O lado humano do mito

ter, 31/03/09
por Luciano Trigo |
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Na esteira do filme Che, de Steven Soderbergh, três livros lançam novas luzes sobre o velho mito: Evocação, de Aleida March, sua viúva (Record, 240 pgs. R$39); Ernesto Guevara, também conhecido como Che, alentada biografia de Paco Ignacio Taibo II (Expressão Popular, 728 pgs, R$30); e De Ernesto a Che, de Carlos “Calica” Ferrer (Planeta, 238 pgs. R$34,90), o relato da segunda viagem empreendida pelo jovem Ernesto, antes de virar revolucionário. Antes, um breve comentário sobre o filme: é certamente correto e sincero, mas não empolga; Benicio Del Toro interpreta um Che pesado, cansado e enfadonho, que não transmite em momento algum o carisma associado ao personagem. A reconstituição da campanha em Sierra Maestra, que ocupa a maior parte da narrativa, revela preocupação com a fidelidade à História (o filme teve consultoria de Jon Lee Anderson, autor do excelente Che – Uma biografia  – Objetiva, 924 pgs. R$93,90), mas não chega a impressionar uma platéia acostumada à guerra diária de facções do tráfico. São muitas as nossas Sierras Maestras, lamentavelmente.

Voltando aos livros: em <em><strong>Evocação</strong></em>, Aleida March, que viveu oito anos e teve quatro filhos com o Che (três deles aparecem na foto acima), quebra 40 anos de silêncio num relato  em primeira pessoa que humaniza o mito. Hoje com 75 anos, Aleida não faz exatamente grandes revelações, mas cativa o leitor pela ternura com que rememora os episódios que viveu com o marido, num texto entremeado de transcrições de cartas e fotografias inéditas. Pai amoroso, mas compreensivelmente ausente (já que vivia ocupado tentando transformar o mundo), o Ernesto Guevara que emerge das páginas de Evocação é bem humorado e irônico, seja no convívio doméstico, seja nas cartas que envia à esposa em suas longas viagens – num cartão postal enviado de Paris, por exemplo, após a fracassada campanha africana, ele a compara a um quadro de Leonardo da Vinci que viu no Louvre, “gordinha e séria, com um sorriso um pouco triste, esperando o amado distante (será quem eu acho, ou outro?)”. Todas as cartas de amor são mesmo ridículas…

Outro retrato afetuoso faz Carlos Ferrer, a.k.a. Calica, ao reconstituir a viagem que fez com Ernesto da Argentina à Venezuela, em 1953 - para se encontrarem com Alberto Granado, o companheiro da aventura de que trata o bonito filme Diário de motocicleta, de Walter Salles. O próprio Che registrou suas impressões dessa viagem num livro editado no Brasil com o título Outra vez (Ediouro, 236 pgs. R$29). Depois que se separou de Calica, ele prosseguiu viagem por diversos países da América Latina, até o encontro decisivo com Fidel Castro no México, já em 1956. O texto de Ferrer é sóbrio e puramente rememorativo, sem qualquer pretensão ensaística, e evita a armadilha de projetar no Ernesto viajante a aura mítica do revolucionário em que ele só se transformaria mais tarde.

A biografia escrita Paco Ignacio Taibo II, Ernesto Guevara, também conhecido como Che, é excelente, embora acrescente pouco, em informação, à já citada, de Anderson, ou, em profundidade de análise, a Che Guevara – Uma vida em vermelho, de Jorge Castañeda (Companhia das Letras, 696 pgs. R$31). Mas se trata de uma trajetória tão fascinante que não cansa relê-la de diferentes maneiras, e o texto de Taibo é fluente, dividido em capítulos curtos e bem encadeados (além disso, o livro, um calhamaço, custa somente R$30, o que sugere que preços mais baixos nas estantes das livrarias são viáveis – e compensam, pois o lançamento da Expressão Popular está entre os 20 mais vendidos de não-ficção já há algumas semanas).

