Doze propostas para reinventar o futuro da América Latina
A capa, com a imagem borrada de Simón Bolívar, e o subtítulo – “A obsessão latino-americana com o passado e as 12 chaves para o futuro” – do novo livro do jornalista argentino Andrés Oppenheimer, Basta de Histórias! (Objetiva, 392 pgs. R$49,90) sugerem uma tese bastante interessante: a de que os países da América Latina são prejudicados por uma ênfase excessiva no passado histórico como justificativa para suas mazelas, já que o discurso de vitimização entranhado em nossos intelectuais e políticos, por fundamentado que seja, acaba se tornando pretexto para uma atitude passadista e a acomodação num debate sem fim, que em nada contribui para o desenvolvimento da região, ainda amarrada à desigualdade e à pobreza. O livro paradigmático dessa tendência seria As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, que já influenciou diversas gerações.
Mas a sugestão é ligeiramente enganadora. Infelizmente Oppenheimer não aprofunda essa tese, exposta de passagem na apresentação do livro, preferindo seguir um caminho bem diferente: seu novo livro é uma espécie de relato de viagens pelos países que tiveram maior sucesso nos últimos anos em se reinventar e abrir novas perspectivas de futuro. E a chave desse sucesso se resume invariavelmente a uma só palavra: educação. Somente aqueles países que fizerem investimentos maciços em educação terão condições de participar como protagonistas da era do conhecimento, afirma Oppenheimer, com certa razão, apoiado em dezenas de depoimentos de figuras relevantes (e outras nem tanto) que justificam suas teses – um pouco na linha do que fez Thomas Friedman no best-seller O mundo é plano.
Leia um trecho do livro aqui.
Radicado nos Estados Unidos desde 1976, o autor de Basta de Histórias! passou vários anos viajando por países como Finlândia, Cingapura, Índia, China e Israel, onde entrevistou autoridades e intelectuais e mapeou as principais iniciativas privadas e políticas públicas nas áreas de educação, ciência e tecnologia. São relatos impressionantes, ainda mais quando comparados ao estado de coisas nos países latino-americanos: por exemplo, Oppenheimer mostra que a Coréia do Sul registra quase 9 mil patentes por ano, enquanto o Brasil registra menos de cem. Outro exemplo: no ranking das 200 melhores universidades deo mundo, Brasil e México têm uma participação medíocre, apesar de estarem entre as maiores economias do planeta. O livro acumula dados como esses, mas sem articular um pensamento que vá além da afirmação reiterada da necessidade de investimentos na educação
Oppenheimer atribui essa defasagem entre os países da América Latina e da Ásia ao populismo e à atitude triunfalista dos líderes latino-americanos, que ainda não entenderam que o desenmvolvimento econômico por si só não é garantia para uma melhor qualidade de vida da população: “Os países que avançam não são os que vendem matérias-primas nem produtos manufaturados básicos, mas os que produzem bens e serviços de maior valor agregado. As nações que crescem são as que apostam na ciência e inovação”, escreve o jornalista. “Um exemplo é a moeda local de Cingapura. No dinheiro deles há a imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Nas cédulas da América Latina, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para a frente.”
Na segunda parte do livro, Oppenheimer escreve sobre os países da própria América Latina. Curiosamente, aqui sua argumentação é menos convincente. No capítulo sobre o Brasil, por exemplo, há uma avaliação bastante discutível sobre a mobilização da sociedade em prol da educação e sobre o papel das ONGs e dos grandes empresários. Dando a impressão de tentar encaixar a realidade num modelo teórico abstrato, ele afirma que os brasileiros entenderam que a educação é importante demais para ficar nas mãos dos governos, sugerindo que a iniciativa privada tem sido capaz de apontar soluções para a área, o que está longe de ser verdade, sobretudo no ensino básico (mas também nas universidades).
Por outro lado, Oppenheimer estabelece uma relação interessante entre os recursos naturais e o grau de desenvolvimento de determinados países: “Fomos amaldiçoados com abundância de matérias-primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capita do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura, não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado em educação e tecnologia.” É uma das boas lições que é possível pinçar em Basta de Histórias!, ainda que o livro fique aquém do prometido.
AS 12 CHAVES DO PROGRESSO, SEGUNDO ANDRÉS OPPENHEIMER
1) Olhar mais à frente
2) Fazer da educação uma tarefa de todos
3) Inventar um PIB Educacional
4) Investir em educação pré-escolar
5) Concentrar-nos em formar bons professores
6) Dar status social aos docentes
7) Oferecer incentivos salariais
8 ) Fazer pactos nacionais
9) Forjar uma cultura familiar da educação
10) Romper o isolamento educativo
11) Atrair investimentos de alta tecnologia
12) Criar a ‘educação internacional’.
LEIA TAMBÉM:
Contos-do-Vigário – O engano de Washington, a mentira populista e a esperança da América Latina, de Andrés Oppenheimer. Record, 308 pgs. R$42,90.
Aliando crônicas de viagem, entrevistas com os principais líderes da política mundial, reflexões e uma boa dose de senso de humor, Andrés Oppenheimer apresenta a sua visão da América do século XXI – quais países latino-americanos têm as maiores possibilidades de progredir e quais caminham em direção ao fracasso? O autor, ganhador do Prêmio Pulitzer, oferece uma reportagem que transcende as ideologias e traça um panorama surpreendentemente otimista do futuro do continente latino-americano.
20 setembro, 2011 as 1:44 pm
Com um título destes (que parece um grito), não dá pra esperar muito do livro…
20 setembro, 2011 as 11:46 pm
Citando Luxembrugo, Liechtestein e Cingapura, esse cidadão poderia também incluir entre as 12 chaves do progresso tornar o país paraíso fiscal e fazer lavagem de dinheiro. Pô, Luxemburgo, Liechtestein, Cingapura! Paisecos de merda, querer comparar com Argentina, Brasil, México, com territórios e populações – portanto com problemas – imensos! Ora, vá!
21 setembro, 2011 as 12:36 am
Don\’t judge a book by it\’s cover…eh tudo o que vou lhe dizer como resposta.
23 setembro, 2011 as 6:42 pm
Criar a ‘educação internacional’.
Creio que este ponto é um dos principais, pois a educação, sobretudo no caso do ensino da literatura em alguns lugares do Brasil, ainda está restrito ao ensino da literatura nacional (no caso das escolas de ensino médio e, por incrível que parece, em algumas universidades do do país). Por que a exaltação desmedida de uma literatura nacional? Se Jorge Luís Borges foi quem reinventou a literatura nacional de seu país através da tradução de escritores estrangeiros – criando uma espécie de cânon para servir de modelo para os futuros escritores argentinos – por que motivo nos alienamos com o ensino apenas da literatura brasileira?