A ‘bonequinha de luxo’ Audrey Hepburn e o novo papel da mulher

dom, 25/09/11
por Luciano Trigo |
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CapaAlém de falar ao coração de todos os cinéfilos, a imagem de Audrey Hepburn comendo um pão doce às 5 da manhã, em frente à vitrine da joalheria Tiffany’s, em Nova York, condensa um momento de transformação não apenas do cinema, mas também da cultura e da sociedade americanas, sobretudo no que diz respeito ao papel das mulheres. Segundo o crítico Sam Wasson, no recém-lançado Quinta Avenida, 5 da manhã - Audrey Hepburn, Bonequinha de luxo e o surgimento da mulher moderna (Zahar, 268 pgs. R$39), o filme de Blake Edwards, lançado pela Paramount em 1961, representou um divisor de águas na indústria hollywoodiana, que vivia o ocaso de uma era rigidamente repressora, marcada pelo moralismo da Production Code Administration (PCA), que mal admitia a sugestão de sexo fora do casamento, e se abria para a representação de novos modelos de comportamento, no qual mulheres solteiras podiam passar as noites na farra e ter aventuras amorosas com diversos parceiros – e não serem punidas por isso. Como escreve Wasson, antes de Bonequinha de luxo, só as garotas más faziam sexo, mas a nova mulher americana não era nem virgem nem devassa, nem puta nem santa, nem Doris Day nem Marilyn Monroe.

Leia um trecho do livro aqui.

Apesar de duramente criticada por Truman Capote, o autor do romance que deu origem ao filme, a escolha da delicada e aristocrática Audrey Hepburn para o papel da desmiolada Holly Golightly, praticamente uma garota de programa, foi um dos segredos de seu sucesso. A própria Audrey, que só tinha no currículo papéis bem comportados em A princesa e o plebeuSabrina, vivia um conflito pessoal entre o estrelato e o papel de esposa e mãe (ela tinha dado à luz três semanas antes do início das filmagens). Sua fragilidade e natural elegância tornavam mais palatáveis para o espectador comum a ideia de uma heroína independente, sexualmente livre e movida pelos desejos mais fúteis. Audrey também tornou convincente a ideia de que o glamour, antes restrito aos ricos e famosos, estava ao alcance de qualquer mulher, independente das restrições de classe: bastava ter estilo, atitude e um tubinho preto. Teve, assim, um grande impacto na moda.

Cena do filme

Ainda assim, era difícil acreditar que o filme faria sucesso: o personagem masculino que contracena com Holly (o escritor iniciante Paul Varjak)  é gay, não há conflitos nem motivações claras na trama, nem mensagens que reafirmem as convenções sociais e morais da época. Blake Edwards, ainda longe da fama, vinha da televisão, e seu último filme fora o fraco Anáguas a bordo, uma comédia maluca sem muita graça.

Em Quinta Avenida, 5 da manhã, Sam Wasson – também autor de um ensaio crítico sobre os outros trabalhos do cineasta Blake Edwards – reconstitui em detalhes a pré-história do filme (que seria dirigido por John Frankenheimer e estrelado por Marilyn; ela desistiu porque seu professor Lee Strasberg achava que o papel não seria bom para a imagem da atriz!), os bastidores da produção, a importância dos figurinos (de Givenchy) e da trilha sonora (incluindo a clássica canção Moon River, de Henry Mancini, escrita especialmente para a voz limitada de Audrey), as fofocas e picuinhas entre membros da equipe, as reações desencontradas da crítica, o enorme sucesso comercial (com uma receita bruta de 10 milhões de dólares nas salas de cinema, 4 milhões na América e 6 milhões no resto do mundo).

LEIA TAMBÉM:

cAPA 2

Bonequinha de Luxo, de Truman Capote. Companhia das Letras, 152 pgs. R$43

Um jovem escritor vai tentar a sorte em Nova York, pagando um aluguel barato no mesmo prédio decadente em que, alguns andares abaixo, a jovem Holly Golightly ganha a vida com muita graça e pouca virtude. Aos poucos, ela se torna o centro das atenções do escritor, intrigado com o enigma da jovem sulista, que transforma a si mesma numa personagem ímpar; sonhadora e pé-no-chão, ingênua e indefinível, Holly não deixa ninguém indiferente. O livro inclui outros três relatos breves de Capote: Uma casa de flores (1951) narra o vaivém de uma moça haitiana entre as suas montanhas natais e um bordel em Porto Príncipe; em Um violão de diamante (1950), um jovem prisioneiro cubano conduz uma trama de sedução platônica e cruel numa colônia penal sulista; e Memória de Natal (1956) fecha o volume com uma memória de infância.