Por fim, Ernesto Che Guevara também aparece como protagonista num interessante e recém-lançado ensaio, Os intelectuais cubanos – A política cultural da Revolução: 1961-1975, de Silvia Cezar Miskulin (Alameda, 304 pgs. R$42), que analisa de forma aprofundada e cética os embates ideológicos travados nos bastidores do regime de Fidel – no qual Che teve participação decisiva, nos primeiros anos após a Revolução Cubana.  Percebendo a importância estratégica da cultura – o que não acontece em muitos países – o governo revolucionário logo criou jornais, editoras e suplementos literários, além de patrocinar a produção plástica, musical e cinematográfica, mas a um custo elevado em termos de censura e perseguições políticas, o que acabou levando ao exílio escritores como Reinaldo Arenas e Gullermo Cabrera Infante.

O espírito da nova Lei

seg, 23/03/09
por Luciano Trigo |
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logo da Lei RouanetO Governo abre hoje a consulta pública ao Projeto de Lei que reformula a política de incentivo à Cultura, cujo marco principal ainda é a Lei Rouanet, editada em 1991, em pleno Governo Collor - após o desmonte de diversos órgãos e entidades ligadas ao setor, como a Embrafilme. Ao lado da Lei do Audiovisual, criada dois anos depois, já no Governo Itamar, a Lei Rouanet estabeleceu um modelo de fomento baseado na transferência do Estado à iniciativa privada, via mecanismos de isenção fiscal, da orientação dos investimentos em projetos culturais. Com alterações diversas, que não afetaram a sua essência, esse modelo de legislação atravessou os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e os primeiros seis anos do Governo Lula. Alcançada sua maioridade, parece que a Lei Rouanet será finalmente reformada – ou mesmo substituída. O debate promete ser animado.

O projeto traz diversas novidades, como a criação de seis faixas de dedução do Imposto de Renda devido (mas é preciso ter em mente que muitos empresários só investem em cultura quando o abatimento é integral…) e a criação de novos Fundos Setoriais, para áreas como Memória e Patrimônio, Livro e Leitura, Identidade e Diversidade Cultural. Diferentes mecanismos de parceria entre Governo e os investidores, compartilhando riscos (o que hoje não acontece), também terão que passar pela prova da realidade, ainda mais numa conjuntura de crise econômica.

Mais promissora me parece a idéia do Vale-Cultura: historicamente, as políticas de fomento no Brasil se concentram na produção, e o fato é que, apesar de motivos pontuais de comemoração, nesses 18 anos as metas mais amplas, de estabelecimento de uma indústria cultural auto-sustentada, não se cumpriram. Ao contrário, a Cultura se tornou totalmente dependente do dinheiro da renúncia fiscal, e isso provocou distorções sérias, como a concentração de investimentos em determinadas cidades e mesmo em determinados captadores: o talento em passar o pires acabava valendo mais que o mérito do projeto. O Vale-Cultura é uma maneira de fomentar a demanda por produtos culturais brasileiros: com a formação de novos públicos para filmes, livros, peças teatrais etc, em suma, de novos consumidores de cultura, todos os elos da cadeia produtiva da Cultura serão beneficiados. 

Mais importante que tudo isso, porém, é a mudança no espírito da Lei. O Governo chama de volta a si a responsabilidade pela condução da política cultural, em seus aspectos simbólicos e econômicos, o que é positivo. Ora, quem deve imprimir um rumo aos investimentos de recursos públicos na Cultura não são os diretores de marketing de grandes corporações, é mesmo o Governo - desde que, naturalmente, sejam ouvidas todas as partes interessadas, e as decisões sejam tomadas com transparência.

Por outro lado, não faltará quem enxergue aí uma tentativa de “dirigismo”, palavra maldita que costuma impregnar o discurso de uma parcela do “povo da cultura”, sempre que se tenta mexer na dinâmica de funcionamento do setor. Por definição governar é dirigir, harmonizando interesses públicos e privados. A Cultura é algo importante demais para ser entregue apenas às mãos do mercado.

