziu videoclipes (como o da música “Hello Again”, do grupo The Cars), material hoje reunido no acervo do Museu Andy Warhol, em Pittsburgh. O incansável artista participou, ainda, de episódios dos seriados “Love Boat” (1977) e “Saturday Night Live” (1981), e de anúncios para a Coca-Cola, a TDK e a Braniff. Por ser um meio de comunicação contemporâneo e de massa, era natural que a televisão, fértil em celebridades instantâneas, atraísse Warhol, que refletiu intensamente sobre a formação dos novos sentidos da relação entre a mídia e o espectador: já em 1964 ele realizou uma paródia fake de telenovela (com inserção de anúncios reais). Ironicamente, sua missa fúnebre na Igreja de St. Patrick, em Nova York, em 1987, foi transmitida ao vivo para uma enorme audiência. Ricamente ilustrado e incluindo textos de Vincent Fremont, Yoko Ono e Pierre Bergé, Warhol TV é uma valiosa incursão em um terreno ainda pouco conhecido da obra de Warhol.

 

2) Andy Warhol de Arthur C.Danto (Cosac Naify, 192 pgs. R$49).

Já entrevistado por este blog (ver aqui), o crítico e filósofo americano Arthur C.Danto foi o principal responsável pelo crescimento do culto acadêmico em torno de Andy Warhol, quando, já nos anos 70, escreveu ensaios engenhosos e provocadores que identificavam na sua obra sinais de uma mudança de paradigma na História da arte (como A transfiguração do lugar comum e Após o fim da arte). Originalmente produzido para uma coleção da Yale University Press (“Icons of America”) dirigida ao leitor comum, este novo livro é menos ambicioso em escopo e profundidade, limitando-se a uma recapitulação da trajetória de Warhol e a uma análise não particularmente profunda de sua transformação em mito: “O que faz dele um ícone é que seu tema sempre é alguma coisa que o americano comum entende”, escreve, previsivelmente, ao abordar os retratos em série de Marilyn Monroe e as reproduções das latas de sopa Campbell.  Fascinado por Warhol desde que esteve na exposição das famosas caixas de sabão em pó Brillo, em 1964, Danto não esconde sua tietagem, nem o fato de ter tomado de empréstimo de outros autores passagens substanciais  do conteúdo biográfico do livro. Sem trazer nada exatamente novo, este servirá apenas como um guia para quem sabe pouco ou nada sobre o artista e a revolução estética que ele comandou.

 

3) América de Andy Warhol (L&PM, 224 pgs. R$39).

“Todos têm uma América própria, e todos têm os fragmentos de uma América fantasiosa que acreditam existir, mas não podem ver”. Assim começa América, livro que reúne dez anos de fotografias de Andy Warhol – que não saía de casa sem uma câmera. São imagens de pessoas ricas e pobres, famosas e anônimas, muitas delas tecnicamente sofríveis (mas uma fotografia tremida ou desfocada de Warhol é mais importante que outra, perfeita, sobre a mesma cena ou personagem, feita por um desconhecido: entender isso é fundamental para se entender o artista e sua arte). Entre as estrelas retratadas aparecem Truman Capote com as cicatrizes de uma cirurgia plástica recente e a jovem Madonna escondida sob uma peruca morena. O texto surpreende mais que as fotos: sem fim e sem começo, as impressões erráticas de Warhol sobre a sociedade de consumo americana e o culto da celebridade nos anos 70 e 80 revelam mais sobre ele do que as imagens reunidas no livro. A LPM também lançou recentemente os Diários de Andy Warhol e a biografia Andy Warhol, de Mériam Korichi.

Livros alimentam culto ao cínico e estiloso seriado ‘Mad Men’

dom, 02/09/12
por Luciano Trigo |
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Só me rendi recentemente (e tardiamente) o aclamado seriado Mad Men, já com cinco temporadas completas e mais duas a caminho. Como todo mundo sabe, trata-se de um retrato do meio publicitário na Madison Avenue, em Nova York, no começo dos anos 60, cheio de personagens cínicos e politicamente incorretos. As primeiras coisas que chamam a atenção d equem assiste aos primeiros episódios,além das elevadas doses de álcool, cigarros e sexo casual, são o refinamento estético da produção e o ritmo deliberadamente lento da narrativa, um e outro mais próximos do cinema que das convenções da linguagem televisiva. No Brasil a série é exibida no canal pago HBO.

Nos Estados Unidos já existe uma vasta literatura relacionada a Mad Men, incluindo coletâneas de ensaios acadêmicos e manuais com dicas de comportamento para quem quiser imitar o estilo de Don Draper, o protagonista da série. Alguns desses livros já chegaram ao Brasil, começando por Mad Men – Comunicados do front publicitário, de Jerry Della Femina (Record, 288pgs. R$32,90). Mais que um consultor dos criadores do seriado, pode-se dizer que Femina foi seu inspirador, já que seu livro foi publicado em 1970, quando a história ainda estava fresca (e quando, diferentemente de hoje,  se podia escrever as maiores barbaridades sem temer a censura do politicamente correto, para o bem e para o mal).

Irreverente e iconoclasta, Femina é basicamente um fofoqueiro, mas viveu ahistória por dentro e sabe contá-la muito bem. A coleção de episódios insólitos do meio publicitário que ele apresenta em seu livro causou furor nos anos 70, por revelar o consumo industrial de álcool e drogas nas agências, o adultério como regra entreos profissionais do ramo e os preconceitos étnicos que vigoravam, com fatias de mercada estabelecidas de forma sectária.

O começo da introdução escrita por Femina para o relançamento  do livro dá o tom de seu conteúdo:

“Os mad men originais estão todos mortos.

Ironicamente, morreram por causa do consumo dos produtos que venderam com tanto fevor. Os pulmões pifaram com os cigarros de suas campanhas publicitárias – consumidos aosmaços. Os fígados derreteram com todo o uísque,gim e vodca que eles tornaram célebres – e com os almoços regados a três martinis que curtiram durante o processo.”

 

Excelentes como entretenimento, tanto o livro de Femina quanto o seriado produzido pela Lionsgate  são muito mais que isso, podendo ser lidos como verdadeiros documentários sobre as mudanças nos códigos morais e sociais na América da época, sobretudo no que diz respeito aos relacionamentos profissionais e conjugais e aos novos papéis das mulheres. Como já observaram vários comentadores, Mad Men reproduz fielmente o ambiente novaiorquino da primeira metade dos anos 60, mas, curiosamente, isso se dá apesar de ser uma série quase toda rodada em interiores, com pouquíssimas imagens da cidade.

 

Para os mais fanáticos, o Guia não oficial de Mad Men – Os reis da Madison Avenue, de Jesse McLean (Best Seller, 288 pgs. R$29,90)  reúne uma coleção de curiosidades relacionados às bebidas e restaurantes, à moda e ao comportamento, aolado glamuroso e ao lado selvagem dos “ad men” que deram forma ao mercado publicitário americano, com desdobramentos que chegam aos nossos dias. É uma espécie de almanaque destinado a prolongar o prazer de quem gosta da série,com revelações sobre os bastidores das gravações, sinopses comentadas dos episódios, biografias dos atores e apêndices com dicas para “festejar ao estilo Mad Men’. Jesse McLean também analisat o contexto cultural e social das campanhas publicitárias mais marcantes citadas pelos personagens da série, como as da Volkswagen, da disputa presidencial entre Nixon e Kennedy e do cigarro Lucky Strike.

 



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