Doze propostas para reinventar o futuro da América Latina

ter, 20/09/11
por Luciano Trigo |
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CapaA capa, com a imagem borrada de Simón Bolívar, e o subtítulo – “A obsessão latino-americana com o passado e as 12 chaves para o futuro” – do novo livro do jornalista argentino Andrés Oppenheimer, Basta de Histórias! (Objetiva, 392 pgs. R$49,90) sugerem uma tese bastante interessante: a de que os países da América Latina são prejudicados por uma ênfase excessiva no passado histórico como justificativa para suas mazelas, já que o discurso de vitimização entranhado em nossos intelectuais e políticos, por fundamentado que seja, acaba se tornando pretexto para uma atitude passadista e a acomodação num debate sem fim, que em nada contribui para o desenvolvimento da região, ainda amarrada à desigualdade e à pobreza. O livro paradigmático dessa tendência seria As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, que já influenciou diversas gerações.

Mas a sugestão é ligeiramente enganadora. Infelizmente Oppenheimer não aprofunda essa tese, exposta de passagem na apresentação do livro, preferindo seguir um caminho bem diferente: seu novo livro é uma espécie de relato de viagens pelos países que tiveram maior sucesso nos últimos anos em se reinventar e abrir novas perspectivas de futuro. E a chave desse sucesso se resume invariavelmente a uma só palavra: educação. Somente aqueles países que fizerem investimentos maciços em educação terão condições de participar como protagonistas da era do conhecimento, afirma Oppenheimer, com certa razão, apoiado em dezenas de depoimentos de figuras relevantes (e outras nem tanto) que justificam suas teses – um pouco na linha do que fez Thomas Friedman no best-seller O mundo é plano.

Leia um trecho do livro aqui.

Radicado nos Estados Unidos desde 1976, o autor de Basta de Histórias! passou vários anos viajando por países como Finlândia, Cingapura, Índia, China e Israel, onde entrevistou autoridades e intelectuais e mapeou as principais iniciativas privadas e políticas públicas nas áreas de educação, ciência e tecnologia. São relatos impressionantes, ainda mais quando comparados ao estado de coisas nos países latino-americanos: por exemplo, Oppenheimer mostra que a Coréia do Sul registra quase 9 mil patentes por ano, enquanto o Brasil registra menos de cem. Outro exemplo: no ranking das 200 melhores universidades deo mundo, Brasil e México têm uma participação medíocre, apesar de estarem entre as maiores economias do planeta. O livro acumula dados como esses, mas sem articular um pensamento que vá além da afirmação reiterada da necessidade de investimentos na educação

Oppenheimer atribui essa defasagem entre os países da América Latina e da Ásia ao populismo e à atitude triunfalista dos líderes latino-americanos, que ainda não entenderam que o desenmvolvimento econômico por si só não é garantia para uma melhor qualidade de vida da população: “Os países que avançam não são os que vendem matérias-primas nem produtos manufaturados básicos, mas os que produzem bens e serviços de maior valor agregado. As nações que crescem são as que apostam na ciência e inovação”, escreve o jornalista. “Um exemplo é a moeda local de Cingapura. No dinheiro deles há a imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Nas cédulas da América Latina, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para a frente.”

Andres OppenheimerNa segunda parte do livro, Oppenheimer escreve sobre os países da própria América Latina. Curiosamente, aqui sua argumentação é menos convincente. No capítulo sobre o Brasil, por exemplo, há uma avaliação bastante discutível sobre a mobilização da sociedade em prol da educação e sobre o papel das ONGs e dos grandes empresários. Dando a impressão de tentar encaixar a realidade num modelo teórico abstrato, ele afirma que os brasileiros entenderam que a educação é importante demais para ficar nas mãos dos governos, sugerindo que a iniciativa privada tem sido capaz de apontar soluções para a área, o que está longe de ser verdade, sobretudo no ensino básico (mas também nas universidades).

