Algumas pílulas sobre a FLIP

sáb, 09/07/11
por Luciano Trigo |
categoria Todas

(em Paraty) Não dá para entender como um autor de um livro sobre Che Guevara não sabe pronunciar o nome de seu personagem: Marcelo Ferroni, autor de ‘Método prático da guerrilha’, passou toda a mesa ‘Ficção e Escombros’, chamando o guerrilheiro de “Che Güevara”, como se tivesse trema no “u”, e sem a inflexão necessária no “Che”…

ferroni

Aliás, depois das modestas intervenções de Ferroni, na mesa que dividiu com Edney Silvestre e Teixeira Coelho, não dá para entender que o livro tenha sido lançado pela Companhia das Letras: como pesquisador, o autor admitiu que se limitou à leitura da bibliografia já existente sobre o tema; como ficcionista, a julgar pelo trecho lido, trata-se de uma narrativa previsível, sem qualquer criatividade, quase adolescente.

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Contardo Calligaris e Ignacio de Loyola Brandão se anteciparam à pergunta que fatalmente viria sobre a desistência-protesto de Antonio Tabucchi diante do asilo concedido pelo Governo brasileiro a Cesare Battisti. A plateia se dividiu: primeiro aplausos tímidos, em seguida vaias tímidas. Custo a entender as vaias: mesmo que defende Battisti deve respeitar o direito de um escritor manifestar sua opinião. Muitas vezes aqueles que se julgam na vanguarda são os mais intolerantes.

Calligaris e Loyola, inteligentes que são, compuseram uma ótima mesa. Mas os trechos que leram sugerem que o primeiro está longe, como romancista, de seu briho como teórico e cronista; e Loyola, como cronista, também está longe de seu brilho como romancista. Tabucchi, vale lembrar, foi quem traduziu para o italiano o romance ‘Zero’, de Loyola.

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Pola

Se no ano passado a cubanita Wendy Guerra foi apontada como sex symbol, em 2011 a musa anunciada foi a argentina Pola Oloixarac. No quesito sedução, cheia de olhares e bocas e pernas cruzadas e risinhos e da falsa timidez de quem se acha muito gostosa com seu batom vermelho e suas mechas, bem, dá para dizer que ela cumpriu seu papel. Mas ao abrir a boca, na mesa que dividiu com o angolano – este sim escritor, este sim cativante – Walter Hugo Mãe, Pola deixou a desejar. Incapaz de articular um pensamento completo, mas pretensiosa a ponto de citar Kant, com o olhar sempre em busca da câmera, ela parecia mais preocupada em ser vista nos telões por um bom ângulo do que em dizer coisas inteligentes. Pelo ângulo literário ela não se destacou. Se essa tendência continuar no ano que vem, melhor chamar logo a Larissa Riquelme.

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Lanzmann
Foi muito pior do que saiu na grande imprensa a situação vivida pelo professor da Unicamp Márcio Seligman Silva como mediador da mesa com Claude Lanzmann. Rabugento ao extremo, Lanzmann parecia empenhado em deconcertar Seligman, a quem interpelou diversas vezes. “Você quer mostrar que no Brasil as pesssoas são bem informadas?”, perguntou, interrompendo um longo comentário com que o mediador, em tom professoral, discorria sobre as imagens do Holocausto. “Se você não falar sobre o livro vou embora”; “Você disse que minha mãe se suicidou, foi minha irmã!”; “Por que você está falando essas bobagens todas?” Etc. Desconfio que Seligman, visivelmente humilhado, nunca mais aceitará mediar uma mesa na FLIP.

Embora não simpatize com Lanzmann nem com sua deselegância, o episódio teve um lado positivo: desmontou o roteiro previsto, mostrou que nem todo mundo gosta de ser bajulado (Seligman chegou a chamá-lo de um dos cineastas mais importantes do mundo, o que revela total desconhecimento da História do cinema), e que os discursos empolados de alguns mediadores da FLIP muitas vezes são pastéis de vento sem qualquer conteúdo. Ou seja, o destempero de Lanzmann serviu para equilibrar os jogos de cena habituais, em que a bajulação substitui a reflexão, em que a vaidade toma o lugar da arte.

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Elroy
Às vezes é muito frustrante ver de perto escritores que só conhecemos por meio dos livros. Não sou um fã de romances policiais, embora numa determinada fase da vida sua leitura faça sentido. Sinto que os aficionados adultos do gênero – como os aficionados por quadrinhos – simplesmente não amadureceram como leitores, estacionando na adolescência (nada errado aí, cada um lê o que quer). Em suma, concordo com Edmund Wilson quando ele pergunta quem diabos quer saber quem matou Roger Ackroyd.

Quando eu lia policiais, na adolescência, fiquei impressionado com o romance ‘A Dália Negra’, de James Elroy, e com a mística que parecia cercar o escritor, traumatizado pelo assassinato da mãe etc. Pois bem, ver Elroy no palco da FLIP e escutar suas tolices e palhaçadas, pedindo para a plateia aplaudir a cada piada de mau gosto e usando uma camisa florida ridícula, fez com que eu me sentisse enganado. Não é um escritor sério.

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5 Comentários para “Algumas pílulas sobre a FLIP”

  1. 1
    Abram Cheventer:

    Enfim. Pelo que depreendi, a conjugação de Ego Sunt rolou na Flint. Abs.

  2. 2
    Hefemo:

    Suas críticas a quem gosta de romance policial e história em quadrinho me fez pensar na sua própria frase: “Muitas vezes aqueles que se julgam na vanguarda são os mais intolerantes”…….

  3. 3
    Gildo Araújo:

    Eu senti falta dos petistas e agregados com suas plaquinhas “Fora FHC” clamando por uma FLIP exclusivamente literária, somente porque FHC foi convidado a falar sobre Gilberto Freyre, deveriam fazer o mesmo em relação à Nicolelis. A inveja é um petistazinho que todo mundo carrega no peito e também é um m… Donde se concluí que…

  4. 4
    Gildo Araújo:

    Estava eu lendo o blog Todaprosa e encontrei essa pérola: “Me parece que quando uma mulher fala de ideias, com certa ambição mental, tenta-se trivializar isso, como se ela no fundo estivesse falando de outras coisas, de emoções, de relações familiares”, ou seja, a Pola não é tão ruim assim como quase todo mundo está dizendo.

  5. 5
    Gildo Araújo:

    James Elroy me fez lembrar aquela frase de Bunuel: “Hemingway é um escritor medíocre, se tivesse nascido nas Filipinas não existiria”, ou seja, uma bela máquina de propaganda opera milagres.



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