Um cadáver incômodo

qui, 19/03/09
por Luciano Trigo |
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Sérgio Rodrigues resgata a história de Elza, a garota executada pelo PCB após o fracasso da Intentona Comunista

foto divulgação Elzafoto de divulgação / sergio rodrigues

Elvira Cupelo Colônio, codinome Elza Fernandes, tinha 16 anos quando foi presa, em janeiro de 1936, com seu companheiro, o dirigente do PCB Antonio Maciel Bonfim, o “Miranda”, na onda repressora que o Governo Vargas desencadeou após o fracasso da Intentona Comunista. Libertada poucos dias depois, foi barbaramente assassinada: estrangulada, teve seu corpo mutilado e enterrado no quintal de uma casa no subúrbio do Rio. Cumpria-se assim a sentença do “tribunal vermelho” formado para julgá-la por uma suposta delação. Os poucos historiadores que abordaram o episódio garantem que a ordem para a execução partiu de Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, num bilhete escrito de próprio punho. Por ironia da História, poucos anos mais tarde a companheira de prestes, Olga Benário, seria vítima de outro crime hediondo, este bem mais conhecido e divulgado. Ao decidir desenterrar o cadáver de Elvira em seu novo livro, Elza, a Garota (Nova Fronteira, 240 pgs.R$29,90) o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues sabia que estava mexendo num vespeiro – e que correria o risco de desagradar boa parte da esquerda. Misturando ficção e pesquisa histórica, Sérgio escreveu uma obra que vai muito além da denúncia política. Mesmo assim, uma mensagem fica clara para os leitores: a estupidez ignora ideologias.

G1: Houve um pacto de silêncio para abafar a história de Elvira? A que você atribui o quase-desconhecimento desse epidódio? Como essas coisas funcionam no Brasil? E e o que você, pessoalmente, acha disso?

 

SÉRGIO RODRIGUES: Entender esse desconhecimento foi minha maior motivação ao escrever o romance. O assassinato de Elza Fernandes rendeu tantas manchetes na época que sondar o silêncio que desabou mais tarde sobre ele não é uma tarefa simples. Por um lado, é compreensível que a história fosse um incômodo para a esquerda, que não tinha interesse em contá-la. Mas também a direita contribuiu para apagar o quadro-negro, na medida em que os discursos que ela alimentou sobre a Intentona eram tão pouco confiáveis – a lenda de que os revoltosos assassinaram a facadas companheiros de farda que dormiam, por exemplo – que acabaram jogando o pacote inteiro no descrédito. E a história é sensacional. Mesmo que a gente deixasse de lado por um momento o que existe de importante e necessário para a cultura de um país na atividade de arejar a memória, de não deixar esqueletos no armário, mesmo assim restaria uma história apaixonante de amor, traição e idealismo, contra um pano de fundo histórico dos mais fascinantes e terríveis que é o período imediatamente anterior à Segunda Guerra. Não fazia o menor sentido isso continuar no esquecimento.

 

G1: Que comparação é possível fazer entre Olga e Elza? As duas mortes se equivalem? Os dois lados estavam errados ou, ao contrário, é preciso explicitar suas diferenças, evitar que os crimes cometidos, por assim dizer, se anulem?

 

SÉRGIO: Acho que seria revoltante tentar estabelecer qualquer tipo de equivalência entre dois assassinatos. Qual seria a base moral para julgar algo assim? Existe sim uma simetria curiosa entre os dois personagens, agravada até, curiosamente, pelo fato de os nomes soarem semelhantes. É claro que os dois lados agiram de forma criminosa com essas mulheres, cada um a seu modo. No limite, num arroubo de historicização da coisa, pode-se dizer que Olga foi vítima de Hitler e Elza, de Stalin. Daí a imaginar que uma morte anule a outra ou que uma delas, ao contrário, seja mais grave e importante, vai uma enorme distância. Fugi tanto dessa comparação no livro que a Olga acabou ganhando apenas duas breves menções.

 

G1: Fale sobre a sua pesquisa. Recorreu a que fontes? O que descobriu de novo a respeito da execução de Elvira? Ainda existem dúvidas sobre o que aconteceu?

 

SÉRGIO: Foram seis meses intensivos de pesquisa, com a ajuda de uma pesquisadora profissional, a Cristina Zarur. Além da bibliografia que aparece no livro e da consulta aos autos do processo do Tribunal de Segurança Nacional que em 1940 condenou Prestes e os outros companheiros pelo assassinato de Elvira, as principais minas de documentos foram a Biblioteca Nacional, o Arquivo Edgard Leuenroth, a Unicamp, e a Fundação Getúlio Vargas. Houve também as entrevistas que eu fiz, e que foram incorporadas ao romance. O que me parece haver de mais novo é o avanço que o livro faz na questão da suposta traição do Miranda ao PCB. A carta que ele teria escrito a Filinto Müller, chefe de polícia que estava à frente da repressão aos comunistas, é um documento que, até onde sei, jamais tinha sido publicado em livro. Quanto aos indícios de que ela pode ter sido forjada, nem se fala.