Por outro lado, Oppenheimer estabelece uma relação interessante entre os recursos naturais e o grau de desenvolvimento de determinados países: “Fomos amaldiçoados com abundância de matérias-primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capita do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura, não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado em educação e tecnologia.” É uma das boas lições que é possível pinçar em Basta de Histórias!, ainda que o livro fique aquém do prometido.

AS 12 CHAVES DO PROGRESSO, SEGUNDO ANDRÉS OPPENHEIMER

1) Olhar mais à frente

2) Fazer da educação uma tarefa de todos

3) Inventar um PIB Educacional

4) Investir em educação pré-escolar

5) Concentrar-nos em formar bons professores

6) Dar status social aos docentes

7) Oferecer incentivos salariais

8 ) Fazer pactos nacionais

9) Forjar uma cultura familiar da educação

10) Romper o isolamento educativo

11) Atrair investimentos de alta tecnologia

12) Criar a ‘educação internacional’.

LEIA TAMBÉM:

Capa 2Contos-do-Vigário – O engano de Washington, a mentira populista e a esperança da América Latina, de Andrés Oppenheimer. Record, 308 pgs. R$42,90.

Aliando crônicas de viagem, entrevistas com os principais líderes da política mundial, reflexões e uma boa dose de senso de humor, Andrés Oppenheimer apresenta a sua visão da América do século XXI – quais países latino-americanos têm as maiores possibilidades de progredir e quais caminham em direção ao fracasso? O autor, ganhador do Prêmio Pulitzer, oferece uma reportagem que transcende as ideologias e traça um panorama surpreendentemente otimista do futuro do continente latino-americano.

Philip Roth investiga os limites entre a literatura e a realidade

ter, 13/09/11
por Luciano Trigo |
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capaPhilip Roth

Ao longo dos últimos 50 anos, Philip Roth vem publicando romances (mais de duas dezenas) que refletem não somente as mudanças na cultura e na sociedade americanas no período, mas também as diferentes respostas da literatura de seu país a essas transformações. Apontado pelo crítico Harold Bloom como o mais importante escritor americano desde William Faulkner, o que não é pouco, Roth conservou contudo, para o bem e para o mal, um gosto pela transgressão que torna sua ficção resistente a qualquer tentativa de “academicização”. Seu projeto literário é marcado por um senso de humor peculiar, pela valorização do erotismo e pelo desafio às convenções e às ortodoxias, incluindo-se aqui a ortodoxia do pensamento sobre a identidade judaica, o que costuma provocar um certo desconforto entre os críticos americanos.

De Roth a Companhia das Letras acaba de lançar, num volume único, Zuckerman acorrentado (552 pgs. R$49), o ciclo de romances protagonizados pelo escritor Nathan Zuckerman, alter-ego explícito de Roth – um pouco como Rabitt é o alter-ego de seu colega John Updike, outro intérprete da alma americana. Neto de judeus poloneses que emigraram para a América no início do século 20, Zuckerman é um escritor fascinado pelas histórias dos judeus comuns, de classe média, que moram em ruas arborizadas e calmas dos subúrbios das grandes cidades – judeus, de certa forma, divorciados da tragédia do Holocausto e do conflito com os palestinos  e mergulhados numa rotina bem mais banal, marcada pelo consumismo desenfreado e pela vaga exaltação dos valores democráticos e do american way of life.

Seu talento para a narrativa é tão grande que faz com que muitos leitores esqueçam que aquilo que Zuckerman escreve é ficção, a ponto de um conto seu ser lido como um ataque difamatório ao povo judeu. Anos mais tarde, o lançamento de um romance ousado, Carnovsky, no espírito libertário da década de 60 1960, lhe vale censuras ainda mais pesadas da crítica, o desprezo do irmão caçula e mesmo a suspeita de ter provocado um enfarte no pai, pela exposição de assuntos familiares. De temperamento forte, Zuckerman responde às disparatadas críticas com invectivas verbais agressivas e extravagantes – mas paga caro por isso. Na vida real, Roth passou por uma experiência semelhante ao lançar o escandaloso e muito bem-sucedido Complexo de Portnoy, um relato sem freios sobre as obsesões sexuais de um jovem judeu.

O primeiro romance do volume, O escritor fantasma (1979, já publicado no Brasil como Diário de uma ilusão), mostra Nathan nos anos 50, aos 23 anos (mas visto pelos olhos dele próprio, já na meia-idade), mergulhado em crises familiares (seus parentes se sentem expostos em sua ficção) e amorosas (por sua compulsão descontrolada ao adultério). Ao visitar E.I.Lonoff, um ídolo literário que vive recluso, Nathan se depara com a inevtiabilidade de tomar decisões em relação à sua existência e à sua carreira. Roth envolve assim o leitor numa reflexão aguda sobre a relação e as semelhanças entre a vida e a literatura – uma e outra imprevisíveis e incontroláveis, no final das contas, já que tudo que fazemos ou escrevemos traz consequências que escapam ànossa razão (e mesmo à nossaimaginação).

Em Zuckerman libertado (1981), Nathan aparece já com 30 e muitos anos, já desfrutando do reconhecimento como escritor mas, incapaz de estabelecer laços afetivos verdadeiros, ainda mergulhado numa crise pessoal. Roth brinca agora de investigar as ilusões da celebridade e o descom passo entre a imagem pública e a vida interior do personagem. Desejado por muitas mulheres e invejado por muitos homens, assediado pela mídia e desprezado pelos parentes mais próximos, Zuckerman está rico e famoso, mas se sente abandonado e só.  Seguem-se A lição de anatomia (1984), com Zuckerman já quarentão e às voltas com a hipocondria e a neurose, e a novela-epílogo A orgia de Praga, um relato de aventuras sexuais e literárias durante uma viagem á capital tcheca. São outros dois textos em que Philip Roth concilia de forma desconcertante a comicidade e preocupações morais profundas sobre o sentido da vida, borrando as fronteiras entre a realidade e a arte.

Nathan Zuckerman, contudo, voltaria a aparecer na obra de Philip Roth em mais um romance, Fantasma sai de cena. Trata-se de uma despedida melancólica do personagem-escritor, que na velhice sofre de impotência e incontinência (mas ainda assim capaz de se apaixonar por uma jovem): o tema central aqui é a decadência física, tema cada vez mais prsente nos romances do autor desde que Zuckerman começou a sofrer com dores nas costas em Lição de anatomia.

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Capa 2Nêmesis, de Philip Roth. Companhia das Letras, 200 pgs. R$36

O enredo soa um pouco absurdo, mas o tratamento literário é exemplar. Em 1944, Eugene “Bucky” Cantor, 23 anos, é um professor de educação física de uma escola judaica e leva uma vida pacata em Newark. Angustiado por não poder lutar na guerra por causa de sua sua miopia, após passar por uma experiência traumática com um grupo de adolescentes encrenqueiros, ele enfrenta um surto de pólio no colégio onde trabalha. À medida que a doença se espalha, Bucky se sente culpado pelo contágio das crianças, ao mesmo tempo em que teme pela própria saúde. Passa então a dedicar horas a questionar por que Deus permitiu que a poliomielite existisse, sem chegar a uma conclusão satisfatória. “O que é que Ele estava tentando provar? Que precisamos ter aleijados na Terra?”, pergunta. Tomado pelo sentimento de culpa, Cantor deixa Newark e vai atrás da namorada em uma colônia de férias nas montanhas Pocono, tentando escapar da pólio. Nêmesis integra uma tetralogia de novelas formada também por Homem comumIndignaçãoA humilhação. Com doses altas de melancolia, o romance mostra o embate entre o protagonista e sua própria finitude, com poucas chances de o protagonista sair vitorioso. O livro foi vencedor do Man Booker International Prize de 2011.