 

G1: Por que acrescentar a parte ficcional à história, por si só tão dramática? Qual era seu objetivo?

 

SÉRGIO: Muito cedo na pesquisa eu descobri que tinha que fazer um romance. Não só porque a ficção me permitiria dar uma vida e um pulso a personagens que a não-ficção, por definição, tende a esfriar. A razão principal era que eu precisava de liberdade para trazer a história até nossos dias, falar menos do episódio em si e mais de uma longa história que viesse a dar, no fim das contas, no Brasil de hoje, um produto daquele. Não duvido que fosse possível fazer isso num longo ensaio, mas ele consumiria 1.200 páginas e ficaria ilegível. Um romance de 240 páginas pareceu uma idéia melhor.

 

G1: Você não teme que seu livro seja “apropriado” pela direita? Acredita que haverá reações negativas por parte da esquerda? Isso causa preocupação?

 

SÉRGIO: Qualquer pessoa que leia o livro vai perceber logo nas primeiras páginas que ele não pode ser apropriado pela direita. A direita brasileira sai muito mal disso tudo. Isso não quer dizer que a esquerda saia bem. Acredito mesmo que essas categorias, pelo menos em termos tão absolutos, estejam virando relíquias da Guerra Fria, o papo hoje é um pouco diferente. Mas, mesmo quando elas faziam todo o sentido, julgar uma obra de literatura por esses parâmetros sempre foi má idéia. E espero que o Elza seja julgado como literatura, porque é o que ele é. Dito isso, claro que me preocupa um pouco o uso político que possam tentar fazer do livro. Principalmente porque muita gente, claro, não vai se dar ao trabalho de ler nem a orelha do Zuenir Ventura antes de formar uma opinião acachapante. A irresponsabilidade intelectual é grande, e as paixões que o tema desperta são intensas. Mas considerar meu romance um livro “de direita” é como dizer que Memórias póstumas de Brás Cubas é um livro espírita, isto é, coisa de gente muito desinformada. De todo modo, seria ingenuidade mexer num vespeiro desse tamanho e esperar unanimidade. A quem se sentir incomodado só de ouvir falar do livro, faço um único pedido: leia-o primeiro.

 

G1: Mas esse epísódio era lembrado basicamente por defensores ardorosos do regime militar pós-64, como o general Brilhante Ustra, no seu site A verdade sufocada, e o general Agnaldo Del Nero Augsto, no livro A grande mentira, que denunciam diversas outras vítimas de justiçamentos comunistas, na época…

 

SÉRGIO: Não é verdade que o caso Elza só fosse lembrado até hoje por torturadores e/ou defensores da ditadura militar. Ele está contado em livros de historiadores sérios – e de esquerda – como Jacob Gorender e Marly Vianna. Aparece com riqueza de detalhes no bom Camaradas, de William Waack, e é mencionado de passagem até no Olga. Tratar desse assunto de forma adulta e à luz do dia me parece interessante inclusive, e talvez até principalmente, para a esquerda. Os sites a que você se refere, aliás, são citados por um personagem do meu livro como “sitezinhos horríveis” produzidos pela “extrema direita mais hidrófoba”. Repudio com veemência a companhia dessa gente. 

  

 
 
 
 

 

 

 

 

Que tipo de leitores queremos?

ter, 10/03/09
por Luciano Trigo |
categoria Literatura, Todas

Já dizia Monteiro Lobato que um país se faz com homens e livros. Mas que tipo de país se faz com homens que só lêem best-sellers?

 

Por coincidência, dois colunistas de grandes jornais tocaram esta semana no mesmo assunto: as distorções do mercado editorial brasileiro. Primeiro foi Cora Rónai, no Segundo Caderno de O Globo: ela alertou para o risco oculto de práticas comerciais estranhas na Internet e nas grandes redes de livrarias, que vendem a R$9,90 livros cujo preço normal é cinco vezes maior – e que, mesmo em consignações com desconto de 50%, normalmente custariam aos livreiros bem mais que isso. É claro que todo mundo gosta de pagar mais barato, inclusive a Cora e eu, mas é preciso refletir sobre o impacto de medidas assim na cadeia do livro como um todo – e avaliar seus potenciais efeitos anticoncorrenciais.