As vidas paralelas de dois escritores fundamentais

qua, 07/09/11
por Luciano Trigo |
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CapaApesar de terem nascido no mesmo país e no mesmo ano – Inglaterra, 1903 – e apesar de ambos terem sido testemunhas engajadas de acontecimentos históricos decisivos – os escritores George Orwell e Evelyn Waugh foram tão radicalmente diferentes na vida e na obra que a tese defendida já no título do livro O mesmo homem, de David Lebedoff  (Difel, 302 pgs. R#39) parece estapafúrdia. Lebedoff é apenas parcialmente bem-sucedido em defendê-la. Demonstra, é verdade, que seus dois personagens compartilharam importantes características, sobretudo o mal-estar em relação à modernidade num período particularmente conturbado do século 20. Mas ao mesmo tempo revela que esse mal-estar produziu atitudes muitas vezes opostas em relação à sociedade em que viveram.

Lebedoff renova o gênero, aproximando a biografia do ensaio sociológico e literário. Sua análise da estrutura social inglesa, rigidamente dividida em classes e dominada por códigos culturais arraigados, é iluminadora, ajudando a entender as motivações de George Orwell e Evelyn Waugh em suas movimentadas trajetórias. Com origens sociais semelhantes, de classe média, Orwell se empanhou em descer na escala social, a ponto de viver entre miseráveis e passar fome, com a mesma obstinação com que Waugh se esforçou para ascender, por meio do casamento com uma jovem rica e outros expedientes.  Ateu, Orwell defendia a moralidade, o altruísmo e a tradição, enquanto Waugh, convertido ao catolicismo, era esnobe, elitista e egoísta. Apesar de terem conhecido a fama na literatura no mesmo círculo, só se encontraram uma vez, quando Orwell já estava morrendo, num hospital, em 1948.

WaughOrwell

É na literatura que se refletem suas principais diferenças. Na distopia 1984, Orwell expressa sua desesperança no futuro de um mundo ameaçado pelo autoritarismo; socialista apaixonado e convicto, fez uma crítica radical à União Soviética de Stálin na fábula política A revolução dos bichos; em suas inúmeras reportagens e ensaios, incluindo os relatos da Guerra Civil Espanhola, na qual lutou e foi ferido, ou sobre o tempo em que serviu ao Império inglês na Birmânia, reafirmou seu ódio à sociedade de classes, mas também a descrença em sua superação. Se Orwell apontava seus faróis para o futuro, Waugh, por sua vez, se voltou para o passado. Seu principal romance, Memórias de Brideshead,  faz o elogio nostálgico de uma época de privilégios, da juventude dourada de Oxford, das famílias com grandes propriedades no campo e títulos de nobreza. Exaltou também, numa trilogia de romances sobre a Segunda Guerra, na qual participou, valores como a coragem e a honra.

Orwell temia o surgimento do Big Brother, de um mundo onde a verdade seria relativizada e reduzida a uma questão de poder. Waugh temia o surgimento de uma sociedade vazia e puramente materialista, onde prazeres passageiros ocupariam o vácuo deixado pela perda da fé. São, em mais de um sentido, o mundo e a sociedade em que vivemos hoje, sem valores nem objetivos compartilhados. O tempo mostrou que os dois escritores tinham razão.

LEIA TAMBÉM:

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Literatura e política – Jornalismo em tempos de guerra, de George Orwell. Zahar, 240 pgs. R$46

Coletânea de textos escritos, em sua maioria, para o jornal britânico The Observer, entre 1942 e 1948, em meio às ruínas da Segunda Guerra. Em artigos e reportagens, Orwell trata de temas como a resistência francesa, a situação na Alemanha, o anti-semitismo na Europa e a Guerra Civil na Espanha. O volume inclui também resenhas literárias sobre obras de Oscar Wilde, Joseph Conrad, Balzac, Dostoievski e T.S.Eliot, entre outros autores.

Para Claudio Torres, o ‘Homem do Futuro’ é filho da ‘Mulher Invisível’

qui, 01/09/11
por Luciano Trigo |
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PosterO protagonista da comédia O Homem do Futuro, que estreia hoje nos cinemas em todo o Brasil, é um cientista que descobriu meio sem querer a fórmula para viajar no tempo – mas, ao brincar de repetir e reinventar o passado, descobriu que não se pode controlar o futuro. Como diz o slogan do filme, “na será como antes”.

De certa maneira, o produtor e cineasta Claudio Torres, 47 anos, está tentando fazer algo parecido: ele descobriu a fórmula do sucesso com “A Mulher Invisível”, comédia romântica que fez mais de 2 milhões de espectadores nas salas de cinema, e, com alguns temperos diferentes mas basicamente o mesmo prato, pretende repetir o sucesso com seu novo filme. A experiência tem tudo para dar certo, a começar pelo elenco, comandado por Wagner Moura e Alinne Moraes.

Sócio da Conspiração Filmes, Claudio Torres, que também já dirigiu os longas-metragens  ”Redentor” e “A Mulher do meu Amigo”, falou ao blog Máquina de Escrever sobre a sua formação como cineasta. o bom momento vivido pelo cinema brasileiro e sua expectativa em relação ao desempenho de  ”O Homem Inv…” – Ops! – “O Homem do Futuro”.

Claudio Torres- Como nasceu o projeto “O Homem Invisível” [lapso do jornalista]? De onde veio a ideia original e que mudanças ela sofreu ao longo do processo da produção?

CLAUDIO TORRES: Sensacional Luciano , na sua pergunta você menciona  ”O Homem Invisível”, um ato falho muito comum entre colaboradores, parentes e jornalistas, talvez porque seja isso mesmo . “O Homem do Futuro” é filho de “A Mulher Invisível”, uma tentativa de permanecer e desdobrar um gênero que é a comedia romântica com tempero de cinema fantástico, no caso a ficção científica. “A Mulher Invisível” conquistou seu público e isso é uma cachaça . Quando o cinema dá certo (ou seja, o público gosta), existe a magia de um circulo virtuoso que se completa. Três anos de trabalho que deságuam em algo que comunga com o público. Faz sentido . A comédia romântica é um gênero que o público gosta de ver, os donos de cinema gostam de exibir, e os distribuidores gostam de financiar. Encontrei uma maneira de expressar minhas ideias e fazer o meu cinema dentro deste gênero. Espero que dê certo uma segunda vez .

- O elenco já estava definido desde o início? Você já escreveu as cenas pensando no Wagner Moura e na Alinne Moraes?

CLAUDIO: No primeiro tratamento tinha apenas o Wagner em mente . Ele leu e gostou , a partir disso passei a escrever sabendo que ia contar com um “avião de combate “. A Helena (personagem da Alinne) ia ser a Ana Paula Arósio. Mas ela desistiu do filme e foi casar. Vi a Alinne em uma novela onde ela fazia uma tetraplégica e me surpreendi , pois estava diante de uma atriz com A maiúsculo. Depois que ela topou ainda escrevi um bom tempo com ela já em mente.

- Aliás, você sempre escreve os roteiros de seus longas.. Teria dificuldade em dirigir um roteiro alheio?

CLAUDIO: Dirigi um filme chamado “A Mulher do meu Amigo”, baseado em uma peça do Domingos de Oliveira chamada “Largando o escritório”. Foi depois do “Redentor” enquanto me preparava para “A Mulher Invisivel”. Meu sócio Pedro Buarque tinha comprado os direitos e levantado a grana para o filme, mas o diretor que ele tinha em mente não pôde fazer. Ele me chamou, e eu adaptei o roteiro para o cinema em três meses. Era um filme de encomenda. A crítica odiou, o público foi médio (215 mil espectadores), e acho que o Domingos também não gostou. Eu adorei fazer o filme, trabalhei com amigos e experimentei o nível superior da comédia, que é a farsa. Mas entendi que preciso escrever meu próprio material .

Cena

- Este é seu quarto longa-metragem, fora o episódio de “Traição”. Você se considera um diretor “autoral”? Que traços, comuns a esses filmes, caracterizam o seu estilo como diretor?

CLAUDIO: Tento ser um diretor autoral que tem como meta agradar e conquistar o público. Então não sei o quanto autoral a crítica me considera. Normalmente a questão autoral está ligada a filmes mais “difíceis” do que os que eu faço, aos dramas. Billy Wilder foi autoral fazendo comédia, Mel Brooks e o Woody Allen também, mas geralmente não se associa a questão autoral ao humor. O que une os filmes talvez seja o gosto pelo humor e terem sempre seus heróis a beira de um colapso de identidade.

- Complementando a pergunta anterior, você julga que amadureceu como diretor ao longo dos anos? Em que sentido? Se pudesse voltar no tempo, o que faria de diferente, nesses filmes?