 

 

Como que complementando o artigo da Cora, Ruy Castro – aliás, bem-sucedido escritor – publicou em sua coluna na Folha de S.Paulo o texto “Mega-sellers” – que por sua vez repercutiu reportagem da ótima Rachel Bertol em O Globo, sobre os fenômenos que vendem mais de 1 milhão de exemplares no Brasil, se eternizando nas listas de mais vendidos. “Os mega-sellers”, escreve Ruy, “são sempre estrangeiros, e não necessariamente americanos: podem vir da Irlanda, da Austrália ou do Afeganistão, embora só cheguem aqui depois de iniciada sua carreira nos EUA. A partir daí, onde quer que se façam listas de livros mais vendidos, eles estarão nelas, o que torna essas listas monótonas e iguais no mundo inteiro. (…) Como os mega-sellers são maciçamente estrangeiros, teme-se que as editoras brasileiras desistam de apostar no humilde romance nacional – afinal, para que se arriscar a ter 3.000 livros encalhados quando se pode vender 600 mil?”

 

 

De fato, para quê? Ora, editoras são negócios privados, por natureza buscam o lucro. Num país de baixo índice de leitura, onde a grande maioria dos títulos lançados encalha, são esses fenômenos de vendas que sustentam a engrenagem das maiores editoras. Sem eles, muitas não sobreviveriam, e o número de autores nacionais lançados seria ainda menor. O argumento é correto, mas a discussão não deve terminar aqui.

 

 

Livros, como filmes, não são apenas produtos comerciais, nem mercadorias comuns: são elementos com valor simbólico, estratégicos na afirmação de nossa identidade cultural e na formação da consciência crítica da sociedade. Exigem, portanto, políticas públicas enfáticas, em duas frentes: fomento e regulação. É preciso estimular o desenvolvimento da indústria editorial, levando a maiores tiragens e formação de uma base crescente de leitores, fomentando a demanda por bons livros, o que será bom para todos. Mas também é preciso cuidar para que haja diversidade na produção editorial, evitando que as livrarias se transformem em supermercados de best-sellers, enquanto relevantes ensaios e obras de ficção mais séria ficam confinados a uma existência quase confidencial.

 

 

Mas para isso é preciso uma postura mais assertiva do Estado, estabelecendo regras para eliminar gargalos na cadeia de produção e distribuição do livro, além de garantir a livre competição. Porque a verdade é que o mercado editorial é um dos menos regulamentados que existem no país: não há números em que se possa confiar (já se falou que no setor prevalecem as “mentiragens”), e as próprias listas de mais vendidos estão sujeitas a variadas formas de manipulação. Livrarias cobrarem das editoras para expor seus livros nas vitrines é visto como algo normal, apesar do efeito perverso disso nos pequenos editores, que muitas vezes penam para conseguir deixar um ou dois exemplares consignados de um título de menor apelo comercial.

 

 

Ou seja, como em qualquer outra área da economia, o livre jogo do mercado provoca distorções sérias no setor do livro. Mas este tem uma importância simbólica e cultural ausente qualquer outro setor, exigindo por isso mesmo um olhar atento do Ministério da Cultura. É natural que editores e livreiros busquem todos os caminhos para maximizar seus lucros. Menos natural é que não existam mecanismos para mitigar os efeitos colaterais dessa disputa, harmonizando os legítimos interesses de editores e livreiros com os do público leitor. Talvez seja hora de se começar um debate sobre a regulação do setor.

 

PS Aliás, o debate já começou. No dia 2 de abril haverá uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados, provocada pela Frente parlamentar Mista da Leitura. O tema: “Lei do Preço Único do Livro – Vantagens e Desvantagens para o Brasil”. Países como a França adotaram a política do preço fixo nas livrarias, com desconto máximo de 5%. Pode parecer impopular, mas a julgar pelo número de livrarias na França, funciona. Já a Associação Nacional de Livrarias (ANL) estuda acionar o CADE para investigar possíveis ações de dumping e práticas predatórias no mercado editorial brasileiro.

 

 

 

 

 



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