CLAUDIO: Bom, eu espero que sim! Acho que entendo (porque  experimentei) mais os movimentos narrativos de uma história  de uma hora e meia e consigo me divertir mais enquanto estou rodando. Isso para mim é fundamental, não escolhi essa profissão pelo lado do sofrimento que ela gera (e, acredite, existe bastante dor, suor e lágrimas no processo), e sim pela extraordinária experiência de um processo de criação coletiva . Hoje consigo melhor do que dez anos atrás relaxar, reunir uma equipe e um elenco e deixar eles trabalharem .

- O que mudaria ?

CLAUDIO: Lançaria o “Redentor” (pela primeira vez) hoje em dia, com um cartaz em fundo branco mostrando o Pedro Cardoso e o Miguel fazendo uma “cara de comédia” para o público. É um filme do qual gosto muito e fez apenas 230 mil expectadores. Hoje talvez fosse diferente.

- As últimas comédias de sucesso no cinema brasileiro tem sido mais escrachadas, como é o caso de “De pernas pro ar” e “Cilada.com”. Você acha que o humor mais inocente e sutil de “O Homem do Futuro” terá o mesmo apelo de público?

CLAUDIO: Espero que sim, as pré-estreias pagas, que aconteceram nos últimos fins de semana provaram que sim, o público ri, torce e se comove com a história (fui a duas delas e constatei com os próprios ouvidos).

- Qual é a expectativa de público? O público-alvo é o mesmo de “A mulher invisível”?

CLAUDIO: Um filme faz sentido econômico depois dos 800 mil espectadores, seria ótimo fazer mais do que isso. É um filme mais romântico que “A Mulher Invisivel”, e espero levar mais mulheres ao cinema. Tem também mais aventura e rock and roll, portanto espero que jovens e crianças também compareçam (meu filho de 11 anos e os amigos adoraram, e ele é duro com o pai dele).

- Fale sobre a sua formação como cineasta. Que filmes e diretores o influenciaram?

CLAUDIO: “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, “O Poderoso Chefão” 1, 2 e 3 , “Apocalipse now”, “O Planeta dos Macacos” original , “Harold and Maud”, “Todos os homens do presidente”, todos os filmes do Woody Allen, “Tudo Bem”, “Macunaima”, “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite” 1 e 2. Filmes e seus diretores são uma coisa só, então os cavalheiros que dirigiram os filmes acima são também meus cineastas prediletos .

- A presença de atores que já fizeram sucesso na televisão é sem dúvida um elemento que aumenta o apelo do filme. Você vê o risco de um excessivo predomínio de uma linguagem televisiva no cinema brasileiro?

CLAUDIO: Não. Acho esta discussão uma bobagem .

- Como você avalia o cinema brasileiro hoje? E o que falta para ele melhorar ainda mais?

CLAUDIO: Um momento sólido e próspero. O público brasileiro está gostando de ver sua realidade na tela. Os números apontam isso, e o cinema brasileiro está deixando de ser um gênero em si (“cinema brasileiro”) e passando a fazer os mais diversos tipos de gêneros cinematográficos (ação , comédia romântica, comédia , espírita , policial etc). O que vai melhorar agora é o equilíbrio de força entre as forças de mercado: exibidores , distribuidores e produtores. No modelo que existe hoje, os produtores são a parte fraca. Temos o risco, a responsabilidade pela criação e execução do projeto, mas ficamos com a menor parte do bolo. Mas o Zé Padilha, com o seu incrível “Tropa 2″, virou o mercado de cabeça para baixo e redesenhou o panorama do cinema nacional. Isso trará mais e bons filmes e uma relação mais justa de mercado. Um grande homem este Zé Padilha e um grande cineasta.

- Qual é o seu próximo projeto? Já tem outro longa em vista? Será mais uma comédia romântica?

CLAUDIO: Chama-se “As Bruxas”. Sim, é outra comédia romântica, mas desta vez com tempero de terror . A história de um homem que se casou com uma bruxa. No elenco, minha mãe (Fernanda Montenegro), minha irmã (Fernanda Torres) e minha mulher (Maria Luisa Mendonça). As bruxas da minha vida.

 



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